Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1418/17.5T8VNF-A.G1
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: EXECUÇÃO
RELAÇÃO SUBJACENTE
PROVA DA INEXISTÊNCIA DA CAUSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator)

1. Pretendendo-se basear a execução num cheque prescrito ao abrigo da alínea c), do nº 1, do artº 703º, do CPC, tem o exequente o ónus de alegar os factos essenciais constitutivos da relação subjacente no requerimento executivo, se eles não constarem do próprio documento, de modo a beneficiar da dispensa de prova dos mesmos que resulta da presunção da existência de tal relação fundamental (artº 458º, CC).

2. O ónus de provar a inexistência de tal causa pertence ao executado.

3. Tal ónus só deve operar se, não obstante a prova produzida nos embargos, mormente pela embargante que a impugnou, e após a sua análise crítica, subsistirem dúvidas irremovíveis sobre a realidade do facto controverso (a relação causal) – artº 414º, CPC.

4. Caso de tal prova resulte demonstrada a inexistência desta relação, não há lugar à aplicação daquela regra e devem os embargos proceder e ser julgada extinta a execução por falta de título executivo.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

A Sociedade “…” (a seguir designada, abreviadamente, por “…”), intentou, em 21-02-2017, no Tribunal de VN de Famalicão, acção executiva contra a Sociedade “…” (adiante referida como “…”).

Como título executivo, juntou um cheque a seu favor emitido por esta.

Alegou, no requerimento executivo, que o sócio da emitente, L. M., “contraiu com a AGRO ..., uma dívida no valor total de €26.547,90” e que “como forma de liquidar parte do montante em dívida, do seu sócio, a executada, que assumiu tal dívida, emitiu e entregou à exequente o cheque supra mencionado”, o qual, uma vez apresentado a pagamento foi devolvido com a indicação de “extravio”.

Acrescentou que “o cheque ora junto, como mero quirógrafo, teve por finalidade o pagamento da quantia de €14.000,00 por parte da TRADIÇÃO de uma dívida que o seu sócio tinha para com a exequente”, pelo que “mostrando-se clara e exaustivamente, alegados, no requerimento executivo, todos os factos constitutivos da invocada relação subjacente causal da obrigação exequenda, deve o cheque apresentado ser considerado título executivo, tudo nos termos 703 nº 1 al. c) do CPC.” [1]

Uma vez citada, a executada, em 04-05-2017, deduziu embargos, alegando que inexiste título executivo porque, apesar de prescrita a obrigação cambiária, de o cheque só ser invocado como quirógrafo e de a exequente ter alegado “a relação subjacente no âmbito da qual o cheque terá alegadamente sido emitido e entregue”, este apenas “poderá servir de meio de prova em acção declarativa da relação estabelecida entre as partes e que terá originado a sua emissão” e “não pode ser reconduzido à previsão do art. 458º, nº 1, na medida em que não incorpora, por si só, qualquer reconhecimento de dívida”.

Mais alegou, ainda assim, que tal relação subjacente não existe, pois a Sociedade embargante “nunca assumiu qualquer dívida” do referido L. M., impugnando por falso o que quanto a isso alega a embargada.

Com efeito, explica, “o cheque em causa foi emitido no âmbito de uma relação comercial estabelecida entre embargante e embargada”, de acordo com a qual “em inícios de 2012, a embargante adquiriu junto da embargada uma máquina agrícola UNIFEED - máquina cujas funções são de enchimento, pesagem e mistura de ração para gado - pelo valor de €20.000” e
“11.Para pagamento dessa máquina, a embargante emitiu e entregou à embargada dois cheques pós-datados, um no valor de €6.500 para setembro de 2012 e outro de €14.000 para janeiro de 2013 (agora junto com o requerimento executivo).
12. O valor de €500 incluído no cheque de €6.500 dizia respeito aos juros devidos pelo deferimento do pagamento (entre 8 e 12 meses).
13. O primeiro cheque de €6.500 foi apresentado a pagamento, tendo sido pago à embargada.
14. Após concluir a venda da máquina, a embargante ficou de a rebaixar cerca de 10 cm para a mesma poder entrar na vacaria e ainda de a forrar a inox.
15. Para o efeito, deslocaram-se à fábrica da empresa X - SERRALHARIA, LD […], que elaborou e apresentou orçamento para esse serviço.
16. Após isso, a embargada comprometeu-se a entregar nessa empresa a máquina agrícola vendida à embargante para ser intervencionada nos termos que esta pretendia.
17. Sucede que, apesar dos sucessivos contactos por parte da X, nunca a embargada lhe levou a máquina para o referido efeito, e tão-pouco a entregou à embargante,
18. Conservando-a em seu poder, encontrando-se desde então a ser utilizada pelo seu sócio J. S. na realização de trabalhos agrícolas.
19. Por essa razão, a embargante procedeu à revogação do cheque com justa causa, não vindo a ser pago à embargada.
20. Nada deve, por isso, a embargante ao embargado, seja pela inexistência da relação subjacente alegada, seja pelo manifesto e inequívoco incumprimento do contrato de compra e venda celebrado.”

