Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
997/04.1TBVVD-F.G1
Relator: JORGE SANTOS
Descritores: HERANÇA
PARTILHA
BENS HERDADOS
PENHORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/01/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

- Efectuda a partilha e integrados os bens herdados nos patrimónios de cada um dos herdeiros a quem foram adjudicados, deixa de poder falar-se em bens da herança e os herdeiros respondem pelos encargos em proporção das quotas que lhes tenham cabido na herança, mas não necessariamente e só com os bens herdados, podendo, até àquela proporção, ser penhorados quaisquer bens do seu património, de harmonia com o disposto no art. 2098º do C.C.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - RELATÓRIO

Por apenso à execução comum movida por CAIXA ..., SA, veio L. M., executado/habilitado, deduzir oposição à penhora, alegando, em síntese, que é executado porque herdeiro de A. M. e de M. S., seus pais e primitivos executados, daí que apenas o património dos falecidos pais responde pela dívida exequenda. Acontece que, não há património dos falecidos a partilhar. De facto, o opoente é o dono e legítimo possuidor do prédio urbano, inscrito na matriz urbana da freguesia de ..., concelho de Terras de Bouro, sob o artigo ....º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Terras de Bouro sob o n.º .../.... Tal prédio fez parte do acervo hereditário dos seus falecidos pais, mas foi, por si, adquirido da seguinte forma: 5/8 do prédio por compra em execução fiscal e a outra parte em escritura de partilha.
Conclui, assim, que o descrito prédio, penhorado no processo principal, não faz parte da herança, não respondendo na sua totalidade pela dívida exequenda, pois não pertence na totalidade à herança de M. S., sendo 5/8 do mesmo prédio penhorado bem próprio do opoente, pelo que a penhora é ilegal, dado que se encontra indevidamente ordenada sobre a totalidade do prédio urbano, nos termos dos artigos 744.º e 784.º, n.º1, alínea a), do Cód. Proc. Civil.
Finaliza peticionando o levantamento da penhora sobre o prédio urbano descrito com o n.º.../..., Terras de Bouro, e o imediato cancelamento da Ap. 80, de 20.11.2019.

Cumprido o disposto no artigo 785.º, n.º1, do Cód. Proc. Civil, a exequente/oposta apresentou contestação, onde refere que, como resulta da documentação junta aos autos, mas precisamente do auto de adjudicação junto como doc. n.º5, no âmbito dos referidos autos de execução fiscal foi penhorado não o imóvel aqui visado, mas sim o direito e ação ao quinhão hereditário que o herdeiro detinha na herança líquida e indivisa aberta por óbito da sua esposa, tendo sido esse o direito que o mesmo adquiriu e não 5/8 do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Terras de Bouro com o n.º.../.... Tal bem foi objeto de diversas desanexações e adjudicado, em sequência de escritura de partilha por óbito de M. S., celebrada a 10.09.2014 e retificada a 22.09.2014, ao ora oponente, sendo tal ato que justifica o registo de aquisição a seu favor.
Conclui que, tratando-se de bem recebido do autor da herança, é legítima a penhora levada a cabo nos presentes autos, devendo a presente oposição ser julgada improcedente.

Apreciada a prova produzida nos autos, foi proferida sentença na qual se decidiu julgar totalmente improcedente a presente oposição à penhora e, consequentemente, determina-se a manutenção da penhora sobre o imóvel acima identificado no ponto 4 dos “factos provados” e o normal prosseguimento da execução.

Inconformado com a sentença dela veio recorrer o executado/habilitado L. M., formulando as seguintes conclusões:

1ª O oponente adquiriu por compra no processo de execução fiscal nº .........49, em compropriedade com outros adquirentes, o direito e ação à herança ilíquida e indivisa referente a 5/8 indivisos dos prédios inscritos na matriz urbana sob artsº ….º, ...º e rustico sob o artº …ª e, descrito na conservatória de Terras de Bouro sob o nº .../20070320, conforme consta do auto de adjudicação emitido pelo serviço de finanças de Terras de Bouro –doc. nº5 e nº 6 da oposição à penhora.
Acontece que, a referida herança foi posta em execução fiscal por dívidas de impostos e por óbito da mãe dos executados, M. S..

