Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2350/06-2
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: LIBERDADE CONTRATUAL
CONTRATO
AUTONOMIA PRIVADA
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/11/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: O art. 405º, Cód. Civil, consagra, explicitamente, apenas a liberdade de modulação ou liberdade de fixação ou liberdade de estipulação do conteúdo contratual. Dela emerge, contudo, o reconhecimento da liberdade de celebração ou conclusão dos contratos. Uma importante limitação de ordem prática — não legal ou jurídica — à referida liberdade de modelação é a que se verifica nos contratos da adesão.

Contudo, jamais se pode olvidar que existe autonomia privada num contrato de adesão. O contrato de adesão está submetido ao direito. Deve respeitar as regras do comércio jurídico, não podendo nunca extravasar os limites derivados da boa fé, bons costumes e ordem pública, nem revestir natureza dolosa, usurária, etc..

Com a Ré, portanto, responsável pela indemnização à Autora, em montante correspondente ao valor de todos os prejuízos por esta sofridos em consequência do incumprimento do contrato de transporte que com ela celebrou, que houverem de resultar explícitos, por provados.
O abuso do direito é um limite normativamente imanente ou interno dos direitos subjectivos, pelo que no comportamento abusivo são os próprios limites normativo-jurídicos do direito particular invocado que são ultrapassados.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:


I - A Causa:


M... —Industria de Refrigeração, Lda com sede no parque industrial da socorro, lotes 43,44 e 45, Quinchães, Fafe, instaurou a presente acção declarativa, sob a forma ordinária contra P... — Serviços Postais e Logística, S.A., com sede na rua João Saraiva, 9, 2° Lisboa, pedindo a condenação desta a pagar-lhe quantia não inferior a 26.349,70 euros, acrescida de juros de mora desde a citação e até efectivo pagamento, à taxa legal, alegando, para tanto e em síntese, que:
-A A. exerce a actividade de indústria de produtos de refrigeração, mormente destinados à exploração.
- No Reino Unido, com excepção da Irlanda do Norte, coloca os seus produtos a um único cliente a T... Coolair, lda, a qual revende os produtos através de catálogo que, em cada ano elabora, distribui e promove.
- Durante o mês de Agosto a A. deve fazer chegar à T... as fotografias dos novos produtos para serem incluídos no catálogo; não sendo incluídos no catálogo não serão os produtos vendidos.
- A Ré exerce a actividade de serviços postais e de transporte de correio urgente.
- A. e R. no dia 7 de Agosto de 2001 celebraram, entre si um contrato de transporte, pelo qual a Ré se comprometeu a transportar para Inglaterra uma correspondência que a A. lhe confiou para ser entregue na sede da sociedade T... Coolair, Lda.
- Para o efeito emitiu carta de porte nº EE11581493,PT, que consistia num envelope contendo fotografias de novos modelos de produtos que a A. fabrica destinados a ser incluídos no catálogo de vendas e elaborar e distribuir pela sociedade destinatária, relativo a 2002.
- O prazo para entrega do envelope era de 48horas a contar do dia da aceitação, o qual não foi entregue e as fotografias não fizeram parte do catálogo de vendas da T... Coolair, Lda para 2002.
- As fotografias nunca chegaram a ser entregues, facto de que a A. só teve conhecimento em Outubro de 2001.
- A A. teve prejuízo não inferior a 26.397,60 euros.

Contestando, a R. veio dizer que não sabe qual o conteúdo do objecto titulado pela guia EE1 158 1493PT, com destino a Inglaterra, nem se o mesmo se destinava à sede da T... Coolair, parque a A. não o declarou na referida guia, o qual não chegou a ser entregue por se ter extraviado no sistema operacional da T... Express, S.A., empresa que a R. contratou para proceder ao transporte do mesmo.
- A R. remeteu à A. o montante dos portes de envio, tendo essa recusado receber aquele valor.
Pede a improcedência da acção.

Oportunamente, foi proferida decisão, onde se consagrou que:

Nos termos expostos julgo a acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência, condeno a R. a pagar à A. a quantia de 34,73€ (trinta e quatro euros e setenta e três cêntimos), acrescida dos juros de mora, desde a citação e até integral pagamento.
Custas por A. e R. na proporção dos respectivos decaimentos.