Alegou, ainda, que a exequente litiga de má-fé e que deve a tal título ser condenada em multa e indemnização.

A exequente/embargada contestou, impugnando de facto e de direito. Nesse sentido, manteve que o cheque vale como quirógrafo e, assim, como título executivo e que a divida foi originariamente contraída pelo dito L. M. (sócio da executada), no montante inicial de €26.547,90 e que, “ Tendo a executada, assumido a liquidação de parte dessa mesma dívida”, “Emitiu primeiramente, um cheque à ordem da exequente no valor de €6.500,00” e, mais tarde, “um cheque à ordem da exequente no valor de €14.000,00”, tendo aquele sido endossado pela “Agro” a José (viria a ser pago no âmbito de acção executiva nº 3022/12.5TBBCL-A), no qual “também a executada veio alegar que o cheque levado à execução no referido processo tinha sido entregue para o pagamento de uma máquina “Unifeed” (para alimentação de animais) que a Agro […] não tinha entregado”, tese que ali resultou não provada, já que é falsa, enfatizando que nenhum documento existe relativo a tal contrato e a embargada nada fez para que lhe fosse entregue a referida máquina, nem para o resolver, o que acha estranho.

Foi infrutífera a tentativa de conciliação realizada. Dispensou-se a audiência prévia. Fixou-se o valor da causa. Proferiu-se decisão no sentido de que o cheque, embora prescrito e sendo mero quirógrafo da relação fundamental causadora da dívida, serve de título executivo, assim se julgando improcedente essa questão suscitada pela embargante. Prosseguindo, verificaram-se os pressupostos processuais, identificou-se o objecto do litígio, enunciaram-se os temas de prova, apreciaram-se os requerimentos indicativos dos respectivos meios e marcou-se a audiência de julgamento.

Realizou-se esta, nos termos descritos na acta respectiva.

Por sentença de 02-05-2019, decidiu-se:

“Nestes termos, julga-se totalmente improcedente a presente oposição à execução, mediante embargos, deduzida pela embargante/executada “TF. – SOCIEDADE AGRÍCOLA, LDA” contra a embargada/exequente “AGRO-…, COMÉRCIO DE GADO E PRODUTOS DE AGROPECUÁRIA, LDA.” e, em consequência, absolve-se esta última do pedido, determinando-se, consequentemente, o normal prosseguimento da instância executiva.
*
Decide-se, ainda, não condenar a embargada/exequente como litigante de má-fé.
*
Custas a cargo da embargante/executada (cfr. artigo 527º, nºs1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do direito a protecção jurídica de que (eventualmente) beneficie.
*
Registe e notifique.”

A executada/embargante, inconformada, apelou a esta Relação, concluindo assim as suas alegações:

