Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
374/18.7T8PVL.G1
Relator: MARIA CRISTINA CERDEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
RISCO
REPARTIÇÃO DO RISCO
PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO
DANO RESSARCÍVEL
DETERMINAÇÃO DO MONTANTE DO DANO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO PRINCIPAL E APELAÇÃO SUBORDINADA
Decisão: APELAÇÃO SUBORDINADA IMPROCEDENTE E APELAÇÃO PRINCIPAL PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando seja possível concluir, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância, ou seja, quando a Relação tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
II- Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.
III- Constitui entendimento corrente na doutrina e na jurisprudência que a responsabilidade pelo risco exige verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, à excepção da ilicitude e da culpa, ou seja, para que se afirme a responsabilidade pelo risco basta a ocorrência de um facto naturalístico (lícito ou ilícito) e de um nexo de causalidade entre o facto e o dano.
IV- Na falta de um juízo de culpa (exclusiva ou concorrente e efectiva ou presumida), deverá funcionar o risco, conforme o previsto no artº. 503º, nº. 1 do Código Civil.
V- Em matéria de acidentes causados por veículos, não havendo culpa, efectiva ou presumida, do condutor do veículo interveniente no acidente, nem se provando que este se deveu a facto do lesado ou de terceiro, ou a causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo, situamo-nos no campo da responsabilidade pelo risco, ainda que o lesado não identifique o risco concreto que originou o acidente.
VI- Numa colisão entre dois veículos automóveis ligeiros de passageiros de características idênticas, a repartição do risco próprio de cada veículo na produção dos danos prevista no artº. 506º, nº. 1 do Código Civil, deve ser efectuada na proporção de 50% para cada um deles.
VII- A mera privação do uso de um veículo, ainda que desacompanhada de qualquer prejuízo patrimonial concreto, constitui um dano juridicamente ressarcível na medida em que implica a substração ao lesado de uma parte das faculdades que o direito de propriedade lhe confere, designadamente a faculdade de usar, fruir e dispor do bem quando e como lhe aprouver.
VIII- A determinação do quantum indemnizatório pela privação do uso, que não implica um qualquer prejuízo patrimonial, deve ser aferida em termos casuísticos e com recurso a critérios de equidade, de harmonia com o preceituado no artº. 566º, n.º 3 do Código Civil.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

B. A. intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Seguradoras ..., S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização no valor de € 5.559,92, através de cheque cruzado emitido a favor do Autor, sem a inscrição não à ordem ou não endossável, a enviar para o escritório dos seus mandatários contra recibo em simultâneo, acrescida de juros de mora a partir da data da citação.
Para tanto, alega, em síntese, que no dia 18/10/2015, cerca das 17 horas, ocorreu um acidente de viação na E.N. 103, ao Km 53,600, sito em ..., ..., Póvoa de Lanhoso, no qual foram intervenientes os veículos automóveis ligeiros de passageiros, de matrícula NH, propriedade do A. e por ele conduzido, e de matrícula DZ, conduzido pelo seu proprietário D. R., estando este veículo seguro na Ré.
Após descrever o acidente, que consistiu no embate entre os dois veículos, alega que o mesmo ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do veículo DZ, por seguir a uma velocidade superior a 50 Km/hora, manifestamente excessiva para o local (onde está limitada por placas verticais a 50 Km/hora), completamente distraído, sem atenção ao que se passava na estrada à sua frente e ao restante trânsito, e com a mais completa falta de cuidado, prudência, consideração, diligência, habilidade e destreza.
Acrescenta que, em consequência do acidente, sofreu os danos patrimoniais que descrimina na petição inicial – relativos ao custo da reparação do seu veículo, com a matrícula NH, à privação do uso do mesmo desde a data do acidente até 12/11/2015 e à redução do seu valor comercial ou de troca por se notar que se trata de um veículo sinistrado - e cujo ressarcimento peticiona naquele articulado.

A Ré contestou, impugnando os factos alegados pelo Autor relacionados com a dinâmica do acidente e os danos que ele alega ter sofrido, dando uma versão distinta do modo como ocorreu o acidente e concluindo que o mesmo ficou a dever-se à conduta negligente, inconsiderada e grosseiramente transgressional do próprio Autor.
Acrescentou, ainda, que a própria seguradora do A., a X, aceitou a responsabilidade do seu segurado na produção do acidente, tendo reembolsado a Ré do custo da reparação do veículo DZ, o qual foi por esta inicialmente suportado no âmbito da Convenção IDS.
Termina, pugnando pela improcedência da acção, com as consequências legais.

Realizou-se a audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, onde se procedeu ao saneamento da acção, verificando-se a validade e regularidade da instância, se definiu o objecto do litígio e enunciou os temas de prova, que não sofreram reclamações.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.
Após, foi proferida sentença que julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar ao A. a quantia de € 2.217,46 (dois mil duzentos e dezassete euros e quarenta e seis cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, a contar da data da citação.

Inconformado com tal decisão, o Autor dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:

A sentença recorrida não espelha, de todo, o conjunto da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, motivo por que deveria ter sido proferida decisão bem diversa daquela que consta de decisão aqui em crise.

Desde logo pelas “dificuldades” que o Meritíssimo Juiz a quo referiu ter encontrado na prova que foi produzida e que, na realidade, devidamente apreciadas e ponderadas lhe impunham outra decisão, nomeadamente a que considerasse o condutor do veículo seguro na recorrida como único e exclusivo culpado na eclosão do sinistro.

Com efeito, preferiu entender que a questão se deveria resolver por recurso ao instituto da responsabilidade objectiva ou pelo risco, ao invés de – atenta toda a prova produzida, testemunhal e documental – se decidir, como se referiu no corpo destas alegações, pela culpa única e exclusiva do condutor do veículo seguro na recorrida na produção do acidente descrito nestes autos.

Assim, e com o devido respeito, não podemos de todo concordar com as expressões constantes dos pontos 6º e 7º dos factos quando ali se pode ler: Em circunstâncias que não foi possível apurar, uma vez que da prova produzida – testemunhal e documental – como se demonstrou no corpo desta alegações, foram – ou deveriam ter sido – apuradas todas as circunstâncias em que ocorreu o acidente dos autos.

Desde logo, as fotografias juntas aos autos demonstram à saciedade que a colisão entre os veículos – atentas as partes dos mesmo danificadas – terá ocorrido (com local provável de embate) na zona de refúgio -, como foi apelidada a baía de mudança de direcção pelas testemunhas.

E o único depoimento que colocou em crise esse elemento relevante de prova foi o condutor do veículo seguro na recorrida, que referiu que o embate ocorreu na sua faixa de rodagem, que o veículo do recorrente entrou para a via quando ele se encontrava a escassos 3 metros (!!!) e quando seguia animado de uma velocidade de cerca de 50 Kms por hora.
A ser assim é absolutamente inquestionável que as zonas em colisão dos veículos teriam se der, necessariamente, a frente esquerda do veículo seguro na recorrida e a parte da frente do lado esquerdo do veículo do recorrente.

Mas mais; tendo por boa essa declaração acabada de referir, e não havendo necessidade de se ser matemático, por tudo aquilo quanto todos nós do foro já escutamos, seguindo aquele veículo a 50 Kms por hora, percorreria 14 metros por segundo; e tendo um tempo de reacção (para lá do de exposição do obstáculo que tem de ser de 0,8 segundos), sempre este veículo teria percorrido aqueles 3 metros em mais tempo do que o que levou o recorrente a atravessar a quase totalidade da metade direita da faixa de rodagem da E.N. 103 – atentas as declarações do condutor do veículo seguro na recorrida e as zonas dos veículos embatidas!!! –.

Ora, na metade direita da E.N. 103, atento o sentido Póvoa de Lanhoso – Braga, nem o mais ténue vestígio de ali terem colidido aqueles dois veículos existia; e as fotografias que acompanham a douta contestação trazem ainda maior certeza ao que acaba de se alegar, tanto mais que o veículo seguro na recorrida se encontra imobilizado com uma grande parte na zona de “refúgio”.

Não percamos aqui de vista que o condutor do veículo seguro na recorrida afirmou sempre que o seu veículo quer quando colidiu com o do recorrente, quer quando se imobilizou nunca abandonou a sua faixa de rodagem, tendo inclusivamente afiançado em Tribunal que o mesmo se imobilizou paralelamente ao eixo da via; as fotografias que acompanham a douta contestação desmentem-no categoricamente.
10ª
Por isso, esse depoimento não poderia ter merecido a mais ténue valoração, pois foi absolutamente incoerente, inverosímil, parcial que em nenhum outro meio de prova tinha o mais ténue suporte.
11ª
Por outro lado, e em reforço ao acabado de alegar, as súmulas que o Meritíssimo Juiz a quo verteu na sua decisão – no ponto 3 – A Convicção do Tribunal – são o retrato fiel da falta de razão da decisão recorrida, pois não sendo os autos um jogo de futebol em que quem marca mais golo leva o jogo de vencido, tanto mais que para além das declarações de parte do recorrente, foi inquirida a única testemunha ali presente.
São, aliás, muitos os fundamentos para valorizar uns depoimentos em detrimento de outro.
12ª
E essa testemunha – esposa do recorrente – referiu de forma absolutamente assertiva, segura, coerente e objectiva tudo o que o recorrente fez até ao momento da colisão, que não presenciou por ter ocorrido no lado oposto àquele em que seguia.
A transcrição de parte do seu depoimento no corpo destas alegações é bem ilustrativa do que se vem de referir.
13ª
E não deixa de ser curioso que seguindo o condutor do veículo seguro acompanhado também pela sua esposa a mesmo nunca tenha sido arrolada pela recorrida...!
Lá saberá a mesma por que motivo tomou essa decisão; mas por nós, com o devido respeito, e por sabermos que ocorre sempre uma averiguação pelos serviços da recorrida, desconfiamos que não iria com certeza secundar um depoimento absolutamente descabido como foi o do condutor do veículo seguro na recorrida, seu marido.
14ª
Por isso, e como referimos no corpo destas alegações, não obstante o Meritíssimo Juiz a quo não tenha elencado os factos que foram considerados por não provados, por referência à matéria de facto alegada pelo recorrente na sua petição inicial, foram tidos incorretamente por não provados os seguintes factos (que etiquetamos por alíneas para se tornar mais simples a sua apreciação):
a- Assim, e depois de ter parado completamente em obediência ao sinal de stop, e depois de se ter certificado de que não circulava qualquer veículo avistável em ambos os sentidos (art. 5º da p.i);
b- iniciou a sua marcha e mudou de direcção para a sua esquerda (art. 7º da p.i.);
c- o que fez de um modo sensivelmente perpendicular ao eixo da via (art. 8º da p.i.);
d- Assim, e quando estava na baía de mudança de direcção existente no eixo da via, já quase direcionado para os lados da Póvoa de Lanhoso (art. 9º da p.i.);
e- com o que invadiu a baía de mudança de direcção existente no eixo da via (art. 18º da p.i.);
f- onde acabou por embater no veículo do demandante conforme se disse no artigo 10º desta petição inicial, tal como decorre das imagens que seguem e que demonstram onde ficaram os vestígios (plásticos e vidros partidos) (art. 19º da p.i.);
g- Por força desse embate o veículo do demandante rodopiou no sentido contrário aos dos ponteiros do relógio (art. 20º da p.i.);
h- acabando por se imobilizar na metade direita da faixa de rodagem da E.N. 103, considerando o sentido Braga – Póvoa de Lanhoso (art. 21º da p.i.);
i- com a frente voltada, sensivelmente, para o eixo da via e a traseira para a berma do lado direito da E.N. 103, atento o referido sentido, como melhor decorre do teor do documento que se junta sob a designação de doc. nº 1 (art. 22º da p.i.);
j- Nesse período recorreu a outros meios de transporte, mais dispendiosos (art. 32º da p.i.);
k- bem como se sujeitou aos mais diversos incómodos no seu dia-a-dia (art. 33º da p.i.);
l- motivo por que cada dia de privação do uso do seu veículo representou um prejuízo de cerca de 25,00 € (art. 34 da p.i.);
m- valor que, aliás, corresponde ao do aluguer diário de um veículo ligeiro de passageiros sem condutor (art. 35º p.i.).
15ª
Depois de devidamente apreciada toda a prova dos autos – documental e testemunhal – dúvidas não podem subsistir de que aquela matéria de facto acabada de referir deveria ter sido tida por provada e, consequentemente, ter sido a demanda julgada procedente por culpa exclusiva e única do condutor do veículo seguro na recorrida na eclosão do sinistro.
16ª
E jamais, com o devido respeito, poderia o Meritíssimo Juiz a quo ter feito referência à diferente interpretação que cada uma das partes em litígio fez das fotografias; elas demonstram o que demonstram, independentemente da vontade de cada uma das partes.
Aquilo que, obviamente, mais interessaria ao recorrente era a interpretação que o Meritíssimo Juiz a quo fez dessas mesmas fotografias.
Porém, e como a decisão em recurso demonstra, com o devido respeito, o Meritíssimo Juiz a quo demitiu-se de ali verter a sua interpretação; preferiu, com o devido respeito, ir pelo caminho mais fácil de decidir a contenda com suporte – e mal – na responsabilidade objectiva ou pelo risco, repartindo-o em partes iguais!
17ª
É, por isso, de elementar justiça, atento tudo quanto se demonstrou em sede de audiência de discussão e julgamento, considerar o condutor do veículo seguro na recorrida como único e exclusivo culpado na produção do acidente descrito na petição inicial.
18ª
Por outro lado, e no que tange à privação do uso do veículo a que ficou sujeito o recorrente pelo período demonstrado e provado de 25 dias, entendeu o Meritíssimo Juiz a quo – e mal – que o mesmo não era merecedor da tutela do direito.
Foram meros incómodos!!!
19ª
E, assim, ao arrepio da mais elementar, unânime e pacificada Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, resolveu – e mal – não arbitrar fosse que quantia fosse a esse título ao recorrente.
20ª
Dizem-nos os mais recentes doutos acórdãos dos nossos Tribunais Superiores – como com a devida vénia referimos no corpo destas alegações – que a mera privação do uso de um veículo configura um dano patrimonial, sendo que são unânimes em referir que o lesado nem tampouco tem necessidade de provar directa e concretamente os prejuízos efectivos.
21ª
Obviamente que sendo um prejuízo cujo quantum pode e deve ser avaliado casuisticamente, ainda assim deve ter-se sempre por referência a equidade, ou como muito bem refere um dos doutos acórdãos referidos no corpo destas alegações, poderá ter-se em conta – caldeado pela equidade – o valor locatício de um veículo de características semelhantes às do do recorrente - um Seat Leon 1.6 Tdi do ano de 2012 -.
22ª
Por isso, e porque não repugna, com o devido respeito, a quantia diária de 25,00 € pelo aluguer de um veículo similar ao do recorrente, nada obstava a que o Meritíssimo Juiz a quo arbitrasse ao recorrente, a título de privação do uso daquele seu veículo pelo período demonstrado e provado de 25 dias, da quantia global de 625,00 € (25 dias x 25,00 €).
23ª
Ou, quando muito, ter relegado para liquidação o quantum decorrente dessa privação; agora o que jamais poderia ter referido era que esses incómodos não merecem a tutela do Direito!
24ª
Por isso, a ter-se – como se deve ter – por provada a matéria de facto constante das alíneas referidas na conclusão 14ª supra, deverá a presente lide ser tida por procedente, por culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na recorrida na eclosão do sinistro.
Termina entendendo que a decisão em recurso deve ser revogada e substituída por outra que, considerando o condutor do veículo seguro na recorrida como único e exclusivo culpado na produção do acidente, arbitre ao recorrente quantia não inferior a € 5.059,92 (€ 4.434,92 + € 625,00).

