Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
425/17.2T8VRL-E.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: CRÉDITOS SUBORDINADOS
CÓDIGO COOPERATIVO
TAXATIVIDADE DO ARTº 49º DO CIRE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

1.O artigo 49º do CIRE elenca de forma taxativa, com recurso a presunções inilidíveis, os casos em que, para efeitos da sua classificação como subordinados, os créditos se consideram “detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor”.

2.Com efeito, assim o impõe a interpretação do artigo 49º do CIRE, que enumera tais situações sem qualquer margem de imprecisão e sem o recurso a qualquer conceito indeterminado nas suas várias alíneas, sem indicação que permita a adaptação da sua previsão a tais conceitos mais vagos.

3.Também a gravidade que decorre para o credor da classificação do seu crédito no âmbito dos créditos subordinados, gorando tantas vezes expetativas fundadas face ao efetivo (des)conhecimento que aquele detinha da situação do devedor, exige que se considere este elenco como taxativo, tanto mais que existem outros institutos, como a resolução do negócio que podem prevenir situações injustas.

4.A interpretação das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 49º do CIRE tem que ser efeituada à luz do seu artigo 6º: é exigível que o sócio responda ilimitadamente pelas dívidas da sociedade em função dessa qualidade para que o seu crédito seja subordinado por força da alínea a) e é necessário que seja administrador para preencher a alínea b).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

Por apenso aos autos em que foi declarada a insolvência de " (…) de ..., CRL", após a apresentação, pela Administradora de Insolvência, da lista a que se refere o artigo 129º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, foi elaborada sentença, ora sob apelação, que homologou a lista dos 41 credores que haviam sido reconhecidos nessa lista, dando-a por integralmente reproduzida.

Além do mais, nessa sentença, considerou-se que apenas os créditos reconhecidos aos credores Nuno (…), Afonso (…), Carmen (…) e João (…) devem ser graduados como subordinados, terminando com a seguinte decisão:

“Face ao exposto declaro verificados os créditos supra reconhecidos e graduo-os para serem pagos através do produto da massa insolvente, pela seguinte ordem:

A - Através do produto da venda dos imóveis descritos nas verbas 1 a 70 do apenso A, descritos na Conservatória do Registo Predial de ... sob os números … a … da freguesia de ... (...), provenientes da desanexação do prédio … da mencionada freguesia:

1 º - As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda (artigo 172º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas);
- Do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos reclamados por “Caixa (..), CRL”, no valor de € 2.178.255,65, e por “Caixa (…) CRL”, no valor de € 578.953,80, até ao valor máximo global de € 17.500.000,00; conforme hipoteca registada pela AP. 1 de 2008/07/01;
- Do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos reclamados por “Caixa de (…) CRL”, no valor de 1.568.307,20, até ao valor máximo de € 2.291.686,60, conforme hipoteca registada pela AP. (…), sendo o valor de € 1.443.108,87, sob condição de acionamento de garantia bancária pelo beneficiário (artigo 50º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
- Do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns;
- Do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos subordinados.”

O presente recurso de apelação foi interposto pelo credor Nuno (…) e Afonso (…), formulando as seguintes conclusões:

A) Por apenso aos autos em que foi declarada a insolvência de “(…) Cooperativa (…), CRL”, veio a Sr.ª Administradora da insolvência apresentar a lista a que se refere o artigo 129º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
B) A (…) – Cooperativa (…) de ..., é uma cooperativa, pessoa coletiva sem fins lucrativos, foi constituída e eleitos os seus órgãos sociais não remunerados dos cooperantes pertencentes à mesma.
C) O seu objeto está confinado à construção ou promoção e à aquisição de fogos para habitação dos seus membros e à gestão, reparação, manutenção ou remodelação dos mesmos, bem como à promoção de iniciativas de interesse para os cooperantes nos domínios social, cultural e material e ainda à organização de esquemas de poupança-crédito para os seus membros (cf. artigo 3.º dos Estatutos da Cooperativa).
D) Não foram apresentadas impugnações à relação de créditos apresentada pela Administradora da Insolvência em 24-08-2018.
E) No que se refere aos créditos, verifica-se que a Sr.ª Administradora considerou como subordinados todos os créditos reclamados pelos cooperantes e comuns todos os demais, no seu requerimento de 27-09-2018.
F) A douta sentença decidiu desconsiderar a ausência de impugnações, para conhecer oficiosamente da classificação dos créditos subordinados dos Cooperantes, nos termos dos artºs 6.º, 47.º, 48.º e 49.º, todos do CIRE em conjugação com os artºs 23.º, 27.º, todos do Código Cooperativo.
G) Concluiu a Douta Sentença que cabem nesta previsão de «administradores» todos os que integraram o respetivo órgão de administração, ou seja, a direção à data do início do processo de insolvência – 13/03/2017 – e nos dois anos anteriores, nomeadamente, entre outros, o Credor aqui Recorrente.
H) Considerando o requerimento da Sra. Administradora de Insolvência de 27-09-2018 nos presentes autos,
I) Nada fazia crer que apenas fossem considerados créditos subordinados de alguns dos Cooperantes Credores.
J) Outrossim, pela Sr.ª Administradora havia sido considerado como subordinados todos os créditos reclamados pelos cooperantes e comuns todos os demais.
K) A Douta Sentença proferiu uma decisão contra o requerimento da Sra. Administradora de Insolvência de 27-09-2018, qualificação essa que nem sequer teria sido objeto de impugnação nos termos dos artºs 130.º e seguintes do CIRE.
L) Pelo que, nos termos conjugados dos artºs 651.º, 425.º e 423.º, todos do CPC, requer a junção aos presentes autos por apenso de incidente dos Documentos nºs 1 a 25.

