Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
784/18.0T8FAF-B. G1
Relator: EUGÉNIA MARIA MOURA MARINHO DA CUNHA
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADE PARENTAIS
DECISÃO PROVISÓRIA
AUDIÇÃO DO MENOR
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

1. O Regime Geral do Processo Tutelar Cível consagra a possibilidade de o juiz, no âmbito de um processo tutelar cível pendente, decidir, fundamentadamente, a título provisório, questões, a demandar uma regulação urgente, que devam ser apreciadas a final (bem como ordenar diligências essenciais para assegurar a execução efetiva da decisão), viabilizando, com estas providências cautelares em matéria tutelar cível, a proteção e defesa do superior interesse da criança.

2. No âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, a falta de acordo dos progenitores, na conferência, demanda decisão provisória, obrigatória.

3. O critério orientador na decisão do tribunal é o interesse superior da criança (e não o interesse dos pais, que apenas deve ser considerado na justa medida em que se mostre conforme àquele). O superior interesse do menor é um conceito vago e indeterminado, uma orientação para o julgador perante o caso concreto, com a primazia da criança como sujeito de direitos, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando estes a respeitar e fazerem respeitar esse interesse do menor.

4. É de primordial interesse para a criança poder crescer e formar a sua personalidade na convivência, o mais igualitária possível, com a mãe e com o pai.

5. Os princípios basilares a observar, no que respeita à determinação da residência são: o superior interesse da criança, a igualdade entre os progenitores e a disponibilidade manifestada por cada um dos progenitores para promover relações habituais do filho com o outro progenitor, prevalecendo, sempre, o primeiro.

6. Não se deve exagerar o facto de a mudança de residência criar instabilidade e, por isso, representar inconveniente para a criança, pois que a instabilidade é uma realidade na vida de uma criança com pais separados, que, sempre, terão de se integrar em duas residências, sendo essa mais uma adaptação a fazer nas suas vidas, sendo certo que as crianças são dotadas de grande aptidão para se integrarem em situações novas;

7. Não obstante a boa relação que o menor possa ter com os dois progenitores e a dedicação que ambos lhe dispensem, a residência tem dada a distância geográfica, de ser fixada com um deles quando residam em países diferentes;

8. É importante avaliar, na escolha do regime, a vontade manifestada pelo filho para o exercício das responsabilidades parentais, mas essa vontade, para ser atendida, tem de ser madura, consciente, fundada e livre;

9. Da interpretação sistemática das normas vigentes resulta a consagração legal do direito da criança à preservação das suas ligações psicológicas profundas, nomeadamente no que concerne à continuidade das relações afetivas estruturantes e de seu interesse;

10. É do superior interesse da criança, retida em Portugal pelo pai no final das férias escolares, residir com a mãe, mantendo as relações familiares, sociais e dando continuidade aos estudos, que iniciou em país estrangeiro (Suíça), para onde foi levada e onde residiu com os progenitores nos últimos cinco anos da sua vida, de pouco mais de oito.
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

Recorrente: Maria (…)
Recorrido: Nuno (…)

O Ministério Público, em representação do menor, Manuel (…), nascido em (…), veio intentar a ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais, contra os seus progenitores, Nuno (…) e Maria (…), alegando, em síntese, que sendo ambos pais do menor, os mesmos não residem juntos e não se entendem quanto a essa regulação.

Na conferência de pais, datada de 8-10-2018 (fls. 7), os progenitores não se entenderam quanto à aludida regulação, pretendendo ambos a guarda da menor, sendo que o progenitor pretende continuar a residir em Portugal com o menor e a progenitora pretende regressar à Suíça com o menor.

Em tal conferência, foi decidido proceder-se à audição do menor.
Cada um dos progenitores reiterou a anterior posição, quanto à residência do menor.
Quanto às visitas ao outro progenitor (não guardião) e à pensão de alimentos estão ambos os pais de acordo. Ambos referem que aceitam que o convívio com o outro progenitor seja diário, através de videochamada, e, ainda, nas férias escolares de Dezembro e Agosto. Sobre a pensão de alimentos, ambos aceitam que o valor a pagar pelo progenitor não guardião seja de € 125,00.
O Ministério Público promoveu o encaminhamento dos progenitores para audição técnica especializada, nos termos do artigo 38º do RGPTC e, bem assim, dada a urgência, se fixe provisoriamente, o regime de regulação das responsabilidades parentais, ficando o menor aos cuidados da progenitora.
*
Realizada a conferência de pais foi proferida a seguinte

DECISÃO

“Face ao exposto, decido

a) remeter os progenitores para a audição técnica especializada, nos termos do artigo 38º, al. b), do RGPTC, por dois meses, e
b) a título provisório e nos termos do disposto nos artigos 28º, nº1, e 38º do RGPTC, regular as responsabilidades parentais da menor nos seguintes termos:

Residência e exercício das responsabilidades parentais

1 - O menor fica a residir com o pai, a quem ficam atribuídas as responsabilidades parentais da vida corrente do menor.
2 – As responsabilidades parentais de particular importância serão exercidas pelos dois progenitores.

Regime de visitas

3 – A progenitora, estará com o menor, todos os dias através de videochamada a efectuar entre as 18.00h e as 19.00h (hora portuguesa).
4 – Estará ainda com o menor em Dezembro e ainda em Agosto, quando se deslocar a Portugal.

Pensão de alimentos

5 – A mãe, pagará ao pai, a título de pensão de alimentos, 125,00€ (cento e vinte e cinco euros)”.
*
Na sequência de tal decisão, pela requerida foi dito que atenta a decisão provisória do menor ficar a residir em Portugal, não pretende regressar à Suíça, requerendo a fixação de um regime provisório de visitas em Portugal, tendo os progenitores acordado a respeito da regulação das responsabilidades parentais, provisória, no que respeita às visitas, nos seguintes termos: “Enquanto a mãe estiver em Portugal:

Visitas

1 – A progenitora, todas as quartas-feiras, vai buscar o menor à escola e pernoita com a mãe que o entrega na escola no dia seguinte.
2 – A progenitora estará com o menor em fins-de-semana alternados
(quinzenalmente), desde sexta-feira, no fim das aulas, até domingo às 20.30h, janta com a mãe que o leva a casa do pai.
3 – Os fins-de-semana com a mãe começam já no próximo fim-de-semana”.
tendo , sido proferido o seguinte

DESPACHO

“Mais determino, desde já, a título provisório e em complemento da anterior decisão, que o regime de visitas, enquanto a mãe estiver em Portugal, se fixa nos exatos termos acordados”.
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A Requerida, notificada de tal decisão, apresentou recurso, pugnando por que seja alterada a decisão proferida quanto ao regime provisório das responsabilidades parentais sobre o menor. Apresenta as seguintes

CONCLUSÕES:

- Na fundamentação da sentença recorrida o Tribunal a quo socorre-se apenas do facto do menor estar em Portugal nos últimos dois meses para decidir pela entrega da guarda do menor ao pai, sendo este, juntamente com as declarações do menor, os únicos fundamentos da decisão, não considerando a imaturidade do menor para a tomada de qualquer decisão sobre a sua vida.
- O superior interesse da criança só estará assegurado, se esta estiver a viver na Suíça com a mãe, uma vez que fala alemão, foi lá que passou mais de dois terços da sua vida e a sua família alargada é na Suíça que se encontra a residir – avós maternos e tios – à excepção do pai e avós paternos.
- Quanto à situação da recorrente, quer pelas declarações desta, quer pela prova documental, foi apurada a seguinte factualidade (contrariamente ao alegado na decisão recorrida em que se diz não ter sido possível apurar se a Recorrente tem condições de acolher o seu filho na Suíça), a qual tem que constar do elenco da matéria de facto indiciariamente provada nos autos: 1) trabalha em part-time numa empresa de limpezas; 2) conseguiu um aumento do número de horas semanais ao serviço dessa empresa, conforme documento que juntou aos autos, constituído por comunicação via e-mail da entidade patronal em que tal foi assegurado; 3) possuiu condições na Suíça para viver sozinha com o seu filho, desde logo, contando com o apoio da sua família (pais e irmãs também residem na Suíça).
– A decisão proferida optou por ignorar, em absoluto, as circunstâncias que levaram a que o menor esteja a residir desde Agosto em Portugal. Somando as declarações de ambos os progenitores e do próprio menor, tem que se concluir que ficou demonstrado nos autos que: 1) O menor deslocou-se para gozo de férias, para Portugal, no dia 22 de Julho do corrente ano, na companhia do Pai, sendo que a Mãe juntou-se a eles quinze dias depois, e tendo viagem de regresso marcada para o dia 19 de Agosto seguinte (o Manuel já tinha aulas no dia seguinte, 20 de Agosto); 2) a Recorrente, chegada a Portugal, desentendeu-se com o cônjuge (desentendimentos que já eram frequentes entre o casal), e saiu da casa que o casal habitava em Portugal (propriedade dos pais do Recorrido);
3) o menor ficou naquele momento a viver com o Pai, mas combinaram que até ao final do período de férias em Portugal, o (…) passaria dois ou três dias, de forma alternada, com cada um dos progenitores; 4) nunca o Recorrido mencionou à Recorrente a intenção de não regressar à Suíça, pelo que combinaram que regressariam na data agendada e lá tratariam de definir o rumo das suas vidas e resolver todas as questões práticas decorrentes da separação do casal; 5) no dia agendado para o regresso, 19 de Agosto, e estando o menor com o Pai, o combinado foi encontrarem-se no aeroporto; 6) no entanto, estando a Recorrente já na zona de embarque, e a quinze ou trinta minutos da hora prevista para o voo, não vendo o seu ainda marido e filho naquele local, decidiu ligar àquele, tendo sido por ele informada que não pretendia regressar à Suíça nem permitir que o filho de ambos regressasse àquele país; 7) a Recorrente apanhou o voo para a Suìça, tendo regressado a Portugal no dia imediato; 8) o Recorrido impediu o acesso livre por parte da Mãe ao menor, tenho apenas permitido visitas no café, e nas quais esteve sempre presente.
– Assim, a decisão recorrida mais não fez do que “validar” a actuação de um progenitor que agiu como raptor do seu filho menor, retendo-o sem o consentimento do outro progenitor num país, que pode ser o da sua nacionalidade, mas não é o da sua residência habitual por mais de metade do seu tempo de vida, sem sequer permitir visitas dignas e livres ao outro progenitor. Resultado de um comportamento de retaliação deveras comum, quando um dos cônjuges decide por fim ao casamento e o outro decide usar os filhos como arma de arremesso.
– O Recorrido não se encontra a viver sozinho com o menor, tendo-se mudado, imediatamente após a Recorrente sair da casa do casal, para casa dos seus pais, o que revela claramente que o Recorrido não se sente capaz de, por si só, tomar conta do seu filho menor. Assim, a decisão recorrida entrega na prática os cuidados do menor Manuel aos avós paternos, preterindo a sua entrega aos cuidados da mãe, no país da sua residência habitual por mais de metade da sua vida. Pelo que, a decisão recorrida não olhou ao superior interesse do menor, uma vez que não decidiu pela entrega da guarda do menor ao progenitor que está em melhores condições de lhe assegurar um desenvolvimento sadio, a nível físico, psíquico, afectivo, moral e social, bem como uma correcta estruturação da personalidade.
–A alegada preferência do menor em residir em Portugal não se afigura motivada nem consciente, uma vez que não resultam motivos válidos e atendíveis para tal preferência, nem pode ser critério determinante para estabelecer a sua futura residência, porquanto trata-se de uma criança de oito anos e as reacções das pessoas à sua volta (pai e avós paternos) são muito importantes e podem modificar a sua disponibilidade em falar e aquilo que tem a dizer (o que se crê ter acontecido!). O Manuel não possui maturidade suficiente para saber o que é melhor para si, se morar em Portugal ou na Suíça, se morar com o Pai ou a Mãe, pois apenas tem oito anos, tendo ido viver para a Suíça quando tinha apenas quatro, ou seja, associa Portugal apenas a períodos de férias, e por sua vez, associa a Suíça a aulas, responsabilidades e rotinas.
- O Tribunal a quo não pode levar em consideração a opinião do menor, ou seja, que prefere ficar a residir em Portugal, referindo como motivos o pai e os avós paternos (e o campo de futebol), por ser a opinião de uma criança que não tem maturidade suficiente para exprimir uma opinião firme e adulta. Ainda que a criança possa ser particularmente viva e atenta, a verdade é que a mesma se encontra no limiar do seu processo de formação, formação essa que iniciou na Suíça em 2013, muito embora lhe possa parecer indiferente fazer a sua formação escolar na Suíça ou em Portugal, a verdade é que são seguramente diferentes os métodos de ensino em Portugal e na Suíça, todo o percurso escolar será diferente pelo que uma vez iniciado é do superior interesse da criança continuá-lo sem quebras fracturantes, pelo que, não obstante as preferências manifestadas pela criança em ficar em Portugal, as fundamentadas razões para cá ficar, que se prendem com a proximidade com a família alargada,- que a distância geográfica não apagará porquanto nos seus períodos de férias escolares a criança seguramente virá a Portugal - porque é na Suíça que a criança tem o seu centro de vida organizado, não se pode considerar a vontade da menor em não regressar à Suíça.
– Em Portugal, o menor tem a família paterna, da qual tem saudades naturalmente. Na Suíça tem toda a família materna, com a qual conviveu praticamente de forma diária, nos últimos cinco anos, portanto, da qual irá sentir imensas saudades, naturalmente. O que também não foi ponderado pela decisão em crise, na qual foram totalmente ignoradas as circunstâncias de vida dos últimos cinco anos do menor.
10ª A residência habitual da criança é a indicada como sendo a da mãe na Suíça, onde vive desde Dezembro de 2013. É na Suíça que está toda a sua vida organizada, país em que praticou todos os actos do seu quotidiano, onde foi assistida em termos de saúde, onde frequentou dois anos no ensino pré-escolar e ainda dois anos no ensino básico, e é lá que possui o seu eixo de vida, estabilidade e vivência normal. E, tendo sido impedido de regressar à Suíça, à sua residência habitual e ao agregado familiar em que se insere, sem o consentimento da sua progenitora, não tendo o progenitor legitimidade para impedir que o menor regressasse à Suíça, contra a vontade da progenitora que não autorizou o regresso definitivo do filho para território português nem a saída do seu agregado familiar e residência habitual sita na Suíça. Está, pois, aqui consubstanciada uma violação da Convenção de Haia de 1980 (Convenção sobre Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças).
11ª – O art.º 1 da Convenção de Haia de 1980 estatui que “A presente Convenção tem por objecto a) assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele resida indevidamente b) fazer respeitar de maneira efectiva nos outros Estados Contratantes os direitos de custódia e de visita existentes num Estado Contratante”. Dispõe igualmente o art.º 3 que “a deslocação ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando a) tenha sido efectivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa ou a uma instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferências ou da sua retenção e b) este direito estiver a ser exercidos de maneira efectiva, individualmente ou em conjunto, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar se tais acontecimentos não tivesse ocorrido”. O direito de custódia referido na alínea a) pode designadamente resultar quer de uma atribuição de pleno direito, quer de uma decisão judicial ou administrativa, quer de um acordo vigente segundo o direito deste Estado. E, o art.º 5, o direito de custódia inclui: a) o direito relativo aos cuidados devidos à criança como pessoa e em particular o direito de decidir sobre o lugar da sua residência enquanto o direito de visitas b) compreende o direito de levar uma criança, por um período limitado de tempo para um lugar diferente daquele onde ela habitualmente residência.
12ª – Sem prescindir, a decisão recorrida é deficitária no que concerne a acautelar o superior interesse da criança também porque não estabelece um regime de visitas para o progenitor não guardião e que se encontra noutro país, devendo ter ficado estabelecido que o menor deve deslocar-se à Suíça sempre que tal viagem não interfira com as suas obrigações escolares, designadamente, em finais de semana, férias de Natal, Carnaval ou Páscoa, comprometendo-se a Mãe a custear a despesa da viagem com respectivo acompanhamento por comissário de bordo.
13ª - A decisão recorrida não pode subsistir e deve ser substituída por outra que atribua a guarda e cuidados do menor à mãe, que exercerá o poder paternal, devendo no demais referente á regulação do poder paternal e regime de visitas ser a sentença recorrida alterada em conformidade, nomeadamente no que concerne ao regime de visitas e pensão de alimentos.
14ª - A decisão recorrida violou ou fez errada aplicação e ou interpretação dos princípios estabelecidos no artigo 4º do RGPTC, bem como do artigo 5º do mesmo diploma legal, e ainda dos artigos 1º e 5º da Convenção de Haia de 1980, e principalmente do princípio basilar da tutela de menores: assegurar o superior interesse da criança.
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O progenitor respondeu pugnando pela improcedência do recurso e por que seja confirmada a decisão recorrida, concluindo:

I-) A decisão recorrida é a exigível e está de acordo com o interesse do menor.
II)- O tribunal que decidiu é português e não é suíço;
III)- Não consta que exista qualquer procedimento intentado na Suíça;
IV)- E, se existisse, haveria caso julgado quanto ao divórcio, e litispendência quanto à Regulação.
V)- Acresce que foi o próprio M.P. que requereu a Regulação das Resp. Parentais no Juízo de Família e Menores de (…).
VI)- A audição e a atenção à vontade do menor está estabelecida na lei.
VII)- O Mmº Juiz atuou com todo o cuidado e cautela na apreciação da prova indiciária.
VIII)- A decisão recorrida, era exigível, quer no processo principal do divórcio, quer no apenso requerido pelo M.P.;
IX)- A decisão recorrida protegeu o superior interesse do menor, e não violou qualquer norma.
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O Ministério Público também respondeu ao recurso da Decisão Provisória relativa às Responsabilidades Parentais, proferida a 16 de Outubro de 2018, que fixou, a título provisório, a residência da criança Manuel (…) com o pai, referindo que quando o Tribunal entendeu ouvir o menor já resultavam dos autos “elementos suficientes para proferir uma decisão:

1. A criança residia na Suíça desde os 3 anos, pelo que, com um elevado grau de certeza, que a progenitora dispunha de condições habitacionais (a casa onde viviam), quer capacidades parentais, tanto mais que nenhum referiu qualquer intervenção das autoridades suíças no que à criança Manuel respeita;
2. A criança frequentava o ano de escolaridade na Suíça, pelo que, com grau elevado de certeza, fala e escreve bem o alemão, aliás confirmado pelos progenitores,
3. Não se sabia se o Manuel escrevia bem português - os progenitores apenas referiram que falava bem português - sendo que a integração no ano de escolaridade num outro país carece, além de saber a língua, ter conhecimentos de geografia, história, gramatica etc…, os quais diferem de pais para país;
4. Mais de metade da vida do Manuel tinha sido passado na suíça;
5. Os contactos com os avós paternos, residentes em Portugal, restringiam-se às férias de natal e de verão;
6. Os avós e tias maternas residiam na Suíça;
7. Acresce que, o progenitor na data de regresso após férias para a Suíça 19/8/2018, não compareceu no aeroporto, e reteve o filho Manuel, contra a vontade da mãe, em Portugal, bem sabendo que a criança iniciaria as aulas no dia 20/8/2018.
8. Acresce que o Manuel tinha a sua matrícula feita numa escola na Suíça, pelo que se depreende que nunca se colocou a questão de mudar de país;
9. Desde o dia 22 de Agosto, após a progenitora ter ido para a Suíça e verificado que o pai e o filho não regressaram, ter voltado a Portugal, o progenitor colocou entraves ao convívio do filho Manuel com a mãe.
10. Não existiam nos autos, elementos que esclarecessem as condições sócio, habitacionais e económicas dos avós paternos;
11. Naquela data, 8/10/2018, o progenitor não estava a trabalhar.
12. A progenitora trabalhava em parte time, numa empresa de limpezas.
13. O superior interesse do menor reclamava manter o seu modo de vida e relações afectivas dos últimos cinco anos”.

Refere que, entendendo ouvir a criança de 8 anos de idade, o Juiz a quo “não efectuou qualquer diligência no sentido de apurar da maturidade e capacidade de entendimento da criança sobre efectivamente o motivo da sua audição – se a sua vontade era viver em Portugal com o pai, residindo a mãe na Suíça e, portanto apenas a podendo visitar nos períodos de férias ou se preferia viver na Suíça com a mãe, ficando o pai a residir em Portugal e, portanto, o Manuel apenas o visitando nas férias.

O Juiz a quo não aferiu se aquela criança de 8 anos sabia do litígio em causa: que um dos progenitores iria residir na Suíça e outro em Portugal e era preciso determinar com quem o Manuel iria residir.

Efectivamente, das declarações do Manuel, que constam em súmula na acta e quais se transcrevem é facilmente perceptível que aquela criança não sabia o que o tribunal estava a decidir, nem as questões que lhe foram colocadas o esclareceram. Vejamos, consta da acta:

“A este depoimento corresponde a seguinte súmula:

À matéria dos autos disse que tem 08 (oito) anos de idade e fará 09 no próximo mês de dezembro. Que esteve na Suíça desde os 3-4 anos de idade até ao passado mês de agosto.
Que na Suíça, gostava dos seus colegas e tinha um colega que também falava português. Na Suíça falava alemão ou suíço.
Que no mês de agosto de 2018, veio a Portugal de férias com o pai, porque a mãe ficou a trabalhar mais 2 (duas) semanas.
Depois a sua mãe também veio para Portugal, de férias, e estiveram todos juntos a viver na casa que têm em Portugal, a qual fica junto da casa dos avós paternos.
Já nessas férias, a sua mãe e o pai zangaram-se e a sua mãe saiu de casa e foi viver para a casa de uns primos. No final das férias, acabaram por não regressar à Suíça, embora não saiba o porquê disso.
Que o seu pai o matriculou na escola, aqui, e que gosta de frequentar esta escola. Que gosta mais de estar aqui nesta escola do que na Suíça.
A pergunta feita, disse que prefere ficar em Portugal do que regressar à Suíça.
A nova pergunta, disse que gosta mais de Portugal, porque encontra-se junto dos avós paternos, de quem tinha saudades, e que gosta de jogar futebol, num campo que tem ao lado de casa.
E mais não disse.”

Chama a atenção para a “ingenuidade da criança: “A nova pergunta, disse que gosta mais de Portugal, porque encontra-se junto dos avós paternos, de quem tinha saudades, e que gosta de jogar futebol, num campo que tem ao lado de casa.”.

Mais afirma “uma criança de 8 anos, não possui o discernimento para entender a problemática sobre qual o tribunal se debruçava. Sobre a questão de o porquê gostar mais de estar em Portugal, refere “(…) porque encontra-se junto dos avós paternos, de quem tinha saudades, e que gosta de jogar futebol, num campo que tem ao lado de casa.”

Ora não podia o Juiz a quo atribuir qualquer relevância a este depoimento não esclarecido de uma criança de 8 anos, pois era evidente que o mesmo não tinha a mínima noção do que se estava a decidir.

Assinale-se que a decisão do Juiz a quo foi no sentido contrário à promoção do Ministério Publico. E era nossa intenção recorrer de tal decisão, pois entendia-se que a mesma não era adequada nem satisfazia o superior interesse do Manuel.

Efectivamente, o Ministério Público só não recorreu pelo facto da progenitora ter manifestado de imediato que não iria regressar à Suíça e ficaria a viver em Portugal até que a questão se decidisse definitivamente, tendo os progenitores chegado a um acordo sobre o convívio do Manuel com a mãe, e, perante este volte face, considerou o Ministério Público que os interesses do Manuel, com a permanência da progenitora em Portugal, se encontrariam minimamente acautelados.

Contudo, entendemos que o Juiz a quo não ponderou correctamente os dados constantes nos autos já em 8/10/2018. Pelo contrário, agiu incoerentemente ao designar data para audição de uma criança de 8 anos, sobre uma questão importantíssima para a sua vida, sem que a mesma, naturalmente em virtude da sua idade, tivesse discernimento para se aperceber do que se tratava.

Aliás era evidente dos autos que nem o progenitor nem a progenitora haviam colocado a criança ao corrente do que se estava a passar. O Manuel declarou que não sabia porque razão não tinha ido para a Suíça, nem demonstrou aperceber-se de que a mãe havia viajado no dia 19/8/2018 para a Suíça, convencida que iriam os três, e havia regressado a Portugal no dia seguinte. A criança não fez qualquer declaração que permitisse o tribunal concluir que estava ao corrente do litígio dos pais quanto à sua “guarda ”nunca referiu que queria ficar com o pai em Portugal , sabendo que a mãe regressaria à Suíça”; aliás, do seu discurso é perceptível que o mesmo não tinha a mínima noção de que iria ficar somente a residir com um dos progenitores – é uma criança de 8 anos.

Na verdade, o legislador estabelece a idade de 12 anos por alguma razão. Cientificamente está comprovado que o desenvolvimento intelectual das crianças só atinge alguma maturidade para perceber sobre questões como as inerentes às responsabilidades parentais por volta dessa idade. É claro que pode ser atingida antes ou que uma criança de 12 anos pode não ter atingido tal nível de maturidade e, por isso é que o legislador estatuiu que o tribunal tem de aferir da maturidade da criança no caso concreto – cf. art. 4º, nº2 do RGPTC, Lei 141/2015 de 8/9.