A sentença considerou que o ora recorrente não provou que o imóvel penhorado nos autos não lhe adveio da herança dos seus pais, improcedendo dessa forma a presente oposição à penhora.

3.ª Ora, tal decisão, além de injusta, é incoerente e contrária à verdade dos factos pois faz tábua rasa dos efeitos da precedente execução fiscal do quinhão hereditário do pai do ora recorrente. Senão vejamos:

4.ª Os pais do ora recorrente deixaram várias dívidas (passivo), entre outras, à exequente e à Fazenda Nacional.

5.ª Mais deixaram os bens (activo) descritos na Conservatória do Registo Predial de Terras de Bouro, sob a descrição .../20070320, conforme resulta dos documentos 2, 3, 4, 5 e 6 todos juntos com a oposição à penhora.

6.ª A Fazenda Nacional, em 21 de Maio de 2013, executou o direito e ação à herança ilíquida e indivisa do quinhão hereditário correspondente a 5/8 indivisos que o A. M., pai do ora recorrente, detinha na herança ilíquida e indivisa por morte da sua mulher,

7.ª tendo, em auto de adjudicação, lavrado naquele serviço de Finanças de Terras de Bouro, entregue aquela quota da herança ilíquida e indivisa em compropriedade aos seus herdeiros.
Com um mais que importa realçar:

8.ª No mesmo despacho ordenou-se o cancelamento de todas as penhoras que incidiam sob a descrição supra referida, entre elas uma penhora, a que se refere a Ap. 6, de 2007/02/09 do referido auto de adjudicação (não obstante registada por natureza e por dúvidas), da exequente Caixa ..., penhora esta também cancelada oficiosamente por caducidade pela Conservatória do Registo Predial.

9.ª Tal auto de adjudicação foi levado a registo predial por compra em execução através da Ap. n.º 5, de 2007/10/23, tudo conforme resulta dos documentos 2,3,4,5 e 6 da presente oposição à penhora e, documento nº 1 da contestação à mesma.

10.ª Ou seja, tal venda de quinhão hereditário, em sede de execução fiscal, operou a extinção por caducidade, dos direitos de garantia que oneravam os prédios, nomeadamente a penhora efetuada na presente execução pela exequente. No mesmo sentido vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 07/02/2012, Processo 4324/05.2TBVCT.

11.ª E deixa de ser permitido aos credores, públicos ou privados, a instauração de novos processos judiciais (declarativos ou executivos) para cobrança dos respectivos créditos.

12.ª Só assim não aconteceria se estivéssemos perante uma execução comum ou não tributária, o que não é presente caso.

13.ª As particularidades da venda executiva levam a que ela tenha outros efeitos para além dos essenciais da compra e venda em geral.

14.ª Assim, os direitos reais de garantia, todos eles caducam: os bens são sempre transmitidos livres de todos eles, sejam de constituição anterior ou posterior à penhora, tenha havido ou não reclamação na execução dos créditos que garantem. Artigo 824º do Código Civil.

15.ª Caso assim não se entenda, o que só por mero dever de patrocínio se admite, sempre se dirá que:

16.ª Da descrição predial .../20070320 faziam parte os prédios urbano com os artigos …º, ...º, e o prédio rústico …º. Deste artigo rústico, foi destacada uma parcela de terreno, para compor os quinhões hereditários e proceder à partilha dos bens, que se encontravam em compropriedade, por compra em execução fiscal e a partilha da parte da herança ilíquida e indivisa da sua mãe.

17.ª Tal parcela de terreno foi inscrita na matriz sob o artigo provisório … conforme descrição predial .../20070320, de onde foi destacada a referida parcela.

18.ª Por escritura de partilha, lavrada no Cartório Notarial ..., o ora recorrente e os demais herdeiros procederam à partilha dos bens deixados pelo seu pai, cujo quinhão hereditário havia sido adquirido em auto de adjudicação e levado a registo, conforme já se referiu anteriormente, e da parte da herança ilíquida e indivisa por morte da mãe, tendo ficado a pertencer ao ora recorrente a parcela de terreno registada em seu nome, resultante da referida partilha,

19.ª ou seja, parte adquirida por compra em execução fiscal no Serviço de Finanças (quinhão do pai) e a parte da sua mãe, por efeito de partilha. Documento nº 1 junto com a contestação da exequente Caixa ....