Da nulidade:

M) Dos autos resulta que a Sra. Administradora de Insolvência apresentou o requerimento de 27-09-2018: “7º- Tal como consta dos avisos remetidos aos credores, nos termos do disposto no n.º 4, do art.º 129.º do CIRE, entendi reconhecer todos os créditos reclamados pelos cooperantes como tendo natureza subordinada.”
N) A Douta Sentença decidiu julgar a questão de Direito: “Ora, pese embora a ausência de impugnações, cumpre apreciar a classificação dos créditos subordinados porquanto se trata de questão de Direito, a ser conhecida oficiosamente.”
O) É certo que, na ausência de impugnações, deverá ser proferida sentença de verificação e graduação de créditos, em que, salvo o erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador de insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista (art.º 130.º, n.º 3, do CIRE).
P) Além disso, o efeito cominatório só se encontra previsto para os elementos que, ao abrigo n.º 2 do artigo 129º deveriam constar da lista de créditos a elaborar pelo administrador – identificação de cada credor, a natureza do crédito, o montante de capital e juros à data do termo do prazo das reclamações, as garantias pessoais e reais, os privilégios, a taxa de juros moratórios aplicável, e as eventuais condições suspensivas ou resolutivas
– e só em relação a esta lista se encontra previsto o despacho de mera homologação, “salvo o caso de erro manifesto”.
Q) A decisão recorrida aproveitou os factos apresentados pela Sra. Administradora de Insolvência e a junção aos autos da certidão permanente de registo comercial da Insolvente.
R) Alterando a qualificação dos créditos subordinados e comuns reconhecidos nos autos, contrariamente ao requerimento da Sra. Administradora de Insolvência de 27-09-2018, sem que tenha sido destacado pela Douta Sentença qualquer “erro manifesto” da Sra. Administradora de Insolvência.
S) Constitui uma nulidade da Douta Sentença, que aqui se suscita, por falta de fundamentação de facto, ambiguidade e obscuridade que tornam a decisão ininteligível e conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento como fez, nos termos das al. b), c) e d), do n.º 1, do art.º 615.º, do CPC.

Do erro de julgamento:

T) Entendeu a Douta Sentença qualificar apenas como créditos subordinados os créditos reconhecidos do Cooperante Credor aqui recorrente, bem como dos Credores Cooperantes Carmen (…) e de João (…), e os demais Cooperantes como créditos comuns.
U) Julgamento errado, pois, as decisões relevantes da vida da Cooperativa foram sempre apresentadas, debatidas e votadas pela Assembleia Geral (Conforme melhor se verá pela cópia do livro de actas que ora se junta como Documento n.º 1 a Documento n.º 25 (Livro de actas entregue pela Direcção 2013-2015 a quem a nova Direcção da Cooperativa ordenou e que a Sr.ª Administradora terá junto aos autos.)
V) Para melhor compreensão dos factos junta-se em anexo os documentos referentes, quer à vida da Cooperativa, quer respeitante aos membros anteriores da Direcção da Cooperativa, bem como às Assembleias Gerais e às questões suscitadas nos presentes autos, do conhecimento dos cooperantes e dos membros da Direcção da Cooperativa na pendência do processo de insolvência (cf. Documentos nºs 1 a 25, ora juntos e dados por integralmente reproduzidos).
W) A Cooperativa, pessoa coletiva sem fins lucrativos, foi constituída e eleitos os seus órgãos sociais não remunerados dos cooperantes pertencentes à mesma.
X) Em 31 de Dezembro de 2015 terminou o mandato dos membros da Direcção da Cooperativa, ou seja, 2013/2015, nos termos legais e estatutários.
Y) Ainda assim, porque também eram cooperantes e no interesse comum de todos e da Cooperativa, de forma abnegada e sempre pro bono, estes aguardaram que outros dessem seguimento ao trabalho, tendo inclusive marcado Assembleias Gerais, tentando sempre resolver todos os assuntos.
Z) Os anteriores membros da Direcção da Cooperativa, não fizeram mais porque a Assembleia Geral não o permitiu, sendo pois, só executavam o que lhes era aprovado pela Assembleia.
AA) Todas as operações e transacções se encontram espelhadas na sua contabilidade, junto do Contabilista Certificado do conhecimento de todos, conforme as aprovações em Assembleias Gerais por parte de todos os Cooperantes.
BB) A única conclusão possível é que tudo foi sempre discutido e aprovado por todos os cooperantes em Assembleia Geral.
CC) Assim, não tem fundamento qualificar-se apenas como créditos subordinados os créditos reconhecidos do Credor aqui Recorrente, de Carmen … e de João …, e os créditos dos demais cooperantes como créditos comuns.
DD) Analisados os factos apurados pela Sr.ª Administradora de Insolvência, bem como as suas conclusões, resulta que lhe assistia razão quando referia no seu requerimento de 27-09-2018 em que decidiu “reconhecer todos os créditos reclamados pelos cooperantes” com a mesma qualificação.
EE) Tal como consta dos avisos remetidos aos credores, nos termos do disposto no n.º 4, do art.º 129.º do CIRE, foi entendimento da Sra. Administradora de Insolvência reconhecer todos os créditos reclamados pelos cooperantes como tendo natureza subordinada.
FF) Por sua vez, o art.º 3 do Código Cooperativo estabelece o princípio de que “As cooperativas são organizações democráticas geridas pelos seus membros, os quais participam ativamente na formulação das suas políticas e na tomada de decisões. Os homens e as mulheres que exerçam funções como representantes eleitos são responsáveis perante o conjunto dos membros que os elegeram. Nas cooperativas do primeiro grau, os membros têm iguais direitos de voto (um membro, um voto), estando as cooperativas de outros graus organizadas também de uma forma democrática.”
GG) Acresce que, nos termos do art.º 22.º do mesmo diploma, os cooperadores têm obrigações e responsabilidades próprias, uns perante os outros e todos perante a cooperativa.
HH) E nos termos do disposto no art.º 23.º também do Código Cooperativo “A responsabilidade dos cooperadores é limitada ao montante do capital social subscrito, sem prejuízo de os estatutos da cooperativa poderem determinar que a responsabilidade dos cooperadores seja ilimitada, ou ainda limitada em relação a uns e ilimitada quanto aos outros.”
II) Tendo em conta tudo o exposto, podemos concluir, como a Sra. Administradora de Insolvência conclui no seu requerimento de 27-09-2018, que os cooperadores são pessoas especialmente relacionadas com a cooperativa: participam activamente na formação da vontade da cooperativa e respondem, ainda que limitadamente, pelas suas dívidas.
JJ) Nesse sentido, a este propósito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/abbfc 3eec2c882f7802576da0034508c?OpenDocument.
KK) Ou seja, da leitura destas normas, podemos concluir que os cooperantes apenas serão ressarcidos dos títulos de investimento, das obrigações e de outras prestações eventuais e, por fim, dos títulos de capital, após o pagamento dos demais credores.
LL) De resto, note-se, os demais Cooperantes Credores não impugnaram a lista de créditos reconhecidos, nomeadamente o requerimento da Sra. Administradora de Insolvência de 27-09-2018.
MM) Pois, de acordo com o disposto no artigo 27º, nº 1 do Código Cooperativo, são órgãos das cooperativas: a) A assembleia geral; b) O órgão de administração; c) Os órgãos de fiscalização.
NN) Dispõe o art.º 33.º do Código Cooperativo, quanto à Assembleia Geral da Cooperativa, que: “1 - A assembleia geral é o órgão supremo da cooperativa, sendo as suas deliberações, tomadas nos termos legais e estatutários, obrigatórias para os restantes órgãos da cooperativa e para todos os seus membros. 2 - Participam na assembleia geral todos os cooperadores e membros investidores no pleno gozo dos seus direitos. 3 - Os estatutos da cooperativa podem prever assembleias gerais de delegados, os quais são eleitos nos termos do artigo 44.º do presente Código.”
OO) E, ainda, quanto às competências da Assembleia Geral, o art.º 38.º do Código Cooperativo: “É da competência exclusiva da assembleia geral: a) Eleger e destituir os titulares dos órgãos da cooperativa, incluindo o revisor oficial de contas; b) Apreciar e votar anualmente o relatório de gestão e documentos de prestação de contas, bem como o parecer do órgão de fiscalização; c) Apreciar a certificação legal de contas, quando a houver; d) Apreciar e votar o orçamento e o plano de atividades para o exercício seguinte; e) Fixar as taxas dos juros a pagar aos membros da cooperativa; f) Aprovar a forma de distribuição dos excedentes;
g) Alterar os estatutos, bem como aprovar e alterar os regulamentos internos; h)Aprovar a fusão e a cisão da cooperativa; i) Aprovar a dissolução voluntária da cooperativa; j) Aprovar a filiação da cooperativa em uniões, federações e confederações; k) Deliberar sobre a exclusão de cooperadores e sobre a destituição dos titulares dos órgãos sociais, e ainda funcionar como instância de recurso, quer quanto à admissão ou recusa de novos membros, quer em relação às sanções aplicadas pelo órgão de administração; l) Fixar a remuneração dos titulares dos órgãos sociais da cooperativa, quando os estatutos o não impedirem; m) Deliberar sobre a proposição de ações da cooperativa contra os administradores e titulares do órgão de fiscalização, bem como a desistência e a transação nessas ações; n) Apreciar e votar as matérias especialmente previstas neste Código, na legislação complementar aplicável ao respetivo ramo do sector cooperativo ou nos estatutos.”
PP) Essa presunção quanto aos Cooperantes Credores participantes nas Assembleias Gerais da Cooperativa, deve ser entendida como sendo a presunção estabelecida no art.º 48.º, al. a) do CIRE inilidível, ao contrário da Douta Sentença.
QQ) Aliás, nos termos do n.º 5 do art.º 15.º dos Estatutos da Cooperativa, para o efeito de acordo com os artºs 33. ºe 36.º ambos da Lei n.º 51/96, de 7 de Setembro e o Decreto-Lei n.º 502/99: “Em caso de demissão ou exclusão, os cooperadores terão direito à restituição do valor dos títulos de capital e de investimento que tiverem realizado, a qual deverá fazer-se no prazo máximo de um ano”.
RR) Por tudo o exposto, mal andou a Douta Sentença ao não qualificar todos os créditos dos cooperantes em processo de insolvência com a mesma qualificação, contrariamente ao previsto nos artºs 48.º, al. a) e 49.º, n.º 2, al. a), 129.º, n.º 2 e 130.º, n.º 3, todos do CIRE.
SS) Assim, a serem classificados como créditos de natureza subordinada terão de o ser todos os créditos reconhecidos referentes a todos os Credores Cooperantes.

