Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
257/12.4TBAMR-E.G1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: CIRE
NULIDADE DE SENTENÇA
TRABALHADORES
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – A omissão na notificação a que alude o nº 4 do art. 129º do CIRE de que em relação a um dos imóveis apreendidos para a massa não gozavam os trabalhadores de privilégio imobiliário especial nos termos do art. 333º, nº 1, al. b) e nº 2, do Código do Trabalho, não pode deixar de considerar-se uma irregularidade com influência na decisão da causa, atenta a sua aptidão para obstar a que os trabalhadores usassem de eventual reacção contra a não consideração da garantia que invocaram, lançando mão do mecanismo da impugnação previsto no art. 130º, nº 1, do CIRE.
II – Tendo, porém, os trabalhadores constituído mandatário nos autos, o qual foi notificado por correio electrónico, para o respectivo e-mail, do requerimento com a relação de credores e respectivos anexos da qual constava aquela informação, devidamente completada, e visto o disposto nos arts. 253º, nº 1 e 254º, nº 2, do CPC, ex vi art. 17º do CIRE, parece nada obstar a que essa notificação substitua a notificação a que alude o art. 129º, nº 4, do CIRE, uma vez que aquilo que a norma pretende acautelar, ou seja, a possibilidade dos credores virem ao processo em defesa dos seus interesses, fica salvaguardada com a notificação ao mandatário.
III – Em todo o caso, não tendo os trabalhadores/credores, na sequência da notificação feita ao seu mandatário, arguido a nulidade da mencionada omissão, deve a mesma considerar-se sanada.
IV – Não tendo os recorrentes impugnado, nos termos do art. 130º, nº 1, do CIRE, a lista de credores reconhecidos, tem de entender-se que se conformaram com a graduação atribuída pelo administrador aos seus créditos e, desse modo, não podem agora vir questionar a graduação efectuada na sentença, considerando o disposto no nº 3 do mesmo preceito.
V- Ao juiz só seria lícito não homologar a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência, no caso de erro manifesto, o que não se verifica in casu.
VI - Ao fixar, para os créditos dos trabalhadores, um privilégio imobiliário especial, o legislador teve em vista, em sentido amplo, os imóveis em que esteja sediado o estabelecimento para o qual o trabalhador prestou a sua actividade.
VII - Sendo a insolvente uma empresa de construção civil, integram o seu estabelecimento os imóveis onde se encontram instalados os escritórios, o estaleiro, os postos de venda e todas as demais instalações afectas ao exercício daquela actividade industrial», mas não já o imóvel destinado à construção para revenda, bem como as fracções prediais resultantes do processo de edificação e constituição de propriedade horizontal, as quais constituem antes o objecto da actividade da empresa, ou seja, o produto final daquela indústria.
Decisão Texto Integral: Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO
No âmbito da reclamação de créditos deduzida por apenso aos autos de insolvência da Sociedade de Construções B, Lda., apresentou o Sr. Administrador da Insolvência uma lista dos créditos reconhecidos, composta por duzentos e nove credores, após o que veio a ser proferida sentença de verificação e graduação de créditos.
Notificada, veio a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do A (…), Crl (CCAMA…) requerer a rectificação da sentença, invocando a existência de lapso traduzido no facto de terem sido graduados como privilegiados os créditos dos trabalhadores no que tange ao prédio rústico apreendido para a massa, uma vez que na lista acima referida o Sr. Administrador não reconheceu aqueles créditos como privilegiados, o que não foi objecto de qualquer impugnação pelos trabalhadores.
Notificados deste requerimento todos os mandatários das partes no processo e o administrador da insolvência, apenas este respondeu, confirmando que os créditos reclamados pelos trabalhadores e reconhecidos como privilegiados nos termos do art. 333º do Código do Trabalho e 737, nº 1, al. d), do Código Civil, foram apenas os respeitantes aos dois prédios urbanos por se ter considerado como aqueles em que os trabalhadores prestavam o seu trabalho.
Foi então proferida nova sentença de verificação e graduação de créditos rectificada, com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, graduo os supra mencionados créditos pela ordem seguinte:
Para serem pagos pelo produto dos imóveis descritos na CRP de Amares sob os n.ºs 13/Bico e 81/Bico:
1.- Créditos dos trabalhadores.
2.- Créditos da CCAMA… (até ao montante garantido pelas hipotecas)
3.- Fazenda Nacional.
4.- ISS.
5.- Demais créditos, sendo que os sob condição só após a verificação desta.
*********
Para serem pagos pelo produto do imóvel descrito na CRP de Amares sob o n.º 315/Figueiredo:
1.- Créditos da CCAMA… (até ao montante garantido pela hipoteca)
2.- Fazenda Nacional.
3.- ISS.
4.- Demais créditos, sendo que os sob condição só após a verificação desta.
***********
Para serem pagos pelo produto dos móveis apreendidos:
1.- Créditos dos trabalhadores.
2.- Créditos da N… (até ao limite do penhor e apenas sobre os bens objecto dessa garantia).
3.- Fazenda Nacional.
4.- ISS.
5.- Demais créditos, sendo que os sob condição só após a verificação desta.
***
As custas serão suportadas pela massa insolvente.
Notifique.
Registe.»
Inconformados, recorreram os trabalhadores/credores A… e M…, os quais encerraram o recurso de apelação interposto com as seguintes conclusões:
«1. A sentença recorrida graduou os créditos laborais, designadamente os dos recorrentes, relativamente ao produto da venda do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Amares sob o nº 315/Figueiredo em quarto lugar.