A Ré Seguradora contra-alegou, entendendo que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo Autor, decidindo-se antes nos moldes que a Ré defende no seu recurso subordinado,

Veio, ainda, interpor recurso subordinado formulando as seguintes conclusões [transcrição]:

I. A Ré impugna, por considerar incorretamente julgados, a decisão proferida quanto aos factos 5, 6 e 7 da matéria dada como provada e artigos 7, 8, 15, 16, 17, 19, 20, 33, 34, 35, 36, 37, 39, 40, 42, 43, 44, 52 e 53 da contestação apresentada pela Ré, factos dados como não provados.
II. Resulta da matéria provada no ponto 4 e da parte não impugnada do que se considerou demonstrado no ponto 5, que, no local do acidente, a EN 103 formava uma reta, com cerca de 200 metros de extensão, que a via de onde proveio o autor situava-se, sensivelmente, a meio desse segmento em reta da via, que existia um troço em reta, com a extensão de 100 metros, entre o entroncamento de onde proveio o autor e a curva mais próxima situada à sua esquerda, ou seja, do lado da Póvoa de Lanhoso, que pelas 17h do dia 18 de Outubro de 2015 ainda era e chuviscava
III. No auto de participação do acidente de viação (Doc n.º 2 junto com a contestação da Ré), mais precisamente no item destinado a indicar as “Cond. Amb. Visibilidade”, refere-se que esta era boa, existindo, ainda, menção ao facto de ser pleno dia.
IV. Observando-se as fotografias que a Ré juntou como anexo ao Doc. 1 da contestação, obtidas pouco depois da ocorrência do embate, não é visível qualquer neblina ou nevoeiro no local.
V. No seu depoimento gravado no sistema H@bilus no dia 30/01/2020, entre as 15h10m18s e as 15m31m52s, nas passagens dos minutos 01m43s, 03m48s a 04m11s e 11m02, o autor referiu, além do mais, que, quando chegou ao local onde existia o “Stop”, olhou para a sua esquerda e não viu ninguém em toda a reta que existia à sua esquerda, ou seja, nos 100 metros da via que existiam para os lados de Póvoa de Lanhoso e que a estrada era visível.
VI. A conjugação de todos estes elementos revela, claramente, que nenhum obstáculo existia à visibilidade dos automobilistas, a não ser algum chuvisco.
VII. Assim, face ao teor do Auto de participação que se juntou como Doc. 2 com a contestação, as fotografias anexas ao Doc. 1 junto com a contestação e o depoimento do autor, gravado no sistema H@bilus no dia 30/01/2020, entre as 15h10m18s e as 15m31m52s, nas passagens dos minutos 01m43s, 03m48s a 04m11s e 11m02, impunha-se que se tivesse considerado provado que as condições de visibilidade no local eram boas e que inexistia qualquer nevoeiro, devendo ser alterada a decisão proferida quanto aos factos acima impugnados, nos seguintes termos:
Deve ser alterada a decisão do Ponto 5 da matéria dada como provada, dando-se agora como provado, apenas, que: “Pelas 17h do dia 18/10/2015 ainda era dia mas chuviscava”.
Deve ser dado como provada a matéria do Artigo 15º da contestação, nos seguintes termos “Nas apontadas circunstâncias de tempo e lugar não existia nevoeiro e o ar estava limpo”.
Deve ser dado como provado, quanto ao Artigo 16º da contestação, que “Propiciando-se boas condições de visibilidade”.
Deve ser dado como provado, quanto ao artigo 17º da contestação, que: “Quem se encontrasse no termo da Rua ..., junto ao local onde essa via entroncava na EN 103 (isto é, junto do STOP), e olhasse para a esquerda, ou seja, na direção de chaves, conseguia avistar a faixa de rodagem daquela via, em toda a sua largura, numa extensão de, pelo menos 100 metros”.
VIII. No que toca à forma como ocorreu o acidente, é de reconhecer que o julgador se viu confrontado com versões distintas e inconciliáveis do acidente.
IX. Porém, ouvindo-se com atenção os depoimentos do autor e sua esposa e do D. R., e conjugando-se o seu teor com a demais informação constante dos autos, considera a Ré que se impunha que tivesse sido dada como provada a factualidade agora impugnada.
X. No que toca à forma como ocorreu o acidente, com efeito, resulta do depoimento do D. R. que circulava na EN 103 no sentido Póvoa de Lanhoso-Braga, a uma velocidade de cerca de 40/50 km/h e, quando se aproximava do entroncamento com a Rua ..., avistou o NH imobilizado junto ao Stop.
XI. Disse ainda essa testemunha que, quando se encontrava muito próximo do NH, o condutor desse carro avançou rumo à via, bloqueando a sua marcha, sem que tenha tido tempo, ou possibilidade, de reagir, tendo ocorrido o embate em plena área do entroncamento e ainda na metade direita da EN 103, atento o sentido Póvoa de Lanhoso-Braga.
XII. Ora, salvo melhor opinião, não há qualquer razão para não dar total credibilidade a este depoimento.
XIII. De facto, no que toca à velocidade indicada por esta testemunha (40/50 km/h), esta é perfeitamente compatível com o caráter diminuto dos danos ostentados pelos dois veículos envolvidos, como se vê das fotografias que a Ré juntou como Docs 6 e 7 com a sua contestação
XIV. O facto de o HN ter sofrido uma rotação após o embate e antes de se imobilizar não evidencia velocidade excessiva do DZ, já que aquele primeiro carro foi embatido na sua parte lateral traseira esquerda, o que, naturalmente, gerou um movimento de rotação, como se geraria num pêndulo ao qual fosse imprimida força na sua extremidade livre.
XV. A própria posição final dos veículos, visível no croquis do auto de participação policial (Doc. 2 junto com a contestação da Ré) e nas fotografias que se juntam como Doc. 1 com a contestação, revela que os dois indicados carros ficaram imobilizados de uma forma sensivelmente alinhada um com o outro, o que significa que, depois da colisão, o DZ não percorreu considerável distância antes de se imobilizar.
XVI. A menção feita pelo D. R. no sentido de que circularia a uma velocidade de 40/50 km/h não foi posta em causa nem pelo autor, nem pela sua esposa M. O..
XVII. Numa outra vertente, tão pouco se pode pôr em causa a declaração do D. R. de que a colisão entre os dois veículos ocorreu na área do entroncamento e dentro da metade direita da via, atento o sentido Póvoa de Lanhoso-Braga.
XVIII. De facto, a versão do Autor e sua esposa de que o embate ocorreu na zona de desaceleração existente no eixo da via não faz, salvo o devido respeito, qualquer sentido.
XIX. Desde logo, importa ter em consideração que o Autor e sua esposa são pessoas indiscutivelmente interessadas no desfecho da lide, tanto mais que o insucesso das pretensões formuladas na presente lide afeta, diretamente, o seu património.
XX. Ademais, a incongruência da versão apresentada pelo Autor e sua esposa revela-se de vários elementos objetivos constantes dos autos.
XXI. Desde logo, a versão de que o HN se encontrava totalmente dentro da faixa de desaceleração aquando do embate, é infirmada pelas próprias dimensões da via, já que a faixa de desacerelação teria uma largura de cerca de 3,5 metros e o HN um comprimento de mais de 4m.
XXII. Ademais, se, de facto, os dois veículos tivessem colidido na faixa de desaceleração existente no eixo da via, nunca, em circunstância alguma, o DZ teria ficado imobilizado, como ficou, totalmente dentro da metade direita da EN 103, atento o sentido Póvoa de Lanhoso-Braga e em alinhamento com o inicio dessa faixa de desaceleração, atento o mesmo rumo.
XXIII. Na verdade, para que o DZ tivesse colhido o HN naquela faixa de desaceleração, teria, necessariamente, de ter ocupado o respetivo espaço e não se vê como seria possível que, depois desse embate, tivesse recuado, ou se tivesse deslocado para a direita, de forma a ficar na hemi-faixa direita da via e com a sua frente voltada para o respetivo eixo.
XXIV. Seguindo o DZ no sentido Póvoa de Lanhoso-Braga e tendo embatido no HN, aquele carro, forçosamente, prosseguiria a sua marcha rumo a esta última localidade e nunca recuaria.
XXV. A posição final do DZ, que ficou sensivelmente junto ao início da zona de desaceleração, atento o sentido Póvoa de Lanhoso-Braga, revela que o embate não pode ter ocorrido dentro dessa zona, mas sim fora dela e na própria faixa de rodagem.
XXVI. De resto, a versão de que o DZ foi colher o HN em plena faixa de desaceleração é contrária às regras do senso comum e nunca poderia ser acolhida, já que, para que tal fosse possível, seria necessário que o condutor do DZ, dispondo da sua metade direita da via livre e desimpedida, tivesse, pura e simplesmente, virado à sua esquerda, de forma a sair dessa faixa e embater num carro que não constituía, para si, obstáculo à progressão, o que, salvo o devido respeito, não faz qualquer sentido.
XXVII. Tão pouco é posta em causa a versão do D. R. de que o embate ocorreu na metade direita da estrada, atento o sentido Póvoa de Lanhoso-Braga, pela localização de alegados vestígios na via.
XXVIII. Na verdade e em primeiro lugar, não foi mencionada no auto de participação do acidente elaborado pela GNR a localização de quaisquer vestígios na via. A única menção que, a esse propósito, é feita nesse auto consiste no seguinte: “vestígios no local: a posição final dos veículos”.
XXIX. Ademais, no decurso da audiência de julgamento, o agente que elaborou o auto de participação referiu que não se recordava da existência e localização de vidros na via, como se pode ver das passagem dos minutos 6m12 a 6m21s do depoimento da testemunha F. J., gravado no sistema H@bilus no dia 30/01/2020, entre as 15h33m14s e as 15h56m36s,
XXX. Tão pouco se pode atender, para concluir no sentido de que o embate ocorreu na “faixa de desaceleração”, às fotografias que o autor inseriu na sua petição inicial.
XXXI. Tendo em conta que numas dessas fotografias são visíveis os carros (e várias pessoas) no local, mas nas outras nenhum automóvel aí se encontra (ou qualquer pessoa), é seguro afirmar que essas imagens não foram, todas elas, obtidas num mesmo momento, mas sim em alturas distintas.
XXXII. Assim, nada permite concluir que, entre o momento em que cada uma dessas fotografias foi obtida, não tenha sido alterada a localização dos vestígios.
XXXIII. Por outro lado, como referiu a testemunha F. J., no seu depoimento gravado no sistema H@bilus no dia 30/01/2020, entre as 15h33m14s e as 15h56m36s, os vestígios consistentes em vidros devem ser desvalorizados para o efeito da determinação do local do embate, na medida em que se tratam de objetos suscetíveis de sofrerem movimentações (cfr. passagens dos minutos 4m16s a 5m28s e 7m01s desse depoimento).
XXXIV. Em suma, os dados objetivos constantes dos autos não confirmam, nem dão credibilidade à versão do sinistro dada pelo Autor e sua esposa, antes apontando no sentido da versão do D. R., de que o embate ocorreu na metade direita da faixa de rodagem, atento o seu rumo, o que deveria ter sido dado como provado.
XXXV. O único aspeto respeitante à dinâmica do acidente que não ficou absolutamente claro no depoimento do D. R., foi a distância a que o D. R. se encontrava do NH quando este veículo ingressou na via.
XXXVI. Apesar de o D. R. ter referido que se encontrava a uma distância que tanto estimou em 3 metros, como sendo inferior ao comprimento de dois carros (ou seja, cerca de 8/9 metros) do HN quando este ingressou na via, é evidente que essa declaração não é exata.
XXXVII. A afirmação do D. R. de que estaria a uma distância inferior à do comprimento de dois carros, estimada em cerca de 3 metros, do HN quando este avançou, deve ser entendida no contexto da descrição por ele feita de que essa manobra do Autor foi realizada quando o DZ estava já muito próximo, a uma distância que já não possibilitava qualquer reação, como, de facto ocorreu, ou seja, que essa distância seria a que percorreu no chamado tempo de reação, que se situa entre os 0,75s e 1 segundo.
XXXVIII. Ora, o facto de o D. R. não ter tido tempo para sequer travar ou desviar, inculca, claramente, a ideia de que o HN se colocou à frente do DZ quando este carro estava a uma distância inferior à necessária para reagir a esse obstáculo, ou seja, a uma distância equivalente à que o DZ percorreria no decurso do chamado “tempo de reação”, o qual, como é sabido – e constitui um facto notório - entre os 0,75s e 1s.
XXXIX. Assim, circulando o DZ a uma velocidade de entre 40 e 50 km/h nos instantes que antecederam o acidente e que, a essas velocidades percorre num segundo (no tempo de reação) entre 11 e 13,8 metros, deveria ter-se dado como provado ser essa a distância que separava os dois veículos no momento em que o HN ingressou na estrada.
XL. E, consequentemente, impõe-se dar como provado, em face do que acabou se de se expor, que, quando o HN ingressou na via, o DZ era visível ao autor.
XLI. Assim, em face do depoimento da testemunha D. R. gravado no sistema H@bilus no dia 30/01/2020, entre as 16h00m11s e as 16h15m52s, nas passagens dos minutos 1m10s a 5m48s, 8m28s a 8m37s, 12m12s a 13m14s e 14m49s a 15m01s, do teor das fotografias que se juntaram como Doc. 1, 6 e 7 com a contestação, do auto de participação do acidente que foi junto como Doc. 2 com a contestação, do depoimento da testemunha F. J., gravado no sistema H@bilus no dia 30/01/2020, entre as 15h33m14s e as 15h56m36s, nas passagens dos minutos 6m12s a 6m21s e 4m16s a 5m28s, 7m01s, impõem a alteração da decisão proferida quanto aos pontos da matéria de facto agora impugnados, nos seguintes termos:
Facto do ponto 6. da matéria dada como provada: provado, apenas, que “o demandante que circulava na Rua ... como referido supra, ocupou a referida EN 103 para por ela passar a circular no sentido Braga – Póvoa de Lanhoso, mudando de direção para a sua esquerda”.
Facto do ponto 7. da matéria e facto dada como provada: provado, apenas, que “o veículo do A. no decurso dessa manobra foi embatido sensivelmente na parte lateral esquerda (da porta traseira para trás) do veículo NH pela parte da frente do lado esquerdo do veículo DZ, que circulava pela E.N. 103, no sentido Póvoa de Lanhoso – Braga, a velocidade e a distância do referido entroncamento, no momento em que o demandante entrou na EN 103, que não se conseguiu apurar”.
Quanto ao facto do Artigo 7º da contestação: provado que “[o D. R.] Seguia rigorosamente pela sua mão de trânsito, ou seja, pela metade direita da faixa de rodagem, atento o seu rumo”.
Quanto ao facto do Artigo 8º da contestação: provado que: “O D. R. animava o DZ de velocidade moderada, que não excedia a de 50 km/h”.
Quanto ao facto do Artigo19º da contestação: provado que “E, depois de ter descrito essa curva, prosseguiu o seu rumo em direção a Braga, mantendo um andamento moderado de cerca de 40/50 km/h”.
Quanto ao facto do Artigo 20º da contestação: provado que: “quando o condutor desse carro se aproximava do entroncamento com a Rua ..., foi surpreendido pelo súbito surgimento de um veículo provindo da sua direita, o qual se meteu à sua frente, causando o acidente”.
Quanto ao facto do Artigo 33º da contestação: provado que: “E antes de iniciar essa manobra, o Autor não se certificou de que da sua feitura não resultaria perigo de acidente”.
Quanto ao facto do Artigo 34º da contestação: provado que: “antes de invadir a faixa de rodagem da EN 103, o A não olhou para a sua esquerda, de forma a aperceber-se do trânsito que se processava nessa via no sentido Chaves-Braga”.
Quanto ao facto do Artigo 5º da contestação [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “Artigo 35º da contestação” em face do que consta nas alegações de recurso e no ponto I das conclusões]: provado que: “Ou, tendo olhado, não se apercebeu da aproximação do DZ, ou não avaliou de forma correta a distância que existia entre si e aquele carro”.
Quanto ao facto do Artigo 36º da contestação: provado que “Porém, no momento em que o condutor do NH iniciou a manobra de mudança de direção à esquerda e ocupou a faixa de rodagem da EN 103, o DZ já se encontrava à curta distância de si de menos de 15 metros”.
Quanto ao facto do Artigo 37º da contestação: provado que “Nessa altura, o DZ, aproximando-se do A. no sentido Chaves-Braga, era-lhe perfeitamente visível”.
Quanto ao facto do Artigo 39º da contestação: provado que “Assim, o Autor não cedeu passagem ao DZ”.
Quanto ao facto do Artigo 40º da contestação: provado, apenas, que: “E, antes pelo contrário, ocupou, a faixa de rodagem da EN 103, atravessando essa via e metendo-se à frente do DZ, cuja linha de rumo cortou”.
Quanto ao facto do Artigo 42º da contestação: provado que “… por absoluta escassez de tempo e de espaço, não lhe foi possível evitar a colisão entre a parte dianteira esquerda do DZ e a parte lateral esquerda (entre a porta da frente esquerda e o rodado traseiro esquerdo) do NH”.
Quanto ao facto do Artigo 43º da contestação: provado que “O referido embate ocorreu em plena área do entroncamento”.
Quanto ao facto do Artigo 44º da contestação: provado, apenas, que “Essa colisão ocorreu na metade direita da faixa de rodagem da EN 103, atento o sentido Chaves-Braga”.
Quanto ao facto do Artigo 52º da contestação: “o DZ em momento algum invadiu a baía de mudança de direção existente no eixo da estrada”.
Quanto ao facto do Artigo 53º da contestação: provado que “No momento da colisão a metade direita da EN 103 (atendo o sentido do DZ) não estava livre, mas sim ocupada pelo NH, em largura não inferior à de 1,7 metros, contados desde o eixo da estrada”.
XLII. Caso seja atendida, total ou parcialmente, a impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto, nos termos que a Ré acabou de sustentar, impõe-se a revogação da douta sentença e a absolvição da ora recorrente do pedido.
XLIII. De facto, se assim ocorrer, teremos como certo que o autor, provindo de uma via sem prioridade, ingressou na estrada pela qual circulava o DZ, não lhe cedendo prioridade de passagem e dando causa ao acidente.
XLIV. Devendo, por isso, ser revogada a douta sentença sob censura e, em sua substituição, proferida decisão que absolva a ora recorrente do pedido.
Conclui entendendo que deve ser dado provimento ao recurso subordinado, revogando-se a sentença recorrida e decidindo-se antes nos moldes acima indicados.