M... — Indústria de Refrigeração, Lda., Autora nos autos de ACÇÃO COM PROCESSO COMUM ORDINÁRIO à margem identificados em que é Ré P... — Serviços Postais e Logística, SA., não se conformando com a sentença que julgou parcialmente improcedente a acção, veio, na parte relativa ao decaimento, dela interpor RECURSO DE APELAÇÃO, alegando e concluindo que

1. Os serviços de correio expresso têm características especiais e criam nos clientes expectativas de um tratamento rápido, especialmente cuidado e individualizado;
2. A Ré apresenta-se aos seus clientes com a sigla ou marca comercial “E...” (E... Mail Service) praticando tarifas de montante elevado, próprio de um serviço com as características referidas na conclusão anterior e não de um serviço de correio ou transporte indiferenciado, pelo que os clientes criam relativamente às prestações da Ré legitimamente, expectativas correspondentes a tais prestações;
3. Recorrendo aos serviços da Ré, os clientes procuram também, naturalmente, transporte para objectos que não são indiferenciados e cujo valor não é só o decorrente das suas próprias características materiais, o que a Ré não ignora nem pode ignorar;
4. Neste tipo de transporte, passando, a declaração do valor intrínseco de um objecto a transportar só por si não resolve portanto a questão da avaliação do prejuízo eventualmente decorrente da respectiva perda;
5. Os serviços prestados pela Ré são oferecidos aos respectivos clientes no âmbito de um contrato de adesão, ou seja, submetidos a cláusulas contratuais gerais previamente definidas pela fornecedora e não sujeitas a negociação;
6. Decorre das conclusões anteriores que o estabelecimento de uma ou mais cláusulas que limitem a responsabilidade por incumprimento da transportadora a um valor fixo pré-determinado (e que tenha por critério apenas o valor intrínseco do objecto transportado e não os efeitos do incumprimento) contraria a confiança posta na realização da prestação e os objectivos pretendidos e portanto também os princípios da boa fé, pelo que tais cláusulas são nulas.
7. Como, aliás, tais cláusulas são também absolutamente proibidas se, como no caso, excluem ou limitam a responsabilidade mesmo havendo dolo ou culpa grave;
8. Mesmo que fossem válidas, as cláusulas em causa só poderiam ser invocadas se tivessem sido previamente comunicadas adequadamente e de modo a que o seu conhecimento completo e efectivo fosse apreensível pela contraparte.
9. O que não sucedeu no caso porquanto as cláusulas não constam dos documentos fornecidos à Autora nem por qualquer outra forma lhe foram comunicadas;
10. Mesmo que se admita a hipótese de ter sido entregue à Autora o texto alegadamente inserido no verso da guia de transporte, tal só teria sucedido na própria ocasião da celebração do contrato e local e temporalmente após a assinatura daquele documento/formulário, fornecido pela transportadora, pelo que tal entrega não preenche as exigências de uma informação adequada;
11. Em consequência do que se refere nas conclusões 8. a 10. as cláusulas em causa têm-se por excluídas do contrato.
12. Também não preenchem as exigências legais de uma informação adequada as indicações contidas em impressos da Ré contendo as condições do transporte mas não quaisquer cláusulas limitativas de responsabilidade sugerindo consulta telefónica ou na Internet para obtenção de mais informações.
13. A Ré é portanto responsável pela indemnização à Autora em montante correspondente ao valor de todos os prejuízos por esta sofridos em consequência do incumprimento do contrato de transporte que com ela celebrou.
14. Não havendo nos autos matéria suficiente para fixar esse valor, deve proceder-se a tal fixação em fase de liquidação configurando-se o dano como perda de oportunidade de lucro resultante da realização dos negócios que teriam sido provavelmente obtidos não fora a falta da Ré;
15. Tendo decidido condenar a Ré em pagar à Autora simplesmente o valor do objecto transportado segundo o seu peso e ainda o preço do serviço não prestado, a sentença recorrida violou, além de outras disposições legais que V. Exa. doutamente suprirão: os art.° 10, 50, 8°, 15°, 16° e 18° - c) do Dec. Lei n.° 466/85, 25 Out., 562°, 405° e 921° do Cod. Civil e 661° - 2 do Cod. Proc. Civil, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra pela qual se condene a Ré no pedido formulado pela Autora, sendo o montante indemnizatório a fixar em execução da sentença e correspondente ao lucro que a mesma poderia esperar dos negócios que só deixou de realizar por efeito do incumprimento da Ré nos termos alegados na petição inicial.

P... — Serviços Postais e Logística, S.A., actualmente designada por CT... Expresso — Serviços Postais e Logística, S.A., Apelada no recurso de Apelação admitido nos autos à margem melhor identificados, notificada das alegações da recorrente, veio apresentar as suas contra-alegações, que pugnaram pela improcedência do recurso interposto.