2. A sentença recorrida não fez porém qualquer referência, na sua fundamentação, aos motivos justificativos dessa graduação.
3. A sentença recorrida não identificou quais dos imóveis apreendidos nos autos considerou terem sido local de trabalho dos credores laborais,
4. bem como não justificou os motivos, de facto e de direito, pelos quais considerou os créditos dos recorrentes relativamente ao imóvel descrito na CRP de Amares sob o nº 315/ Figueiredo como créditos comuns.
5. A falta de especificação dos fundamentos de direito e de facto justificativos da decisão é causa de nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 688º nº 1 alínea b) do Código de Processo Civil, pelo que deve a sentença recorrida ser considerada nula.
6. Dispõe o artigo 333º nº 1 alínea b) do Código do Trabalho que “os créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam de privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade”.
7. Os recorrentes alegaram, nas suas reclamações de créditos, que prestavam a sua actividade em todos os imóveis propriedade da insolvente, nomeadamente no imóvel sito no Loteamento de São Veríssimo, da freguesia de Figueiredo, concelho de Amares.
8. Os recorrentes alegaram, nas reclamações de créditos apresentadas, que prestavam as funções inerentes às categorias profissionais de Motorista e Escriturária.
9. Ou seja, os recorrentes alegaram que prestaram as suas actividades profissionais em todos os imóveis da insolvente.
10. O privilégio imobiliário especial previsto no artigo 333º do Código do Trabalho abrange todos os imóveis nos quais o trabalhador tenha prestado a sua actividade, não prevendo essa norma jurídica qualquer limitação ou exclusão ao âmbito de aplicação do referido privilégio.
11. Nos termos do disposto no artigo 9º do Código Civil, na fixação do sentido e alcance da lei, “o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados “.
12. Entendeu também o Tribunal da Relação de Coimbra que “do objecto do privilégio em presença apenas se exclui o património do empregador não afecto à organização empresarial…”.
13. Se o legislador tivesse querido restringir a atribuição do privilégio constante do artigo 333º do Código do Trabalho aos imóveis onde o empregador tivesse a sua sede, teria certamente dado outra redacção a esse artigo, referindo claramente que esse privilégio recairia apenas sobre o imóvel onde funcionasse a sede da empresa.
14. A insolvente exercia a actividade industrial de construção civil, definindo-se esta como a actividade que engloba a execução de várias obras.
15. A construção civil é uma actividade que se exerce nas várias obras que as empresas têm em execução, e não apenas nas instalações onde funcionam as sedes das empresas.
16. Na construção civil o local de trabalho não é fixo, exercendo o trabalhador a sua actividade em vários lugares e obras, e não apenas no local da sede da empresa.
17. Os recorrentes foram contratados para exercerem funções de motorista e de escriturária, donde se conclui, pela natureza dessas actividades, que o local onde prestavam a sua actividade não seria apenas na sede da insolvente mas preferencialmente nas obras que esta tinha em curso.
18. O artigo 333º do Código do Trabalho refere claramente todos os imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade, não fazendo qualquer exclusão aos imóveis advenientes para a empresa no exercício da sua actividade.
19. Se o legislador tivesse querido excluir do âmbito do privilégio imobiliário especial atribuído aos credores laborais os imóveis advenientes para as empresas do exercício da sua actividade, teria dado outra redacção ao artigo 333º do Código do Trabalho na qual expressamente referisse essa exclusão.
20. Decidiu já o Supremo Tribunal de Justiça que o legislador pretendeu que os trabalhadores reclamantes gozam do privilégio relativamente a todos os bens imóveis integrantes do património dos insolventes afectos à sua actividade empresarial e não apenas sobre um específico prédio onde trabalham ou trabalhavam, e independentemente do seu particular posto e local de trabalho ser no interior ou exterior das instalações.
21. Nos termos do disposto no artigo 751º do Código Civil os privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele, e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que as garantias sejam anteriores.
22. Dispõe ainda o nº 1 do artigo 686º do Código Civil que a hipoteca confere ao credor o direito a ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
23. Resulta assim da conjugação destes normativos legais que a garantia real e a preferência no pagamento conferidas pela hipoteca cedem perante privilégio especial.
24. Tendo os recorrentes prestado a sua actividade em todos os imóveis apreendidos para os autos, deve considerar-se que os mesmos beneficiam de privilégio imobiliário especial relativamente a todos os imóveis da insolvente e, consequentemente, graduá-los em 1º lugar.
25. A decisão recorrida, tendo considerado que os recorrentes apenas prestaram a sua actividade ao serviço da insolvente em dois dos imóveis apreendidos para os autos, fez incorrecta interpretação e aplicação da lei.
26. A decisão recorrida, ao não considerar para efeitos de atribuição do privilégio imobiliário especial constante do artigo 333º do Código do Trabalho todos os imóveis apreendidos nos autos, fez incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 333º do Código do Trabalho e dos artigos 686º nº 1 e 751º do Código Civil.
27. Em consequência, a sentença recorrida ao graduar à frente dos créditos dos recorrentes o crédito do credor hipotecário, da Fazenda Nacional e da Segurança Social relativamente ao produto da venda do imóvel descrito na CRP de Amares sob o nº 315/Figueiredo, fez incorrecta interpretação e aplicação da lei, pelo que deve ser revogada.»