O A. apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso subordinado interposto pela Ré e mantendo tudo quanto referiu no recurso de apelação por si interposto.

Os recursos independente e subordinado foram admitidos por despacho de fls. 176.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2 (aplicável “ex vi” do artº. 663º, n.º 2 in fine), 635º, nº. 4, 637º, nº. 2 e 639º, nºs 1 e 2 todos do Novo Código de Processo Civil (doravante designado NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6.

Nos presentes autos, o objecto do recurso independente interposto pelo A. e do recurso subordinado interposto pela Ré, delimitados pelo teor das respectivas conclusões, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:

A) – Recurso independente do Autor:
I) - Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
II) - Saber se deverá ser alterada a solução jurídica da causa (nomeadamente quanto à responsabilidade pela ocorrência do acidente);
III) – Saber se o A. tem direito a indemnização por privação do uso do veículo.

B) – Recurso subordinado da Ré:
I) - Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
II) - Saber se deverá ser alterada a solução jurídica da causa (caso seja atendida total ou parcialmente a impugnação da matéria de facto nos termos pretendidos pela Ré).

Na sentença recorrida foram considerados provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos [transcrição]:
1. Cerca das 17h00 do dia 18.10.2015 ocorreu um acidente de viação na E.N. 103, ao Km 53,600, sito em ...... – Póvoa de Lanhoso, em que intervieram os veículos ligeiros de passageiros:
· NH, conduzido pelo demandante, seu proprietário;
· DZ, conduzido pelo proprietário, D. R..
2. O veículo do demandante circulava pela Rua ... em direção à EN 103 (onde a Rua ... entronca do lado direito, atento o sentido Póvoa de Lanhoso/Braga e em cuja concordância existe um sinal de STOP) e para onde pretendia passar a circular.
3. A E.N. 103 mede naquele local cerca de 11,65 metros de largura, medindo cada faixa de rodagem cerca de 3,50 metros, sendo que no centro da via e na zona do referido entroncamento, existe (e existia à data do acidente) uma faixa de desaceleração, com uma largura de cerca de 3,5 metros de largura.
4. Em ..., da freguesia de ..., deste concelho, nas proximidades do KM 53,600 da EN 103, esta via, a EN 103, desenha (e desenhava) uma curva à direita, sendo que depois dessa curva e atendendo ainda ao sentido Chaves-Braga, a EN 103 configura (e configurava) uma reta com cerca de 200 metros de extensão e a cerca de 100 metros depois daquela curva, entronca à direita da EN 103, atento o sentido Chaves-Braga, a referida via de acesso, Rua ..., por onde circulava o A.
5. Pelas 17h do dia 18/10/2015 ainda era dia mas chuviscava não se tendo apurado as condições de visibilidade no local.
6. Em circunstâncias que não foi possível apurar, o demandante que circulava na Rua ... como referido supra, ocupou a referida EN 103 para por ela passar a circular no sentido Braga - Póvoa de Lanhoso, mudando de direção para a sua esquerda.
7. Em circunstâncias que não foi possível apurar, o veículo do A. no decurso dessa manobra foi embatido sensivelmente na parte lateral esquerda (da porta traseira para trás) do veículo NH pela parte da frente do lado esquerdo do veículo DZ, que circulava pela E.N. 103, no sentido Póvoa de Lanhoso – Braga, a velocidade e a distância do referido entroncamento, no momento em que o demandante entrou na EN 103, que não se conseguiu apurar.
8. Com as forças do embate, os veículos movimentaram-se de forma descontrolada (em trajetórias que não se apuraram) tendo ficado imobilizados após o embate de acordo com as medições constantes do croqui da GNR que se dá por reproduzido.
9. Na via ficaram vidros e plásticos, tal como consta do croqui (que se dá por reproduzido).
10. Em consequência do embate, o veículo do demandante ficou danificado, tendo a sua reparação (que demandou a substituição das peças e os serviços constantes do documento junto pelo A. como doc. nº 2, que se dá por reproduzido) custado € 4.434,92 (IVA incluído).
11. O A. utilizava o veículo sinistrado para o seu transporte e da sua família e por causa do acidente esteve privado do uso do seu veículo até ao dia 12.11.2015, que foi o tempo que a demandada levou a fazer a vistoria e a oficina reparadora a efetuar o conserto e a entregar-lho reparado, sendo que nesse período sofreu incómodos.
12. O veículo do A. é um Seat Leon 1.6 Tdi, de Outubro de 2012, e foi bem reparado pela oficina da marca SEAT (DAS, Sociedade de Distribuição Automóvel, SA).
13. A Seguradora do A. (X) deu autorização á R. para, por sua conta, pagar ao proprietário do DZ o custo da reparação desse carro, do qual, posteriormente, a reembolsou.
14. A demandada por via do contrato de seguro titulado pela apólice nº 90.27093070 assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro de passageiros DZ.

Por outro lado, relativamente a factos não provados, consta da sentença recorrida o seguinte [transcrição]:
Não se provaram todos os demais factos alegados nos articulados, quer por sobre eles não ter sido produzida prova bastante (cf. infra) quer por estarem em oposição ou em contradição com os factos provados, sendo que outros, finalmente, se mostram irrelevantes para a decisão (para a qual se remete, pois só assim se conclui pela sua relevância/irrelevância), factos esses constantes dos pontos I./2./2.1. e I./2./2.2. supra e que se dão por reproduzidos (com exclusão dos dados como provados, como é evidente).
*
Apreciando e decidindo.
Uma vez que ambas as partes impugnam a decisão sobre a matéria de facto e a solução jurídica adoptada na sentença recorrida (designadamente quanto à responsabilidade pela ocorrência do acidente), serão ambos os recursos apreciados conjuntamente, sendo que, por último, será apreciada a questão de saber se o A. tem direito a indemnização por privação do uso do veículo, suscitada no recurso por ele interposto.

I) – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
Em conformidade com as conclusões de recurso, vem o A., ora recorrente, impugnar a decisão sobre a matéria de facto, começando por referir na conclusão 4ª que não concorda com as expressões constantes dos pontos 6 e 7 dos factos provados quando ali se lê: Em circunstâncias que não foi possível apurar”, uma vez que da prova testemunhal e documental produzida nos autos, foram – ou deveriam ter sido – apuradas todas as circunstâncias em que ocorreu o acidente dos autos.

Na sequência do acima referido, pretende o A./recorrente que sejam aditados à matéria de facto provada, apesar de na sentença recorrida não terem sido elencados os factos que foram considerados não provados, por referência à matéria de facto alegada pelo recorrente na sua petição inicial, os seguintes factos tidos por não provados:

a) - Assim, e depois de ter parado completamente em obediência ao sinal de stop, e depois de se ter certificado de que não circulava qualquer veículo avistável em ambos os sentidos (artº. 5º da p.i.);
b) - iniciou a sua marcha e mudou de direcção para a sua esquerda (artº. 7º da p.i.);
c) - o que fez de um modo sensivelmente perpendicular ao eixo da via (artº. 8º da p.i.);
d) - Assim, e quando estava na baía de mudança de direcção existente no eixo da via, já quase direcionado para os lados da Póvoa de Lanhoso (artº. 9º da p.i.);
e) - com o que invadiu a baía de mudança de direcção existente no eixo da via (artº. 18º da p.i.);
f) - onde acabou por embater no veículo do demandante conforme se disse no artigo 10º desta petição inicial, tal como decorre das imagens que seguem e que demonstram onde ficaram os vestígios (plásticos e vidros partidos) (artº. 19º da p.i.);
g) - Por força desse embate o veículo do demandante rodopiou no sentido contrário aos dos ponteiros do relógio (artº. 20º da p.i.);
h) - acabando por se imobilizar na metade direita da faixa de rodagem da E.N. 103, considerando o sentido Braga – Póvoa de Lanhoso (artº. 21º da p.i.);
i) - com a frente voltada, sensivelmente, para o eixo da via e a traseira para a berma do lado direito da E.N. 103, atento o referido sentido, como melhor decorre do teor do documento que se junta sob a designação de doc. nº. 1 (artº. 22º da p.i.);
j) - Nesse período recorreu a outros meios de transporte, mais dispendiosos (artº. 32º da p.i.);
k) - bem como se sujeitou aos mais diversos incómodos no seu dia-a-dia (artº. 33º da p.i.);
l) - motivo por que cada dia de privação do uso do seu veículo representou um prejuízo de cerca de € 25,00 (artº. 34 da p.i.);
m) - valor que, aliás, corresponde ao do aluguer diário de um veículo ligeiro de passageiros sem condutor (artº. 35º p.i.);
por entender que o Tribunal “a quo” fez uma incorrecta apreciação e valoração da prova declarativa, testemunhal e documental produzida nos autos, designadamente das declarações de parte do Autor/recorrente, dos depoimentos das testemunhas D. R. e M. O. e das fotografias juntas com a petição inicial e com a contestação, em conjugação com as regras da experiência comum.
Por sua vez, o recurso subordinado interposto pela Ré Seguradora visa também a reapreciação da decisão de facto, sustentando a aqui recorrente que o julgador incorreu em erro de julgamento quanto a alguns pontos da matéria de facto, na medida em que deu como não provados factos que, na realidade, deveriam ter sido dados como demonstrados, nos termos que adiante se mencionará.

Ora, no que diz respeito a esta matéria, após ter sido efectuada pelo Tribunal “a quo” uma súmula das declarações/depoimento de parte do Autor e das testemunhas F. J., D. R., M. O., D. T., C. M., A C., Z. S. e M. L., na “motivação de facto” que integra a sentença recorrida, escreveu-se o seguinte [transcrição parcial]:
«(…)
Junto aos autos temos os seguintes documentos:
i. As fotografias que estão incorporadas na p.i.
ii. Cópia da participação de acidente (com croqui) a fls. 10 e ss.
iii. Cópia de relatório de peritagem a fls. 12 e ss. (repetido a fls. 65).
iv. Cópia de fatura a fls. 15v.
v. Cópia da declaração amigável a fls. 30v.
vi. Participação de sinistro a fls. 31.
vii. Fotografias a fls. 31v. e ss.
viii. Fotografias a fls. 40 e ss.
ix. Declarações a fls. 58 e 58v.
x. Cópia da apólice a fls. 59.
xi. Cópia de documentação junta pela X (seguradora do veículo do A.) a fls. 66 e ss.

Face à prova produzida, podem extrair-se, entre outras, as seguintes conclusões:

i. Ouvidos o A., a sua mulher (que seguia a seu lado) e o condutor do outro veículo interveniente, apresentarem eles versões do acidente totalmente incompatíveis (quer no modo como a manobra do A. foi realizada, quer na dinâmica do acidente e local do embate), não tendo o tribunal encontrado quaisquer fundamentos para valorizar uns depoimentos em detrimento de outro (repare-se que as divergências não surgiram apenas em audiência: já na participação do acidente as versões eram desencontradas, situação que se manteve mesmo no processo interno - cf. declarações a fls. 58 e 59 – da companhia seguradora).
ii. Nenhuma outra testemunha ouvida assistiu ao embate (de acordo, aliás, com o que consta da participação, em que se refere que não foram indicadas testemunhas).
iii. O croqui elaborado, só por si, nada nos diz de seguro quanto ao local do embate, uma vez que dele consta, e bem, a posição de embate indicado por cada um dos condutores (e que é divergente, como já se disse).
iv. Os vestígios (vidros e plásticos no local) também só por si não permitem estabelecer com segurança o local do embate (repare-se que esses materiais normalmente são projectados pelo que, como refere uma das testemunhas - o militar da GNR - não se pode com base neles fixar o local de embate, devendo atender-se, precisamente, às suas dificuldades em dizer onde o embate de seu, como não poderia deixar de ser); idêntico raciocínio deve ser feito para a posição final dos veículos, que por ser final é diferente da posição em que se encontravam no momento do embate – podendo tal posição final dar azo, como quase sempre, a interpretações divergentes – veja-se, por ex., a “opinião” de uma das testemunhas da R.
v. Estas dúvidas nunca poderiam ser afastadas pelas fotografias juntas (pois as fotografias foram diferentemente interpretadas pelas partes).
vi. Ainda a este respeito, a posição assumida pela própria seguradora do A. (que lhe atribuiu a culpa na produção do sinistro) não pode sustentar qualquer juízo de culpa real (pois os critérios que norteiam tais juízos não são nem fundamentados nem escrutinados, nomeadamente pelo segurado).
vii. As características do local resultaram da participação de acidente elaborada pela GNR, pois esses dados são objetivos.
viii. A reparação está devidamente orçamentada e faturada (e o perito que a orçamentou confirmou-a).
ix. O período de paralisação apurou-se por referência aos dados da fatura (colocação na oficina a 21.10.2015 e entrega ao cliente a 12.11.2015 - data do pagamento, como é normal) não se tendo feito qualquer prova de despesas feitas pelo A. nem se concretizou qualquer tipo de incómodo.
x. A desvalorização foi posta em causa pela própria testemunha indicada a esse facto – cf. supra.»