Mas para além deste facto, como bem refere a recorrente, o Juiz a quo não atendeu a factos importantes e que apontavam para qual o superior interesse do menor:

A) O centro da vida do Manuel nos últimos 5 anos foi na Suíça, com os progenitores, os familiares ali residentes, os amigos que fez e a ligação escolar ao ensino suíço – 2 anos de pré-escolar e 2 anos do primeiro ciclo. Mais de metade da vida do Manuel (quase 2/3) foi passada na Suíça
- A conduta do progenitor ao unilateralmente reter o filho em Portugal, prejudicando os seus estudos na Suíça e, principalmente, dificultando os convívios da criança com a mãe, o que sugere desde logo, que o progenitor não prioriza o bem estar emocional e psicológico do filho, colocando em primeiro lugar os seus próprios interesses em detrimento do bem estar do filho.
- dos autos resultavam elementos que com alguma segurança apontavam para que a criança regressando com a progenitora à Suíça teria condições habitacionais, económicas, educativas e familiares;
- contrariamente, dos autos não resultavam elementos sobre as condições habitacionais dos avós paternos, das condições económicas do progenitor, o qual apenas apresentou um contrato de trabalho que ainda iria iniciar e, apenas após a conferência, em que o Ministério Público, já havia dado o seu parecer, que lhe era contrário.
- não estava minimamente comprovados nos autos existirem forte ligação afectiva do Manuel com os avós paternos, o menor apenas referiu ter saudades dos avós, o que é normal, pois há cinco anos apenas estava com aqueles no natal e nas férias de verão. O Manuel tem 8 anos, foi para a Suíça com 3 anos, dificilmente terá forte ligação afectiva com os avós paternos…
*
Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

OBJETO DO RECURSO

Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Assim, é a seguinte a questão a decidir:

- Saber qual o melhor regime das responsabilidades parentais (a decretar provisoriamente) para o menor.
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II.1 - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos considerados provados, com relevância para a decisão da causa, constam do relatório que antecede, considerando-se, indiciariamente, provado que:

1. O Manuel (…) nasceu no dia (…) e é filho de Nuno (…) e de Maria (…) – doc de fls 30, verso;
2. Os progenitores não se entendem sobre o local onde deve residir o menor (em Portugal ou na Suíça) e com qual deles deve residir;
3. No entanto, ambos estão de acordo quanto às visitas ao outro progenitor (não guardião) e à pensão de alimentos: ambos aceitam que o convívio com o outro progenitor seja diário, através de videochamada, e, ainda, nas férias escolares, de Dezembro e Agosto, e sobre a pensão de alimentos, ambos aceitam que o valor a pagar pelo progenitor não guardião seja de € 125,00;
4. O menor viveu na Suíça com os seus pais desde Dezembro de 2013 até Julho de 2018 (quase 5 anos), tendo aí frequentado dois anos de pré-escola e o 1º e 2º ano do primeiro ciclo;
5. O menor fala bem o alemão e o português;
6. A progenitora trabalha na Suíça numa empresa de limpezas em «part-time»;
7. O progenitor já conseguiu trabalho em Portugal na empresa Sapatarias (…) Lda, com contrato de trabalho a tempo completo e sem termo;
8. O menor está matriculado e a frequentar o 3º ano do primeiro ciclo na escola de Revelhe, encontrando-se bem integrado;
9. O menor manifesta a vontade de continuar na escola de Revelhe e pretende continuar a viver em Portugal, com o pai e avós paternos;
10. Os avós paternos vivem junto do pai e o menor tem forte ligação afetiva aos mesmos.
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II.2 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Regime Geral do Processo Tutelar Cível, abreviadamente RGPTC, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, consagra no nº1, do art. 28º, a possibilidade de o juiz, no âmbito de um processo tutelar cível pendente, oficiosamente ou a requerimento, decidir, fundamentadamente, a título provisório, caso o entenda conveniente, questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar diligências essenciais para assegurar a execução efetiva da decisão, viabilizando a proteção e defesa do superior interesse da criança, de modo a adequar a decisão à sua situação atual.

No âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, é obrigatória a decisão provisória, não havendo acordo, entre os progenitores, na conferência a que alude o art.º 35º, nos termos do art. 38º, decisão essa que é tomada sobre o pedido em função dos elementos já obtidos. Impõe o referido preceito que o juiz decida provisoriamente sobre o pedido, em função dos elementos já processualmente adquiridos, não tendo que aguardar por outras diligências de prova, nem pela audição de técnicos especializados, sem prejuízo de, posteriormente, ainda antes da decisão final, logo que ouvidos esses técnicos ou produzida mais prova, poder ser alterado o inicialmente decidido, como previsto no art.º 28º nº 2, a fortiori. Tratando-se de uma decisão provisória, fundada nos poucos elementos até essa data recolhidos, normalmente apenas nas declarações dos progenitores, o julgador deve nortear-se por princípios de razoabilidade, actuando com bom senso, prudência e moderação, protegendo os interesses dos menores e só depois os dos progenitores, evitando que a decisão agudize o conflito e assim impeça um acordo, que ainda poderá vir a ser obtido na segunda fase da conferência (Cf. art.º 39º nº 1 do RGPTC) (1).

No âmbito do processo de regulação do exercício do poder paternal a lei faculta ao tribunal a tomada de medidas provisórias que constituem autênticas providências cautelares específicas dos processos tutelares cíveis. Tem, pois, a decisão natureza provisória e caduca quando for revogada, alterada ou quando for proferida a decisão final (2).

Embora se trate de um regime provisório e sejam escassos os elementos constantes do processo, em função dos já existentes e dada a urgência de acautelar a situação deve, em função deles, tomar-se a decisão (provisória) mais conforme aos interesses do menor, que sempre estão subjacentes a estas decisões, sendo que nos processos de jurisdição voluntária relativos à regulação das responsabilidades parentais o interesse do menor, a regular, aparece no topo, acima do interesse de qualquer dos pais, sendo, aliás, até, aquele o único interesse a regular em tal processo de jurisdição voluntária.

Cumpre, analisar e decidir qual o melhor regime (provisório) das responsabilidades parentais para a criança, Manuel, agora de 9 anos de idade.

Sustenta a progenitora, apelante, e o Ministério Público que a decisão recorrida, ignorou as circunstâncias dos últimos cinco anos de vida do menor, residente, com os pais, na Suíça, que a mesma não era adequada nem satisfazia o superior interesse do Manuel, que fala Alemão e frequentou dois anos de pré escola e dois de ensino básico naquele país, onde tem avós maternos e tias, que em Portugal, o menor tem a família paterna, da qual tinha saudades, naturalmente, mas que na Suíça tem toda a família materna, com a qual conviveu nos últimos cinco anos, portanto, da qual ainda, naturalmente, sentirá mais saudades, não tendo a criança idade nem entendimento livre para poder manifestar uma escolha consciente e fundada, sendo certo que o relacionamento com os avós paternos, residentes em Portugal, vivendo o menor nos quase últimos 5 anos da sua vida na Suíça, onde estudava, se resumia, praticamente a convívio em férias.

Considerando o Tribunal a quo

Os presentes autos de regulação das responsabilidades parentais são considerados de jurisdição voluntária (artigo 12º do RGPTC).
Nos processos de jurisdição voluntária o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna.
Por outro lado, em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, o tribunal pode decidir, a título provisório, relativamente a matérias que devam ser apreciadas a final. Na verdade, dispõe o artigo 28º, nº1, do RGPTC que em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efectiva da decisão.

As matérias a serem apreciadas a final, são a guarda (residência) do menor e o exercício das respectivas responsabilidades parentais, o regime de visitas ao progenitor não guardião e a prestação de alimentos a cargo deste último (cfr. artigos 40º do RGPTC e 1906º do Código Civil).

O critério fundamental para tal decisão é o do interesse da criança.

A referência a este “interesse da criança” surge-nos em Convenções Internacionais que regulam os direitos e os estatutos dos menores [Cfr.: Princípio 2 do Anexo à Recomendação nº R (84) 4, adoptada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa, em 28 de Setembro de 1984, o qual estabeleceu, em sede de responsabilidades parentais, que “qualquer decisão da autoridade competente relativa à atribuição das responsabilidades parentais ou ao modo como estas responsabilidades são exercidas, deve basear-se, antes de mais, nos interesses dos filhos”. (sublinhado nosso)] e na nossa lei interna, desde logo nos artigos 1906º, nº 7, do Código Civil, e artigo 37º, nº1, do RGPTC, onde se dispõe, no primeiro dispositivo, que o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor e que, no segundo dispositivo, que o acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais tem de corresponder aos interesses da criança.

Intencionalmente, a lei não define este conceito que, assim, terá de ser aferido casuisticamente, tendo como referência “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade” (In: Almiro Rodrigues, “Interesse do Menor – Contributo para uma definição”).