A credora CCAMA… contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1. Foi junta aos autos pelo Administrador da Insolvência a relação definitiva a que alude o art. 129º do CIRE, dos créditos reconhecidos e não reconhecidos e respectiva graduação.
Nesta o AI não graduou os trabalhadores como privilegiados no que toca ao prédio em questão (imóvel descrito na Conservatória de registo Predial de Amares sob o nº 315/Figueiredo ).
2. A relação a que alude o art. 129º do CIRE não foi objecto de impugnação pelos trabalhadores ora recorrentes.
3. O AI enviou por correio electrónico para a Mandatária dos trabalhadores a relação a que alude o 129º do CIRE com uma nota ( 19 ) inclusa na mesma com o seguinte teor "Reconhecido privilégio imobiliário especial apenas em relação aos edifícios sede e armazém: Prédio urbano - descrito na CRP de Amares sob o nº 13, inscrito na matriz predial urbana com o art. 422, freguesia de Bico, Amares e prédio urbano – descrito na CRP de Amares sob o nº 81, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 371º, freguesia de Bico, Mares ) - art. 333 do CT e al. d ) do nº 1 do art. 737º do CC”.
4. E os ora recorrentes não vieram impugnar essa lista, nem arguir eventual nulidade decorrente de vício de forma, comunicação electrónica em vez de carta registada (e sempre seria uma nulidade secundária – sanada por não ter sido arguida em tempo).
5. Assim, indiscutivelmente, os recorrentes por via da sua M. Ilustre Mandatária foram informados pelo AI, aquando e com a junção da relação definitiva da lista de credores e sua graduação a que alude o art. 129º, que os seus créditos não foram reconhecidos como privilegiados quanto ao prédio 315/Figueiredo e não impugnaram essa lista.
6. ORA, resultando do nº 1 do art. 130º do CIRE que " nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no nº 1 do art. anterior, pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao Juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos, forçoso é concluir que se os recorrentes não usaram desta faculdade é porque se conformaram com a graduação atribuída pelo AI aos seus créditos e, portanto, não podem ora por em crise a sentença de verificação e graduação de créditos em análise.
POIS QUE, reza o nº 3 do citado art. 130º do CIRE que " Se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação de créditos em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo AI e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista.
7. DESTE MODO, a sentença recorrida é legal e justa não violando nenhum preceito legal limitando-se a homologar a lista de credores reconhecidos elaborada pelo AI e graduar os créditos em atenção ao que consta dessa lista.
SUBSIDIARIAMENTE;
8. No caso concreto, como aduzem os recorrentes e consta dos autos, a sociedade devedora/insolvente tinha a sua sede, onde os recorrentes tinham o seu local de trabalho, no lugar de Vila Meã, freguesia de Bico, comarca de Amares.
Os recorrentes não alegaram nem disseram que tinham o seu local de trabalho no prédio descrito sob o nº 315 da freguesia de Figueiredo dado de garantia hipotecária à recorrida CAIXA AGRÍCOLA.
9. Os recorrentes não alegaram, individual e discriminadamente, qual o local ou locais onde exerceram actividade e quais os bens que em concreto são objecto da sua garantia, sendo que tal constitui seu ónus de alegação e prova, em cumprimento do disposto nº 1 do artº 342º do Código Civil.
10. Não tendo, de todo, sido cumprido o ónus de alegação e prova que sobre si impendia, não poderão beneficiar de privilégio imobiliário especial, como, aliás, foi já decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 19/06/2008.
11. A tese sufragada pelos apelantes vai no sentido de que para efeitos do disposto na alínea b), do nº 1, do artº 377º do Código do Trabalho (na redacção aplicável aos autos), o local do exercício de actividade do trabalhador é todo e qualquer espaço onde este tenha prestado a sua força laboral.
12. Por local do exercício de actividade o legislador teve em mente não um concreto ou individualizado local de trabalho, mas os imóveis em que esteja implantado o estabelecimento para o qual o trabalhador prestou a sua actividade, independentemente dessa actividade ter sido aí desenvolvida, ou no exterior (neste sentido acórdão da Relação de Guimarães de 10/05/2007 e o acórdão da Relação de Coimbra de 16/10/2007).
13. Para efeitos de atribuição do privilégio imobiliário especial a que alude a alínea b) do nº 1 do artº 377º do Código do Trabalho, o que releva, em sede do conceito do local do exercício de actividade, é o conjunto de bens que integram a unidade empresarial a que o trabalhador pertence.
14. Sendo a entidade empregadora uma empresa de construção civil, integram o seu estabelecimento os imóveis onde se encontram instalados os escritórios, o estaleiro, os postos de venda e todas as demais instalações afectas ao exercício daquela actividade industrial, integrantes, por isso, do estabelecimento.
15. Por contraponto, o imóvel destinado à construção para revenda, bem como as fracções prediais resultantes do processo de edificação e constituição de propriedade horizontal não são parte integrante do estabelecimento, mas sim o objecto da actividade da empresa, ou seja, o produto final daquela indústria.»
Termina pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.
Depois de apresentadas as alegações pelos recorrentes, veio o Sr. administrador da insolvência expor/requerer o seguinte no processo:
«(…).
Aquando da elaboração da relação de credores nos termos do art.º 129.º do CIRE, existe uma contingência que importa, prévia e desde já dar conhecimento aos autos.
Com efeito, constando na lista de credores um conjunto de créditos reconhecidos em termos diversos dos da respectiva reclamação (…), foram efectuadas notificações com esse fim.