Decorre do disposto no artº. 662º, n.º 1 do NCPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Ora, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjectiva impõe ao recorrente.
Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais, que proceda à delimitação com, toda a precisão, dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, os meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no entender do recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objecto da impugnação (cfr. acórdão do STJ de 1/10/2015, relatora Cons. Maria dos Prazeres Beleza, proc. n.º 6626/09.0TVLSB, disponível em www.dgsi.pt).
Neste sentido, o artº. 640º do NCPC estabelece os ónus que impendem sobre o recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto, sendo a cominação para a inobservância do que aí se impõe a rejeição do recurso quanto à parte afectada.
Por força deste dispositivo legal, deverá o recorrente enunciar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a) do nº. 1), requisito essencial já que delimita o poder de cognição do Tribunal “ad quem”, se a decisão incluir factos de que se não possa conhecer oficiosamente e se estiverem em causa direitos livremente disponíveis. Deve ainda o recorrente indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b) do nº. 1), assim como apresentar o seu projecto de decisão, ou seja, expor de forma clara a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c) do nº. 1).
Por seu turno, ainda, em conformidade com a alínea a) do n.º 2 do mesmo normativo, sempre que “(…) os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.”
Decorre do que atrás se deixou dito que, no caso em apreço, o A./recorrente, em relação aos factos que pretende sejam aditados à matéria de facto provada supra enunciados nas alíneas a) a i) e que têm a ver com a dinâmica do acidente, cumpriu os ónus que aquele dispositivo legal impõe, quer os enunciados nas três alíneas do nº. 1, quer o da alínea a) do nº. 2, tendo inclusive procedido à transcrição de alguns excertos das suas declarações de parte e dos depoimentos das testemunhas D. R. e M. O., por ele mencionadas para fundamentar a sua pretensão, e estando gravados, no caso concreto, os depoimentos prestados em audiência de julgamento, bem como constando do processo toda a prova documental e as fotografias - quer as incorporadas nos artºs 10º e 19º da petição inicial (fls. 5vº a 6vº), quer as juntas pela Ré com a contestação (fls. 31vº a 37vº e 40 a 57vº) – elementos estes tidos em atenção pelo Tribunal “a quo” na formação da sua convicção, nada obsta à reapreciação da decisão da matéria de facto.
Contudo, em relação aos factos supra enunciados nas alíneas j) a m), respeitantes à privação do uso do veículo, consideramos que o recorrente não cumpriu cabalmente os ónus estabelecidos no artº. 640º, nºs 1 e 2 do NCPC, porquanto no corpo das alegações nem sequer faz menção à pretensão de ver aditada aos factos provados a matéria vertida nas alíneas j) e k) [tais alíneas são mencionadas apenas nas conclusões, sem indicação dos concretos meios probatórios que impunham decisão diferente da recorrida]; por outro lado, não foram especificados, nem nas conclusões do recurso nem no texto das alegações, relativamente a cada um dos factos assinalados nas alíneas l) e m), quais os concretos meios de prova (declarações de parte, testemunhal e documental) constantes do processo ou da gravação nele realizada que, em seu entender, levariam a uma decisão diversa da recorrida.
É este o entendimento plasmado no acórdão do STJ de 5/09/2018 (relator Cons. Gonçalves Rocha, proc. nº. 15787/15.8T8PRT, disponível em www.dgsi.pt), que aqui sufragamos, onde se conclui que: «A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos» (vide também acórdão do STJ de 20/12/2017, relator Cons. Ribeiro Cardoso, proc. nº. 299/13.2TTVRL, disponível em www.dgsi.pt).
No mesmo sentido se pronunciou o acórdão do STJ de 27/09/2018 (relator Cons. Sousa Lameira, proc. nº. 2611/12.2TBSTS, disponível em www.dgsi.pt), no qual se conclui que o recorrente «não cumpre os seus ónus quando se limita a discorrer genericamente sobre o teor da prova produzida, sem indicar os concretos meios probatórios que, sobre cada um dos pontos impugnados, impunham decisão diversa da recorrida (…)».
Por esta razão, não será apreciada a impugnação da matéria de facto atinente às alíneas j) a m) supra mencionadas pelo A./recorrente, que se mantêm, por isso, no capítulo dos factos não provados.
Acresce referir que, embora o A. mencione, na conclusão 4ª do seu recurso, que não concorda com as expressões constantes dos pontos 6 e 7 dos factos provados quando ali se lê: Em circunstâncias que não foi possível apurar”, dali parecendo resultar que também pretenderia impugnar aqueles pontos de facto, contudo acaba por não concretizar, nem no corpo das alegações, nem nas conclusões (que definem o objecto do recurso), se pretende que sejam eliminadas tais expressões daqueles concretos pontos de facto ou alterada a redacção dos mesmos, de forma a estarem em consonância com os factos vertidos nas alíneas a) a i) supra elencadas e que pretende que sejam dados como provados. Assim sendo, mantêm-se inalterados os mencionados pontos 6 e 7 dos factos provados.
Em sede de reapreciação da prova gravada no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto, incumbe à Relação, “enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto” (cfr. acórdão da RG de 15/10/2020, proc. nº. 3007/19.0T8GMR, disponível em www.dgsi.pt).
Importa, porém, não esquecer que se mantêm em vigor os princípios gerais da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova (este último consagrado no artº. 607º, nº. 5 do NCPC), sendo certo que o juiz da 1ª instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação e, designadamente, surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação.
Assim, a alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando seja possível concluir, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância, ou seja, quando a Relação tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento relativamente a concretos pontos de facto impugnados (cfr. acórdãos da RG de 30/11/2017, proc. nº. 1426/15.0T8BGC-A, de 30/01/2020, proc. nº. 500/18.6T8MDL e de 15/10/2020 acima referido, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
No mesmo sentido salienta Ana Luísa Geraldes (in Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, pág. 609) que “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”.
Tendo por base estas considerações prévias, cumpre-nos, pois, conhecer da factualidade impugnada por ambos os recorrentes.

A) Do recurso interposto pelo Autor:

Em primeiro lugar, importa referir que os pontos 6 e 7 dos factos provados, que não foram impugnados nos termos e pelas razões acima referidas, têm a seguinte redacção:
6. Em circunstâncias que não foi possível apurar, o demandante que circulava na Rua ... como referido supra, ocupou a referida EN 103 para por ela passar a circular no sentido Braga - Póvoa de Lanhoso, mudando de direção para a sua esquerda.
7. Em circunstâncias que não foi possível apurar, o veículo do A. no decurso dessa manobra foi embatido sensivelmente na parte lateral esquerda (da porta traseira para trás) do veículo NH pela parte da frente do lado esquerdo do veículo DZ, que circulava pela E.N. 103, no sentido Póvoa de Lanhoso – Braga, a velocidade e a distância do referido entroncamento, no momento em que o demandante entrou na EN 103, que não se conseguiu apurar.
Ora, mantendo-se inalterados estes factos considerados provados, sem que tenha sido eliminada a expressão Em circunstâncias que não foi possível apurar pelas razões atrás referidas, afigura-se-nos que a manutenção dos pontos 6 e 7 dos factos provados, tal como estão formulados na sentença recorrida, não se coaduna com a pretensão do A./recorrente de ver serem dados como provados os factos supra elencados nas alíneas a) a i), o que tornaria, desde logo, desnecessário conhecer da aludida pretensão do recorrente, que neste caso não assumiria qualquer relevância para a decisão do presente recurso.
Mas, mesmo que assim não se entenda, importa analisar os motivos da discordância do recorrente ao referir que deveriam ter sido considerados provados os factos das alíneas a) a i) supra enunciados, correspondentes à matéria alegada nos artºs. 5º, 7º a 9º e 19º a 22º da petição inicial, e que dizem respeito à dinâmica do acidente.
Assim, após ouvida a gravação da prova produzida em audiência de julgamento – com destaque para as declarações de parte do A. B. A. (condutor do veículo NH) e os depoimentos das testemunhas M. O. (esposa do A.), indicados pelo A., e D. R. (condutor do veículo DZ seguro na Ré), arrolada por ambas as partes, todos eles mencionados nas alegações de recurso, relativamente à matéria que o recorrente pretende aditar aos Factos Provados - e sopesando-a com a restante prova existente no processo, designadamente com os depoimentos das demais testemunhas inquiridas, a participação do acidente com o respectivo croquis elaborada pela GNR junta a fls. 10 a 11vº (e também a fls. 38 a 39vº), as fotografias incorporadas nos artºs 10º e 19º da petição inicial (fls. 5vº a 6vº) e as fotografias juntas pela Ré com a contestação (fls. 31vº a 37vº e 40 a 57vº) referidas na “motivação de facto”, e ainda com as regras da experiência comum, constatamos que o Tribunal “a quo” fez, no essencial, uma correcta (embora sintética) apreciação e análise crítica de todos os elementos de prova mencionados na fundamentação, tal como consta explanado na “motivação de facto” que acima transcrevemos (apenas a parte que consideramos relevante para apreciação dos concretos pontos de facto impugnados) e que merece a nossa concordância.

Pretende o recorrente que sejam considerados provados os factos vertidos nas mencionadas alíneas a) a i) que passamos a transcrever:

a) - Assim, e depois de ter parado completamente em obediência ao sinal de stop, e depois de se ter certificado de que não circulava qualquer veículo avistável em ambos os sentidos (artº. 5º da p.i.);
b) - iniciou a sua marcha e mudou de direcção para a sua esquerda (artº. 7º da p.i.);
c) - o que fez de um modo sensivelmente perpendicular ao eixo da via (artº. 8º da p.i.);
d) - Assim, e quando estava na baía de mudança de direcção existente no eixo da via, já quase direcionado para os lados da Póvoa de Lanhoso (artº. 9º da p.i.);
e) - com o que invadiu a baía de mudança de direcção existente no eixo da via (artº. 18º da p.i.);
f) - onde acabou por embater no veículo do demandante conforme se disse no artigo 10º desta petição inicial, tal como decorre das imagens que seguem e que demonstram onde ficaram os vestígios (plásticos e vidros partidos) (artº. 19º da p.i.);
g) - Por força desse embate o veículo do demandante rodopiou no sentido contrário aos dos ponteiros do relógio (artº. 20º da p.i.);
h) - acabando por se imobilizar na metade direita da faixa de rodagem da E.N. 103, considerando o sentido Braga – Póvoa de Lanhoso (artº. 21º da p.i.);
i) - com a frente voltada, sensivelmente, para o eixo da via e a traseira para a berma do lado direito da E.N. 103, atento o referido sentido, como melhor decorre do teor do documento que se junta sob a designação de doc. nº. 1 (artº. 22º da p.i.).