Nestes termos e nos melhores de Direito aplicável, requer a Vossas Excelências que, pelo enquadramento, prova, nulidade e/ou erro de julgamento supra identificados, doutamente decidam pela revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue a graduação de todos os créditos dos Cooperantes Credores da mesma forma, nomeadamente todos como “Créditos Subordinados”.

II. Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).

Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - Artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Da mesma forma, não está o tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, desde que prejudicadas pela solução dada ao litígio.

Face ao alegado nas conclusões das alegações, há que verificar:

-- a) se a decisão recorrida é nula, por falta de fundamentação de facto, ambiguidade e obscuridade que tornam a decisão ininteligível e conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento, nos termos das al. b), c) e d), do n.º 1, do art.º 615.º, do Código de Processo Civil.
-- b) se devem ser classificados como créditos de natureza subordinada terão de o ser todos os créditos reconhecidos referentes a todos os Credores Cooperantes.

III. Fundamentação de Facto

(..)
IV. Fundamentação de Direito

.A - Da nulidade da sentença

No despacho que admitiu o recurso não foi proferido pelo juiz a quo a pronúncia imposta pelo artigo 617º nº 1 do Código de Processo Civil.

No entanto, entende-se que tal pronúncia pode ser dispensada, visto que constam dos autos elementos que nos permitem decidir diretamente sobre a mesma, pelo que, nos termos do nº 5 deste artigo, não se mandará baixar o processo para que seja sanada tal omissão.

A nulidade da sentença é uma situação excecional (não obstante ser invocada quase como regra), que diz respeito às cirúrgicas situações aludidas no artigo 615º do Código de Processo Civil: falta de assinatura do juiz, omissão total dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; ininteligibilidade da decisão por oposição entre esta e os fundamentos, ambiguidade ou obscuridade; omissão de pronúncia sobre pedidos, causas de pedir ou exceções que devessem ser apreciadas ou conhecimento de questões de que não se podia tomar conhecimento; condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

Assim, não constituem nulidade da sentença os erros de julgamento, a deficiente seleção dos factos em que se baseia ou imperfeita valoração dos meios de prova, erros de raciocínio, omissão de pronúncia sobre todos os argumentos levados aos autos e violação de caso julgado.

Há que clarificar ideias: as causas de nulidade da sentença estão taxativamente previstas no artigo 615º nº 1 do Código de Processo Civil e são de caráter formal, dizendo respeito a desvios no procedimento ocorridos na sentença que impedem que se percecione uma decisão de mérito do concreto litígio, não se confundem com todas as situações que podem inquinar uma sentença e conduzir à revogação da mesma. Não abarcam todas e quaisquer falhas de que uma sentença pode padecer.

O Recorrente aponta para três das cinco situações previstas no nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, as quais remontam à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; à oposição entre os fundamentos e a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Na elaboração de uma sentença, o juiz, na respetiva fundamentação e em obediência a este normativo legal, deve discriminar os factos que considera provados e, depois, indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.

Assim, o artigo 154.º do Código de Processo Civil logo dispõe que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas e a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.

No mesmo sentido, agora expressamente dirigidas à sentença, vão as normas assinaladas pelo Recorrente, impondo o artigo 607º nº 3 e 4 do Código de Processo Civil a discriminação dos factos que se consideram provados e não provados, com análise crítica das provas e a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas aos factos.

Como é sabido, face ao sempre atual ensinamento de Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, Reimpressão, 1984, pp. 140, “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.

Exceção ao modelo supra descrito é trazido pelo artigo 567º do Código de Processo Civil, que permite, quando o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, que se considerem confessados os factos articulados pelo autor, podendo a sentença limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado.