“Em caso de ruptura de vida em comum dos progenitores, a prossecução do interesse do menor tem sido entendida em estrita conexão com a garantia das condições materiais, sociais, psicológicas e morais que possibilitem o seu desenvolvimento saudável, equilibrado e estável, à margem dos compreensíveis conflitos que, eventualmente, surjam entre os pais, e que assegurem o estabelecimento de relações afectivas contínuas com ambos os pais, particularmente, e como bem se compreende, com o progenitor a quem o menor não tenha sido confiado” (In: Paulo Guerra, Área de Família e Menores, Sentença de regulação do exercício do poder paternal, Novembro de 2002).

Portanto, na resolução das questões em causa, deve-se atender exclusivamente aos interesses da menor, devendo esta ser confiada ao progenitor que mais garantias dê de valorizar o desenvolvimento da sua personalidade e que lhe possa prestar maior assistência e carinho (Neste sentido: Ac. da Rel. do Porto de 17/05/1994, in: CJ/94, tomo III, pg. 200).

Por outro lado, dispõe o artigo 38º do RGPTC que se ambos os pais estiverem presentes na conferência e não chegarem a acordo, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos”.
fundamenta a Decisão, provisória, de regulação das responsabilidades parentais nos seguintes termos:

“não foi possível apurar, ainda que indiciariamente, as condições da progenitora para acolher sozinha, na Suíça, o menor.
Assim, tendo em conta os aludidos factos, importa decidir, a título provisório, sobre as matérias que devam ser apreciadas a final, nos termos do disposto nos artigos 28º, nº1, e 38º do RGPTC.
Ora, face a tais factos, parece-nos ser do interesse do menor que este fique a residir com o pai, o qual conta com o apoio dos avós e com quem o menor tem forte ligação afectiva, tanto mais que sobre a situação da progenitora na Suíça, apenas se apurou que a mesma trabalha numa empresa de limpezas em «par-time», sem se apurar se a mesma tem condições para, sozinha, ali acolher o menor.

No mais, ambos estão de acordo quanto às visitas ao outro progenitor (não guardião) e à pensão de alimentos: ambos referem que aceitam que o convívio com o outro progenitor seja diário, através de videochamada, e ainda nas férias escolares de Dezembro e Agosto, e sobre a pensão de alimentos, ambos aceitam que o valor a pagar pelo progenitor não guardião seja de € 125,00.
E quanto a tal matéria, o acordo deve ser acolhido”.

Cumpre, pois, apreciar.

Decorre de imposição constitucional, enunciada em vários preceitos, entre eles o art. 69º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que consagra que “as crianças têm direito a proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições”, que o critério norteador que deve presidir a toda e qualquer decisão do tribunal em matéria de regulação de responsabilidades parentais é o interesse superior da criança, critério este que deve estar acima dos direitos e interesses dos pais quando estes sejam conflituantes com os daquela.

Também da lei ordinária, no seguimento do constitucionalmente consagrado - v. art. 1878º, n.º 1, do Código Civil, abreviadamente, - estabelece que o poder paternal é um poder-dever dos pais funcionalizado pelo interesse dos filhos, competindo aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros e administrar os seus bens, tendo de o exercer, altruisticamente, ao interesse da criança.

Nos diversos casos de rutura da relação entre os progenitores, a lei estabelece – cfr. art. 1906º, do CC - a regra do exercício conjunto das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância.

Somente em casos excecionais, e mediante decisão fundamentada, poderá esta regra ser afastada pelo tribunal, face à conclusão, não meramente de que a mesma não é adequada, mas que se revela contrária aos interesses do menor (juízo conclusivo que pode advir de fatores de diversa etiologia) (3) (negrito e sublinhado nosso).

O nº7, do artigo 1906º, determina que, no exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, o tribunal decidirá sempre de harmonia com os interesses do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreça, amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.

Este tipo de processo é de jurisdição voluntária, pelo que nele o julgador não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo, antes, adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, no exercício do poder-dever a que se encontra adstrito, (art. 12º, do RGPTC e 987º, do CPC) efetuando as diligências de averiguação e de instrução necessárias à prolação mais adequada ao caso concreto.

Dúvidas não existem de que o critério orientador e que terá necessariamente de presidir à decisão do tribunal é o interesse superior da criança e não os dos progenitores, o qual apenas terá e deverá ser considerado, até por imposição constitucional (arts. 36º, n.ºs 3 a 6, 67º, 68º e 69º da CRP), na medida em que se mostrem conformes ao interesse superior da criança, não colocando em crise esse interesse (4).

A Jurisprudência dos Tribunais, designadamente a do STJ, vai no sentido de, “por mais que aceitemos a existência de um “direito subjetivo” dos pais a terem os filhos consigo, é no entanto o denominado “interesse superior da criança” - conceito abstrato a preencher face a cada caso concreto – que deve estar acima de tudo. Se esse “interesse subjetivo” dos pais não coincide com o “interesse superior do menor” não há outro remédio senão seguir este último interesse”. (5)

A lei não define o que deve entender-se por “interesse superior da criança”, estando-se na presença de um conceito aberto, a concretizar atentando nas necessidades físicas, intelectuais, religiosas e materiais da criança, na sua idade, sexo, grau de desenvolvimento físico e psíquico, na continuidade das relações daquela, a sua adaptação ao ambiente escolar e familiar, bem como as relações que vai estabelecendo com a comunidade em que se integra.

Assente que está qual o superior interesse que deve presidir à decisão do tribunal e que, em caso de incompatibilidade entre os direitos e os interesses dos progenitores e os da criança, é o interesse desta última que há-de impreterivelmente prevalecer, cumpre apreciar qual o melhor regime das responsabilidades parentais para a criança, que satisfaça de modo mais eficaz esse seu interesse.

E, para além da decisão quanto ao exercício das responsabilidades parentais em questões importantes para o menor, há que estabelecer a residência do filho.

Face à lei vigente, e embora a questão continue a ser muito discutida e, até, com entendimentos dispares, quer na doutrina quer na jurisprudência, verifica-se como possibilidades, quanto a tal, de a residência habitual ser com um dos progenitores, com um terceiro ou, ainda, por períodos alternados com um e outro dos progenitores (residência alternada).

A fixação da residência do filho reveste-se de primordial importância, constituindo o elemento determinante do regime de exercício das responsabilidades parentais, uma vez que cabe ao progenitor com quem o filho resida habitualmente o exercício de tais responsabilidades quanto aos atos da vida corrente, competindo a cada um dos progenitores, pelo período em que o filho consigo resida, nos casos de residência alternada.

Quanto á determinação da residência da criança, deve continuar a entender-se que deverá residir com o progenitor que seja a principal referência afetiva e securizante da criança, aquela com quem mantém uma relação de maior proximidade, aquele que no dia-a-dia, enquanto os pais viviam juntos, lhe prestava os cuidados, ao progenitor que se mostre mais capaz de lhe garantir um adequado desenvolvimento físico e psíquico, a sua segurança e saúde, a formação da sua personalidade, a sua educação, o seu bem-estar, o seu desenvolvimento integral e harmonioso, em clima de tranquilidade, atenção e afeto, como tem vindo a ser entendido pela jurisprudência e doutrina, no respeito pelo superior interesse da criança e sem abdicar do princípio da igualdade entre os progenitores. (6)

Assim, os princípios basilares a observar, no que respeita à determinação da residência são:

- o superior interesse da criança;
- a igualdade entre os progenitores;
- e a disponibilidade manifestada por cada um dos progenitores para promover relações habituais do filho com o outro progenitor, prevalecendo, contudo, sempre, o primeiro.

Entendemos que, não o desaconselhando os outros dois princípios, o regime da residência alternada é o regime de regulação do exercício do poder paternal mais conforme ao interesse da criança porque lhe possibilita contactos em igual proporção com o pai, a mãe e respetivas famílias.

Não se deve exagerar o facto de a mudança de residência criar instabilidade e, por isso, representar inconveniente para a criança, pois que a instabilidade é uma realidade na vida de uma criança com pais separados, que, sempre, terão de se integrar em duas residências, sendo essa mais uma adaptação a fazer nas suas vidas, sendo certo que as crianças são dotadas de grande aptidão para se integrarem em situações novas.

Vejamos, agora, os fundamentos da decisão recorrida e o caso concreto.

Atentando nos factos sumariamente provados e vistas, até, as declarações prestadas pelo pai da criança, verifica-se que ela tinha residência habitual na Suíça há mais de 4 anos (7) e o pai, contra a vontade da mãe, reteve a criança em Portugal. Na verdade, refere o progenitor – cf. ata de conferência de pais de 8/10/2018 - designadamente:

- O menor viveu em Portugal até ao dia 27/12/2013 e a partir desta data e até 22/7/2018 na Suíça, altura em que veio consigo para Portugal de férias e com bilhete de regresso para 19 de agosto de 2018;
- Decidiu não regressar à Suíça e o menor, que aí frequentava o ensino oficial (tendo transitado do 2º para o 3º ano) não regressou, tendo ficado consigo porque era essa a vontade do menor;
- Foi no próprio dia de regresso à Suíça que avisou a mãe que ele e o menor não iam,tendo esse aviso sido efetuado porquanto a Ré lhe telefonou dizendo-lhe que estava no aeroporto à sua espera.