Para tanto, argumenta o recorrente que o acidente em causa foi presenciado apenas por três pessoas, a saber:
- o Autor, ora recorrente, condutor do veículo NH;
- a esposa do Autor, a testemunha M. O.;
- e o condutor do veículo DZ, seguro na Ré/recorrida, a testemunha D. R..
E com base nessa justificação/fundamentação, começa por tentar desvalorizar o depoimento da testemunha D. R., alegando que o mesmo se encontra eivado de contradições e incongruências, de forma a poder afirmar, como faz mais adiante nas suas alegações, que as suas próprias declarações e o depoimento da sua esposa são os únicos credíveis.
Com efeito, refere o A./recorrente que a testemunha D. R. declarou na audiência de julgamento que o veículo NH ingressou na via (referindo-se à E.N. 103) quando o DZ se encontrava apenas a 3 metros de distância.
Contudo, salvo o devido respeito, tal afirmação não corresponde exactamente ao que foi dito pela referida testemunha, não podendo ser dadas às palavras de D. R. o sentido que o recorrente lhes atribuiu.
Daquilo que nos foi possível perceber da audição da gravação do depoimento da testemunha D. R., uma vez que o mesmo foi prestado por videoconferência e a qualidade da gravação não é a melhor, havendo partes do depoimento que são completamente imperceptíveis, resulta, em particular da passagem que se encontra transcrita nas alegações, que esta testemunha limitou-se a estimar a distância a que o DZ se encontraria do NH, quando este entrou na estrada, afirmando que tinha a percepção de que seria inferior à do comprimento de dois veículos, que “a distância era muito próxima”, acabando por referir que poderia ser “aí uns 3 metros de distância, se calhar nem tanto”.
Como vimos, a testemunha D. R. não foi minimamente peremptória na afirmação de que a distância era, efectivamente, a de apenas 3 metros.
De resto, a primeira vez que lhe foi perguntado a que distância estava do veículo conduzido pelo A., quando ele entrou para a estrada, aquela testemunha declarou logo que não a conseguia indicar ao certo e, perante a insistência do mandatário do A. para que esta fizesse uma afirmação categórica de que era aquela a distância a que se encontrava do NH quando este veículo ingressou na via, o D. R. respondeu, claramente, que “isso eu não posso precisar exactamente”.
Aliás, decorre das regras do senso comum que, ainda que essa distância não fosse a de 3 metros, seria certamente reduzida, pois se existisse uma distância considerável entre os dois veículos no momento em que o NH entrou na via, o condutor do DZ, confrontado com esse obstáculo, teria instintivamente accionado os travões desse veículo, o que eventualmente deixaria marcado no pavimento o rasto dessa tentativa de imobilização.
Porém, não só não ficaram rastos de travagem na estrada, como o próprio D. R. referiu que não deu hipótese de travar, nem de se desviar, provavelmente porque não teve tempo, nem espaço para o fazer.
Na verdade, o que decorre do depoimento da testemunha D. R. é que o DZ estaria já muito próximo do NH quando este ingressou na E.N. 103 por onde seguia o DZ, no sentido Póvoa de Lanhoso – Braga, e a atravessou para passar a circular em sentido contrário, mudando de direcção para a sua esquerda.
Deste modo, a declaração do D. R. de que estaria a uma distância inferior à do comprimento de dois veículos, estimada em cerca de 3 metros, “ou até nem tanto”, do NH quando este avançou, deve ser entendida no contexto da descrição por ele feita de que essa manobra do A. foi realizada quando o DZ estava a uma distância que já não lhe possibilitava qualquer reacção.
Por outro lado, não podem ser tidas em conta as considerações feitas pelo A./recorrente sobre a distância percorrida por um veículo que circule a 50 Km/hora, o tempo de reacção de um condutor médio e o “tempo de exposição” do obstáculo, para sustentar que o condutor do veículo DZ necessitaria, para começar a reagir à entrada do veículo do recorrente na via, de pelo menos 2 segundos, ou seja, cerca de 28 metros, uma vez que o recorrente não explicita em que é que se baseou para chegar àquelas conclusões, sendo certo que não se conseguiu apurar nos autos a que velocidade circulava o veículo DZ, nem a distância a que ele se encontrava do NH quando este ingressou na via, dada a divergência dos depoimentos das únicas três pessoas que presenciaram o acidente e o facto dos únicos elementos de prova objectivos existentes no processo, referidos na “motivação de facto” inserta na sentença recorrida, nada esclarecerem a esse respeito.
O recorrente argumenta, ainda, que as fotografias juntas com a contestação demonstram “o contrário” do que a testemunha D. R. afirmou na audiência de julgamento. Assim, alega o A. que essas fotografias revelam que o DZ, ao contrário do que foi afirmado por aquela testemunha, não ficou imobilizado de forma paralela ao eixo da via, mas sim dentro da “zona de refúgio”.
Ora, ainda que a testemunha D. R. tenha dito que, após o embate, o DZ ficou “alinhado” na estrada, praticamente paralelo ao eixo da via (sendo que não o fez de forma peremptória, já que acrescentou que essa era apenas “a ideia que tenho”), não podemos ignorar que a GNR se deslocou ao local do acidente e registou a posição final dos veículos no croquis inserido na participação do acidente junta a fls. 10 a 11vº, confirmada em audiência de julgamento pela testemunha F. J., militar da GNR que a elaborou, e que está em consonância com o que é retratado nas fotografias de fls. 31vº e 32, que também foram exibidas àquele agente da autoridade.
Assim, como se pode ver nas referidas fotografias e no croquis elaborado pela GNR, o veículo DZ ficou imobilizado de forma enviesada, com ligeira inclinação para a esquerda, mas ao contrário do que sustenta o recorrente, ficou parado na via da direita da E.N. 103, atento o sentido Póvoa de Lanhoso – Braga, ou seja, o DZ ficou imobilizado ainda dentro da faixa de rodagem por onde circulava.
Basta olhar para as fotografias de fls. 31vº, 32, 35vº e 36 e para o croquis elaborado pela GNR, para ser perceber que o DZ não chegou a invadir a “baía de mudança de direcção” ou faixa de desaceleração existente no centro da via (apelidada pelo A. e pelas testemunhas como “zona de refúgio”), tanto mais que na parte lateral direita inferior das fotografias de fls. 32 e 36 é visível a linha separadora da dita “zona de refúgio”, estando o veículo DZ parado para trás dela (embora com a roda da frente do lado do condutor sensivelmente junto ao início dessa linha, atento o sentido Póvoa de Lanhoso – Braga, somente interceptando a sua projecção com a parte danificada do pára-choques desse veículo caída no chão, como se visualiza nas fotografias de fls. 31vº, 32 e 35vº).
Prosseguindo na sua tentativa de tentar desvalorizar o depoimento de D. R., sustenta o A./recorrente que é “curiosa” a afirmação daquela testemunha de que não se apercebeu da existência de vidros no local, que se encontram retratados nas fotografias juntas na sua petição inicial.
Ora, da audição da gravação, constatamos o que aquela testemunha afirmou foi que de facto o seu farol partiu, mas não pode precisar onde ficaram os vidros partidos.
Todavia, importa referir que, para além desta observação do recorrente ser inexacta, não vislumbramos que assuma qualquer relevância, pois já consta do ponto 9 dos factos provados (que não foi impugnado, tendo em atenção as conclusões do recurso) que “na via ficaram plásticos e vidros, tal como consta do croqui (que se dá por reproduzido)”. Embora este concreto ponto de facto não tenha sido impugnado, não podemos deixar de referir que não consta da participação do acidente, nem do respectivo croquis elaborado pela GNR, a menção de quaisquer vestígios de vidros ou plásticos partidos no local, o que, aliás, foi confirmado pelo militar da GNR que o elaborou e que explicou a razão porque não o fez, como adiante se mencionará.
Acontece que o A./recorrente baseia o seu recurso sobre a matéria de facto, essencialmente, nas suas declarações de parte e no depoimento da testemunha M. O. (sua esposa, que viajava dentro do veículo conduzido pelo A., no lugar do passageiro), que considera serem os únicos depoimentos que merecem credibilidade, entendendo que não deveriam ter sido desvalorizados pelo Tribunal “a quo”, pois para além de só o recorrente e sua esposa (e ainda o outro condutor) terem conhecimento directo dos factos em discussão, nenhum outro meio de prova foi capaz de colocar em crise as suas declarações, quando as mesmas foram objectivas, consentâneas com o normal suceder em circunstâncias similares às do acidente narrado nos presentes autos, seguras e coerentes.
Quanto às declarações de parte, cabe notar que se tratam de um novo e autónomo meio de prova, introduzido pelo actual Código do Processo Civil (aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6), com o normativo do artº. 466º, “tendo carácter inovador a introdução, ao lado da prova por confissão, a figura da prova por declarações de parte que, todavia, não pode ser requerida pela parte contrária, nem pode ser ordenada oficiosamente”, sendo tais declarações sempre livremente apreciadas pelo Tribunal, nos termos do nº. 3 do artº. 466º daquele Código, na parte em que não representem confissão (cfr. acórdãos da RL de 10/04/2014, proc. nº. 2022/07.1TBCSC-B e da RG de 29/05/2014, proc, nº. 2797/12.6TBBCL-A, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Na Exposição de Motivos do diploma esclareceu-se que, agora se prevê “a possibilidade de prestarem declarações em audiência as próprias partes, quando face à natureza pessoal dos factos a averiguar tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz, na parte em que não representem confissão”.
O novo meio probatório corresponde ao acolhimento da possibilidade de a parte se pronunciar, a requerimento próprio, sobre factos que lhe são favoráveis, com intencionalidade probatória, restrita porém a factos de directa e pessoal intervenção da parte ou do seu directo conhecimento.
Assim, o actual CPC, a par do depoimento de parte, consagrou a possibilidade de as próprias partes tomarem a iniciativa de prestação de declarações, ainda que com carácter facultativo, na medida em que é a própria parte que se oferece para depor, requerendo a prestação de declarações (cfr. acórdão da RL de 13/10/2016, proc. nº. 640/13.8TCLRS, disponível em www.dgsi.pt).
Defende o Prof. José Lebre de Freitas (in A acção Declarativa Comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013, pág. 278) que a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, maxime se ambas as partes tiverem sido efectivamente ouvidas.
Por outro lado, se defendermos que a valorização das declarações de parte deve respeitar apenas o princípio da livre apreciação da prova, inexiste obstáculo legal a que aquelas declarações possam fundar a convicção do tribunal, desde que este possa, no confronto dos demais meios de prova, concluir pela sua credibilidade.
Como é sabido, as declarações de parte contêm sempre um risco de parcialidade decorrente da posição das mesmas na lide e do manifesto interesse que têm no desfecho da acção, pelo que devem ser atendidas e valoradas com especial cautela e cuidado, devendo-se ter sempre em conta a fragilidade intrínseca deste meio probatório.
Fazer depender a avaliação de um facto, unicamente, das declarações de uma parte sem a necessária confirmação de outros meios de prova relevantes, dificilmente se justificará, uma vez que a parte, tendo um interesse directo na causa, normalmente confirma as posições por si assumidas nos articulados, que lhe são favoráveis.
Como vem sendo defendido na jurisprudência, a relevância das declarações de parte poderá justificar-se pela possibilidade de vir a fornecer elementos relevantes para a apreciação da prova, particularmente se forem confirmadas por outros elementos probatórios relevantes.
Importa, assim, nas declarações da parte que o seu relato esteja espontaneamente contextualizado e seja coerente, quer em termos temporais, espaciais e emocionais e que seja corroborado por outros meios de prova, designadamente que tais declarações sejam confirmadas por outros dados que, ainda que indirectamente, demonstrem a veracidade da declaração.
Na verdade, a prova dos factos favoráveis ao depoente e cuja prova lhe incumbe não se pode basear apenas na simples declaração dos mesmos, é necessária a confirmação por algum outro elemento de prova, com os demais dados e circunstâncias, sob pena de se desvirtuarem as regras elementares sobre o ónus probatório e das acções serem decididas apenas com as declarações das próprias partes (cfr. acórdão da RG de 18/01/2018, proc. nº. 294/16.0Y3BRG, disponível em www.dgsi.pt).
Como bem resulta da motivação de facto, o Tribunal “a quo” analisou as declarações de parte do Autor de forma crítica e com o cuidado que lhe é exigido, dado o interesse que o mesmo tem na decisão da causa, declarações essas que apenas foram confirmadas pela testemunha M. O., esposa do A., tendo o seu depoimento sido também apreciado criticamente e com alguma reserva por aquele Tribunal, por a mesma ter também interesse no desfecho da presente lide e as suas declarações não terem sido corroboradas por outras testemunhas.
Como é referido na sentença recorrida, o A., a sua mulher e o condutor do outro veículo interveniente apresentarem versões do acidente totalmente incompatíveis (quer no modo como a manobra do A. foi realizada, quer na dinâmica do acidente e local do embate), não tendo o Tribunal encontrado quaisquer fundamentos para valorizar uns depoimentos em detrimento de outro, tanto mais que as divergências não surgiram apenas em audiência de julgamento, pois já na participação do acidente as versões eram completamente diferentes, situação que se manteve mesmo no processo interno da Companhia de Seguros (cfr. declarações de fls. 58 e vº).
De facto, a versão do A. e da sua esposa é a de que o NH, depois de ter parado junto ao sinal de Stop, reiniciou a sua marcha, atravessando totalmente a metade direita da E.N. 103, atento o sentido Póvoa de Lanhoso - Braga, e ingressou na “zona de refúgio”, onde, depois de já aí estar parado e sem ocupar a dita metade direita da aludida via, foi embatido pelo DZ.
Para além do A. e sua esposa terem interesse no desfecho da presente acção, a sua versão dos factos não foi confirmada por qualquer outro elemento de prova, pois como se refere na “motivação de facto” da sentença sob censura, nenhuma outra testemunha ouvida em audiência de julgamento presenciou o acidente e o croquis elaborado, só por si, nada nos diz de seguro quanto ao local do embate, uma vez que dele consta a posição de embate indicada por cada um dos condutores intervenientes no acidente e que, como já se referiu, é divergente.
Ademais, a versão do acidente apresentada pelo A. e sua esposa é contrariada por vários elementos objectivos constantes dos autos.
Desde logo, a versão de que o NH se encontrava totalmente dentro da faixa de desaceleração (ou “zona de refúgio”) aquando do embate, é infirmada pelas próprias dimensões da via.
Com efeito, a dita faixa de desaceleração tem uma largura de cerca de 3,5 metros (ponto 3 dos factos provados). Ora, essa largura seria insuficiente para acolher a totalidade do comprimento do NH, pois tratando-se de um Seat Leon, e apesar dessa medida não ter sido concretamente apurada, seria superior a 4 metros, mais concretamente aquele veículo teria cerca de 4,3 metros de comprimento (cfr. https://www.the-blueprints.com/vectordrawings/show/1257/seat_leon/).
Por outro lado, se os dois veículos tivessem colidido na faixa de desaceleração existente no centro da via, em circunstância alguma, o DZ teria ficado imobilizado, como ficou, dentro da faixa de rodagem direita da E.N. 103, atento o sentido Póvoa de Lanhoso - Braga.
Na verdade, para que o DZ tivesse embatido no NH na dita faixa de desaceleração, como alega o recorrente, teria necessariamente ocupado o respectivo espaço e não se vislumbra como seria possível que, depois desse embate, tivesse recuado, ou se tivesse deslocado para a direita, de forma a ficar imobilizado na hemi-faixa direita da estrada e com a sua frente voltada para o eixo da via, em alinhamento com o início dessa faixa de desaceleração, atento o sentido Póvoa de Lanhoso – Braga, tal como é retratado nas fotografias de fls. 31vº, 32 e 35vº.
Ademais, foi referido pela testemunha F. J. que, pelo croquis que elaborou (e que teve o cuidado de o fazer à escala para ficar próximo da realidade) e na sua perspectiva, o local do embate não terá sido o indicado por nenhum dos condutores, sendo perceptível da audição da gravação que esta testemunha terá indicado, no próprio croquis que lhe foi exibido, qual terá sido, na sua opinião, o local provável do embate – o que apenas foi percepcionado pelo Mº Juiz “a quo” e, eventualmente, pelos mandatários das partes – não se podendo olvidar que se trata apenas de uma opinião da testemunha que, embora sendo o militar da GNR que se deslocou ao local e tomou conta da ocorrência, não presenciou o acidente.
Alega o recorrente que as fotografias insertas no artº. 19º da petição inicial revelam onde ficaram os vidros provenientes do farol esquerdo do veículo seguro na recorrida, após o embate, sendo esse local a já falada “zona de refúgio” (assim apelidada pelo A. e pelas testemunhas), ou seja, na “baía de mudança de direcção” ou faixa de desaceleração.