No que toca aos processo declarativos com forma comum, com maior exifgências formais que o presente, embora este entendimento não seja pacífico (veja-se o acórdão deste tribunal de
07/03/2014, no processo 4215/13.3TBBRG.G1, rel. Amilcar Andrade, sendo este, e todos os demais acórdãos citados sem indicação de fonte, consultados no portal dgsi.pt), lê-se a referência a uma fundamentação sumária do julgado como dispensando o elenco, sempre com alguma natureza repetitiva, dos factos constantes da petição inicial e da explicação das normas, atenta a sua linearidade, em prol da celeridade e economia processual, que aligeira os procedimentos, justificável face à comportamento processual do Réu, que foi citado e conhece a petição inicial, sabendo, pois, o que nesta foi invocado e nada opôs ao pedido.


Mais aligeira ainda a forma o artigo 130º nº 3 do CIRE que estipula que se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista.

Sobre esta norma se pronunciou o Acórdão desta Relação, proferido no processo 1387/17.1T8VNF-C.G1, de 17.5.2018, relator José Flores, que, como adjunta, subscrevi e do qual me socorrerei, pugnando por uma interpretação ampla do conceito de erro manifesto: significando que é conferida ao juiz a possibilidade de se limitar a homologar a lista de credores reconhecidos e graduar os créditos, nos termos ali expostos, mas também que o poderá não fazer, quando verifique que tal homologação violaria normas imperativas, citando nesse sentido Carvalho Fernandes e João Labareda, “não podendo o juiz abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista que vai homologar para o que pode solicitar ao administrador os elementos de que necessite”.

No mesmo sentido o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 07/16/2014, no processo262/12.0T2AVR-K.C1, disponível em www.dgsi.pt:“Todavia, face à comum exponencialidade do volume dos créditos reclamados, à complexidade das reclamações, ao mole de documentos com que são instruídas e à exiguidade dos prazos assinados na lei, quer para a organização da lista quer para a sua impugnação, a doutrina e a jurisprudência têm-se, porém orientado para uma interpretação latitudinária do conceito de erro manifesto, impondo ao juiz – com o fito último de evitar a violação da lei substantiva - o dever de aferir da conformidade, substancial e formal, dos títulos dos créditos arrolados na lista apresentada pelo Administrador sujeita à sua homologação, para o que pode, designadamente, solicitar ao administrador os elementos indispensáveis àquela aferição…E, por erro manifesto, deve ter-se, seguramente, o erro na qualificação dos créditos, tornado patente a partir, designadamente, das provas produzidas pelo credor com o requerimento no qual inculca o equívoco.”

Como se salienta no primeiro acórdão aqui referido “E a este propósito não é, decerto, demais acentuar que o processo de insolvência – sede processual na qual foi proferida a decisão impugnada nos recursos - é dominado por um princípio do inquisitório, de que decorre a liberdade vinculada do juiz de investigar e esclarecer os factos relevantes designadamente para decidir a homologação do plano – ou a sua recusa (artº 11 do CIRE).
Do que se expôs resulta patente que a sentença podia, mesmo sem qualquer impugnação das reclamações de créditos, sem incorrer em qualquer excesso de pronúncia, corrigir erros decorrentes do processo no que toca à classificação dos créditos, com base nos elementos que estivessem ou chamasse aos autos, caso os mesmos lhe fossem evidentes, como o foram, visto que tudo resultou do simples confronto da lista apresentada pela Administrador de Insolvência com a certidão permanente da Conservatória do Registo Comercial da Insolvente (questão diversa é a correta aplicação ao caso das normas pelo juiz, a apreciar infra ou a importância que teria a prevenção de decisão surpresa, através da determinação à Administrador de Insolvência para elaborar nova lista para reclamação, dando a possibilidade aos interessados de sobre a mesma se pronunciarem, questão, no entanto, que não é de conhecimento oficioso e não foi levantada).

Por outro lado, é certo que na sentença não foi destacado um capítulo com os factos tidos em conta. No entanto, os mesmos encontram-se claramente enunciados e fundamentados, e após, analisados juridicamente, de forma facilmente percetível. Além dos créditos, tal como enumerados na lista apresentada pelo Administrador de Insolvência, embora por remissão, vêm indicados os bens apreendidos, com menção das verbas, apenso, descrição na Conservatória do Registo Predial. E vem enunciado, como supra destacamos, o teor da certidão permanente da Conservatória do Registo Comercial, na parte que relevava para a decisão, com enunciação dos seus órgãos. Enfim, embora sem seguir na totalidade o figurino imposto pelo artigo 607º do Código de Processo Civil, em função das circunstâncias do caso, em que se fez operar o cominatório quanto aos factos constantes da lista apresentada pelo Administrador de Insolvência, no que tocou aos créditos reclamados, beneficiando-se da dispensa de repetição dos factos constantes da lista apresentada nos termos do artigo 129º do CIRE, mas se procedeu a diferente classificação do créditos, a sentença acabou por conter todos os factos relevantes para a decisão e de forma clara enunciou porque entende que o crédito reclamado pelo Recorrente é subordinado e porque o não são os restantes créditos dos cooperadores.

Conclui-se que a sentença não está de tal forma inquinada que padeça de nulidade.