Estão nessa situação parte dos créditos laborais, nomeadamente, os créditos reclamados pelos trabalhadores.
Assim, além de ter sido efectuada a notificação dos respectivos mandatários por correio electrónico - para o endereço de email constante da identificação de cada mandatário inscrita na respectiva reclamação -, do requerimento com a relação de credores e respectivos anexos, apresentados aos autos – cfr. email junto aos autos como anexo ao requerimento datado de 26.10.2012, foram, ainda, específica e individualmente efectuadas notificações por cartas registadas expedidas com data de 29.10.2012 – cfr. cópias juntas aos autos.
Contudo, nas cartas expedidas (…), apenas se fez referência ao não reconhecimento das respectivas reclamações, tendo, por lapso de transcrição dactilográfica, em cada uma dessas cartas, sido omitido o conteúdo da nota n.º 19 inscrita na relação de credores, a saber, o facto de ter sido “Reconhecido privilégio imobiliário especial apenas em relação aos edifícios sede e armazém: Prédio Urbano – Descrito CRP Amares sob o nº 13, inscrito na matriz predial urbana com o art.º 422, freguesia de Bico, Amares” “e Prédio Urbano sob o nº 81, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º nº 371, freguesia de Bico, Amares” – art.º 333 do CT e al. d) do nº 1 do art.º 737 do CC”.
De facto, essa referência, constando embora da relação de credores no que se reporta a todos os créditos laborais – sob a nota n.º 19 -, não foi transcrita para a carta dirigida individualmente a cada trabalhador e/ou ao respectivo mandatário.
Porque tal facto pode influir no exame ou decisão da causa e, nomeadamente, ser determinante para o enquadramento que à presente situação couber em termos de decisão que vier a ser proferida sobre o recurso referente à sentença da graduação de créditos, do mesmo se á conhecimento a fim de se considerar o que se tiver por conveniente, nomeadamente:
a) que a notificação da relação de credores, de onde constava a nota 19 e efectuada por email aos mandatários, supre a omissão da referência em cada uma das cartas dirigidas nos termos do art. 129.º, n.º 4, CIRE;
ou, ao invés,
b) que se determine a anulação dos termos subsequentes ao momento em que tal omissão se verificou, devendo repetir-se todas as notificações, nomeadamente, as cartas dirigidas nos termos do art.º 129.º, n.º 4, CIRE aos créditos reconhecidos em termos diversos dos da respectiva reclamação.»
Sobre o requerimento/exposição acabado de transcrever pronunciaram-se a CCAMACB e os trabalhadores/credores recorrentes, pugnando a primeira pela sugestão exposta na alínea a), até porque tratando-se de eventual nulidade secundária foi sanada por não ter sido arguida em tempo, e os segundos pela anulação do processado posterior à omissão havida nas notificações efectuadas por cartas registadas.
Apreciando a questão, o Mm.º Juiz a quo, proferiu, em 18.09.2013, a fls. 427, o seguinte despacho:
«Após a prolação da sentença de reconhecimento e graduação de créditos, veio o ilustre Administrador da Insolvência informar os autos do seguinte:
(…)[1].
Cumpre decidir:
Nos termos do disposto no artigo 129.º, n.º 4, do CIRE, “Todos os credores não reconhecidos, bem como aqueles cujos créditos forem reconhecidos sem que os tenham reclamado, ou em termos diversos dos da respectiva reclamação, devem ser disso avisados pelo administrador da insolvência, por carta registada, com observância, com as devidas adaptações, do disposto nos artigos 40.º a 42.º do Regulamento (CE) n.º 1346/2000, do Conselho, de 29 de Maio, tratando-se de credores com residência habitual, domicílio ou sede em outros Estados membros da União Europeia que não tenham já sido citados nos termos do n.º 3 do artigo 37.º .
Por sua vez, acrescenta o número 5.º, do mesmo preceito legal, que “a comunicação referida no número anterior pode ser feita por correio eletrónico nos casos em que a reclamação de créditos haja sido efetuada por este meio e considera-se realizada na data do seu envio, devendo o administrador da insolvência juntar aos autos comprovativo do mesmo”.
Ora, no caso em apreço, e como resulta do teor do e-mail junto aos autos pelo AI e dirigido à Exm.ª Sr.ª Dr.ª Ana Serra, resulta claramente que o AI cumpriu o disposto no artigo 129.º, n.º 5, do C.IRE, ou seja, informou devidamente a mandatária dos ex-trabalhadores da insolvente da relação de créditos, natureza e eventuais privilégios de cada um desses créditos.
Dito isto, não vislumbramos que essa notificação através de carta registada com aviso de repecção para todos os trabalhadores tenha a virtualidade de prejudicar esta outra comunicação via correio electrónico para a ilustre mandatária dos mesmos.
Primeiro, porque é o mandatário que tem o mandato forense desses trabalhadores para reagir contra essa mesma notificação, a qual, estava correta e sem a identificada omissão.
Depois, porque com essa notificação através do correio electrónico os direitos processuais dos credores ex-trabalhadores da insolvente não ficaram cerceados, limitados ou sequer prejudicados com essa apontada omissão.
Assim, apelar-se à nulidade de todo o processado subsequente a essa notificação só teria sentido se o acto de notificação fosse absolutamente omitido, ou os direitos dos trabalhadores tivessem sido prejudicados, o que manifestamente não acontece.