“I. Nos presentes autos, em que foi dada á execução um cheque, Tribunal a quo após ter decidido que a obrigação cartular se encontrava prescrita, entendeu que valeria como quirógrafo da obrigação fundamental, realizando o julgamento da causa.
II. Feito o julgamento da causa, foram os embargos julgados improcedentes, entendendo o Tribunal a quo que “incumbia à embargante/executada “TF.” o ónus de alegar e demonstrar que a obrigação constante do título oferecido à execução não existia ou mostrava-se já extinta. Sucede que, como resulta da fundamentação de facto desta decisão, a embargante/executada soçobrou na tarefa de demonstrar a falta de causa da relação subjacente invocada pela embargada/exequente “Agro”.”
III. Ora, não pode a executada/embargante conformar-se com o sentenciado na primeira instância, por duas ordens de razões.
IV. A primeira prende-se com a repartição do ónus da prova, tal como ele vem aflorado no excerto da sentença acabado de citar; a segunda tem a ver com a realidade que o Tribunal a quo deveria ter dado como provada a partir da prova produzida; por conseguinte, a primeira razão tem subjacente uma estrita questão de Direito, enquanto que a segunda tem a ver com o juízo probatório emitido pela 1ª instância sobre os factos em discussão.
V. A nosso ver, valendo o cheque como quirógrafo da obrigação fundamental e tendo a embargante negado a existência dessa obrigação, esse ónus probatório pertencia à recorrida, ou seja, cabia-lhe provar de que recebera o cheque para pagamento de uma dívida de um ex-sócio da devedora, considerando que a entrega do cheque só por si não prova qualquer relação fundamental.
VI. Mais ainda que assim não fosse, ainda que esse labor probatório estivesse a cargo da recorrente, como o Tribunal a quo entendeu, ainda assim entende a mesma que face à prova produzida não podia aquele Tribunal decidir como decidiu.
VII. O concreto ponto da matéria de facto que a recorrente considera incorrectamente julgado, é, pois, o seguinte: 3. A embargante/executada, como forma de liquidar parte do montante em dívida do seu sócio, assumiu-a, emitindo e entregando o cheque referido em 1. à embargada/exequente.
VIII. A esta matéria de facto deveria o Tribunal a quo ter respondido negativamente, não dando como provada qualquer assunção de dívida por parte da recorrente.
IX. Os concretos meios probatórios que impunham resposta diferente ao referido ponto da matéria de facto, são, por ordem de importância, o depoimento da testemunha L. M., o depoimento de S. S., o depoimento de parte/declarações de parte de A. S. as declarações de parte de M. S. e o depoimento da testemunha M. C..
X. As concretas passagens da gravação, que não se encontram assinaladas na acta, de onde se extrai a factualidade que infirma o juízo probatório emitido pelo Tribunal a quo, são as que a seguir se identificam.
XI. L. M., testemunha da recorrente, cujo depoimento ficou registado entre as 11:23’:47’’ e as 11:45’:23’
1ª passagem: 03’:40’’ a 13’:40’’ – instância do mandatário da recorrente
2ª passagem: 15’:05’’ a 17’:10’’ – instância do mandatário da recorrida
3ª passagem: 18’:40’’ a 21’:15’’ – instância do mandatário da recorrente
O seu depoimento ficou registado no sistema habilus média studio 11.23.48 XII. S. S., testemunha da recorrente, cujo depoimento ficou registado entre as 11:16’:26’’ e as 11:23’:46’’
1ª passagem: 01’:00’’ a 02’:00’’ – instância do Mº Juiz
2ª passagem: 02’:01’’ a 06’:45’’ – instância do mandatário da recorrente
O seu depoimento ficou registado no sistema habilus média studio 11.16.17
XIII. A. S., legal representante da recorrida, ouvido em depoimento/declarações de parte, o qual ficou registado entre as 10:15’:54’’ hrs e as 10:44’:54’’ hrs
1ª passagem: 04’:30’’ a 10’:52’’ – instância do Mº Juiz
2ª passagem: 13’:50’’ a 15’:15’’ – instância do mandatário da recorrente
3ª passagem: 21’:56’’ a 24’:00’’ – instância do mandatário da recorrida
O seu depoimento (de parte) e as suas declarações (de parte) ficaram registadas no sistema habilus média studio 10.15.55
XIV. M. S., legal representante da recorrida, ouvido em declarações de parte, o qual ficou registado entre as 10:55’:51’’ hrs e as 11:14’:39’’ hrs
1ª passagem: 01’:18’’ a 05’:44’’ – instância do Mº Juiz
2ª passagem: 08’:14’’ a 14’:30’’ – instância do mandatário da recorrente
O seu depoimento ficou registado no sistema habilus média studio 10.55.52
XV. M. C., testemunha da recorrente, cujo depoimento ficou registado entre as 11:45’:24’’ e as 12:02’:44’’
1ª passagem: 03’:54’’ a 06’:36’’ – instância do mandatário da recorrente
2ª passagem: 09’:20’’ a 11’:30’’ – instância do mandatário da recorrida
O seu depoimento ficou registado no sistema habilus média studio 11.45.22.
XVI. Pensamos que aquilo que se passou realmente consegue-se surpreender no depoimento do gerente M. S.: quando a recorrida recebeu os cheques para o negócio da máquina Unifeed, com a justificação que teria de os levar previamente ao Banco para este ver ser os aceitava na conta dos pré-datados, conservou-os na sua posse e imputou-os ao pagamento daquela antiga dívida, contra a vontade da recorrente.
XVII. Não poderia, assim, o Tribunal a quo concluir que os cheques entregues representaram uma assunção de dívida pela recorrente, dado que para assim suceder teria de existir uma vontade sua manifestada nesse sentido, sendo certo que a recusa em pagar os cheques, indicando o motivo extravio, é sinal claro que não existiu da parte da recorrente qualquer vontade em assumir a dívida do seu ex-sócio, pese embora fosse essa a vontade da recorrida.
XVIII. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou, entre outras, as disposições legais dos artº 341º e 342º do Código Civil, pelo que deverá a douta sentença ser revogada, e substituída por outra que julgue os embargos procedentes.
Assim decidindo, Venerandos Juízes Desembargadores, farão Vossas Excelências Justiça.”

A exequente/embargada respondeu concluindo:

“1-A sentença encontra-se devidamente fundamentada de facto e de direito, não merecendo qualquer censura.
2-A sentença recorrida não viola quaisquer princípios de distribuição do ónus de prova.
3-Quem tinha que demonstrar a inexistência da relação subjacente alegada pela exequente era a oponente.
4-A exequente demonstrou tudo quanto alegou em sede de requerimento executivo e contestação à oposição, nomeadamente a relação subjacente à emissão do cheque.
5-O Mº Juiz a quo fez uma devida avaliação crítica do depoimento e declaração de partes, bem como dos depoimentos das testemunhas.
6-Não existe qualquer erro de julgamento.
7-A decisão corresponde precisamente ao que ficou demonstrado.
8-A tese da opoente não odia ter qualquer sucesso, pois não correspondia à realidade.
9-A oponente já tinha visto a oposição que deduziu no âmbito do 3022/12.5TBBCL-A da 2ª secção de execuções do Juiz 1 do Tribunal de V. N. de Famalicão, com a mesma tese ora esgrimida, ser julgada improcedente, pois não conseguiu provar que o cheque era para pagar uma “famigerada” máquina que nunca existiu.
10-Deve manter-se, na íntegra, a decisão proferida, por justa e legal.
Termos em que, deverá recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se, na íntegra, a decisão proferida.”