20.ª Acontece que, a exequente procedeu à penhora da parcela de terreno por dívidas da sua mãe como se o prédio lhe pertencesse na totalidade, quando na verdade o que existe e existia era uma parte na herança ilíquida e indivisa por morte da sua mãe e outra parte pertencente ao ora recorrente e demais irmãos, por terem adquirido por compra em execução fiscal a quota ilíquida e indivisa que pertencia ao pai.

21.ª Cabe referir que, quando muito, a exequente poderia ter penhorado a quota livre do bem, mas nunca a sua totalidade.

22.ª Ora, entende o ora recorrente que a penhora efetuada deste modo por dívidas da sua mãe é ilegal. Artigo 784º, n.º 1, als. a) e c), do Código de Processo Civil.

23ª A penhora nunca podia ter incidido sobre um bem que é parte de terceiro, embora também herdeiro executado, uma vez que a penhora assim efetuada é violadora do direito de propriedade, neste caso de terceiro por ter adquirido parte do bem em execução fiscal, mesmo que posteriormente partilhada posteriormente, neste sentido ver acórdão da Relação do Porto nº 0252518 de 13/01/03 referido supra.

24º Sem prescindir, a sentença também incorreu em erro de julgamento, porquanto deveria o tribunal ter ordenado a inquirição da prova testemunhal arrolada, para clarificar algo.

Termos em que: deve o presente recurso obter provimento e a sentença recorrida ser revogada por outra que julgue procedente a oposição à penhora e, ordene o levantamento da penhora e o consequente cancelamento do seu registo.
Sem prescindir e, por mera cautela deverá ser anulada a sentença por não ter procedido à inquirição da prova testemunhal arrolada.
Para o que se pede e espera o douto suprimento de Vossas Excelências.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – OBJECTO DO RECURSO

A – Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando notar que, em todo o caso, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.

B – Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos, cumpre apreciar:
- Se existe fundamento legal para revogar a sentença, ordenando o levantamento da penhora em causa nos autos e o cancelamento do respectivo registo.
- Se assim não se entender, se deve ser anulada a sentença e ordenada a inquirição da prova testemunhal indicada.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Matéria de facto provada na sentença:

1. Em 22.10.20024, a CAIXA ..., SA intentou ação executiva comum, de que estes autos são apenso, contra A. M., A. S., E. M., F. M. e L. M., estes na qualidade de herdeiros de sua mãe M. S., para pagamento da quantia de €17.401,00 – cfr. requerimento executivo junto ao processo principal.

2. A. M. faleceu no dia - de abril de 2009 – cfr. assento de óbito junto ao processo principal.

3. Em consequência, por sentença proferida a 07.07.2010, no apenso A, devidamente transitada em julgado, foram habilitados a prosseguir na execução, na posição do executado falecido A. M., os filhos deste, designadamente o oponente L. M. – cfr. sentença ref.ª1427559 do apenso A.

4. No âmbito da execução de que estes autos são apenso, a 20.11.2019, foi penhorado o seguinte imóvel:
- Prédio urbano, composto de casa de habitação, com a área de 30m2, situado em ..., freguesia de ..., concelho de Terras de ouro, a confrontar de norte com J. M., sul com A. S., nascente com caminho e poente com J. H. e outro, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ....º e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º... – cfr. auto de penhora junto ao processo principal sob a ref.ª 10579493 e certidão do registo predial junta com a oposição.

5. Pela Ap.3153 de 25.09.2014, foi registada a aquisição, por partilha extrajudicial em consequência do óbito de M. S. casada com A. M., a favor de L. M., do prédio urbano sito em ..., freguesia de ..., concelho de Terras de Bouro, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ....º e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º... – cfr. certidão do registo predial junta com a oposição.

6. Tal prédio foi desanexado do prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Terras de Bouro com o n.º... – cfr. certidão do registo predial junta com a oposição.

7. No âmbito do Processo de execução fiscal n.º .........49, em que figurava como executado A. M., foram adjudicados aos proponentes A. S., F. M., L. M. e E. M., em compropriedade, o direito de ação ao quinhão hereditário que o herdeiro (executado) detinha na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de sua esposa e que se traduz em 5/8 da referida herança – cfr. informação fiscal junta com a oposição.