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1 Instância e que consta da sentença recorrida:

A Ré exerce de forma habitual a actividade de serviços postais e de transporte de correio urgente, a qual constitui o seu escopo social. (A).
No exercício das suas actividades A e R celebraram entre si, no dia 7-8-2001, um contrato de transporte pelo qual a R. se comprometeu a, mediante remuneração, transportar para New by Road Industrial estate , Hazel grave, slockpost, em Inglaterra uma correspondência que a A. lhe confiou para ser entregue naquela morada, sociedade T... Coolair, Lda. (B).
e para o efeito a Ré emitiu carta de porte n° EE5814931PT, documento de fls 5. (C).
e tal correspondência nunca chegou a ser entregue à sociedade destinatória.
(D).
A A. exerce a actividade de indústria de produtos de refrigeração, mormente destinados à exportação. (1º)
No reino Unido, com excepção da Irlanda do Norte , a A. coloca os seus produtos por via da venda dos mesmos a um cliente único: a T... Coolair, Lda, com estabelecimento em New by Rood Industrial estate, Hazel grove , stock post, em Inglaterra.(2°).
Sendo que esta sociedade se dedica à revenda de produtos de refrigeração, que adquire à A., ou outras empresas do mesmo ramo, revenda que faz — exclusivamente através de catálogo que, em cada ano elabora, distribui e promove em todo o Reino Unido, com excepção da Irlanda do Norte. (3°).
Para efeito de execução daquele catálogo de vendas, a A., querendo inserir novos modelos, durante o mês de Agosto, deve fazer chegar à referida T... Coolair, Lda as fotografias desses novos produtos que fabrica de modo a poderem ser nele incuídos. (4°).
Uma vez recebidas as fotografias e elaborado e distribuído o catálogo, o que sucede a partir de finais do mês Setembro seguinte, a T... Coolair, Lda passa, por sua vez, a aceitar encomendas dos seus clientes relativamente aos produtos naquele catálogo divulgados, para satisfação das quais compra à A. os produtos que esta fabrica e para o efeito apresentou. (5°).
A correspondência que a R. se comprometeu entregar consistia num envelope contendo fotografias de novos modelos de produtos, nomeadamente o retrobalcão modelo M..., que a A. fabrica, as quais se destinavam a ser incluídas no catalogo de vendas a elaborar e distribuir pela sociedade destinatária, relativo a 2002 ( doc.n° 2 ).
(7°).
O prazo para entrega do envelope era de 48 horas a contar do dia da aceitação, conforme consta das condições do contrato referido (doc. N° 3), que neste caso foi o dia 7-8-2001. (8°).
A A. só veio a ter conhecimento da não entrega do envelope na T... Coolair, Lda, em Outubro de 2001, ao constatar que o catálogo não inclui a divulgação do novo produto da M..... (9°).
E a A. não recebeu da T... Coolair, Lda qualquer encomenda de tal produto para o ano de 2002. (10°).
A A. no ano de 2002, vendeu no mercado francês 309 unidades do novo modelo de retrobalcão. (12°).
A A. no ano de 2002, deixou de facturar quantia não concretamente apurada respeitante às vendas não efectuadas para a T... Coolair, Lda. (14°).
A A. teve prejuízo. (15°)
A A. reclamou pela não entrega dos objectos expedidos em 3-10-2001. (17°).


Nos termos do art. 684°, n°3, e 690°,n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2, do art. 660º, do mesmo Código.

Das conclusões, ressaltam as seguintes questões:

1. Decorre das conclusões anteriores que o estabelecimento de uma ou mais cláusulas que limitem a responsabilidade por incumprimento da transportadora a um valor fixo pré-determinado (e que tenha por critério apenas o valor intrínseco do objecto transportado e não os efeitos do incumprimento) contraria a confiança posta na realização da prestação e os objectivos pretendidos e portanto também os princípios da boa fé, pelo que tais cláusulas são nulas?

2. A Ré é responsável pela indemnização à Autora em montante correspondente ao valor de todos os prejuízos por esta sofridos em consequência do incumprimento do contrato de transporte que com ela celebrou?

3. Não havendo nos autos matéria suficiente para fixar esse valor, deve proceder-se a tal fixação em fase de liquidação configurando-se o dano como perda de oportunidade de lucro resultante da realização dos negócios que teriam sido provavelmente obtidos não fora a falta da Ré?