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos autos, com efeito devolutivo.

Corridos os Vistos legais e submetido o caso à apreciação e julgamento colectivo, cumpre proferir a decisão, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos.

Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

No caso, a recorrente, questiona:

a) A decisão da matéria de facto quanto à assunção da dívida, defendendo que, ao contrário do decidido, nunca esta existiu.
b) O ónus da prova, sustentando que cabe à recorrida demonstrar a por ela alegada relação causal.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal recorrido considerou relevantes e decidiu julgar como provados os seguintes factos (sem prejuízo do que mais adiante resultar da impugnação):

“1. No âmbito do processo de execução com o nº1418/17.5T8VNF – de que os presentes autos constituem apenso –, instaurado no dia 21 de Fevereiro de 2017, a embargada/exequente “Agro” fundou a execução no facto de ser legítima portadora de um escrito, denominado «cheque», datado de 30 de Janeiro de 2013, com o nº5542836272, da conta nº39890171771, do “Banco ... – ...”, constando, além do mais, no campo destinado a quem dá a ordem de pagamento, o(s) nome(s) do(s) legal/legais representante(s) da empresa “TF.”, no campo destinado ao “valor” o montante de €14.000,00 (catorze mil euros), no campo destinado ao “local de emissão” a referência a Barcelos e no campo “à ordem de” a indicação da embargante/executada “AGRO ...”.
2. L. M., sócio da embargante/executada “TF.”, contraiu junto da embargada/exequente “Agro” uma dívida no valor total de €26.547,90 (vinte e seis mil, quinhentos e quarenta e sete euros e noventa cêntimos).
3. A embargante/executada, como forma de liquidar parte do montante em dívida do seu sócio, assumiu-a, emitindo e entregando o cheque referido em 1. à embargada/exequente.
4. Vencido e apresentado a pagamento, foi tal cheque devolvido com indicação de ‘cheque revogado p/ justa causa – extravio’.”

Mais decidiu julgar não provado:

“..., designadamente:
a) que a embargante/executada “TF.” nunca assumisse qualquer dívida de L. M.;
b) que em inícios de 2012, a embargante/executada, pelo preço de €20.000,00 (vinte mil euros), adquirisse junto da embargada/exequente “Agro” uma máquina agrícola “Unifeed”;
c) que a mencionada “TF.”, para pagamento desta máquina, emitisse e entregasse dois cheques pós-datados à identificada “Agro”, um no valor de €6.500,00 (seis mil e quinhentos euros), para Setembro de 2012, e outro de €14.000,00 (catorze mil euros), para Janeiro de 2013 (agora junto com o requerimento executivo);
d) que o valor de €500,00 (quinhentos euros), incluído no cheque de €6.500,00 (seis mil e quinhentos euros), dissesse respeito aos juros devidos pelo deferimento do pagamento (entre oito e doze meses);
e) que após concluir a venda da máquina em questão, a embargante/executada ficasse de a rebaixar cerca de 10cm, para que a mesma pudesse entrar na vacaria, e ainda de a forrar a inox;
f) que, para o efeito, se deslocassem à fábrica da empresa “X – Serralharia, Lda.”, que elaborou e apresentou um orçamento para esse serviço;
g) que a embargada/exequente se comprometesse a entregar nesta empresa a máquina agrícola vendida à embargante/executada para ser intervencionada nos termos que esta pretendia;
h) que apesar dos sucessivos contactos por parte daquela “X – Serralharia, Lda.”, nunca a embargada/exequente lhe levasse a máquina para o referido efeito e tampouco a entregasse à embargante/executada, antes conservando-a em seu poder, encontrando-se desde então a ser utilizada pelo seu sócio J. S. na realização de trabalhos agrícolas;
i) que a embargante/executada, pelo motivo indicado em h), procedesse à revogação do cheque referido sob o nº1, dos factos provados, com justa causa;
j) quaisquer outros factos para além dos descritos em sede de factualidade provada, que com os mesmos estejam em contradição ou que revelem interesse para a decisão a proferir. “

Para assim decidir, expendeu o tribunal recorrido os seguintes motivos [2]:

“A convicção do tribunal fundou-se no conjunto da prova produzida em audiência final, sempre em conjugação com as regras gerais da experiência aplicáveis à matéria que se discute nos autos.
[…]
A matéria de facto tida por demonstrada resultou, assim, da análise da prova produzida em audiência final tendo em conta os parâmetros vindos de referir.
O requerimento executivo, a fls.2-5, dos autos principais, e o original do cheque sob discussão, a fls.11, desses mesmos autos, serviram para ter por demonstrados os nºs1 e 4, dos factos provados.
Os elementos documentais supra enunciados foram conjugados com o depoimento/declarações de parte do legal representante da embargada/exequente A. S., com as declarações de parte do legal representante da embargada/exequente M. S. e com o depoimento das testemunhas J. S. – que foi sócio da embargada/exequente até 2010 –, S. S. – legal representante da empresa “X – Serralharia, Lda.” –, L. M. – sócio da embargante/executada “TF.” – e M. C. – que é dono de umas habitações que se situam em frente às instalações da embargada/exequente.
A convicção do tribunal formou-se em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões, parcialidade, coincidências e mais inverosimilhanças que transpareceram em audiência dessas declarações e depoimentos.
A testemunha S. S. apenas soube expressar ter uma “vaga ideia” que no ano de 2012 entregou um orçamento por causa de uma máquina pertença da embargada/exequente “Agro”, não se recordando, porém, atento o decurso do tempo, que concreto trabalho de reparação foi solicitado e de que máquina se tratava.
A testemunha M. C. prestou um depoimento vago, errático e pouco consistente, pois que não soube destrinçar devidamente os factos que afirmou ter presenciado daqueles que ouviu contar pela testemunha L. M. (sócio da embargante/executada “TF.”).
[…]
No caso dos presentes autos, o depoimento/declarações de parte de A. S. e as declarações de parte de M. S. foram prestadas de forma espontânea, segura, linear, coesa e credível.
Evidenciaram conhecimento pessoal e directo da factualidade sob discussão, o que resulta do facto de serem legais representantes da mencionada “Agro”.
Foram peremptórios em asseverar que o cheque dos autos não tem subjacente a venda de uma máquina agrícola (“não tinha máquina nenhuma para vender à TF.”, “como pode comprar uma coisa que não tenho”, como afirmou e indagou aquele A. S.), mas antes a venda de produtos agrícolas.
Nestes dois relatos foi possível encontrar semelhanças e correspondências de conteúdo.
O aludido M. S. acrescentou, ainda, que nunca faria o negócio de uma máquina sem que a dívida que estivesse para trás fosse paga, pretendendo referir-se ao documento de fls.14-verso-15, do presente apenso (extracto de conta-corrente do identificado L. M. com um débito total de €26.547,90 – vinte e seis mil, quinhentos e quarenta e sete euros e noventa cêntimos).
A testemunha José, por já ter sido sócio da embargada/exequente asseverou que quando deixou de o ser, o que sucedeu em 2010, o mencionado L. M. já tinha dívidas, respeitantes à embargante/executada “TF.”.
Mais referiu ser dono de uma máquina “Unifeed”, adquirida em 2014, em Barcelos, negando que lhe tenha sido vendida pela embargada/exequente “Agro”.
Prestou um depoimento escorreito, sério e verosímil, não sendo possível apontar-lhe contradições, pelo menos flagrantes.
Deste modo, tendo em consideração não só o extracto de fls.14-verso-15, do presente apenso, como também os relatos de A. S., M. S. e José, tiveram-se por demonstrados os nºs2 e 3, dos factos provados.
Temos consciência que estes A. S., M. S. e José não se apresentaram absolutamente isentos, pois que fazem ou fizeram parte da embargada/exequente “TF.”.
Por esse motivo, poder-se-á argumentar – e é legítimo que se faça – que os seus discursos devem ser apreciados com precaução.
Não pode deixar de reconhecer-se que, verificado que seja algum tipo de interesse, directo ou indirecto, no desfecho de qualquer causa, devem as declarações de quem se encontre nessa indicada posição merecer especiais cautelas.
Não significa, no entanto, que isso possa, ou deva, retirar-se, sem mais, ou seja, aprioristicamente, credibilidade aos relatos produzidos.
É que tudo depende, como é evidente, dos termos em que as declarações são prestadas.
E se o forem de forma devidamente circunstanciada e coerente, nenhuma razão de princípio pode determinar a não atendibilidade de qualquer meio de prova previsto na lei, seja ele qual for.
No caso de que nos ocupamos, as declarações/depoimentos dos identificados A. S., M. S. e José foram produzidas de forma que se nos afigurou honesta e de modo concordante com a possibilidade de ocorrência de factos da natureza daqueles que descreveram.
Acresce que não evidenciaram nenhum aspecto que se reputasse por tendencioso, nem que revestisse carácter artificial ou fantasioso.
A sua postura em julgamento foi, segundo entendemos, genuína.
Não se logrou descortinar que procurassem ampliar os factos sobre que depuseram.
Mereceram credibilidade.
No contraponto, o depoimento da testemunha L. M. não se revestiu das características de coerência, lógica e seriedade necessárias para abalar a convicção formada pelo tribunal.
Na verdade, o seu discurso apresentou um carácter isolado, além de que desconforme com o que ditam os juízos da experiência comum e da normalidade do acontecer.
Com efeito, sendo a testemunha um comerciante e afirmando que o cheque dos autos destinou-se à aquisição de uma máquina agrícola no valor de €20.000,00 (vinte mil euros), causa-nos estranheza que aceitasse entregar esse cheque sem receber tal máquina ou, pelo menos, alguma documentação a ela respeitante e/ou o competente recibo de quitação.
Por outro lado, vindo a saber – como se afirma na oposição à execução – que a dita máquina encontrava-se em poder de J. S., a testemunha aceitou pacificamente essa situação, sem que esboçasse um esforço no sentido de reaver o cheque que entregou ou que lhe fosse entregue a máquina.
*
Sem prejuízo do que resulta supra mencionado, as respostas restritivas e/ou negativas dadas decorreram da ausência de prova (documental e/ou testemunhal) respectiva ou tida por insuficiente no sentido de lograr convencer o tribunal da sua veracidade. “