8. Por escritura pública lavrada no Cartório Notarial ..., em 22/09/2014, sob a epígrafe «RECTIFICAÇÃO», em que intervieram como primeiros outorgantes A. S., que outorga por si e em representação de L. M., como segunda outorgante E. M., como terceiro outorgante F. M., como quarta outorgante M. L. e como quinta outorgante M. A., os outorgantes declararam que: «(…) por escritura lavrada neste cartório em dez de Setembro deste ano, exarada a folhas 129 deste mesmo livro, outorgaram um escritura de divisão quando na verdade o que pretendiam fazer era uma escritura de partilha por óbito da sua mãe M. S.. Declaram os outorgantes que no dia … de outubro de dois mil e um, na freguesia de …, concelho de Ponte da Barca, faleceu M. S., (…), no estado de casada sob o regime da comunhão geral e em primeiras núpcias de ambos com A. M. (…). Que a falecida não fez testamento ou doação por morte, tendo deixado como herdeiros legitimários, para além do seu referido marido, direito deste já transmitido aos filhos em processo de execução, quatro filhos, A. S., L. M., E. M. e F. M. (…). Que, assim, são eles os únicos interessados na partilha dos bens imóveis, sitos na freguesia de ..., concelho de Terras de Bouro, a seguir descritos:
Prédio Misto formado por “Duas casas de habitação, uma parcela de terreno para construção e cultura arvense de regadio, oliveiras e laranjeiras denominado “Leira longa e olival”, inscrito na matriz sob os artigos …, ... e … e … rústico, descrito na Conservatória do registo Predial de Terras de Bouro sob o número … (…), atualmente composto por:
(…)
Número Quatro: Prédio urbano denominado “casa de habitação”, inscrito na matriz sob o artigo ..., com a área de trinta metros quadrados a confrontar do norte com J. M., sul com A. S., nascente caminho e do poente com J. H. com o valor patrimonial de 4.800,00 e o declarado de igual valor.
(…)
Que o valor global dos bens descritos é de dezasseis mil e oitenta e um euros e cinquenta e seis cêntimos, que esta importância tem de ser dividida em quatro partes iguais no valor de quatro mil e vinte euros e trinta e nove cêntimos, correspondente à legítima de cada filho. Que procedem à partilha do seguinte modo: (…)
Ao representado do primeiro outorgante é adjudicado o prédio da verba número quatro no valor de quatro mil e oitocentos euros pelo que leva em excesso o valor de setecentos e senta e nove euros e quarenta e quatro cêntimos.
(…). Os outorgantes com direito a tornas declaram já as terem recebido.» - cfr. escritura pública junta com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

Factos julgados não provados:
- O tribunal a quo considerou que, com relevo e pertinência à decisão a proferir, não existem factos por provar.