4. Tendo decidido condenar a Ré em pagar à Autora simplesmente o valor do objecto transportado segundo o seu peso e ainda o preço do serviço não prestado, a sentença recorrida violou os art.° 1º, 5º, 8°, 15°, 16° e 18° - c) do Dec. Lei n.° 466/85, 25 Out., 562°, 405° e 921° do Cód. Civil e 661°- 2 do Cod. Proc. Civil, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra pela qual se condene a Ré no pedido formulado pela Autora, sendo o montante indemnizatório a fixar em execução da sentença e correspondente ao lucro que a mesma poderia esperar dos negócios que só deixou de realizar por efeito do incumprimento da Ré nos termos alegados na petição inicial?

Apreciando, pela ordem indicada, e reconstituída a prova, na sua integral dimensão, impõe-se referir que (art. 334.º - Abuso do direito) - é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Havendo lugar, legitimamente, à invocação de abuso do direito (art. 334º Cód. Civil), uma vez que a Ré criou na Autora, como em qualquer utilizador, equivalente e circunstancial, uma situação de confiança digna de tutela, e que posteriormente, no condicionalismo que o probatório evidencia, ao não haver consumado a entrega, atraiçoou, desrespeitando (Cf. Ac. RP. 10-3-1998: CJ, 1998. 2-194).

Com efeito, decorre dos Autos, considerando-se assente, que

A correspondência que a R. se comprometeu entregar consistia num envelope contendo fotografias de novos modelos de produtos, nomeadamente o retrobalcão modelo M..., que a A. fabrica, as quais se destinavam a ser incluídas no catálogo de vendas a elaborar e distribuir pela sociedade destinatária, relativo a 2002 ( doc.n° 2 ).
(7°).
O prazo para entrega do envelope era de 48 horas a contar do dia da aceitação, conforme consta das condições do contrato referido (doc. N° 3), que neste caso foi o dia 7-8-2001. (8°).
A A. só veio a ter conhecimento da não entrega do envelope na T... Coolair, Lda, em Outubro de 2001, ao constatar que o catalogo não inclui a divulgação do novo produto da M..... (9°).
E a A. não recebeu da T... Coolair, Lda qualquer encomenda de tal produto para o ano de 2002. (10°).
A A. no ano de 2002, vendeu no mercado francês 309 unidades do novo modelo de retrobalcão. (12°).
A A. no ano de 2002, deixou de facturar quantia não concretamente apurada respeitante às vendas não efectuadas para a T... Coolair, Lda. (14°).
A A. teve prejuízo. (15°)
A A. reclamou pela não entrega dos objectos expedidos em 3-10-2001. (17°).

Ora, o abuso do direito é, efectivamente, um limite normativamente imanente ou interno dos direitos subjectivos, pelo que no comportamento abusivo são os próprios limites normativo-jurídicos do direito particular invocado que são ultrapassados (Ac. STJ, 31-1-1996: BMJ, 453.°-517; Baptista Machado, CJ, 1984. 2º,17, citando Castanheira Neves, Questão de Facto - Questão de Direito, 526 e nota 46).

O abuso de direito abrange, pois, o exercício de qualquer direito por forma anormal, quanto à sua intensidade, ou à sua execução de modo a poder comprometer o gozo de direitos de terceiros e a criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito, por parte do seu titular, e as consequências que outros têm que suportar (Ac. RL. 2-2-1982: CJ, 1982, 1.°-166).

No abuso de direito pode compreender-se (como sanção adequada à sua natureza), assim, qualquer processo em que se consiga a paralisação do respectivo direito, mas o que não pode é suprimir-se o próprio direito a pretexto de que o seu uso é abusivo (Ac. RP, 20-4-1978: CJ, 1978, 2-680).

O que significa que o abuso de direito é, manifestamente, uma forma de antijuricidade ou ilicitude. As consequências, portanto, do comportamento abusivo têm de ser as mesmas de qualquer actuação sem direito, de todo o acto (ou omissão) ilícito. Pode, assim, haver lugar à obrigação de indemnização desde que nos termos gerais da responsabilidade civil (arts. 483.º e ss.), ao facto voluntário e ilícito do agente (comportamento abusivo) se juntem os restantes pressupostos da responsabilidade civil. Quando ele se verifique na prática de negócios jurídicos haverá, ainda, em princípio nulidade — art. 294.º (Jorge M. Coutinho de Abreu. Do abuso de direito, 1983. 76-77).