No entanto, tal afirmação mostra-se contrariada pelos seguintes elementos objectivos:
- Não foi mencionada no auto de participação do acidente, elaborado pelo militar da GNR F. J., a localização de quaisquer vestígios na via. A única menção que, a esse propósito, é feita nesse auto consiste no seguinte: “vestígios no local: a posição final dos veículos”;
- No decurso da audiência de julgamento, o militar da GNR que elaborou a participação do acidente referiu que não se recordava da existência e localização de vidros na via; ou seja, a existência e localização de vestígios na via não foi confirmada pelo agente da autoridade que se deslocou ao local e tomou conta da ocorrência, nem na participação, nem no seu depoimento em audiência de julgamento;
- Apenas está provada a existência de vidros e plásticos na via (cfr. ponto 9 dos factos provados que remete para o croquis, no qual nada está assinalado a esse respeito), não se tendo apurado o local exacto onde os mesmos ficaram depositados;
- Tão pouco se pode atender, para concluir no sentido de que o embate ocorreu na faixa de desaceleração, ou para credibilizar o depoimento do A. e da sua esposa, às fotografias que o A. inseriu na sua petição inicial;
- Na verdade, analisando-se as 4 fotografias que o A. inseriu na petição inicial, verifica-se que nas inseridas no artº. 10º daquele articulado vêem-se os veículos ainda no local do acidente, ao passo que nas colocadas no artº. 19º os veículos estão ausentes. Ora, nas fotografias com os veículos no local, não são visíveis na via, seja onde for, quaisquer vestígios de vidros partidos; já nas fotografias inseridas no artº. 19º, são visíveis vidros na zona de desaceleração.
Porém, contrariamente ao pretendido pelo A., entendemos que não pode ser dada qualquer relevância probatória a tais registos fotográficos. Desde logo, tendo em conta que numas dessas fotografias são visíveis os veículos (e várias pessoas) no local, mas nas outras nenhum automóvel aí se encontra (ou qualquer pessoa), poderemos afirmar que essas imagens não foram, todas elas, obtidas num mesmo momento, mas sim em alturas distintas. Assim, nada permite concluir que, entre o momento em que cada uma dessas fotografias foi obtida, não tenha sido alterada a localização dos vestígios.
Por outro lado, foi referido pela testemunha F. J. (militar da GNR que se deslocou ao local, tomou conta da ocorrência e elaborou a participação do acidente e o croquis nela incorporado) que não costuma dar grande valor aos vestígios no local, nomeadamente aos vestígios móveis, espalhados (como vidros ou plásticos partidos no chão), para o efeito da determinação do local do embate, na medida em que se tratam de vestígios susceptíveis de serem projectados ou sofrerem movimentações, ao passo que quando são vestígios fixos, como marcas de travagem, por norma menciona na participação. Não temos motivos para colocar em crise este depoimento de F. J., tanto mais que o mesmo esclareceu que é perito em acidentes de viação e tem um curso de investigação criminal naquela área, o que, conjugado com o facto de se tratar de um agente da autoridade que não tem qualquer relação com os intervenientes no acidente e nenhum interesse nesta causa, confere credibilidade ao seu depoimento.
Esta testemunha afirmou que não se recordava de ter visto os vestígios no local, e quando confrontado com a participação do acidente de fls. 10 a 11vº, confirmou não ter mencionado na mesma a existência de vestígios e que efectuou as medições com base na posição final dos veículos (partindo do pressuposto que é aquela que encontrou no local). Referiu, ainda, que transcreveu o que os dois condutores intervenientes no acidente declararam no local, sendo que cada um deles tinha uma versão diferente do acidente e “indicações diferentes do local do embate”, tendo mencionado no croquis dois locais prováveis de embate (os indicados por cada um dos condutores), pois tem que respeitar o que os condutores disseram, uma vez que não presenciou o acidente.
Ademais, ao serem-lhe exibidas as fotografias de fls. 31vº e 32, a testemunha limitou-se a transmitir a sua opinião sobre o provável local do embate, com base no que está retratado naquelas fotografias, no que consta da participação do acidente e na sua experiência profissional, não tendo conseguido indicar com a certeza e segurança que este tipo de situações requer, o local exacto do embate entre os dois veículos, uma vez que, como ele frisou, não presenciou o acidente.
Em face de tudo o que acima se deixou exposto, entendemos que bem andou o Tribunal “a quo” ao referir, na sentença recorrida, que os vestígios (vidros e plásticos no local) também só por si não permitem estabelecer com segurança o local do embate, porquanto esses materiais normalmente são projectados, pelo que, como referiu o militar da GNR ouvido na audiência de julgamento, não se pode com base neles fixar o local de embate, devendo atender-se, precisamente, às suas dificuldades em dizer onde o embate se deu, como não poderia deixar de ser; idêntico raciocínio deve ser feito para a posição final dos veículos, que por ser final é diferente da posição em que se encontravam no momento do embate – podendo tal posição final dar azo, como quase sempre, a interpretações divergentes – veja-se, por ex., a “opinião” de uma das testemunhas da Ré sobre o local do embate baseado nessas posições (cfr. depoimento de Z. S.). Estas dúvidas nunca poderiam ser afastadas pelas fotografias juntas (pois as fotografias foram diferentemente interpretadas pelas partes).
Como pudemos constatar, os depoimentos das demais testemunhas ouvidas em audiência de julgamento e os elementos objectivos constantes dos autos não confirmam ou dão credibilidade à versão do acidente apresentada pelo A. e sua esposa, a qual não foi acolhida pelo Tribunal recorrido.
Ora, revisitados os depoimentos do A. e das testemunhas mencionadas pelo ora recorrente, e considerando os restantes meios de prova, designadamente os depoimentos das demais testemunhas, a participação do acidente elaborada pela GNR e as fotografias incorporadas na petição inicial e juntas com a contestação acima referidas, não se vislumbra que os mesmos sejam de molde a permitir considerar como provada a matéria vertida nas alíneas a) a i) supra referidas, não tendo este tribunal de recurso adquirido, assim, convicção diferente da que foi obtida pelo Tribunal da 1ª instância.
Relativamente à produção de prova realizada na audiência de julgamento, acresce referir que, embora resulte da gravação dos depoimentos que o A. e algumas testemunhas (com destaque para as testemunhas D. R. e F. J.) foram confrontadas com algumas das fotografias juntas aos autos e com o croquis constante da participação do acidente, não tem este Tribunal forma de sindicar os respectivos depoimentos na parte em que identificam ou assinalam, nessas fotografias e no croquis, as vias por onde circulavam os veículos, a mencionada “faixa de refúgio”, a trajectória seguida por cada um dos veículos envolvidos no acidente, o local provável do embate, o posicionamento dos veículos após o embate e o local onde ficaram depositados vidros partidos, uma vez que não resulta perceptível do registo audio a parte das fotografias e do croquis em que o depoente está a assinalar os pontos e/ou pormenores sobre os quais está a depôr, não sendo possível vislumbrar, a quem apenas ouve a gravação, que locais o A. e as testemunhas estão a apontar naqueles elementos probatórios.
Nesta parte, o que conta é a convicção formada pelo julgador na 1ª instância, que beneficiou da imediação resultante do julgamento e, por isso, pode visualizar com clareza o que estava a ser identificado pelo A. e pelas testemunhas nas mencionadas fotografias e no croquis.
Como tivemos oportunidade de constatar, a prova produzida nos autos, e designadamente os elementos probatórios mencionados pelo recorrente, não têm a virtualidade de sustentar qualquer alteração à matéria de facto dada como provada nos termos por ele pretendidos.
Na fixação da matéria de facto provada e não provada, como já se referiu, o Tribunal de 1ª instância rege-se pelo princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artº. 607º, nº. 5 do NCPC, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, só podendo ocorrer alteração da mesma por parte do Tribunal da Relação, que se deve reger também pelo aludido princípio, nos termos do artº. 662º do mesmo diploma legal.
Ora, a convicção formada por este tribunal de recurso quanto à dinâmica do acidente, depois de ouvida a gravação da prova produzida em audiência de julgamento e de efectuada a apreciação dos depoimentos prestados em conjugação com as fotografias constantes dos autos, a participação do acidente elaborada pela GNR e as regras da experiência comum, é aquela que vem plasmada na decisão do Tribunal recorrido, resultando do atrás exposto que, relativamente aos factos tidos por não provados descritos nas supra mencionadas alíneas a) a i) que o recorrente pretende sejam considerados provados, inexistem quaisquer elementos de prova seguros e consistentes que permitam formar uma convicção diferente.
Neste contexto, perfilhamos a posição defendida por Ana Luísa Geraldes acima enunciada de que em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si (como acontece “in casu”, em que as únicas pessoas que presenciaram o acidente deram versões completamente distintas e inconciliáveis do mesmo) e à fragilidade da prova produzida (que não permitiu a este Tribunal, de forma segura, formar uma convicção, sobre o modo como ocorreu o acidente, diferente da obtida pelo Tribunal recorrido), deve prevalecer a decisão proferida pela 1ª instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.
Por tudo o que se deixou exposto, entendemos que não se poderá atender à pretensão formulada pelo Autor, improcedendo, nesta parte, o recurso por ele interposto.
*

B) Relativamente ao recurso subordinado interposto pela Ré Seguradora:

No âmbito do recurso subordinado, a Ré pretende que:
a) - seja alterada a redacção dos pontos 5 a 7 dos factos provados passando a ser a seguinte:
5. Pelas 17 horas do dia 18/10/2015 ainda era dia mas chuviscava;
6. O demandante que circulava na Rua ... como referido supra, ocupou a referida E.N. 103 para por ela passar a circular no sentido Braga – Póvoa de Lanhoso, mudando de direcção para a sua esquerda;
7. O veículo do A. no decurso dessa manobra foi embatido sensivelmente na parte lateral esquerda (da porta traseira para trás) do veículo NH pela parte da frente do lado esquerdo do veículo DZ, que circulava pela E.N. 103, no sentido Póvoa de Lanhoso – Braga, a velocidade e a distância do referido entroncamento, no momento em que o demandante entrou na E.N. 103, que não se conseguiu apurar;
b) - sejam considerados provados os factos alegados nos artºs 7º, 8º, 19º, 20º, 33º a 37º, 39º, 40º, 42º a 44º, 52º e 53º da contestação, com a seguinte redacção:
Artº. 7º: [o D. R.] seguia rigorosamente pela sua mão de trânsito, ou seja, pela metade direita da faixa de rodagem, atento o seu rumo;
Artº. 8º: O D. R. animava o DZ de velocidade moderada, que não excedia a de 50 km/h;
Artº. 19º: E, depois de ter descrito essa curva, prosseguiu o seu rumo em direcção a Braga, mantendo um andamento moderado de cerca de 40/50 km/h;
Artº. 20º: Quando o condutor desse carro se aproximava do entroncamento com a Rua ..., foi surpreendido pelo súbito surgimento de um veículo provindo da sua direita, o qual se meteu à sua frente, causando o acidente;
Artº. 33º: E antes de iniciar essa manobra, o Autor não se certificou de que da sua feitura não resultaria perigo de acidente;
Artº. 34º: Antes de invadir a faixa de rodagem da E.N. 103, o A. não olhou para a sua esquerda, de forma a aperceber-se do trânsito que se processava nessa via no sentido Chaves-Braga;
Artº. 35º: Ou, tendo olhado, não se apercebeu da aproximação do DZ, ou não avaliou de forma correcta a distância que existia entre si e aquele carro;
Artº. 36º: Porém, no momento em que o condutor do NH iniciou a manobra de mudança de direcção à esquerda e ocupou a faixa de rodagem da E.N. 103, o DZ já se encontrava à curta distância de si de menos de 15 metros;
Artº. 37º: Nessa altura, o DZ, aproximando-se do A. no sentido Chaves-Braga, era-lhe perfeitamente visível;
Artº. 39º: Assim, o Autor não cedeu passagem ao DZ;
Artº. 40º: E, antes pelo contrário, ocupou, a faixa de rodagem da E.N. 103, atravessando essa via e metendo-se à frente do DZ, cuja linha de rumo cortou;
Artº. 42º: Por absoluta escassez de tempo e de espaço, não lhe foi possível evitar a colisão entre a parte dianteira esquerda do DZ e a parte lateral esquerda (entre a porta da frente esquerda e o rodado traseiro esquerdo) do NH;
Artº. 43º: O referido embate ocorreu em plena área do entroncamento;
Artº. 44º: Essa colisão ocorreu na metade direita da faixa de rodagem da E.N. 103, atento o sentido Chaves-Braga;
Artº. 52º: O DZ em momento algum invadiu a baía de mudança de direcção existente no eixo da estrada;
Artº. 53º: No momento da colisão a metade direita da E.N. 103 (atendo o sentido do DZ) não estava livre, mas sim ocupada pelo NH, em largura não inferior à de 1,7 metros, contados desde o eixo da estrada.
No que concerne ao ponto 5 dos factos provados e à matéria vertida nos artºs 15º a 17º da contestação, que respeitam às condições de visibilidade que se verificavam no local do acidente, a Ré/recorrente fundamenta a sua pretensão no depoimento de parte do Autor, no auto de participação do acidente de viação junto a fls. 10 a 11vº e 38 a 39vº (Doc. 2 da contestação), nas fotografias juntas pela Ré como anexo ao Doc. 1 da contestação (fls. 31vº a 37vº) e nos factos provados sob os nºs 4 e 5 (este último na parte não impugnada), argumentando que a conjugação de todos estes elementos revela que nenhum obstáculo existia à visibilidade dos automobilistas no local, a não ser algum chuvisco que não impediu o A. de avistar o trânsito que se processava no sentido Póvoa de Lanhoso - Braga, sendo que o A. podia ver e diz mesmo ter visto, a partir do local onde existia o sinal de Stop, todo o troço em recta situado à sua esquerda, numa extensão de 100 metros.
Para fundamentar a sua pretensão quanto aos pontos 6 e 7 dos factos provados e à matéria vertida nos artºs 7º, 8º, 19º, 20º, 33º a 37º, 39º, 40º, 42º a 44º, 52º e 53º da contestação, que se reportam à dinâmica do acidente, a recorrente invoca os depoimentos das testemunhas D. R. e F. J., as fotografias que a Ré juntou como Doc. 1, 6 e 7 da contestação (fls. 31vº a 37vº e 45vº a 57vº) e o auto de participação do acidente que foi junto como Doc. 2 da contestação (fls. 38 a 39vº), em conjugação com as regras do senso comum.
No que concerne às circunstâncias em que o Tribunal da Relação deve proceder à alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, de acordo com o disposto no artº. 662º, n.º 1 do NCPC, e à questão dos ónus que impendem sobre o recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto estabelecidos no artº. 640º NCPC, remetemos para o que atrás se deixou dito quanto a esta matéria, antes de se ter apreciado o recurso interposto pelo A., que também se aplica a este caso e que aqui nos dispensamos de repetir.
A Ré, aqui recorrente, cumpriu os ónus estabelecidos no supra citado artº. 640º do NCPC, tendo inclusive procedido à transcrição de alguns excertos dos depoimentos das testemunhas D. R. e F. J., por ela mencionadas para fundamentar a sua pretensão, pelo que estando gravados os depoimentos prestados em audiência de julgamento e constando do processo os meios de prova tidos em atenção pelo Tribunal “a quo” na formação da sua convicção (toda a prova documental e as fotografias supra referidas), nada obsta à reapreciação da decisão da matéria de facto.
Considera a Ré/recorrente que a prova produzida nos autos impunha decisão diversa da proferida quanto à matéria de facto e, em resultado da alteração dessa decisão, deverá concluir-se no sentido de que só o A. deu causa ao acidente.

Vejamos se lhe assiste razão.

O ponto 5 dos factos provados que a recorrente pretende seja alterado nos termos supra referidos, tem a seguinte redacção:
5. Pelas 17h do dia 18/10/2015 ainda era dia mas chuviscava não se tendo apurado as condições de visibilidade no local.
E os artºs 15º a 17º da contestação tidos por não provados, que a recorrente pretende sejam dados como provados nos termos supra descritos, têm a seguinte redacção:
Artº. 15º: Nas apontadas circunstâncias de tempo e lugar não existia nevoeiro e o ar estava limpo;
Artº. 16º: Propiciando-se perfeitas condições de visibilidade;
Artº. 17º: Quem se encontrasse no termo da Rua ..., junto ao local onde essa via entroncava na EN 103 (isto é, junto do STOP), e olhasse para a esquerda, ou seja, na direção de Chaves, conseguia avistar a faixa de rodagem daquela via, em toda a sua largura, numa extensão de, pelo menos 100 metros.
Estes factos respeitam às condições de visibilidade que se verificavam no local do acidente, que o julgador considerou não terem ficado provadas.
Porém, entendemos que a recorrente tem razão ao defender que se provou que, aquando da ocorrência do acidente, inexistia qualquer impedimento à visibilidade entre os utentes das vias que formavam o entroncamento onde se deu o embate.
Desde logo, importa ter presente o que se provou nos pontos 4 e 5 (neste último, na parte não impugnada) da matéria de facto dada como assente na sentença recorrida.

Dessa factualidade se retira que no local onde ocorreu o acidente:

· a E.N. 103, depois de uma curva à direita, atento o sentido Chaves – Braga, formava uma recta, com cerca de 200 metros de extensão;
· a via de onde proveio o A. situava-se, sensivelmente, a meio desse segmento em recta da via;
· existia um troço em recta, com a extensão de 100 metros, entre o entroncamento de onde proveio o A. e a curva mais próxima situada à sua esquerda, ou seja, do lado da Póvoa de Lanhoso;
· Pelas 17h de 18 de Outubro de 2015 ainda era dia;
· Nessa altura chuviscava.

Ora, estes factos revelam que as características da via não constituíam impedimento a que o A., quando se encontrava na zona onde existia o sinal de Stop, dispusesse de visibilidade para a sua esquerda numa extensão de, pelo menos, 100 metros.
A questão está, pois, em saber se se provou que existia, ou não, algum impedimento a que os utentes da via conseguissem avistar o trânsito nesse troço com cerca de 100 metros que antecedia o entroncamento onde se deu o embate, atento o sentido Póvoa de Lanhoso - Braga.
Como ponto preliminar, há a salientar o facto de a mera existência de um chuvisco não consubstanciar um impedimento relevante à plena visibilidade da via pelos seus utentes, facto que, de resto, nenhum dos intervenientes assinalou.
Revisitando a prova produzida e constante dos autos, encontramos a referência, no auto de participação do acidente de viação (fls. 10 a 11vº e também fls. 38 a 39vº), mais precisamente no item destinado a indicar as “Cond. Amb. Visibilidade”, que esta era “boa”, existindo, ainda, menção ao facto de ser pleno dia.
Por outro lado, observando-se as fotografias que a Ré juntou como anexo ao Doc. 1 da contestação (designadamente a de fls. 31vº, 32 e 35vº a 37vº), obtidas depois da ocorrência do embate, não é visível qualquer neblina ou nevoeiro no local.
A isto acresce o depoimento do próprio A. que referiu, além do mais, que, quando chegou ao local onde existia o sinal de Stop, olhou para a sua esquerda e não viu ninguém naquela recta que existia à sua esquerda (ou seja, nos 100 metros da via que existiam para os lados de Póvoa de Lanhoso), acabando, assim, por confirmar que inexistia qualquer impedimento meteorológico à plena visibilidade no local.
De forma mais clara, o A. declarou, nesse mesmo depoimento, que havia um chuvisco, mas “a estrada era visível”.
Acrescentou, também, no seu depoimento, que não avistou “carro nenhum ao longo daquela recta toda, que ainda é grande, que ainda é grande”.
Ora, a conjugação de todos estes elementos revela que nenhum obstáculo existia à visibilidade dos condutores, a não ser algum chuvisco, sendo relevante assinalar que esse chuvisco não impediu o A. de avistar o trânsito que se processava no sentido Póvoa de Lanhoso-Braga.
De facto, o que o A. diz – aqui sem qualquer credibilidade – é que nenhum veículo circulava no troço em recta que antecedia o entroncamento no sentido Póvoa de Lanhoso-Braga, quando, na verdade, está dado como assente no ponto 7 dos factos provados que o veículo DZ circulava pela E.N. 103, no sentido Póvoa do Lanhoso – Braga.