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A questão colocada pelo Recorrente traduz-se em saber se é admissível a penhora sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Terras de Bouro sob o n.º.../..., ou se estamos perante uma penhora ilegal à luz do disposto no artigo 784º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Prevê o artigo 735.º, n.º1, do Cód. Proc. Civil, que «Estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda».
No âmbito do processo executivo de que estes autos são apenso, foi penhorado o prédio urbano, composto de casa de habitação, com a área de 30m2, situado em ..., freguesia de ..., concelho de Terras de Bouro, a confrontar de norte com J. M., sul com A. S., nascente com caminho e poente com J. H. e outro, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ....º e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º... [cfr. factos provados n.º4].
Mais resulta demonstrado que a aquisição de tal prédio está registada a favor do oponente [cfr. factos provados n.º5].
Podemos assim concluir que tal prédio é propriedade do Recorrente, atenta a presunção decorrente do registo que o mesmo beneficia – cfr. artigo 7.º do Cód. Reg. Predial -, a qual não foi ilidida.
Por outro lado, resulta dos autos que o executado/oponente – aqui Recorrente foi julgado habilitado, na qualidade de herdeiro do seu falecido pai, para assumir, na execução, a posição que o seu pai ocupava, de executado [cfr. factos provados n.ºs2 e 3].
Deste modo, no caso vertente estamos perante uma execução movida contra os herdeiros do falecido devedor.
Sob a epígrafe responsabilidade da herança indivisa, estatui o artigo 2097.º do Código Civil que «os bens da herança indivisa respondem coletivamente pela satisfação dos respetivos encargos». Estes encargos são constituídos pelas despesas com o funeral e sufrágios do autor da herança, pelos encargos com a testamentaria, administração e liquidação do património hereditário, pelo pagamento das dívidas do falecido e pelo cumprimento dos legados – cfr. artigo 2068.º, do Cód. Civil.
Por sua vez, o art. 2098º, nº 1, do CPC, dispõe que efectuada a partilha, cada herdeiro só responde pelos encargos em proporção da quota que lhe tenha cabido na herança.
Conforme se afirma na sentença recorrida, a lei é estabelece regimes diferentes para a liquidação dos encargos da herança conforme esta se mantenha ainda indivisa ou tenha sido já partilhada. «Se os herdeiros já se encontram determinados (embora a herança não esteja partilhada), aqueles são os representantes da herança, porque tal qualidade é-lhes conferida pelo artigo 2091.° do Código Civil. E daí que possam ser demandados por dívidas do de cujus, sendo, pois, partes legítimas em ação destinada à respetiva cobrança. Outro problema distinto é o de saber como, determinados os herdeiros, se devem liquidar os respetivos encargos. E aqui tem de se distinguir dois momentos: antes da partilha, os bens respondem coletivamente pela sua satisfação (artigo 2097.°); depois da partilha, cada herdeiro responde só pelos encargos na proporção da quota que lhe couber na herança, podendo até os herdeiros deliberar sobre a forma de efetuar esse pagamento (artigo 2098.°)»(cfr, acórdão da Relação do Porto de 04/11/1977, in BMJ, nº 273, pág. 322. Ver ainda, a este respeito, acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/01/2003, disponível em www.dgsi.pt/jtrp; Oliveira Ascenção, Direito das Sucessões, edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, págs. 613 e seguintes; Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, II, 2ª edição, págs. 118 e seguintes; e Eduardo dos Santos, O Direito das Sucessões, págs. 229/230).
E essa diferença de regimes assenta no facto de a lei atribuir personalidade judiciária à herança indivisa, nos termos do art. 12º, al. a) do CPC, sendo que, em caso de herança já partilhada, esta deixou de existir como património autónomo, entrando na esfera jurídica patrimonial do herdeiro a quem coube, perdendo qualquer ligação à herança que, enquanto património autónomo, deixou de ter existência jurídica.
Assim, relativamente aos credores da herança, mantendo-se esta indivisa o devedor é apenas um, isto é, o aludido património autónomo, dotado de personalidade judiciária, que enquanto tal pode demandar ou ser demandado, se bem que representado nos termos dos art. 2079º e seguintes do Cód. Civil. Efectuada a partilha esse devedor deixa de existir, passando a ocupar o seu lugar uma pluralidade de devedores, tantos quantos os herdeiros. Em tal caso, como bem se sustenta na sentença recorrida, (…)“a medida da responsabilidade destes determina-se pela proporção da quota que lhes tenha cabido na herança e não por qualquer outro critério, designadamente, pelo valor dos bens que lhes tenham sido adjudicados.
Saliente-se, ainda a este respeito, que as quotas que a cada um dos herdeiros caibam na partilha não têm de ser necessariamente preenchidas com bens, podendo, por exemplo, ser adjudicados todos os bens a um único herdeiro, pagando este as tornas devidas aos demais. Nesse caso, é óbvio que o herdeiro a quem foram adjudicados todos os bens não fica – a não ser que isso tenha sido acordado, como flui do artigo 2098.º, n.ºs2 e 3, do Cód. Civil – responsável pela totalidade dos encargos, antes respondendo apenas na proporção da sua quota na herança. Mas com todo o seu património e não necessariamente e só com os bens herdados. E os restantes herdeiros, que não receberam qualquer bem da herança, não ficam, na proporção das suas quotas, desonerados do pagamento dos respetivos encargos, por eles respondendo, na dita proporção, com todo o seu património.
Acresce que as obrigações dos herdeiros da herança partilhada perante os credores não são solidárias, pois nada na lei impõe tal solidariedade (artigos 513.º e 2098.º, do Cód. Civil). Por isso, não é ao credor permitido exigir a cada herdeiro mais do que a proporção da sua quota na herança, nem assiste ao herdeiro que porventura pague mais do que aquela proporção direito de regresso contra os demais herdeiros (artigo 524.º, do mesmo diploma).
Por conseguinte, consumada a partilha e integrados os bens herdados nos patrimónios de cada um dos herdeiros a quem foram adjudicados, deixa de poder falar-se em bens da herança. E os herdeiros respondem pelos encargos em proporção das quotas que lhes tenham cabido na herança, mas não necessariamente e só com os bens herdados, podendo, até àquela proporção, ser penhorados quaisquer bens do seu património. “