O Tribunal a quo afirma, apenas, “parece-nos ser do interesse do menor que este fique a residir com o pai, o qual conta com o apoio dos avós e com quem o menor tem forte ligação afectiva, tanto mais que sobre a situação da progenitora na Suíça, apenas se apurou que a mesma trabalha numa empresa de limpezas em «par-time», sem se apurar se a mesma tem condições para, sozinha, ali acolher o menor”.

Daqui parece, efetivamente, extrair-se que, para o Tribunal a quo, a diferença entre residir com um ou outro dos progenitores está, realmente e tão só nos referidos avós. Entende o Tribunal a quo ser do interesse do menor que este fique a residir com o pai, o qual conta com o apoio dos avós, com quem o menor tem forte ligação afetiva. E o que qualifica a relação afetiva do menor (agora com 9 anos de idade) com os avós paternos advém, após ir residir para a Suíça com os pais, em Dezembro de 2013, dos contactos que se mantinham em férias (avós a viverem, em Portugal, perto).

Acresce que a mãe trabalhar na Suíça em “part-time” até constitui uma razão para que a criança consigo resida, pois, mais disponibilidade de tempo tem para se dedicar ao filho, tendo já demonstrado pô-lo, na sua vida, em primeiro lugar, ao permanecer em Portugal para não perder o contacto com ele.

O critério da preferência maternal - princípio esse segundo o qual as crianças, sobretudo na chamada primeira infância, devem ficar com as mães (que assentava em razões históricas, sociológicas e culturais e, até, em razões de ordem biológica, designadamente as relacionadas com a gestação, o parto, a amamentação, propiciadoras de grande proximidade física entre a mulher e os filhos) - perdeu atualidade, sendo ambos os progenitores considerados numa posição de igualdade (cf. Convenção dos Direitos da Criança e a lei fundamental - cf. art.º 36.º da Constituição da República Portuguesa), e foi sendo substituído pelo critério da figura de referência (primary caretaker), ou seja, aquele progenitor que tem a primeira responsabilidade pelo desempenho dos deveres de cuidado e sustento da criança. É, contudo, um facto notório que, na maior parte dos casos, esta figura de referência coincide com a mãe, mas vamos assistindo a que, cada vez mais, esta figura é, também, desempenhada pelo pai, sendo que, até, no competitivo quotidiano dos nossos tempos, com frequência, não existe, apenas, uma figura de referência para as crianças, mas sim duas, sendo ambos os progenitores chamados a essas tarefas dados os afazeres profissionais que lhes tomam parte de grande parte do tempo diário.
Mesmo este critério da figura primária de referência não tem consagração legal.

O único, relevante e decisivo critério com consagração legal (cf. a parte final do n.º 5 do art.º 1906.º do Código Civil) é o da proximidade, ou seja, deverá ser escolhido o progenitor que fornece indícios de mais facilmente permitir à criança ter contactos com o outro progenitor, por isso se revelar do interesse da criança (8).

Ora, no caso, verificamos que, para além de esses contactos não serem favorecidos pelo pai, que contra o planeado para o futuro da criança, designadamente o escolar, após férias, reteve o menor em Portugal, o que é censurável (9), olhando apenas aos seus interesses e conveniências pessoais, pouco se importando em facilitar os contactos da criança com a mãe e em não quebrar a continuidade do projeto educativo da criança, a progenitora, que revela mais disponibilidade de tempo para acompanhar o menor no dia-a-dia e para dele cuidar, sem ter de o deixar aos cuidados de terceiros, sejam eles avós ou outros, provas deu, com a atitude que assumiu, de não regressar à Suíça sem o filho, de olhar, acima de tudo, ao superior interesse da criança, priorizando o relacionamento com este a todos os seus outros interesses pessoais, profissionais ou familiares (estando a família alargada, do lado materno, na Suíça).

Acresce que a criança, que tinha residência e a sua vida familiar, escolar e social organizada na Suíça, há cerca de 5 anos (dos 8 que na altura tinha - diga-se, por decisão dos pais -, foi mantida, contra a vontade da mãe, a residir em Portugal, pelo pai, que a impediu de regressar à escola que vinha a frequentar e que lhe alterou a vivência escolar, familiar e social quotidiana.

Como conclui a apelante e considera o Ministério Público, a decisão recorrida não olhou ao superior interesse do menor, uma vez que não decidiu pela entrega da guarda do menor ao progenitor que está em melhores condições de lhe assegurar um desenvolvimento sadio, a nível físico, psíquico, afetivo, moral e social, bem como uma correta estruturação da personalidade, em continuidade com o que vinha sendo a orientação tomada por ambos os progenitores. Não foram, efetivamente, ponderadas pela decisão recorrida as circunstâncias de vida dos últimos cinco anos do menor.

Sendo a residência habitual da criança na Suíça (cf. art. 5º, da Convenção de Haia), há indícios fortes de ilícita retenção do mesmo em território nacional pelo pai (10), violando a sua estabilidade e a continuidade das relações afetivas que tinha no contexto dessa residência de mais de 3 anos. Interessando preservar essa continuidade - que se presume ligada àquela residência habitual -, só razões muito fortes, que aqui não se verificam, poderão levar à sua mudança. A consagração legal do direito da criança à preservação das suas ligações psicológicas profundas, nomeadamente no que concerne à continuidade das relações afetivas estruturantes e de seu interesse tem sido, há mais de duas décadas, reconhecida com base na interpretação sistemática das normas vigentes (11).

E, na verdade, é na Suíça que foi, pelos progenitores, organizada toda a vida da criança, aí tendo sido praticados todos os atos do seu quotidiano, aí tendo frequentado dois anos no ensino pré-escolar e, ainda, dois anos no ensino básico, sendo, efetivamente, lá que possui o seu eixo de vida, desenvolvia os estudos e tinha a estabilidade e vivência normal não tendo sido levado, após gozo de férias neste país, de regresso à Suíça, à sua residência habitual, pelo que não observou o progenitor, que consigo o manteve em Portugal contra a vontade da progenitora, o que traduzia o interesse do menor.

A residência do menor deve ser confiada ao progenitor que promove o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral, que tem mais disponibilidade para satisfazer as necessidades do menor e que tem com este uma relação afetiva mais profunda (12).

É, pois, necessário ter em atenção a relação afetiva da criança com cada um dos pais, a disponibilidade de cada um para prestar ao filho os cuidados necessários à sua saúde, alimentação e educação social, cultural e moral, o grau de desenvolvimento da criança e as suas necessidades, a preferência do menor, a continuidade das relações afetivas e do ambiente em que tem vivido a criança.

O interesse do menor está, assim, ligado às relações afetivas que este vinha mantendo, devendo promover-se a continuidade do caminho traçado - da educação e das relações afetivas da criança -, atribuindo-se a guarda do filho ao progenitor que se revele mais capaz de cuidar da criança e a quem a esta se mostrar mais ligado sentimentalmente.

O objetivo do Tribunal é conseguir a melhor solução possível face às circunstâncias concretas do caso, é encontrar a solução geradora da menor desestabilização e descontinuidade da vida do menor, já abalada pela separação dos pais (13). Deste modo, a atribuição da residência do filho à figura primária de referência, se a houver, constitui a solução mais conforme ao interesse da criança, pois permite promover a continuidade relação afetiva primordial da criança, correspondendo, por isso, à real e efetiva preferência desta, desde que indícios dê de permitir os contactos da criança com o outro progenitor.

Encontra-se hoje estabelecido na lei e na doutrina o entendimento pacífico, igualmente decorrente de regulamentos da União Europeia e de convenções internacionais vinculantes do Estado Português, que nos casos em que haja necessidade de regular e, ou, de alterar o exercício de responsabilidades parentais deve haver lugar à audição prévia da criança, devendo os tribunais ouvir a criança, tendo em conta a sua idade e grau de maturidade e capacidade de discernimento. (14)

O princípio da audição do menor constante em preceitos do direito interno e do direito internacional a que o Estado Português está vinculado, tem como pressuposto a consideração de que o menor deve ser ouvido nas decisões que lhe dizem respeito, pelo respeito pela sua personalidade (15).

Porém, a opinião do menor, que deve, pois, ser ouvido, deve ser ponderada de acordo com a maturidade que evidencia (16).