Com este esquisso, é bem de ver – concedendo -, que a entrega não preenche as exigências de uma informação adequada;
Em consequência, as cláusulas em causa haverão de ter-se por excluídas do contrato. Sendo que também não preenchem as exigências legais de uma informação adequada as indicações contidas em impressos da Ré contendo as condições do transporte mas não quaisquer cláusulas limitativas de responsabilidade sugerindo consulta telefónica ou na Internet para obtenção de mais informações. Com a Ré, portanto, responsável pela indemnização à Autora, em montante correspondente ao valor de todos os prejuízos por esta sofridos em consequência do incumprimento do contrato de transporte que com ela celebrou, que houverem de resultar explícitos, por provados.

Não havendo nos autos matéria suficiente para fixar esse valor, deve proceder-se a tal fixação em fase de liquidação, configurando-se o dano como perda de oportunidade de lucro resultante da realização dos negócios, que teriam sido - provavelmente - obtidos não fora a falta da Ré.

Tendo decidido condenar a Ré em pagar à Autora simplesmente o valor do objecto transportado segundo o seu peso e ainda o preço do serviço não prestado, a sentença recorrida violou os art.° 1º, 5º, 8°, 15°, 16° e 18° - c) do Dec. Lei n.° 466/85, 25 Out., 562°, 405° e 921° do Cod. Civil e 661° - 2 do Cod. Proc. Civil, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra pela qual se condene a Ré no pedido formulado pela Autora, sendo o montante indemnizatório a fixar em execução da sentença, e correspondente ao lucro que a mesma poderia esperar dos negócios, que só deixou de realizar por efeito do incumprimento da Ré, nos termos alegados na petição inicial, que lograrem comprovação.

Tanto assim que a reparação civil destina-se, em princípio (art.562º Cód. Civil), a dar ao lesado a situação patrimonial que teria se o facto que causou o dano não tivesse ocorrido (RLJ, 103°- 172).

Pois que o princípio geral que preside à obrigação de indemnizar é o da reconstituição do lesado na situação que existiria se não se tivesse verificado o evento: a indemnização quando fixada em dinheiro (por não ser possível a reconstituição natural) tem como medida a diferença entre a situação do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos (Ac. STJ. 6-10-1971: BMJ, 210º.- 51).

Neste artigo concede-se às partes, tanto a liberdade de celebração ou conclusão dos contratos, como a liberdade de fixação do seu conteúdo. E este último aspecto desdobra-se em dois segmentos: o da selecção do tipo contratual e o da estipulação ou modelação concreta da espécie eleita. Mas tudo tem de ser realizado dentro dos limites da lei, encarada na sua letra e no seu espírito. Os contratos mistos — que podem ser nominados ou inominados — estão reconhecidos no n.° 2 do art. 405.º (Almeida Costa. RLJ, 118.°-154).

O art. 405º, Cód. Civil, consagra, explicitamente, apenas a liberdade de modulação ou liberdade de fixação ou liberdade de estipulação do conteúdo contratual. Dela emerge, contudo, o reconhecimento da liberdade de celebração ou conclusão dos contratos (Mota Pinto, Teoria Geral, 3. ed.. 95). Uma importante limitação de ordem prática — não legal ou jurídica — à referida liberdade de modelação é a que se verifica nos contratos da adesão (ob. cit, 100).

Contudo, jamais se pode olvidar que existe autonomia privada num contrato de adesão (Menezes Cordeiro, Obrigações, 1980, 103). O contrato de adesão está submetido ao direito. Deve respeitar as regras do comércio jurídico, não podendo nunca extravasar os limites derivados da boa fé, bons costumes e ordem pública, nem revestir natureza dolosa, usurária, etc. (ob. cit., 107).

De acordo com o disposto no art. 921º, Cód. Civil, a garantia de bom funcionamento não exclui os direitos relacionados com a falta de outras qualidades ou a existência de outros vícios. Por outro lado, se o funcionamento deficiente da coisa ou o seu não funcionamento provier de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinado ou de falta das qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessária para a realização daquele fim ou ainda do facto de se ter deteriorado, adquirido vícios ou perdido qualidades, o comprador, em lugar de pedir a reparação ou substituição da coisa, pode requerer a anulação do contrato, se se verificarem os demais requisitos da anulabilidade (P. Lima e A. Varela, C. C. Anot., 2.°-163). Mas, apenas isso.