. B) da classificação dos créditos dos demais cooperadores

Entendeu a sentença, remetendo para o artigo 6º nº 2 do CIRE, para o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado, Quid Iuris, p. 233 de Luís A Carvalho e João Labareda e os arts 27º nº 1 e 47~nº 1 e do Código Cooperativo que apenas são classificados como especialmente relacionados com o devedor os membros que respondem pessoal e limitadamente por força da lei pelas dívidas do devedor, não se integrando, pois, os cooperadores e que os administradores são apenas as pessoas que integraram o órgão de administração, ou seja a direção eleita para o triénio 2013/2015.

O Recorrente alega um conjunto de factos de onde conclui que “tudo foi sempre discutido e aprovado por todos os cooperantes da Assembleia Geral”. Invoca que, porque as decisões relevantes da vida da Cooperativa sempre foram votadas em Assembleia Geral, tinha razão a Srª Administradora de Insolvência quando atribuiu a classificação de subordinados a todos os créditos reclamados pelos cooperantes, aceitando que o seu crédito é subordinado, mas defendendo que também os demais o são. Há que lhe conceder interesse nesta impugnação: como é simples de ver, diminuindo o número de créditos que sejam pagos antes do seu, aumenta as possibilidades de o ver satisfeito. Enfim, a alteração da graduação dos demais créditos contende com a possibilidade de pagamento do seu.

Os créditos subordinados

Existe uma hierarquização dos créditos sobre a massa insolvente, nos termos do artigo 47º nº 4 do CIRE, encontrando-se as seguintes classes de créditos: garantidos (os que beneficiam de garantias reais), privilegiados (os que beneficiam de privilégios gerais), créditos comuns e subordinados.

A categoria dos créditos subordinados tem como objetivo “distinguir negativamente certos créditos, em razão dos seus titulares ou em razão das suas características objetivas” (1), pelo que há quem entenda que estão taxativamente previstos. Uma das desvantagens atribuídas a tais créditos consiste no facto do seu pagamento apenas ter lugar depois de integralmente pagos os créditos comuns (embora se verifiquem outras, nomeadamente para o direito de voto do seu titular).

O artigo 48º do CIRE elenca os seguintes créditos subordinados: a) Os créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, desde que a relação especial existisse já aquando da respetiva aquisição, e por aqueles a quem eles tenham sido transmitidos nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência; b) Os juros de créditos não subordinados constituídos após a declaração da insolvência, com exceção dos abrangidos por garantia real e por privilégios creditórios gerais, até ao valor dos bens respetivos; c) Os créditos cuja subordinação tenha sido convencionada pelas partes; d) Os créditos que tenham por objecto prestações do devedor a título gratuito; e) Os créditos sobre a insolvência que, como consequência da resolução em benefício da massa insolvente, resultem para o terceiro de má fé; f) Os juros de créditos subordinados constituídos após a declaração da insolvência; g) Os créditos por suprimentos.

Por outro lado, o artigo 49.º deste diploma indica quais são as pessoas especialmente relacionadas com o devedor, apenas nos interessando, neste caso, as situações que dizem respeito ao devedor pessoa coletiva, descritas no nº 2 deste preceito: a) Os sócios, associados ou membros que respondam legalmente pelas suas dívidas, e as pessoas que tenham tido esse estatuto nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência; b) As pessoas que, se for o caso, tenham estado com a sociedade insolvente em relação de domínio ou de grupo, nos termos do artigo 21.º do Código dos Valores Mobiliários, em período situado dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência; c) Os administradores, de direito ou de facto, do devedor e aqueles que o tenham sido em algum momento nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência; d) As pessoas relacionadas com alguma das mencionadas nas alíneas anteriores por qualquer das formas referidas no n.º 1.

Discute-se aqui, como se viu, se os cooperadores são titulares de créditos subordinados, por se considerarem especialmente relacionadas com o devedor.

Vejamos.

A explicação para a classificação destes créditos como subordinados consta do preambulo do CIRE “É inteiramente nova entre nós a figura dos créditos subordinados. Trata-se de créditos cujo pagamento tem lugar apenas depois de integralmente pagos os créditos comuns. Tal graduação deve-se à consideração, por exemplo, do carácter meramente acessório do crédito (é o caso dos juros), ou de ser assimilável a capital social (é o que sucede com os créditos por suprimentos), ou ainda de se apresentar desprovido de contrapartida por parte do credor.

A categoria dos créditos subordinados abrange ainda, em particular, aqueles cujos titulares sejam ‘pessoas especialmente relacionadas com o devedor’ (seja ele pessoa singular ou colectiva, ou património autónomo), as quais são criteriosamente indicadas no artigo 49.º do diploma. Não se afigura desproporcionada, situando-nos na perspectiva de tais pessoas, a sujeição dos seus créditos ao regime de subordinação, face à situação de superioridade informativa sobre a situação do devedor, relativamente aos demais credores.

O combate a uma fonte frequente de frustração das finalidades do processo de insolvência, qual seja a de aproveitamento, por parte do devedor, de relações orgânicas ou de grupo, de parentesco, especial proximidade, dependência ou outras, para praticar actos prejudicais aos credores é prosseguido no âmbito da resolução de actos em benefício da massa insolvente, pois presume-se aí a má fé das pessoas especialmente relacionadas com o devedor que hajam participado ou tenham retirado proveito de actos deste, ainda que a relação especial não existisse à data do acto.”