Assim, em face do exposto, decido que a notificação da relação de credores aos respectivos mandatários (nomeadamente, ao mandatário dos ex-trabalhadores da insolvente), de onde constava a nota 19, nos termos do art.º 129.º, n.º 5, CIRE, regulariza a irregularidade apontada, mantendo-se, portanto, todo o processado subsequente à mesma.»
Inconformados com tal decisão, recorreram os credores/trabalhadores A… e M…, tendo rematado a respectiva alegação com as seguintes conclusões:
«1. Aquando da elaboração da lista de credores reconhecidos, foram reconhecidos alguns créditos de forma diversa da reclamada.
2. Porém, nas cartas enviadas a esses credores, entre eles os recorrentes, ao abrigo do disposto no artigo 129º, nº 4 do CIRE, foi apenas feita referência ao não reconhecimento parcial das reclamações, tendo sido omitido o facto de quanto a esses créditos ter sido apenas reconhecido privilégio imobiliário especial relativamente a dois dos imóveis apreendidos para a massa insolvente, e não quanto a todos os imóveis, conforme reclamado.
3. Face à ausência de qualquer menção expressa à exclusão ou limitação da qualificação dos seus créditos, assumiram os recorrentes que os mesmos havia sido qualificados como detentores de privilégio imobiliário especial relativamente a todos os imóveis da insolvente, tal como por eles reclamado, razão pela qual não impugnaram a lista de credores reconhecidos apresentada nos autos.
4. A sentença recorrida considerou que a notificação por correio electrónico à mandatária dos recorrentes regularizava a falta de comunicação por carta registada aos credores reclamantes prevista no já referido nº 4 do artigo 129º do CIRE.
5. Acontece que, dispõe o nº 5 desse mesmo artigo que a comunicação referida no número anterior pode ser feita por correio electrónico nos casos em que a reclamação de créditos haja sido efetuada por este meio….
6. No presente caso, porém, as reclamações de créditos apresentadas pelos recorrentes forma entregues em mão no escritório do Sr. Administrador de Insolvência, não tendo sido enviadas por correio electrónico,
7. pelo que não podia a sentença recorrido ter considerado possível a substituição da comunicação por carta registada pela comunicação efectuada por correio electrónico.
8. Face à falta de comunicação aos recorrentes, por carta registada, do reconhecimento dos seus créditos de forma diversa da reclamada, não podia a sentença recorrida ter decidido de outra forma que não o da anulação dos termos subsequentes ao momento em que ocorreu a omissão de notificação.
9. A douta sentença recorrida, ao considerar que a notificação por correio electrónico ao mandatário dos recorrentes, mesmo no caso das reclamações de créditos não terem sido efectuadas por este meio, substitui a comunicação por carta registada prevista no artigo 129º nº 4 do CIRE, fez incorrecta interpretação e aplicação da lei, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que ordene a repetição das comunicações aos credores cujos créditos hajam sido reconhecidos de modo diverso do reclamado, incluindo aos recorrentes.»
A CCAMA… apresentou contra-alegações nas quais formulou as seguintes conclusões:
«1. Foi junta aos autos pelo Administrador da Insolvência a relação definitiva a que alude o art. 129º do CIRE, a 21 de Maio de 2012, depois corrigida a 26 de Outubro de 2012 – face à decisão das impugnações de que foi alvo - dos créditos reconhecidos e não reconhecidos e respectiva graduação.
Nesta o AI não graduou os trabalhadores (nomeadamente dos ora recorrentes) como privilegiados no que toca ao prédio em questão (imóvel descrito na Conservatória de registo Predial de Amares sob o nº 315/Figueiredo).
2. A relação a que alude o art. 129º do CIRE não foi objecto de impugnação pelos trabalhadores ora recorrentes, no prazo legal apenas o tendo sido agora em 7 de Outubro de 2013.
3. E os recorrentes, nomeadamente, como se alcança das suas alegações, não negam a tenham recebido na íntegra.
4. De facto, como é confessado, o AI enviou por correio electrónico para a Mandatária dos trabalhadores a relação a que alude o 129º do CIRE com uma nota ( 19 ) inclusa na mesma com o seguinte teor " Reconhecido privilégio imobiliário especial apenas em relação aos edifícios sede e armazém: Prédio urbano - descrito na CRP de Amares sob o nº 13, inscrito na matriz predial urbana com o art. 422, freguesia de Bico, Amares e prédio urbano - descrito na CRP de Amares sob o nº 81, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 371º, freguesia de Bico, Mares) - art. 333 do CT e al. d) do nº 1 do art. 737º do CC”.
5. E os ora recorrentes não vieram impugnar essa lista, nem arguir eventual irregularidade ou nulidade decorrente de vício de forma, comunicação electrónica em vez de carta registada (e sempre seria uma nulidade secundária – sanada por não ter sido arguida em tempo).
6. Assim, indiscutivelmente, os recorrentes por via da sua M. Ilustre Mandatária foram informados pelo AI, aquando e com a junção da relação definitiva da lista de credores e sua graduação a que alude o art. 129º, que os seus créditos não foram reconhecidos como privilegiados quanto ao prédio 315/Figueiredo e não impugnaram essa lista.
7. ORA, resultando do nº 1 do art. 130º do CIRE que " nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no nº 1 do art. anterior, pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao Juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos, forçoso é concluir que se os recorrentes não usaram desta faculdade é porque se conformaram com a graduação atribuída pelo AI aos seus créditos e, portanto, não podem ora por em crise a sentença de verificação e graduação de créditos em análise.