IV. APRECIAÇÃO

Uma vez que a questão relativa à impugnação da matéria de facto precede, lógica e juridicamente, a da determinação e aplicação das regras do ónus da prova, já que estas não são critério de apreciação e valoração dos respectivos meios nem de decisão dos pontos de facto controvertidos mas apenas têm a função, nos termos do artº 414º, CPC, de definir como resolver o litígio em caso de dúvida sobre a realidade dos factos, comecemos por aquela.

Matéria de facto

Recorde-se que, no saneador, foi decidido e ninguém mais questionou que o cheque pela exequente invocado como base da execução (enquanto quirógrafo da dívida), apesar de não poder servir de titulo cambiário na medida em que prescrita a inerente obrigação [3], ainda assim pode ser usado como causa de pedir conquanto seja, como no caso se considerou ter sido, alegada, no requerimento inicial, a factualidade constitutiva da relação subjacente ou causal da dívida exequenda.

Tenha-se também presente que a alegada credora “Agro”, a respeito de tal factualidade, na petição inicial com que juntou o cheque ora retratado no ponto de facto nº 1, alegou, apenas, que o sócio da “TF.”, L. M., “contraiu” com aquela “uma dívida no valor total de €26.547,90”, que aquela sociedade executada “assumiu tal dívida” e que foi para a liquidar em parte que a mesma emitiu e entregou tal cheque de uma sua conta bancária (além de, como acrescentou na contestação dos embargos, um outro, anterior, no valor de 6.500,00€, que originou outro processo).

Ora, essa dívida total, pessoal e originária, alegadamente contraída pelo sócio da “TF.”, perante a “Agro”, resultou provada no ponto 2.

Assim como a assunção dela pela executada “TF.” foi igualmente julgada provada no questionado ponto 3, segundo o qual: “A embargante/executada, como forma de liquidar parte do montante em dívida do seu sócio, assumiu-a, emitindo e entregando o cheque referido em 1. à embargada/exequente.

Ao passo que a tese contrária à da exequente de que não houve qualquer assunção e, bem assim, as respectivas razões pretensamente explicativas e justificativas (impugnação motivada) da (em sua perspectiva) verdadeira causa de emissão e entrega de tal cheque pela embargante, acabaram por ser julgadas não provadas, aquela na alínea a), e estas alíneas b) a i) do elenco respectivo.

A recorrente/embargante não impugnou aquele ponto 2 (dívida de L. M.).

Não obstante, impugnou aquele ponto 3, defendendo que devia ter sido e deve ser-lhe agora “respondido negativamente, não dando como provada qualquer assunção de dívida” e que não existiu da sua parte qualquer vontade de tal assumir (conclusões VIII e XVII).

Ou seja, como daí se infere e das suas alegações, não só pretende que não está provado ter assumido a dívida como que está provado que a não assumiu.

Exigindo a alínea c), do artº 703º, que “os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento [quirógrafo], ou sejam alegados no requerimento executivo”, é, assim, ponto de partida inquestionado e inquestionável aquele facto (ponto 2) alegado como o prius originário da invocada relação causal, ou seja, que o sócio da executada “TF.” contraiu uma dívida junto da exequente “Agro”.

Como controversa permanece, contudo, face à sua negação nos embargos e à impugnação no recurso (maxime do ponto 3, onde aquela se deu como assente), a concomitante “assunção” de tal dívida pela executada.

Tendo a dita impugnação da decisão da matéria de facto quanto ao referido ponto sido deduzida em termos formais perfeitamente respeitadores das exigências do artº 640º, CPC, coloca-se-nos, portanto, a questão fáctica de saber se, na realidade, tal negócio ocorreu e se foi para pagar tal dívida que aquela emitiu e entregou o cheque à exequente, ou seja, se tal “assunção” constituiu a verdadeira causa jurídica ou o negócio subjacente motivadores da emissão e entrega do cheque ou se, pelo contrário, nunca ele existiu.

Ora, como já se notou, sobre os elementos fácticos concretos (objectivos e subjectivos) de tal negócio (em princípio tripartido, nos termos do artº 595º, CC) e respectivas circunstâncias envolventes que o esclareçam, nada mais foi adiantado pela exequente, nos seus articulados, para além da simples, espartana e conclusiva asserção de que o débito do sócio foi “assumido” pela sociedade.

Quanto aos concretos aspectos concernentes ao motivo, ao modo, à data e à finalidade da transmissão da dívida do sócio para a sociedade executada e em que analiticamente aquela devia apresentar-se estribada, nada mais consta referido de modo a credibilizá-la, sendo certo que, à partida, ela se apresenta como pouco consentânea com o seu escopo societário.