Ora, in casu, a alegada preferência do menor (à data de 8 anos de idade) em residir em Portugal não se afigura motivada nem se revela consciente, uma vez que não resultam fundamentos válidos e atendíveis para tal preferência, pronuncia, essa, antes a revelar imaturidade, até própria daquela idade, e vontade influenciada.

E não pode a aventada preferência ser o critério decisivo para estabelecer a futura residência da criança, porquanto se trata de um menor de oito anos de idade e as reações das pessoas à sua volta (pai/avós paternos) são suscetíveis de modificar a sua disponibilidade em falar e de dizer aquilo que efetivamente sente. Acresce que a concreta criança, de 8 anos de idade, não possui maturidade suficiente para saber o que é melhor para si, se morar em Portugal ou na Suíça, se morar com o Pai ou com a Mãe, pois que tendo, no momento em que foi ouvido, oito anos e tendo ido viver para a Suíça quando tinha apenas quatro, associando Portugal a períodos de férias (diga-se com os progenitores) e a Suíça a aulas, responsabilidades escolares e rotinas (também com ambos os progenitores), não dispõe de discernimento e de verdadeira perceção e termos de comparação que o habilitem a decidir. Não é de levar em consideração a opinião do menor, pois que a preferência de ficar a residir em Portugal, é motivada nos avós paternos (saudades tidas destes) e na brincadeira (campo de futebol), opinião de uma criança de 8 anos, sem verdadeira maturidade que se mostre suficiente para exprimir uma opinião consistente, consistente e esclarecida.

Assim, a posição da criança revela-se não madura (cf. artºs 4º e 5º), não se mostrando imbuída de capacidade para compreender os assuntos em discussão e, potencialmente, terá sido induzida pelo progenitor com quem tem convivido predominantemente desde o início das férias, em 22/7/2018.

Na verdade, a formação escolar da criança iniciou-se, por decisão dos progenitores, na Suíça em 2013, e, sendo diferente a língua e os métodos de ensino em Portugal e naquele país, uma vez iniciada na Suíça é do superior interesse da criança continuá-la, sem quebras fraturantes, pelo que, não obstante as preferências manifestadas pela criança em ficar em Portugal (onde até tem tido a mãe presente) atentas as razões para cá ficar, que se prendem com a proximidade com a família alargada (avós paternos), porque é na Suíça que a criança tem o seu centro de vida organizado, não devem ser consideradas.

Como refere a apelante, em Portugal, o menor tem a família paterna, da qual tem saudades (naturalmente) e, na Suíça tem a família materna, com a qual conviveu nos últimos cinco anos, dos então oito da sua vida, portanto, da qual irá sentir imensas saudades (naturalmente).

Bem considera o MP que a criança residia na Suíça, desde cerca dos 3 anos de idade, com os progenitores, pelo que a progenitora dispunha de condições habitacionais (a casa onde viviam) e de capacidades parentais; frequentava o ano de escolaridade na Suíça e mais de metade da sua vida tinha sido lá passada; os contactos com os avós paternos, residentes em Portugal, ocorriam nas férias de Natal e de verão e os avós e tias maternos residiam na Suíça; o progenitor na data de regresso após férias para a Suíça reteve o filho, contra a vontade da mãe, em Portugal, bem sabendo que a criança iniciaria as aulas; o progenitor colocou entraves ao convívio do filho com a mãe; a progenitora trabalhava em “part- time”, numa empresa de limpezas, sendo que o superior interesse do menor reclama manter o seu modo de vida e relações afetivas dos últimos cinco anos, criadas por ambos os progenitores. A criança, de 8 anos de idade, não se revelou dotada de maturidade e de capacidade de entendimento sobre o motivo da sua audição nem revelou razões de preferência credíveis, fundadas e livremente alcançadas. Não revelou possuir o discernimento para entender a problemática sobre qual o tribunal se debruçou (sobre a questão de o porquê gostar mais de estar em Portugal, refere “(…) porque encontra-se junto dos avós paternos, de quem tinha saudades, e que gosta de jogar futebol, num campo que tem ao lado de casa.”), não podendo o Juiz a quo fundar a sua decisão com base numa referência vaga e infundada de uma criança de 8 anos, sem a devida maturidade para tomar posição – cf. art. 4º, nº2.

Como bem refere a recorrente e o MP, o Juiz a quo não atendeu a factos importantes e que apontavam para qual o superior interesse do menor, desde logo o centro da vida do Manuel nos últimos cinco anos foi na Suíça, com os progenitores, os familiares ali residentes, os amigos que fez e a ligação escolar ao ensino suíço – 2 anos de pré-escolar e 2 anos do primeiro ciclo. Mais de metade da vida do Manuel foi passada na Suíça, para onde foi com cerca de 3 anos, privando com os avós paternos nas férias escolares do Natal e do Verão.

Também a conduta do progenitor ao unilateralmente reter o filho em Portugal, prejudicando os seus estudos na Suíça e dificultando os convívios da criança com a mãe, sugere, desde logo, que o progenitor não prioriza o bem-estar emocional e psicológico do filho e que coloca em primeiro lugar os seus próprios interesses em detrimento do bem estar daquele.

Dos autos resultavam elementos que, com alguma segurança, apontam para que a criança regressando com a progenitora à Suíça encontra as condições habitacionais, económicas, educativas e familiares que tinha.

Apesar de o Tribunal poder ouvir a criança, obviamente tinha de enquadrar, interpretar, valorar e analisar criticamente o que a mesma transmite.

Assim, pelas razões explanadas pela apelante e pelo Ministério Público, que bem se apresentou a defender os interesses do menor, e pelos fundamentos acabados de referir, entendemos ser de alterar a decisão proferida.
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Procedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, devendo, por isso, a decisão recorrida ser alterada.

Refira-se, ainda, que, como o exige o n.º 2, do art.º 37º, o Tribunal apenas deve proceder à homologação do acordo de regulação das responsabilidades parentais se os interesses dos menores ficarem salvaguardados.

Afigura-se-nos que, tal como entendeu o Tribunal a quo, o que foi acordado pelos progenitores, acima referido, acautela o interesse do menor, sendo, por isso, nessa parte, de atender.
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III. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a apelação procedente e, em consequência, alterando a decisão recorrida, nos termos do disposto nos artigos 28º, nº1, e 38º do RGPTC, regula-se, a título provisório, o exercício das responsabilidades parentais do Menor Manuel, com respeito pelo acordado entre os progenitores quanto ao regime de visitas e a alimentos, do seguinte modo:

A. Residência e exercício das responsabilidades parentais:

1. A criança fica a residir com a mãe, na Suíça, a quem incumbem as responsabilidades quotidianas da vida do Manuel;
2. As responsabilidades parentais respeitantes às questões de particular importância para a vida do Manuel devem ser decididas por ambos os progenitores, em conjunto, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível;

B. Regime de visitas:

1. O progenitor estará com o menor todos os dias através de videochamada, a efetuar entre as 18.00h e as 19.00h (hora portuguesa).
2. Está ainda com o menor nas férias escolares deste em Dezembro e em Agosto, deslocando-se, para o efeito, o menor a Portugal, o que a progenitora providenciará.

Estando o pai e a mãe no mesmo país:

3. O progenitor, todas as quartas-feiras, vai buscar o menor à escola e pernoita com ele, entregando-o na escola (ou em casa da mãe) no dia seguinte.
4. O progenitor está com o menor em fins-de-semana alternados (quinzenalmente), desde sexta-feira, no fim das aulas, até domingo às 20.30h.

C. Alimentos:

O pai paga à mãe, no primeiro dia útil de cada mês, por transferência bancária para o IBAN a indicar por ela, no prazo de 10 dias, a título de pensão de alimentos para o filho, 125,00 € (cento e vinte e cinco euros).
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Custas pelo progenitor apelado – art. 527º, nº1, do CPC.
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Oportunamente, cumpra o disposto no artigo 78.º, do Código do Registo Civil.
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Guimarães, 7 de fevereiro de 2019
(Assinado digitalmente pelos Senhores Juízes Desembargadores

Eugénia Cunha, José Flores e Sandra Melo)