8. É assim manifestamente extemporânea a arguição desta irregularidade ou nulidade, pois que dela tendo, como confessam, conhecimento por via electrónica, sempre poderiam atempadamente contra ela reagir e, deste modo, os direitos processuais dos credores ex-trabalhadores da insolvente não ficaram cerceados, limitados ou sequer prejudicados com essa apontada omissão.
POIS QUE, reza o nº 3 do citado art. 130º do CIRE que " Se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação de créditos em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo AI e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista.
9. DESTE MODO, a sentença/despacho recorrido é legal e justa não violando nenhum preceito legal limitando-se a decidir que a notificação da relação de credores aos respectivos mandatários (nomeadamente, ao mandatário dos ex-trabalhadores da insolvente [ora recorrentes ] ), de onde constava a nota 19, nos termos do art.º 129.º, n.º 5, CIRE, regulariza a irregularidade apontada, mantendo-se, portanto, todo o processado subsequente à mesma e, consequentemente, no seguimento da precedente sentença a homologar a lista de credores reconhecidos elaborada pelo AI e graduar os créditos em atenção ao que consta dessa lista.»
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - ÂMBITO DO RECURSO
O objecto dos recursos, delimitado pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha - arts. 660º, nº 2, 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1, do CPC, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei e arts. 608º, nº 2, 635º e 639º do novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho -, pressupõe a análise das seguintes questões, tendo em consideração a sua precedência lógica:
- se é nula a notificação feita aos trabalhadores a que alude o art. 129º, nº 4, do CIRE, com a consequente anulação de todos os actos subsequentes dela dependentes, incluindo a sentença de verificação e graduação de créditos;
- se é nula a sentença de verificação e graduação de créditos por falta de fundamentação de facto e de direito;
- se aquela sentença devia ter graduado o crédito dos recorrentes relativamente a um dos imóveis (prédio rústico), como estando garantido pelo privilégio imobiliário especial previsto no art. 333º, nº 1, alínea b) e nº 2 do Código do Trabalho e não como crédito comum.

III – FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
A matéria de facto e as ocorrências processuais relevantes para a decisão do recurso são as que constam do relatório.

B) O DIREITO
A SEGUNDA APELAÇÃO
Da nulidade da notificação efectuada aos trabalhadores/credores.
Tendo em conta a precedência lógica das questões a decidir, vai-se analisar em primeiro lugar a segunda apelação.
O regime instituído no nº 4 do art. 129º do CIRE[2], visa a tutela dos credores não reconhecidos, daqueles cujos créditos foram reconhecidos sem terem sido reclamados e, ainda, dos titulares de créditos que foram reconhecidos em termos diferentes dos reclamados.
Neste caso, “trata-se de facultar a estes credores a possibilidade de virem ao processo em defesa dos seus interesses, sustentando, quer que os seus créditos devem ser reconhecidos, quer que o devem ser em termos diferentes dos que constam da lista de credores reconhecidos”[3].
Para tanto devem aqueles credores ser avisados pelo administrador da insolvência do não reconhecimento dos respectivos créditos ou dos termos em que aquele reconhecimento foi feito, consoante o caso.
No caso em apreço, constando na lista de credores um conjunto de créditos reconhecidos em termos diversos dos da respectiva reclamação, nomeadamente os créditos laborais, foram efectuadas notificações aos credores avisando-os dessa situação.
Contudo, como veio oportunamente informar nos autos o administrador da insolvência e resulta, aliás, das cópias das cartas registadas expedidas com a data de 20.10.2012 juntas ao processo (cfr. fls. 131 e ss.), na notificação efectuada apenas se fez referência ao não reconhecimento parcial das respectivas reclamações, sem que das mesmas constasse a nota nº 19 inscrita na lista de credores: “Reconhecido privilégio imobiliário especial apenas em relação aos edifícios sede e armazém: Prédio Urbano – Descrito CRP Amares sob o nº 13, inscrito na matriz predial urbana com o art.º 422, freguesia de Bico, Amares e Prédio Urbano sob o nº 81, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º nº 371, freguesia de Bico, Amares” – art.º 333 do CT e al. d) do nº 1 do art.º 737 do CC”.
A omissão em tal notificação dessa informação, não pode deixar de considerar-se uma irregularidade com influência na decisão da causa - e, como tal, geradora de nulidade, nos termos do art. 201º, nº 1, do CPC -, atenta a sua aptidão para obstar a que o credor usasse de eventual reacção contra a não consideração da garantia que invocou, lançando mão do mecanismo da impugnação previsto no art. 130º, nº 1.
Sucede, porém, que os recorrentes constituíram mandatário nos autos, o qual foi notificado por correio electrónico, para o respectivo e-mail, do requerimento com a relação de credores e respectivos anexos, como se alcança de fls. 2 e ss., em especial de fls. 26, sob a “nota/observação” nº 19, da qual consta que apenas era reconhecido privilégio especial em relação aos edifícios sede e armazém (prédios urbanos).
No despacho recorrido, além de outras considerações, entendeu-se que a notificação feita à ilustre mandatária dos recorrentes cumpriu o disposto no nº 5 do art. 129º, o qual foi aditado pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril.
Não nos parece que seja assim, pois para tal suceder, era necessário que a reclamação de créditos tivesse sido efectuada também por correio electrónico, o que não está demonstrado que tenha sucedido e, a fazer fé no que dizem os recorrentes, de que não há motivos para duvidar, os mesmos entregaram em mão as reclamações no escritório do administrador da insolvência.