Funda-se, assim, na superioridade informativa das pessoas indicadas face à situação do devedor e “no conhecimento mais provável que têm quanto à situação de insolvência do devedor; no caso de pessoa coletiva, essas pessoas deveriam, por isso, ter financiado o devedor mais criteriosamente ou, noutras hipóteses, ter exercido sobre ele efetiva influência” (Processo n.º 1445/12.9TBPFR-A. P1, de 19/11/ 2013). Tal classificação justifica-se, portanto, face à posição privilegiada em que certas pessoas se encontram, por poderem atuar de forma prejudicial para os restantes credores da insolvência, representando, assim, uma situação de risco na satisfação dos seus créditos.

Da taxatividade do artigo 49º do CIRE

Quer na doutrina, quer na jurisprudência discute-se se a enumeração das pessoas especialmente relacionadas com o credor é taxativa (entre outros, Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE anotado, 232 defendem-na e Menezes Leitão, in “Direito da Insolvência”, 112 negam-na).

Na sequência do que também foi seguido no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 15/2014, entendemos que é de concluir que a enunciação das circunstâncias que constituem a especial relação com o credor causadoras da subordinação do crédito é taxativa e não meramente exemplificativa: “a taxatividade evidencia-se na lei - neste sentido, veja-se o preâmbulo do Decreto-Lei que aprova o Código quando refere que as "pessoas especialmente relacionadas com o devedor são "criteriosamente indicadas no artigo 49.º", entendimento corroborado pela doutrina: veja-se também o que foi mencionado no já citado Código da Insolvência Anotado, pág. 234. Aceita-se, por conseguinte, a orientação no sentido da taxatividade, pois, para além das razões de segurança e de certeza que se justificam tendo em vista reconhecer como créditos subordinados aqueles que são "detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor", sucede que a lei não exclui que outras situações concretas da vida permitam ao administrador da insolvência resolver o contrato por má fé do terceiro que não seja pessoa especialmente relacionada com o insolvente.”

Com efeito, entendendo-se que as situações em causa são presunções inilidíveis, como decorre do próprio artigo 49º do CIRE, que as enumera sem qualquer margem de imprecisão e sem o recurso a qualquer conceito indeterminado nas suas várias alíneas, sem indicação que permita a adaptação da sua previsão a tais conceitos mais vagos. Também a gravidade que decorre para o credor da classificação do seu crédito no âmbito dos créditos subordinados, gorando tantas vezes expetativas fundadas face ao efetivo (des)conhecimento que aquele detinha da situação do devedor, nos obriga a considerar que este elenco é taxativo. Como se salienta no acórdão acabado de citar, havendo outras pessoas que tenham lesado os demais credores mediante a obtenção de determinados créditos, sempre pode o Administrador de Insolvência resolver tais contratos.

(Mesmo no acórdão citado pelo Recorrente, proferido em 02/02/2010, no processo 171/07.5TBOBR-C.C1, se aceita tal taxatividade, mitigando-a, no entanto, um pouco, mas apenas com recurso à interpretação de cada alínea: “É certo que a enumeração do artº 49º é taxativa. Mas tal não impede que cada situação nela prevista em qualquer das suas alíneas possa ser razoavelmente interpretada em função dos contornos de cada caso concreto.”) Outros casos se encontram na jurisprudência que aligeiram tal taxatividade, como resulta da consulta dos acórdãos proferidos nos processos 171/07.5TBOBR-C.C1 e 881/07.7TBVCT-M. G1.

Não obstante, como se disse, outras soluções existem que permitem a salvaguarda dos direitos dos credores perante atos abusivos de outros credores com especiais ligações à sociedade, que não passam pelo alargamento do âmbito dos créditos que são relegados para o degrau inferior na lista de pagamentos. Defender a automaticidade da subordinação destes créditos (sem averiguação da existência de atos culposos pelos seus titulares ou sem permitir que estes demonstrem a sua total boa-fé) simultaneamente com a possibilidade de alargamento do âmbito da sua previsão conduz a situações injustas, mais a mais, porque imprevisíveis.

Com efeito, também a letra da lei não permite que se entenda que estamos perante presunções ilidíveis, tal a sua taxatividade em determinar a verificação do conceito previsto na alínea a) do artigo 48º do CIRE com o preenchimento de qualquer uma das alíneas do artigo 49º deste código. É amplamente aceite pela doutrina que as previsões aqui em causa constituem presunções inilidíveis, assim como o aceita parte da jurisprudência, tal como o Acórdão de Uniformização da Jurisprudência supra mencionado. No entanto, no presente caso, nada tendo sido alegado que afastasse tal presunção, aceitando o Recorrente a mesma, quer quanto a si, quer quanto aos demais cooperantes, a questão tem pouco relevo.

Vejamos, pois, as duas alíneas aqui em causa:

1.a) a alínea a) do nº 2 do artigo 49º do CIRE: Os sócios, associados ou membros que respondam legalmente pelas suas dívidas, e as pessoas que tenham tido esse estatuto nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.