1. Ac. da RG de 12/1/2017, processo 996/16.0T8BCL-D. G1, in dgsi.net
2. Ac. da RP de 20/2/2017, processo, 1530/14.2TMPRT-A. P1, in dgsi.net
3. Ana Prata e outros, Código Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2017, pag 817
4. Ac. RG. de 04/12/2012, Proc. 72/04.1TBBNC-D. G1, in base de dados da DGSI.
5. Ac. STJ., de 04/02/2010, Proc. 1110/05.3TBSCD.C2, P1, in base de dados da DGSI.
6. Tomé d´Almeida Ramião, Regime do Processo Tutelar Cível Anotado e comentado, Quid Juris Sociedade Editora, 2017, pag. 129
7. Cf. Ac. RL de 19/5/2016, processo 4413/15.5T8VFX.L1-2, dgsi.net, onde se decidiu “Verificada a situação prevista na primeira parte do art.59º do Código de Processo Civil – existência de convenção internacional vinculante, dispondo em termos definidores da competência internacional dos tribunais portugueses, quanto à matéria em causa – não são de considerar as normas reguladoras da competência internacional constantes do Código de Processo Civil. Em qualquer caso, residindo a mãe/requerente da regulação do exercício das responsabilidades parentais, com o menor, na Suíça, nunca se verificaria a situação prevista no art. 62º. Alínea c), do Código de Processo Civil. Nesta situação, a competência internacional para a requerida regulação é dos tribunais helvéticos”.
8. Cf. Ac. da RP de 20/2/2017, processo, 1530/14.2TMPRT-A. P1 in dgsi.net, "É o interesse do menor que deverá estar sempre subjacente a qualquer decisão que o tribunal tenha que tomar em relação ao seu projecto de vida (artigo 1906.º do CCivil). VI - A figura primária de referência (primary caretaker), não obstante seja tida como referente no meio jurídico e seguida pelos nossos tribunais, cremos ser insuficiente para estribar uma decisão sobre o projecto de vida de uma criança, pois que limita todo um manancial de experiências a um momento (aquele em que criança é mais dependente) e a uma única figura, desvalorizando outros aspectos vivenciais da criança que são fundamentais para que ela se desenvolva de forma harmoniosa e autónoma. VII - A investigação científica tem posto em evidência a importância de a criança manter o relacionamento e os vínculos com ambos os progenitores, desde que estes revelem competências parentais adequadas, desmontando a ideia de que a figura que esteve mais presente nos primeiros meses/anos de vida é a única figura de vinculação importante para a criança ou a figura de vinculação exclusiva.VIII - Daí que nas acções de regulação das responsabilidades parentais, a melhor decisão resultará sempre da análise séria e sensível dos elementos da matéria de facto, do conhecimento imediato dos magistrados relativamente às pessoas envolvidas, e do empenho na procura da satisfação do melhor interesse da criança”.
9. Cf. Ac. da RP de 26/1/2017, processo 2055/16.7T8MTS-C. P1, in dgsi.net, onde se decidiu “O Direito não existe para tutelar situações de facto consumado de mudança drástica da residência habitual e rotinas de vida de duas crianças de tenra idade, nascidas e integradas numa família conjugal que entrou em ruptura, em virtude da unilateral vontade da progenitora das menores, à revelia das condutas exigíveis pela boa fé e confiança entre os progenitores, ainda jovens. Ambos os progenitores têm a obrigação de separar e não misturar a resolução da eventual ruptura da sua situação conjugal e questões conexas, nomeadamente (…) com a regulação do regime das responsabilidades parentais das suas filhas (…) Tal “superior interesse do menor” é um conceito vago e indeterminado, uma orientação para o julgador perante o caso concreto, no sentido de que a primazia deve ser dada à figura da criança como sujeito de direitos, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando estes a respeitar e fazerem respeitar esse interesse do menor. O fim do casamento ou outra relação afectiva não significa o fim dos laços da filiação e ambos os progenitores devem aceitar esta realidade e cooperar para a melhor regulação do exercício das responsabilidades parentais possível, como obrigação essencial da sua parentalidade. (…) A conduta da ora apelante, mãe das menores, de “retirada” destas da casa morada de família, em …, para Lisboa, é altamente censurável …”.
10. V.: - Ac. da RP de 8/10/2015, processo 2593/11.8TMPRT-C.P1, in dgsi.netSubjacente ao regime implementado na Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças (Convenção de 1980) está o postulado de que muito embora se reconheça que a liberdade de circulação dos cidadãos é um direito fundamental, assume-se também que essa liberdade pode e deve sofrer limitações quando interfira com a liberdade e o superior interesse de uma criança.(…)- Verificada a deslocação ou retenção ilícita de uma criança de um Estado Membro para outro Estado diferente do da sua residência habitual, haverá que providenciar pelo seu imediato regresso, como forma de desencorajar os “efeitos prejudiciais resultantes de uma mudança de domicilio ou de uma retenção ilícitas e estabelecer formas que garantam o regresso imediato da criança ao Estado da sua residência habitual, bem como assegurar a protecção do direito de visita”, cabendo a qualquer pessoa, instituição ou organismo titular do direito de guarda, pedir que sejam accionados os procedimentos adequados para obter o imediato regresso da criança ilicitamente deslocada ou retida”. - Ac. da Rl de 20/6/2012, 1534/11.7TMLSB-A. L1-7, in dgsi.net “ A Convenção de Haia de 25.10.1980 sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças tem por objectivo assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado-Contratante ou aí retidas indevidamente. II - O fim visado é a restauração efectiva, o mais rápido possível, da situação precedente ao rapto ou retenção ilícita. III - A retenção de uma criança por um dos progenitores num Estado-Membro sem o consentimento do outro progenitor, com quem partilha as responsabilidades parentais, constitui retenção ilícita ao abrigo do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho de 27.11.2003. IV - O tribunal onde a criança está retida deve ordenar o imediato regresso da mesma, limitando ao estritamente necessário as excepções previstas na al. b) do art. 13º do Regulamento, o qual prevê que a criança deve sempre regressar”. - Ac. da RL de 20/12/2017. processo 1133/13.9TBTVD-D.L1-2, in dgsi.net “(…)A criança que é portuguesa, nasceu em ../../.. e com pouco mais de 3 anos foi viver para a Suíça, inicialmente com a mãe e pouco tempo depois com a mãe e com o pai e aí se manteve até aos 6 anos e 8 meses sensivelmente, convivendo, depois do regresso do pai, com a mãe e um irmão uterino cujo relacionamento se desconhece, mas onde frequentou a escola desde 17/8/2015, ainda não tinha cinco anos e onde se manteve por mais quase dois anos e não obstante ter em Portugal conforme declarou, para além do pai dos primos e da restante familiar que residem em Portugal, a verdade é que o convívio com os mesmos se faz agora apenas em 2017 e pelo curto período de Julho a Setembro de 2017 (a criança já regressou à Suíça como dos autos resulta), sendo certo que foi com a mãe e naturalmente com o pai no período em que estes viveram juntos que o convívio se fez mais intensamente era decerto de forma mais gratificante, resultando provado dos autos que é na Suíça que a vida da menor se encontra organizada, onde praticou todos os seus actos do quotidiano frequentou a escola, foi assistida em termos de saúde, teria sido certamente mais gratificantes para a filha se os pais se tivessem mantido juntos na Suíça, mas tal não foi possível, em suma é na Suíça a residência habitual da menor (…) Averiguar da ilicitude da deslocação ou retenção de uma criança alegada como fundamento do pedido de regresso apresentado nos tribunais portugueses reconduz-se a determinar se aquele que deslocou a criança para Portugal tinha o poder de, por si só, decidir sobre o respectivo local de residência ou se a deslocação ou retenção foi ou não efectuada com o acordo ou com o consentimento do titular o co-titular do poder. (…)Não obstante a criança poder ser particularmente viva e atenta, a verdade é que a mesma se encontra no limiar do seu processo de formação, formação essa que iniciou na Suíça em 2015, muito embora lhe possa parecer indiferente fazer a sua formação escolar na Suíça ou em Portugal, a verdade é que são seguramente diferentes os métodos de ensino em Portugal e na Suíça, todo o percurso escolar será diferente pelo que uma vez iniciado é do superior interesse da criança continuá-lo sem quebras fracturantes, pelo que, não obstante as preferências manifestadas pela criança em ficar em Portugal, as fundamentadas razões para cá ficar, que se prendem com a proximidade com a família alargada,- que a distância geográfica não apagará porquanto nos seus períodos escolares a criança seguramente virá a Portugal- porque é na Suíça que a criança tem o seu centro de vida organizado junto da mãe, como provado está, não se considerará a vontade da menor em não regressar à Suíça”.
11. Cf. Armando Leandro in "Infância e Juventude" 90/1 Pág.9-34 e número especial 91 Pág. 263- 284). http://www.oa.pt/cd/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?sidc=31634&idc=1&idsc=21852&ida=75761
12. Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divorcio.
13. Maria de Fátima Duarte, O Poder Paternal: Contributo para o Estudo do seu Actual Regime, AAFDL, pág.176
14. Ac. da RL de 20/9/2018, processo 10264/16.2T8LRS-B. L1-8, in dgsi.net
15. Ac. da RG de 20/11/2014, processo 43/13.4TMBRG.G1, in dgsi.net
16. Ac. da Rel. do Porto de 24/1/2018, processo 67/13.1TMPRT-F. P1 , in dgsi.net