Já se afigura mais correcto o entendimento também expresso no despacho recorrido de que, face à notificação efectuada ao mandatário dos recorrentes, os direitos destes não foram cerceados, limitados ou sequer prejudicados, com a omissão verificada na notificação pessoal que lhes foi efectuada.
Na verdade, face à existência de mandato forense e ao disposto nos arts. 253º, nº 1 e 254º, nº 2, do CPC, ex vi art. 17º, parece nada obstar a que a notificação a que alude o art. 129º, nº 4, possa ser feita por correio electrónico ao respectivo mandatário, uma vez que aquilo que a norma pretende acautelar, ou seja, a possibilidade dos credores virem ao processo em defesa dos seus interesses, sustentando, quer que os seus créditos devem ser reconhecidos, quer que o devem ser em termos diferentes dos que constam da lista de credores reconhecidos, fica salvaguardada com a notificação ao mandatário nos casos em que este pratique os actos por correio electrónico, como é o caso.
Seja, como for, com tal notificação efectuada à ilustre mandatária dos recorrentes, ficaram estes a saber exactamente as garantias de que gozavam os respectivos créditos, em particular, que relativamente ao prédio rústico apreendido para a massa não gozavam do aludido privilégio creditório, pelo que tem de entender-se que com a notificação à sua mandatária, tiveram conhecimento da nulidade cometida, começando nessa data a correr o prazo para a sua arguição (art. 205º, nº 1, 2ª parte, do CPC).
Ademais, tendo sido notificados da sentença, proferida nos termos do art. 130º, nº 3, onde o seu crédito foi graduado como comum em relação ao supra identificado prédio rústico, sempre seria de presumir, nos termos da segunda parte do nº 1 do art. 205º do CPC, que então tiveram conhecimento da nulidade, sendo que da mesma sempre se teriam inteirado se tivessem agido com a diligência devida[4].
Perante o conteúdo da sentença que não considerou a existência da garantia, ser-lhes-ia exigível, em termos de normal diligência, que envidassem esforços no sentido de apurar o que teria determinado tal entendimento, o que os levaria a constatar a falta de cumprimento pelo administrador da notificação a que alude o art. 129º, nº 4[5].
É presunção que os recorrentes não ilidiram, pelo que o prazo para arguição da nulidade se iniciaria pelo menos a partir de então, caso não se tivesse iniciado antes, como vimos -, estando há muito expirado quando a vieram invocar.
Pelo exposto, improcede as conclusões da segunda apelação.

A PRIMEIRA APELAÇÃO
Da nulidade da sentença de verificação e graduação de créditos
Sustentam os recorrentes que a sentença recorrida não fez qualquer referência, na sua fundamentação, aos motivos justificativos da graduação de créditos efectuada, não identificando quais dos imóveis apreendidos considerou terem sido local de trabalho dos credores/trabalhadores, nem justificou os motivos, de facto e de direito, pelos quais considerou os créditos dos recorrentes relativamente ao imóvel descrito na CRP de Amares sob o nº 315/ Figueiredo como créditos comuns.
Concluem, assim, que a sentença é nula, por falta de especificação dos fundamentos de direito e de facto justificativos da decisão, nos termos do disposto no artigo 688º, nº 1, al. b), do CPC.
Sem razão, porém.
A sentença, como acto jurisdicional, pode atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, e então torna-se passível de nulidade, nos termos do art. 668º do Código de Processo Civil (CPC).
No art. 668º, nº 1, al. b), do CPC, prevê-se a sanção para o desrespeito ao disposto no art. 659º, nº 2, do mesmo Código, que manda que o juiz especifique os fundamentos de facto e de direito da sentença.
E, como já referia Alberto dos Reis[6], a necessidade de fundamentação da sentença assenta numa razão substancial e em razões práticas. Por um lado, porque a sentença deve representara adaptação da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido ao juiz e, por outro lado, porque a parte vencida tem direito a saber a razão pela qual a sentença lhe foi desfavorável, para efeitos de recurso. E, em caso de recurso, a fundamentação de facto e de direito é também absolutamente necessária para que o tribunal superior aprecie as razões determinantes da decisão.
Mas, seguindo o entendimento doutrinário e jurisprudencial, uma coisa é a falta absoluta de fundamentação e outra é a fundamentação deficiente, medíocre ou errada. Só aquela é que a lei considera nulidade. Esta não constitui nulidade, e apenas afecta o valor doutrinal da sentença que apenas corre o risco, a padecer de tais vícios, de ser revogada ou alterada em via de recurso[7].
No caso em apreço é manifesto que não se verifica a nulidade invocada, tendo em conta o disposto no art. 130º, nº 3.
Segundo este preceito, não havendo impugnações, o juiz profere de imediato sentença de verificação e graduação dos créditos constantes da lista de créditos reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência, nos termos que dela consta, ou seja, limita-se, então a homologar essa lista, atribuindo-se efeito cominatório à falta de impugnação.
Só assim não sucede se, na lista, houver erro manifesto o que, como veremos adiante, não se verifica.
Ora, na sentença recorrida foram apreciadas sete impugnações que haviam sido deduzidas antes da lista final de créditos apresentada pelo administrador, em relação às quais se julgou ocorrer uma inutilidade superveniente da lide em face dessa nova lista, pelo que nada mais restava ao Mm.º Juiz a quo que homologar essa lista, relativamente à qual não foram deduzidas impugnações.