De harmonia com o disposto nos arts. 661.°, n.° 2, do Cód. Proc. Civil, e 565.° do Cód. Civil, se o tribunal verificar a existência de um crédito, mas não tiver elementos para fixar o seu montante exacto, quer se tenha pedido uma quantia certa, ou formulado um pedido genérico, pode e deve relegar-se a fixação desse montante para execução de sentença, podendo, no entanto, e desde logo fixar a parte que considera provada (Ac. STJ, de 16.12.1983: BMJ, 332.°-397). No explícito pressuposto de que tal configuração se verifica.

Igualmente na vinculação de que o ónus consiste - na referência do ad. 342°,1, do Cód. Civil - na necessidade de observância de determinado comportamento, não para satisfação do interesse de outrem, mas como pressuposto da obtenção de uma vantagem para o próprio, a qual pode inclusivamente cifrar-se em evitar a perda de um beneficio antes adquirido (A. Varela, Obrigações, 35): traduz se, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova: ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto (trazida ou não pela mesma parte) (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1956, pág. 184).
O ónus da prova traduz-se, pois, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta (Ac. RC, 17-11-1987: CJ 1987, 50-80).

Colhem, deste modo, resposta afirmativa as questões formuladas.

Podendo, assim, concluir-se que:

1. O abuso do direito é um limite normativamente imanente ou interno dos direitos subjectivos, pelo que no comportamento abusivo são os próprios limites normativo-jurídicos do direito particular invocado que são ultrapassados.

2. Há lugar, legitimamente, à invocação de abuso do direito (art. 334º Cód. Civil), uma vez que a Ré criou na Autora, como em qualquer utilizador, equivalente e circunstancial, uma situação de confiança digna de tutela, e que posteriormente, no condicionalismo que o probatório evidencia, ao não haver consumado a entrega, atraiçoou, desrespeitando.

3. O abuso de direito é, manifestamente, uma forma de antijuricidade ou ilicitude. As consequências, portanto, do comportamento abusivo têm de ser as mesmas de qualquer actuação sem direito, de todo o acto (ou omissão) ilícito. Pode, assim, haver lugar à obrigação de indemnização desde que nos termos gerais da responsabilidade civil (arts. 483.º e ss.), ao facto voluntário e ilícito do agente (comportamento abusivo) se juntem os restantes pressupostos da responsabilidade civil.

4. O art. 405º, Cód. Civil, consagra, explicitamente, apenas a liberdade de modulação ou liberdade de fixação ou liberdade de estipulação do conteúdo contratual. Dela emerge, contudo, o reconhecimento da liberdade de celebração ou conclusão dos contratos. Uma importante limitação de ordem prática — não legal ou jurídica — à referida liberdade de modelação é a que se verifica nos contratos da adesão.

5. Contudo, jamais se pode olvidar que existe autonomia privada num contrato de adesão. O contrato de adesão está submetido ao direito. Deve respeitar as regras do comércio jurídico, não podendo nunca extravasar os limites derivados da boa fé, bons costumes e ordem pública, nem revestir natureza dolosa, usurária, etc..

6. Com a Ré, portanto, responsável pela indemnização à Autora, em montante correspondente ao valor de todos os prejuízos por esta sofridos em consequência do incumprimento do contrato de transporte que com ela celebrou, que houverem de resultar explícitos, por provados.

7. Não havendo nos autos matéria suficiente para fixar esse valor, deve proceder-se a tal fixação em fase de liquidação, configurando-se o dano como perda de oportunidade de lucro resultante da realização dos negócios, que teriam sido - provavelmente – obtidos, não fora a falta da Ré.

8. O ónus da prova traduz-se, pois, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta. Assim, exactamente, pois que todos os elementos considerados deficitários, alegadamente inconsiderados, foram levados em devida conta, na decisão proferida.


III. A Decisão:
Pelas razões expostas, concede-se provimento ao recurso interposto, pois tendo decidido condenar a Ré em pagar à Autora simplesmente o valor do objecto transportado segundo o seu peso e ainda o preço do serviço não prestado, a sentença recorrida violou os art.° 1º, 5º, 8°, 15°, 16° e 18° - c) do Dec. Lei n.° 466/85, 25 Out., 562°, 405° e 921° do Cod. Civil e 661° - 2 do Cod. Proc. Civil, pelo que se revoga, antes se condenando a Ré no pedido formulado pela Autora, sendo o montante indemnizatório a fixar em execução da sentença, e correspondente ao lucro que a mesma poderia esperar dos negócios, que só deixou de realizar por efeito do incumprimento da Ré, nos termos alegados na petição inicial, que lograrem comprovação.
Sem Custas.

Guimarães, 11, Janeiro, de 2007.