Dentro deste enquadramento legal, o art. 744º do Cód. Proc. Civil dispõe que:

«1. Na execução movida contra o herdeiro só podem penhorar-se os bens que ele tenha recebido do autor da herança.
2. Quando a penhora recaia sobre outros bens, o executado, indicando os bens da herança que tem em seu poder, pode requerer ao agente de execução o levantamento daquela, sendo o pedido atendido se, ouvido o exequente, este não se opuser.
3. Opondo-se o exequente ao levantamento da penhora, o executado só pode obtê-lo, tendo a herança sido aceite pura e simplesmente, desde que alegue e prove perante o juiz:
a) Que os bens penhorados não provieram da herança;
b) Que não recebeu da herança mais bens do que aqueles que indicou ou, se recebeu mais, que os outros foram todos aplicados em solver encargos dela».

No caso vertente, resulta da materialidade fáctica apurada que já foi partilhada a herança deixada pelo primitivo executado e pai do Recorrente. Resulta também que, no âmbito do processo de execução fiscal n.º.........49, em que figurava como executado o pai do Recorrente, A. M., foi-lhe adjudicado a ele e aos seus irmãos, em compropriedade, o direito de ação ao quinhão hereditário que o herdeiro (executado) detinha na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de sua esposa e que se traduz em 5/8 da referida herança.
Assim sendo, naquela execução fiscal o Recorrente não adquiriu 5/8 do prédio penhorado nos autos principais, mas, diversamente, o quinhão hereditário que o seu pai detinha na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito da mãe do Recorrente. De resto, dado que ao tempo não havia sido partilhada a herança deixada por óbito da mãe do Recorrente, não era lícito proceder-se à penhora de uma parte especificada de bem indiviso, tal como decorre dos art. 743.º, n.º1 e 781.º, n.ºs1 e 2, ambos do Cód. Proc. Civil.
Deste modo, assente que o que foi penhorado na execução fiscal e adjudicado ao ora Recorrente foi um quinhão hereditário, isto é, a penhora do direito aos bens que compunham a herança, bens esses ainda não determinados nem concretizados, incumbia àquele o ónus da prova de que o bem imóvel penhorado não proveio da herança dos seus pais, prova essa que, manifestamente, não foi feita. Pelo contrário, extrai-se dos factos provados sob os pontos n.ºs 5 e 8 a conclusão de que o aqui Recorrente recebeu da herança o imóvel em causa.
Pelo exposto, a penhora efectuada nos autos, aqui posta em crise, é legal, não se verificando os apontados fundamentos da oposição à mesma, previstos no art. 784º, do Código de Processo Civil.
É certo que o Recorrente alega que a sentença também incorreu em erro de julgamento, porquanto deveria o tribunal ter ordenado a inquirição da prova testemunhal arrolada, para clarificar algo, peticionando, subsidiariamente, que deverá ser anulada a sentença por não ter procedido à inquirição da prova testemunhal arrolada.
Ora, conforme decorre do que se deixou dito, não só não se verifica in casu qualquer erro de julgamento, como também não se vislumbra das razões que possam justificar uma anulação da sentença para inquirição da prova testemunhal, já que a matéria de facto da sentença não vem impugnada no presente recurso e, em todo o caso, não existe fundamento para lançar mão do mecanismo processual previsto no art. 662º, nº 2 do CPC.
Destarte, improcedem todas as conclusões do recurso, devendo manter-se a sentença recorrida.
*
DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Guimarães, 01.07.2021

Relator: Jorge Santos
Adjuntos: Conceição Bucho
António Sobrinho