Ainda assim, não deixou o Mm.º Juiz de dizer quais os bens apreendidos para a massa e de tecer considerações de carácter geral sobre a natureza e garantia dos créditos reclamados, fazendo a graduação destes em conformidade com o que constava da lista credores.
Ademais, a nulidade prevista na citada alínea b) pressupõe a absoluta falta de fundamentação, que obviamente não ocorre no caso em apreciação, pelo que a sentença recorrida não enferma da nulidade que lhe é apontada, improcedendo nesta parte o recurso.

Da in(devida) graduação dos créditos dos recorrentes como créditos comuns e não como créditos que gozam do privilégio imobiliário especial previsto no art. 333º, nº 1, al. b) e nº 2 do Código do Trabalho.
Vimos já a propósito do julgamento da segunda apelação, que os recorrentes, com a notificação à sua mandatária, ficaram a conhecer os termos exactos da lista de créditos apresentada pelo administrador da insolvência nos termos do art. 129º, ou seja, ficaram a saber que nessa lista os seus créditos não foram graduados como privilegiados no que respeita ao prédio rústico em causa (imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Amares sob o nº 515/Figueiredo).
Na verdade, na notificação à ilustre mandatária dos recorrentes, por correio electrónico, foi enviada a relação a que alude o mencionado art. 129º com uma nota (19) do seguinte teor: «Reconhecido privilégio imobiliário especial apenas em relação aos edifícios sede e armazém: Prédio Urbano – Descrito CRP Amares sob o nº 13, inscrito na matriz predial urbana com o art.º 422, freguesia de Bico, Amares e Prédio Urbano sob o nº 81, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º nº 371, freguesia de Bico, Amares” – art.º 333 do CT e al. d) do nº 1 do art.º 737 do CC» (sublinhado nosso).
Os recorrentes, porém, não impugnaram, nos termos do art. 130º, a lista de credores reconhecidos, pelo que tem de entender-se que se conformaram com a graduação atribuída pelo administrador aos seus créditos e, desse modo, não podem agora vir questionar a graduação efectuada na sentença, considerando o disposto no nº 3 do mesmo preceito.
Ainda que se defenda uma interpretação em termos amplos do conceito de erro manifesto [8], segundo a qual o juiz não pode abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista que vai homologar, solicitando, nomeadamente, ao administrador os elementos que necessite, in casu não se justificava qualquer outra actividade do juiz face aos elementos constantes dos autos.
Na verdade, a sociedade insolvente dedicava-se à indústria da construção civil e tinha a sua sede no lugar de Vila Meã, freguesia de Bico, concelho de Amares, sendo que o prédio rústico em causa apreendido para a massa sobre o qual se encontra constituída uma hipoteca a favor da credora CCAMA…, situa-se na freguesia de Figueiredo, do mesmo concelho.
Esta Relação foi já chamada a pronunciar-se por diversas vezes sobre esta matéria, tendo concluído que «ao fixar, para os créditos dos trabalhadores, um privilégio imobiliário especial, o legislador teve em vista, em sentido amplo, os imóveis em que esteja sediado o estabelecimento para o qual o trabalhador prestou a sua actividade (…)»[9].
Ora, sendo a insolvente uma empresa de construção civil, como bem diz a credora CCAMA… nas suas contra-alegações, «integram o seu estabelecimento os imóveis onde se encontram instalados os escritórios, o estaleiro, os postos de venda e todas as demais instalações afectas ao exercício daquela actividade industrial», mas não já «o imóvel destinado à construção para revenda, bem como as fracções prediais resultantes do processo de edificação e constituição de propriedade horizontal», as quais constituem antes «o objecto da actividade da empresa, ou seja, o produto final daquela indústria»[10].
Seja como for, inexistindo qualquer erro manifesto na lista de credores apresentada pelo administrador, não restava ao Mm.º Juiz a quo outra solução que não homologar essa lista.
Improcedem, pois, todas as conclusões em sentido contrário dos recorrentes.


IV – DECISÃO
Termos em que acordam os Juízes desta Secção Cível em julgar improcedentes as apelações, confirmando as decisões recorridas.
Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.
*
Guimarães, 9 de Janeiro de 2014
Manuel Bargado
Helena Gomes de Melo
Heitor Gonçalves
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[1] Foi já acima feita a transcrição de tal informação/requerimento.
[2] Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem.
[3] Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado. Reimpressão, Quid Juris, 2009, p. 453.
[4] Cfr. Ac. RL de 02.10.2012 (Rosa Ribeiro Coelho), proc. 1047/11.7TBVFX-B.L1-7, in www.dgsi.pt.
[5] Na apelação interposta da sentença de verificação e graduação de créditos, os recorrentes não abordam minimamente a questão.
[6] CPC Anot., vol V, reimpressão (1981), p. 139.
[7] Alberto dos Reis, ob. cit., p. 140 e a título meramente exemplificativo, os Acs. do STJ de 03.05.2005, proc. 5A1086 e de 14.12.2006, proc. 6B4390, ambos acessíveis in www.dgsi.pt.
[8] Cfr., assim, Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência …, cit. p. 456.
[9] Cfr., inter alia, o Ac. de 30.01.2013, proc. 1421/10.6TBFAF-C.G1, in www.dgsi.pt.
[10] Significativo é, aliás, o facto de num universo de várias dezenas de trabalhadores, apenas os recorrentes virem aqui sustentar que prestavam actividade no prédio rústico em causa.