Quanto a esta alínea afirmam Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, vol I, 2005, p. 235: “Assim, quanto à alínea a) cabe dizer que os sócios, associados ou membros abrangidos são apenas aqueles cuja responsabilidade, sendo pessoal e ilimitada, respeite à generalidade das dívidas da pessoa coletiva insolvente e tenha como fonte a própria lei. Estão, por isso excluídos que, embora nos limites da lei, tenham assumido responsabilidade pessoal e ilimitada por virtude de negócio ou ato jurídico especifico. É isto que resulta do cotejo do preceito com o nº 2 do artigo 6º que faculta a noção legal de responsável pelas dívidas do insolvente para os efeitos deste código.”

Ou seja, é exigível que o sócio responda ilimitadamente pelas dívidas da sociedade em função dessa qualidade para que o seu crédito seja subordinado por força desta alínea.

Com efeito, esta norma tem que ser lida em conjugação com o artigo 6º nº 2 do CIRE que estipula que “são considerados responsáveis legais as pessoas que, nos termos da lei, respondam pessoal e ilimitadamente pela generalidade das dívidas do insolvente, ainda que a título subsidiário.”

Também no acórdão de 11/19/2013 no processo 1445/12.9TBPFR-A. P1 (Tribunal da Relação do Porto), se enunciou esta restrição de forma límpida: “Salientámos já a clareza do elenco das pessoas especialmente relacionadas com o devedor, para o disposto no artº 49º nº2 CIRE:

- os sócios da insolvente cuja responsabilidade seja pessoal e ilimitada, por força da lei – artº 6º nº2 CIRE;
- aqueles que exerciam funções de gestão na insolvente;
- as sociedades em relação de domínio ou de grupo, à face da definição dos artºs 21º nºs 1 e 2 CVM ou 492ºss. CSCom (no caso do grupo, fundamentalmente a submissão a uma direcção comum);
- a pessoa singular que possa exercer uma influência dominante sobre a sociedade (artº 21º nº2 CVM);
- as pessoas relacionadas com as anteriores pelas formas do artº 49º nº1 – relativamente ao devedor, cônjuges e pessoas conviventes em economia comum, ascendentes, descendentes, irmãos, e respectivos cônjuges.

Percebe-se que se trata de um elenco exaustivo, numa explícita sanção da situação de insolvência ou então no combate (termo usado pelo preâmbulo) à defraudação dos credores.”

Ora, dúvidas não há que os cooperadores respondem limitadamente, nos termos do artigo 23º do atual Código Cooperativo (Lei n.º 119/2015, de 31/08, tal como nos termos do artigo 35º anterior código, aprovado pelo Lei n.º 51/96, de 07 de Setembro).

Estão, pois, excluídos do âmbito de aplicação desta alínea.

1.b) a alínea c) do nº 2 do artigo 49º do CIRE: Os administradores, de direito ou de facto, do devedor e aqueles que o tenham sido em algum momento nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.

Ora, também para alcançar o que o CIRE toma como administradores há que recorrer ao artigo 6º, o qual dos diz, no seu nº 1 que “1 - Para efeitos deste Código, são considerados administradores:

a) Não sendo o devedor uma pessoa singular, aqueles a quem incumba a administração ou liquidação da entidade ou património em causa, designadamente os titulares do órgão social que para o efeito for competente”.
E nos termos do artigo 19º “Não sendo o devedor uma pessoa singular capaz, a iniciativa da apresentação à insolvência cabe ao órgão social incumbido da sua administração, ou, se não for o caso, a qualquer um dos seus administradores.”

Por força do Artigo 27.º do Código Cooperativo são órgãos das cooperativas: a) A assembleia geral; b) O órgão de administração; c). Os órgãos de fiscalização.

Assim sendo, por força do disposto nos citados artigos 6º e 19º do CIRE e 27º do Código Cooperativo o simples cooperante não é administrador da sociedade, apenas porque pode integrar a assembleia geral e não pode apresentar a cooperativa à insolvência (neste sentido, cf, do Tribunal da Relação de Lisboa, acórdão no processo 6658/2007-7 de 10/23/2007). É administrador quem pertença ao órgão de administração, isto independentemente das deliberações tomadas por essa assembleia.

Os cooperantes não são, sem dúvida, administradores, logo não cabem na previsão do artigo 49º nº 2 alínea c) do CIRE.

Como se viu, o artigo 49º, que classifica determinados créditos como subordinados é taxativo e não meramente exemplificativo, face á sua natureza, estabelecendo presunções inilidíveis, no âmbito de um processo que se exige célere: não há que averiguar, para concluir pelo preenchimento destas normas, quais as deliberações tomadas pela assembleia (tanto mais que nenhuma é apontada aos concretos cooperantes em causa).

Assim, improcede o recurso.
V. Decisão:

Por todo o exposto julga-se a apelação improcedente e em consequência, mantém-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Guimarães, 7 de fevereiro de 2019

Sandra Melo
Conceição Sampaio
Fernanda Proença Fernandes

1- (cf. Rui Pinto Duarte, in http://www.dgpj.mj.pt/sections/informacao-e-eventos/anexos/prof-doutor-rui-pinto/downloadFile/file/RPD.pdf?nocache=1210675423.37