Assim, face ao teor do auto de participação do acidente junto a fls. 10 a 11vº, às fotografias de fls. 31vº, 32 e 35vº a 37vº e àquela parte do depoimento do A. que se encontra transcrito nas alegações de recurso, entendemos que deve ser parcialmente atendida a pretensão da Ré/recorrente no sentido de:

a) - ser alterada a redacção do ponto 5 dos factos provados que passará a ser a seguinte:
5. Pelas 17h do dia 18/10/2015 ainda era dia, mas chuviscava;
b) - serem dados como provados os factos vertidos nos artºs 15º e 17º da contestação, constituindo os pontos 15 e 16 dos factos provados com a seguinte redacção:

15. Nas apontadas circunstâncias de tempo e lugar não existia nevoeiro;
16. Quem se encontrasse no termo da Rua ..., junto ao local onde essa via entroncava na E.N. 103 (isto é, junto ao sinal de Stop), e olhasse para a esquerda, ou seja, na direcção de Chaves, conseguia avistar a faixa de rodagem daquela via, em toda a sua largura, numa extensão de, pelo menos, 100 metros;
Entendemos não ser de considerar provada a matéria vertida no artº. 16º da contestação por, em nosso entender, constituir uma conclusão retirada dos supra mencionados factos dados como provados.

Os pontos 6 e 7 dos factos provados que a recorrente pretende sejam alterados nos termos supra referidos, têm a seguinte redacção:

6. Em circunstâncias que não foi possível apurar, o demandante que circulava na Rua ... como referido supra, ocupou a referida EN 103 para por ela passar a circular no sentido Braga - Póvoa de Lanhoso, mudando de direção para a sua esquerda.
7. Em circunstâncias que não foi possível apurar, o veículo do A. no decurso dessa manobra foi embatido sensivelmente na parte lateral esquerda (da porta traseira para trás) do veículo NH pela parte da frente do lado esquerdo do veículo DZ, que circulava pela E.N. 103, no sentido Póvoa de Lanhoso – Braga, a velocidade e a distância do referido entroncamento, no momento em que o demandante entrou na EN 103, que não se conseguiu apurar.

E os artºs 7º, 8º, 19º, 20º, 33º a 37º, 39º, 40º, 42º a 44º, 52º e 53º da contestação tidos por não provados, que a recorrente pretende sejam dados como provados nos termos supra descritos, têm a seguinte redacção:
Artº. 7º: Seguia rigorosamente pela sua mão de trânsito, ou seja, pela metade direita da faixa de rodagem, atento o seu rumo;
Artº. 8º: O D. R. animava o DZ de velocidade moderada, que não excedia a de 50 km/h;
Artº. 19º: E, depois de ter descrito essa curva, prosseguiu o seu rumo em direção a Braga, mantendo um andamento moderado de cerca de 40/50 km/h;
Artº. 20º: Ora, quando o condutor desse carro se aproximava do entroncamento com a Rua ..., foi surpreendido pelo súbito surgimento de um veículo provindo da sua direita, o qual se meteu à sua frente, causando o acidente;
Artº. 33º: E antes de iniciar essa manobra, o Autor não se certificou de que da sua feitura não resultaria perigo de acidente;
Artº. 34º: Com efeito, antes de invadir a faixa de rodagem da EN 103, o A não olhou para a sua esquerda, de forma a aperceber-se do trânsito que se processava nessa via no sentido Chaves-Braga;
Artº. 35º: Ou, tendo olhado, não se apercebeu da aproximação do DZ, ou não avaliou de forma correta a distância que existia entre si e aquele carro;
Artº. 36º: Porém, no momento em que o condutor do NH iniciou a manobra de mudança de direção à esquerda e ocupou a faixa de rodagem da EN 103, o DZ já se encontrava à curta distância de si de menos de 15 metros;
Artº. 37º: Nessa altura, o DZ, aproximando-se do A no sentido Chaves-Braga, era-lhe perfeitamente visível;
Artº. 39º: Assim, o Autor não cedeu passagem ao DZ;
Artº. 40º: E, antes pelo contrário, ocupou, de forma súbita e rápida, a faixa de rodagem da EN 103, atravessando essa via e metendo-se à frente do DZ, cuja linha de rumo cortou;
Artº. 42º: (…) por absoluta escassez de tempo e de espaço, não lhe foi possível evitar a colisão entre a parte dianteira esquerda do DZ e a parte lateral esquerda (entre a porta da frente esquerda e o rodado traseiro esquerdo) do NH;
Artº. 43º: O referido embate ocorreu em plena área do entroncamento;
Artº. 44º: Essa colisão ocorreu na metade direita da faixa de rodagem da EN 103, atento o sentido Chaves-Braga, a cerca de 1,7m do eixo da via;
Artº. 52º: Por outro lado, o DZ em momento algum invadiu a baía de mudança de direção existente no eixo da estrada;
Artº. 53º: No momento da colisão a metade direita da EN 103 (atendo o sentido do DZ) não estava livre, mas sim ocupada pelo NH, em largura não inferior à de 1,7 metros, contados desde o eixo da estrada.
Estes factos reportam-se à dinâmica do acidente, que o julgador considerou não terem ficado provados.
No que toca ao modo como ocorreu o acidente, e como já atrás se referiu quando se conheceu o recurso do A. relativamente à matéria de facto, é de reconhecer que o julgador se viu confrontado com versões distintas e inconciliáveis do acidente.
Assim, por um lado, o A. B. A. e sua esposa M. O. afirmaram que o acidente ocorreu num momento em que o veículo NH se encontrava totalmente parado na faixa de desaceleração existente no centro da via, ao passo que o outro interveniente, a testemunha D. R. (condutor do veículo DZ) referiu que o NH se atravessou à sua frente quando já se encontrava a curta distância dele, tendo-se dado a colisão ainda na metade da E.N. 103 reservada à circulação no sentido Póvoa de Lanhoso - Braga.
Pretende a Ré/recorrente que seja alterada a decisão da matéria de facto nos termos acima descritos, por forma a concluir no sentido de que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do Autor, estribando-se, para tanto, nos depoimentos das testemunhas D. R. e F. J., nas fotografias que a Ré juntou como Doc. 1, 6 e 7 da contestação (fls. 31vº a 37vº e 45vº a 57vº) e no auto de participação do acidente que foi junto como Doc. 2 da contestação (fls. 38 a 39vº), em conjugação com as regras do senso comum.
No que concerne a estes concretos pontos de facto impugnados pela Ré/recorrente, remetemos, desde já, para a apreciação e análise crítica feita por este Tribunal dos depoimentos das aludidas duas testemunhas e elementos documentais supra referidos (fotografias e participação do acidente), conjugados com as regras da experiência comum, e que, em nosso entender, se aplicam à situação ora em apreço, a fim de evitar repetições inúteis.
Importa acrescentar que a Ré Seguradora considera que não há qualquer razão para não dar total credibilidade ao depoimento da testemunha D. R., condutor do veículo DZ nela seguro, e à versão do acidente por ele apresentada que, em seu entender, não é suficientemente contrariada pelos elementos objectivos constantes dos autos, como as fotografias acima referidas, o croquis inserto no auto de participação policial do acidente e ainda o depoimento do militar da GNR que o elaborou.
A Ré/recorrente considera que a versão do acidente apresentada pelo A. e sua esposa não faz qualquer sentido, sendo contrariada pelos vários elementos objectivos constantes dos autos. E argumenta que o A. e sua esposa são pessoas indiscutivelmente interessadas no desfecho da lide, tanto mais que o insucesso das pretensões formuladas na presente acção afecta directamente o seu património (sendo este também o entendimento deste Tribunal).
No entanto, importa acrescentar que o depoimento da testemunha D. R. não deixa, à semelhança do que se referiu em relação ao A. e a sua esposa, de ser parcial por, de certa forma, ter também interesse no desfecho da presente lide, pois com uma condenação da “sua” Companhia de Seguros existe forte probabilidade de ver o prémio de seguro aumentar.
Como já se referiu aquando da apreciação do recurso do A. quanto à decisão da matéria de facto, a prova produzida nos autos, e designadamente os elementos probatórios mencionados pela ora recorrente, não têm a virtualidade de sustentar qualquer alteração à matéria de facto plasmada nos artºs 7º, 8º, 19º, 20º, 33º a 37º, 39º, 40º, 42º a 44º, 52º e 53º da contestação tidos como não provados, nos termos por ela pretendidos.
Na fixação da matéria de facto provada e não provada, como já se referiu, o Tribunal de 1ª instância rege-se pelo princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artº. 607º, nº. 5 do NCPC, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, só podendo ocorrer alteração da mesma por parte do Tribunal da Relação, que se deve reger também pelo aludido princípio, nos termos do artº. 662º do mesmo diploma legal.
Ora, a convicção formada por este tribunal de recurso quanto à dinâmica do acidente, depois de ouvida a gravação da prova produzida em audiência de julgamento e de efectuada a apreciação dos depoimentos prestados em conjugação com as fotografias constantes dos autos, a participação do acidente elaborada pela GNR e as regras da experiência comum, é aquela que vem plasmada na decisão do Tribunal recorrido, resultando do atrás exposto que, relativamente aos factos tidos por não provados descritos nos artºs 7º, 8º, 19º, 20º, 33º a 37º, 39º, 40º, 42º a 44º, 52º e 53º da contestação que a recorrente pretende sejam considerados provados, inexistem quaisquer elementos de prova seguros e consistentes que permitam formar uma convicção diferente.
Neste contexto, perfilhamos a posição defendida por Ana Luísa Geraldes (in Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, pág. 609) de que em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si (como acontece “in casu”, em que as únicas pessoas que presenciaram o acidente deram versões completamente distintas e inconciliáveis do mesmo) e à fragilidade da prova produzida (que não permitiu a este Tribunal, de forma segura, formar uma convicção, sobre o modo como ocorreu o acidente, diferente da obtida pelo Tribunal recorrido), deve prevalecer a decisão proferida pelo juiz da 1ª instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, por estar em posição privilegiada para proceder à avaliação da prova produzida perante ele.
Em face do acima exposto e nos termos do disposto no artº. 662º, nº. 1 do NCPC, procede parcialmente a impugnação da matéria de facto deduzida pela Ré/recorrente, alterando-se a redacção do ponto 5 dos factos provados nos termos atrás mencionados e aditando-se aos factos provados os pontos 15 e 16 acima referidos, mantendo-se, no entanto, inalterada a restante matéria de facto provada e não provada supra descrita.
*
II) - Saber se deverá ser alterada a solução jurídica da causa:

O A./recorrente insurge-se contra a sentença recorrida, alegando que admitidas as alterações à matéria de facto nos termos por ele pretendidos, teria de se considerar que o único e exclusivo culpado pela eclosão do acidente descrito nestes autos foi o condutor do veículo seguro na Ré/recorrida.
Por sua vez, a Ré Seguradora defende que caso fosse atendida, total ou parcialmente, a impugnação da decisão da matéria de facto nos termos por ela pretendidos, teria de se considerar o A. como o único responsável pela ocorrência do acidente, dando lugar à revogação da sentença recorrida e à absolvição da recorrente do pedido.
Ora, salvo o devido respeito, entendemos que não assiste razão aos recorrentes.
Tendo em conta que a alteração da decisão jurídica da causa (nomeadamente quanto à responsabilidade pela ocorrência do acidente) se baseava na alteração de decisão da matéria de facto nos termos pretendidos por ambas as partes, o que não ocorreu em relação ao A., e apesar deste tribunal de recurso ter alterado a redacção do ponto 5 dos factos provados e acrescentado à matéria de facto provada os factos nºs 15 e 16 acima referidos conforme pretensão da Ré (os quais se nos afiguram serem completamente inócuos em relação à posição defendida pelo Tribunal de 1ª instância, no sentido de não ser possível afirmar um juízo de culpa concreta, real ou efectiva, de qualquer um dos condutores na produção do sinistro), não tendo atendido à pretensão da Ré quanto aos restantes factos que a mesma pretendia que fossem considerados provados, outra não poderia ter sido a decisão do Tribunal “a quo” senão a que foi proferida e que agora está sob censura.

Assim, bem andou o Tribunal “a quo ao referir na sentença recorrida o seguinte [transcrição]:
«A primeira questão a resolver é, naturalmente, a de saber a quem pode ser atribuída a responsabilidade pela produção do sinistro (uma vez que nunca se discutiu a sua verificação).
A este respeito os factos dados como provados são muito escassos.
Na verdade, não se tendo provado (i.) se o A. parou ou não no “stop” que se lhe apresentava, (ii.) a velocidade a que seguia o veículo segurado, (iii.) a que distância se encontravam os veículos um em relação ao outro aquando da entrada do A. na hemi-faixa por onde circulava o condutor do veículo segurado e numa vertente mais subjetiva, a que distância se aperceberam os condutores um do outro a circular; e (iv.) finalmente, o local onde se deu o embate (se na hemi-faixa de rodagem por onde circulava o veículo segurado, se já fora dessa hemi-faixa na “baía de mudança de direção” identificada na p.i.) não é muito difícil concluir, evidentemente, que não é possível afirmar um juízo de culpa concreta, real ou efetiva, de qualquer um dos condutores na produção do sinistro (nem culpa exclusiva, nem concorrente) – cf. art. 483 do C. Civil.
Além disso, inexiste qualquer circunstância (v.g. relação comitente/comissário – cf. art. 503, nº 3, do C. Civil) de onde se possa extrair qualquer presunção de culpa de qualquer um dos condutores na produção do evento.
O caso cai, pois, inteiramente, no âmbito da responsabilidade pelo risco (fonte especial de responsabilidade civil e da consequente obrigação de reparação do dano – cf. art. 503, nº 1, do C. Civil).
Atentas a natureza e características de cada um dos veículos (ambos automóveis ligeiros de passageiros) reparto o risco próprio de cada veículo na produção dos danos em idêntica proporção, ou, o que é o mesmo, considero igual (50%) a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos – cf. art. 503, nº 1, e art. 506, nº 1, 1ª parte, ambos do C. Civil).»
Constituem fundamentos da responsabilidade civil extra-contratual, prevista nos artºs 483º e seguintes do Código Civil, o facto voluntário do agente, a ilicitude, a culpa, o dano, e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
A responsabilidade pelo risco reveste natureza excepcional: nos termos do artº. 483º, nº. 2 do Código Civil, só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos expressamente especificados na lei.
Constitui entendimento corrente na doutrina e na jurisprudência que a responsabilidade pelo risco exige verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, à excepção da ilicitude e da culpa, ou seja, para que se afirme a responsabilidade pelo risco basta a ocorrência de um facto naturalístico (lícito ou ilícito) e de um nexo de causalidade entre o facto e o dano (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª ed., Almedina, pág. 636; Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 11ª ed., Almedina, pág. 612; acórdãos do STJ de 10/10/2006, proc. nº. 06A2764 e da RP de 30/09/2008, proc. nº. 0825401, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