A executada, nos embargos, impugnou tal negócio, negando-o e dizendo mesmo ser falsa a sua alegação.

Por um lado, o valor dos dois cheques (somando 20.500,00€) não corresponde ao do valor da dívida do sócio e alegadamente assumida pela sociedade (€26.547,90). Por outro, ele também não corresponde ao do alegado preço (20.000€) da máquina que teria sido adquirida por aquela e que ambos se destinariam a pagar, embora diga a executada que o excesso (500€) respeitava a juros (como tal incluídos no primeiro cheque de 6.500,00€).

Não questionando ela que, livre e voluntariamente, emitiu e entregou o cheque nem que depois, na mesma atitude de espírito, o deu por extraviado junto do Banco e não pagou, é evidente que por algum motivo assim procedeu, antes e depois.

Crucial é indagar qual teria sido realmente esse motivo e se o mesmo corresponde ou não corresponde ao alegado pela exequente.

Tem lógica, numa perspectiva da normalidade das coisas e das regras de experiência, a argumentação da embargante no sentido de que a sua atitude (de dar por extraviado e não pagar o cheque) se teria devido à frustrada e esperada entrega da máquina adquirida. É comum tal acontecer quando no iter negocial surgem escolhos e as partes se querem auto-defender.

Ao invés, não aparenta ter lógica alguma a hipótese de, caso o cheque verdadeiramente se destinasse a pagar dívida do sócio, a executada não levasse até ao fim essa intenção e cumplicidade, uma vez que, apresentando-se aquela sua decisão como aparentemente espontânea e sem contrapartida visível, não existe e ninguém refere haver motivo algum (v.g., uma quebra de qualquer compromisso dos interessados) justificativo para que ela desse o “dito por não dito”.

Por isso, prima facie, ganha força, mesmo antes da análise aprofundada e concreta da matéria impugnada e da respectiva prova indicada, a hipótese, sustentada pela executada, de que nunca esta teve vontade de assumir qualquer dívida e não foi essa que esteve na base da emissão do cheque, pois, de contrário, não o teria dado por extraviado.

Acresce que, a ser verdade que o sócio L. M. estava insolvente, desde 2010, e a coberto do regime da exoneração do passivo restante, ou seja, livre, ou em vias de se livrar, do cumprimento da sua dívida pessoal perante a “Agro” reclamada naquele processo e naquele regime abrangida, não tem lógica que a sociedade “TF.” fosse assumir, em 2012, a dívida dele a caminho de ser extinta e sem perspectiva de lhe exigir e recuperar tal desembolso, nem que ele próprio tivesse, apesar do seu protagonismo, promovido uma tal solução junto da mãe e da irmã (sócias-gerentes), convencendo-as a emitirem o cheque em causa, para tal finalidade.

Mais lógica realmente se nos apresenta a hipótese de, sabedores disso e da frustração da cobrança do seu crédito, os representantes da exequente se terem tentado, a pretexto da (pelo menos, projectada) venda da máquina à executada, pelo desígnio de afectar àquele o dito cheque recebido para assim minimizar tal passivo (dada a confusão funcional e empírica entre a pessoa singular do sócio devedor e a da sociedade por este de facto comandada, embora juridicamente titulada e gerida pela mãe e irmã), ao mesmo tempo que, porventura de caso pensado, foi ladeada a consumação ou o cumprimento do referido negócio a pretexto da exigência de mais garantias (como se verá).

Não pesa neste processo, refira-se já, aquilo que se diz ter sido julgado noutro anterior quanto a um dos cheques. Nada, por um lado, sobre isso aqui foi documentalmente trazido em ordem a poderem ser verificados tais pressupostos. E, por outro, de qualquer modo, a decisão porventura naquele proferida sobre a matéria de facto não releva para o julgamento desta.

Como, quanto a isso, se diz no Acórdão do STJ, de 08-11-2018 [4], “os factos dados como provados ou não provados no âmbito de determinada pretensão judicial não se assumem como uma verdade material absoluta, mas apenas com o sentido e alcance que têm nesse âmbito específico. Ademais, a consistência dos juízos de facto depende das contingências dos mecanismos da prova inerentes a cada processo a que respeitam, não sendo, por isso, tais juízos transponíveis, sem mais, para o âmbito de outra ação.”.

E no de 17-05-2018 [5], “O caso julgado resultante do trânsito em julgado da sentença proferida num primeiro processo, não se estende aos factos aí dados como provados para efeito desses mesmos factos poderem ser invocados, isoladamente, da decisão a que serviram de base, num outro processo. Os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente.”.

Sendo este o cenário que, à partida, resulta do teor dos autos e da posição das partes, vamos analisar, agora mais incisivamente e na perspectiva da impugnação, a prova produzida.

Ouvimos toda a que se encontra gravada. Não só os segmentos indicados pela recorrente/embargante.