No caso vertente, provou-se a colisão entre dois veículos, em circunstâncias que não foi possível apurar, pretendendo o A./recorrente que seja imputada a responsabilidade pela produção do acidente ao condutor do outro veículo interveniente, segurado na Ré, bem como o ressarcimento do dano referente à privação do uso do veículo sofrido em consequência desse acidente.
A Ré/Seguradora, também recorrente, pretende que a responsabilidade pela eclosão do acidente seja atribuída exclusivamente ao A., pugnando pela sua absolvição do pedido contra ela formulado.
Acolhendo a posição defendida na sentença recorrida, os factos trazidos aos autos não permitem concluir pela culpa (exclusiva ou concorrente e efectiva ou presumida) de qualquer um dos condutores intervenientes no acidente. Na falta desse juízo de culpa concreta, real, efectiva ou presumida, deverá funcionar o risco, conforme o previsto no artº. 503º, nº. 1 do Código Civil, importando determinar se estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade pelo risco relativa à circulação automóvel.
Dispõe o nº. 1 do artº. 503º do Código Civil que aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, ainda que ele não se encontre em circulação.
São, pois, duas as circunstâncias de que depende a responsabilidade pelo risco em caso de circulação automóvel: ter a pessoa a direcção efectiva do veículo causador do dano e estar o veículo a ser utilizado no seu próprio interesse.
Tendo-se apurado que os veículos intervenientes na colisão pertenciam às pessoas que os conduziam no momento do acidente e no seu próprio interesse (pontos 1 e 2 dos factos provados), estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade pelo risco previstos no artº. 503º, nº. 1 do Código Civil.
Como vem sendo entendido pela doutrina e jurisprudência, em matéria de acidentes causados por veículos, não logrando o lesado provar culpa efectiva ou presumida do condutor do veículo interveniente no acidente, verifica-se responsabilidade pelo risco, que, nos termos do artº. 505º do Código Civil, apenas é excluída se o responsável nos termos do artº. 503º, nº. 1 do mesmo Código, demonstrar que o acidente é imputável ao lesado ou a terceiro, ou que resultou de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo.
Por outras palavras, não havendo culpa, efectiva ou presumida, do condutor do veículo interveniente no acidente, nem se provando que este se deveu a facto do lesado ou de terceiro, ou a causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo, situamo-nos no campo da responsabilidade pelo risco, ainda que o lesado não identifique o risco concreto que originou o acidente (cfr. acórdãos da RG de 15/05/2012, proc. nº. 355/10.9TCGMR e da RP de 5/03/2009, proc. nº. 8162/2008-6, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Importa ter presente a afirmação de Dário Martins de Almeida (in Manual de Acidentes de Viação, 3ª ed., Almedina, pág. 322) que “basta que o veículo esteja em movimento na estrada para já constituir um risco. E daí que, não estando provada a culpa do condutor, o acidente cabe logo, em princípio, na esfera do risco”.
Como dispõe o artº. 506º, nº. 1 do Código Civil, se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou a um deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade pelo risco deverá ser repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos.
Ora, sendo intervenientes no acidente destes autos dois veículos automóveis ligeiros de passageiros de características idênticas, consideramos que ambos criaram riscos idênticos, pelo que concordamos com a proporção na repartição do risco próprio de cada veículo na produção dos danos, fixada pelo Tribunal “a quo”, em 50% para cada um deles.
Nesta conformidade, terão de improceder os recursos interpostos pelo A. e pela Ré Seguradora, mantendo-se inalterada, nesta parte, a sentença recorrida.
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III) – Saber se o A. tem direito a indemnização por privação do uso do veículo:

O A. insurge-se contra a sentença recorrida na parte em que entendeu que o dano por privação do uso do veículo não merece a tutela do direito, com o fundamento de que não se provaram factos que concretizem esse dano, tendo apenas, a este nível, resultado provado que o A. teve incómodos, o que não é passível de ser indemnizado.
Tendo resultado provado que o A. esteve privado do uso do seu veículo durante 25 dias, compreendidos entre o 18/10/2015 (data do acidente) e 12/11/2015 (data da entrega do veículo reparado pela oficina), o mesmo pretende que lhe seja arbitrada uma indemnização por esse dano com recurso à equidade, encontrando-se um valor justo e adequado à privação do uso, ou com base no valor locatício de um veículo de características semelhantes às do recorrente, que estima, no mínimo, em € 25 diários, num total de € 625 (€ 25 x 25 dias), partindo do pressuposto de que o acidente dos autos ocorreu por culpa única e exclusiva do condutor do veículo seguro na Ré.
No que se refere à indemnização do dano por privação do uso do veículo, esta questão tem sido sobejamente debatida na nossa jurisprudência que, à semelhança do que acontece na doutrina, também se mostra dividida.
Percorrendo a jurisprudência encontramos, essencialmente, duas correntes distintas.
Para uns, a simples privação do uso constitui, por si só, um dano indemnizável já que representa, para o seu proprietário, a perda de uma utilidade que é a de usar a coisa quando e como lhe aprouver.
Com efeito, o artº. 1305º do Código Civil reconhece ao proprietário o direito de gozar de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, direito que só conhece os limites e as restrições legalmente impostos. E no que se refere aos veículos automóveis, como nos dá conta o acórdão do STJ de 29/11/2005 (in CJ-Ac. do STJ, Ano XIII – Tomo III, pág. 151), enquanto uns caracterizam este dano, de impossibilidade de dispor do veículo, como não patrimonial, outros defendem que ela consubstancia um dano patrimonial (cfr. acórdãos do STJ de 28/09/2011, proc. nº. 2511/07.8TACSC, da RP de 17/03/2011, proc. nº. 530/09.9TBPVZ e da RG de 11/11/2009, proc. nº. 8860/06.5TBBRG, todos acessíveis em www.dgsi.pt).
A outra corrente defende que a privação do uso de uma coisa por parte do seu proprietário, que um terceiro cause, somente será ressarcível se aquele cumprir com o ónus da prova do dano concreto e efectivo que decorreu da privação. Para estes a mera privação não é indemnizável (cfr. acórdãos do STJ de 30/10/2008, proc. nº. 08B2662 e de 15/11/2011, proc. nº. 6472/06.2TBSTB, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).
Existe, ainda, uma corrente intermédia que defende que a simples privação do uso do bem não basta para justificar a indemnização, sendo também essencial que se prove a frustração de um propósito real e concreto de proceder à sua utilização, não se exigindo a prova de danos efectivos (cfr. acórdão do STJ de 6/05/2008, proc. nº. 08A1389, acessível em www.dgsi.pt).
A nível doutrinário, as posições também são divergentes.
Uma parte da doutrina defende a ressarcibilidade da simples privação do uso, independentemente do uso efectivo que é dado ao bem. Esta posição é mais favorável para o lesado atribuindo à privação do uso uma indemnização autónoma, independentemente de ser feita prova de que o veículo é efectivamente usado de forma habitual (cfr. António Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil - Indemnização do Dano de Privação do Uso, Vol. I, Almedina, 2001, págs. 30 e segtes, Luís Manuel Teles Menezes Leitão, Direito das Obrigações, 2ª edição, vol. I, Almedina, Coimbra, pág. 316 e 317 e nota (657) e Júlio Gomes, Cadernos de Direito Privado, nº. 3, pág. 52 e segtes.).
A outra parte da doutrina recusa a indemnização pela mera privação do uso, exigindo para tanto a prova de um propósito concreto de utilização efectiva do bem (uso regular do bem a nível pessoal ou familiar/profissional), a partir do qual será de presumir (por presunção natural) a existência de danos concretos, merecedores de ressarcimento (cfr. Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Vol. I, pág. 568-596 e Maria da Graça Trigo, Responsabilidade Civil – Temas Especiais, 2015, pág. 64).
Perfilhamos a primeira posição defendida pela jurisprudência e pela doutrina acima enunciada de que a simples privação do uso do veículo consubstancia um dano, porque só o proprietário tem o direito de fruir a coisa que lhe pertence e de a utilizar quando lhe aprouver, tem um valor e como tal é indemnizável.
O dano decorrente da privação do uso do veículo constitui dano patrimonial autónomo susceptível de indemnização, quando o proprietário do veículo danificado se viu privado de um bem que faz parte do seu património.
Ou seja, o proprietário que se vê privado de usar, fruir e dispor de um bem de que é proprietário sofre um dano imediato por efeito dessa mera privação, ainda que não tenha tido qualquer dispêndio de natureza patrimonial causada pela privação do uso.
O mero facto de não pode usar o bem de que é proprietário é um dano juridicamente relevante e susceptível de avaliação pecuniária.
A jurisprudência dos tribunais superiores tem-se firmado, maioritariamente, no sentido de considerar tal dano como dano autónomo indemnizável, bastando-se com a prova genérica que o lesado utilizava a viatura para os fins de lazer/trabalho e, consequentemente, por via daquela privação deixou de poder fazê-lo (cfr. acórdãos do STJ de 5/07/2018, relator Cons. Abrantes Geraldes, proc. nº. 176/13.7T2AVR, da RG de 7/11/2019, proc. nº. 15/18.2T8AMR e de 30/01/2020, proc. nº. 500/18.6T8MDL, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
No caso “sub judice”, provou-se que o A. utilizava o veículo sinistrado para o seu transporte e da sua família e por causa do acidente esteve privado do uso do seu veículo NH até ao dia 12/11/2015, que foi o tempo que a Ré levou a fazer a vistoria e a oficina reparadora a efectuar o conserto e a entregar-lho reparado, sendo que nesse período sofreu incómodos (ponto 11 dos factos provados).
Esta factualidade permite afirmar que a privação do uso da viatura nos moldes referidos causou ao A. um prejuízo patrimonial, que é indemnizável. Na realidade, o A. ficou impedido de exercer plenamente os seus direitos inerentes à propriedade do veículo, ou seja, de usar e fruir as utilidades que normalmente lhe proporcionava no seu dia-a-dia.
No que concerne à ressarcibilidade do dano da privação do uso em casos como o dos autos, em que o veículo é usado habitualmente pelo A. para o seu transporte e da sua família, vem a mesma sendo admitida sem necessidade de o lesado alegar e provar que a falta do veículo foi causa de despesas acrescidas.
Assim, quando esteja em causa a privação do uso de um veículo danificado num acidente de viação, bastará apenas que resulte dos autos que o seu proprietário o usava habitualmente para que este possa exigir uma indemnização a esse título, sem ter de fazer prova concreta de efectivos prejuízos.
Entendemos, por isso, que no caso dos autos não pode deixar de se reconhecer ao A. o direito a obter uma indemnização relacionada com a privação do uso do seu veículo automóvel, apesar de não se ter provado um concreto prejuízo efectivo.
Uma vez assente ter o A. direito a receber uma indemnização decorrente da privação do uso do seu veículo, importa agora proceder à quantificação dessa indemnização, sendo que para o efeito terá de recorrer-se à equidade uma vez que não é possível determinar o valor exacto dos danos, tal como dispõe o artº. 566º, n.º 3 do Código Civil (cfr. acórdãos da RG de 7/11/2019, proc. nº. 15/18.2T8AMR e de 30/01/2020, proc. nº. 500/18.6T8MDL acima referidos).
No sentido de se dever recorrer à equidade para fixação da indemnização por privação do uso, se não houve um concreto prejuízo patrimonial, vejam-se ainda os acórdãos da RL de 12/07/2018, proc. nº. 3664/15.T8VFX, da RP de 8/10/2018, proc. nº. 4031/15.8T8MTS, da RC de 6/02/2018, proc. nº. 189/16.7T8CDN e da RG de 19/01/2017, proc. nº. 1060/16.8T8VCT, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Neste caso, trata-se de encontrar a solução mais equilibrada, tendo em conta os interesses em causa, no contexto da prova disponível, de encontrar um valor que, de modo significativo, compense o A. da privação de uso do seu veículo, durante todo o período em que essa privação se verificou (neste caso, desde a data do acidente até 12/11/2015) e que, ao mesmo tempo, não produza o seu enriquecimento injustificado à custa da Ré.
O A. esteve privado do uso do seu veículo desde a data do acidente, ou seja, desde 18/10/2015, até à data em que o mesmo lhe foi entregue reparado pela oficina (12/11/2015), num total de 25 dias, tendo nesse período sofrido incómodos.
Assim, neste enquadramento, atenta a factualidade provada, a utilização pessoal e familiar que era efectuada do veículo, o período de tempo em que o A. esteve privado do uso do mesmo, o facto de tal privação ter acontecido em 2015 (passados já 5 anos), apelando a critérios de equidade e ponderando os valores usuais na nossa jurisprudência, que têm fixado entre € 25 por dia (cfr. acórdãos do STJ de 28/04/2009, relator Cons. Mário Cruz e de 10/05/2011, relator Cons. João Camilo, ambos citados no acórdão da RG de 9/04/2019, relator Paulo Reis, proc. nº. 673/17.5T8PTL, que com recurso à equidade, fixou a indemnização relativa à privação do uso em € 20 por dia) e € 15 por dia (cfr. acórdãos da RG de 7/11/2019, proc. nº. 15/18.2T8AMR e da RP de 8/10/2018, proc. nº. 4031/15.8T8MTS, estando todos os acórdãos disponíveis em www.dgsi.pt), cremos ser justo, proporcional e adequado, no caso “sub judice”, à luz das regras da boa prudência, de uma criteriosa ponderação das realidades da vida e do bom senso prático, fixar o montante diário em € 20,00 a título de indemnização pela privação do uso do veículo do Autor.
Sendo o período de privação do uso do veículo de 25 dias, tal conduz-nos ao montante total de € 500,00 (€ 20,00 x 25 dias).
Ora, estando nós no âmbito da responsabilidade pelo risco, em que a proporção de responsabilidade da Ré Seguradora é de 50%, a indemnização devida por esta ao A., pela privação do uso do veículo, ascenderá ao valor de € 250, correspondente a metade do valor total daquele dano.
O que vem, pois, a traduzir-se na procedência parcial do recurso do Autor, neste segmento.
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SUMÁRIO:

I) - A alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando seja possível concluir, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância, ou seja, quando a Relação tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
II) - Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.
III) - Constitui entendimento corrente na doutrina e na jurisprudência que a responsabilidade pelo risco exige verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, à excepção da ilicitude e da culpa, ou seja, para que se afirme a responsabilidade pelo risco basta a ocorrência de um facto naturalístico (lícito ou ilícito) e de um nexo de causalidade entre o facto e o dano.
IV) - Na falta de um juízo de culpa (exclusiva ou concorrente e efectiva ou presumida), deverá funcionar o risco, conforme o previsto no artº. 503º, nº. 1 do Código Civil.
V) - Em matéria de acidentes causados por veículos, não havendo culpa, efectiva ou presumida, do condutor do veículo interveniente no acidente, nem se provando que este se deveu a facto do lesado ou de terceiro, ou a causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo, situamo-nos no campo da responsabilidade pelo risco, ainda que o lesado não identifique o risco concreto que originou o acidente.
VI) – Numa colisão entre dois veículos automóveis ligeiros de passageiros de características idênticas, a repartição do risco próprio de cada veículo na produção dos danos prevista no artº. 506º, nº. 1 do Código Civil, deve ser efectuada na proporção de 50% para cada um deles.
VII) - A mera privação do uso de um veículo, ainda que desacompanhada de qualquer prejuízo patrimonial concreto, constitui um dano juridicamente ressarcível na medida em que implica a substração ao lesado de uma parte das faculdades que o direito de propriedade lhe confere, designadamente a faculdade de usar, fruir e dispor do bem quando e como lhe aprouver.
VIII) - A determinação do quantum indemnizatório pela privação do uso, que não implica um qualquer prejuízo patrimonial, deve ser aferida em termos casuísticos e com recurso a critérios de equidade, de harmonia com o preceituado no artº. 566º, n.º 3 do Código Civil.

III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso subordinado interposto pela Ré Seguradoras ..., S.A. e parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Autor B. A. e, em consequência, revogar parcialmente a sentença recorrida, condenando a Ré Seguradora a pagar ao Autor a quantia de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), a título de indemnização pela privação do uso do veículo NH, mantendo em tudo o mais a sentença recorrida.

Custas do recurso do A. a cargo de ambas as partes, na proporção de metade para cada uma delas.
Custas do recurso subordinado a cargo da Ré Seguradora.
Notifique.
Guimarães, 17 de Dezembro de 2020
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)

Maria Cristina Cerdeira (Relatora)
Raquel Baptista Tavares (1ª Adjunta)
Margarida Almeida Fernandes (2ª Adjunta)