A. S., legal representante da exequente/embargada “Agro”, foi ouvido na dupla qualidade de depoente e de declarante. Rejeitou, categórica e repetidamente, que este cheque (tal como o outro de 6.500€) lhe tivesse sido entregue para pagar a dívida de facturas mencionadas na conta corrente (em nome de L. M.) junta com a contestação daquela aos embargos (cerca de cinquenta facturas, datadas entre 15-05-2008 e 21-11-2009) e de que resulta um saldo de 26.547,90€.
Questionado directamente pelo Mº Juiz sobre se a executada “nunca assumiu a dívida”, deixou, primeiro, escapar a resposta, imediata e espontânea, “Sim” e, perante insistência, confundindo primeiro as obrigações do sócio e da sociedade e contradizendo que “ele” assumiu, esclareceu a seguir que não teve – a “Agro” – negócios com o L. M. “como particular”, acrescentando que ele lhe comprava em nome da “TF.”, como seu “representante e dono”, enfatizando que os cheques foram para pagar produtos agrícolas vendidos pela “Agro” à “TF.” (não qualquer dívida por esta “assumida” nem qualquer máquina por esta comprada).
Quando, de novo, instado pelo mandatário da recorrente “TF.” sobre se foi a dívida exibida na dita conta corrente (então mostrada) que foi “assumida” por aquela executada, respondeu: “Não! Foi o que vendi à TF., foi facturado à TF., ele deve-me da TF.”, embora “essa” – a conta corrente anterior do L. M. – também me deve, voltando a referir que foram fornecimentos desde que foi “aberta” a “TF.” e até “fechar”.
Negando embora que tivesse vendido qualquer máquina (que não era seu negócio, nem possuía) e que nunca foi à “X”, como alega a embargante, insistiu que os cheques foram “para pagar TF.”, ou seja, não para pagar dívidas do L. M. mas as próprias dela.
Mesmo quando perguntado pelo mandatário da exequente sua representada “Agro” sobre se “os cheques não foram para pagar essa dívida” [referia-se, obviamente, à da conta corrente, anterior à insolvência pessoal daquele L. M. e antes de “abrir” a ora executada, e na perspectiva da arquitectada “assunção” por esta de dívidas daquele], mais uma vez respondeu, firme e claramente, que foi para pagar a dívida da “TF.” (que, aliás, dissera inicialmente ser sua cliente até há quatro anos e apenas depois que foi constituída após insolvência do L. M.).
Só após lhe ter sido observado pelo Sr. Advogado, ao instá-lo, que “O que a AGRO ... diz no processo não é isso” e insistindo ele na pergunta sobre se “não foi para abater essa dívida” (mais uma vez se referia à da conta corrente com o L. M.), é que o depoente, em tom algo enigmático, percebendo o desacerto entre o que dissera antes espontaneamente e aquilo que “diz o processo”, acrescentou, tentando emendar e compatibilizar: “ele ficou de me pagar tudo”, assim sugerindo, mas sem nada discriminar, que o cheque compreendia dívidas anteriores e próprias daquele e as posteriores contraídas “como representante e dono” (de facto) da sociedade executada, mas, apesar de tudo, em nada alterando o anteriormente relatado.

Ficou, pois, bem evidente, pelo que verbalizou este legal representante da exequente, primeiro em termos espontâneos e depois comprometidos, que aquilo que a sua representada “diz no processo” não corresponde ao que, segundo ele próprio, se passou na realidade, e deita por terra a credibilidade da arquitectada tese da “assunção de dívida”.

Tal depoimento, portanto, contraria a própria tese da exequente elaborada e vertida no requerimento executivo e na contestação dos embargos. Logo, não podia ele ter sido valorado certamente pelo tribunal recorrido no sentido de julgar provado o ponto 3, relativo à tal “assunção” pela executada da dívida do sócio como causa da emissão do cheque.

Na sentença, apesar de, por um lado, algumas vezes em termos e com expressões tabelares, se referirem aspectos em favor de tal depoimento/declarações, dizendo que depôs de forma “espontânea”, com “conhecimento pessoal e directo” e em atitude “honesta”, e, por outro, se chamar a atenção para a reserva com que tal meio de prova deve ser apreciado porque, tal como os demais, face às ligações, “não se apresentaram absolutamente isentos”, acrescentou-se nela que “não evidenciaram nenhum aspecto que se reputasse por tendencioso, nem que revestisse carácter artificial ou fantasioso”.

Ora, espontâneo e fundado julgamos ter sido o depoimento quando disse que os cheques foram para pagar produtos agrícolas fornecidos pela exequente à executada (não para esta assumir e pagar uma dívida do referido L. M.).

Parcial e interessado entendemos ter sido também quando, confrontado com a tese da sua representada vertida no processo, tentou emendar e ajustar a sua versão, sugerindo que foi “para tudo”.

Sendo, pois, na verdade (segundo as expressões da motivação), “genuíno” e “merecendo credibilidade” tal depoimento mas apenas nos termos referidos e não resultando do que o depoente narrou aquilo que de facto “diz o processo” [6], não pode, com base nele, julgar-se provada a tese da exequente, como acabou por fazer-se quanto ao questionado ponto 3.

O teor desse ponto corresponde ao que a exequente alegou no requerimento executivo e repetiu na contestação dos embargos. Este seu representante, como se viu, não confirmou a aí pressuposta “assunção de dívida”. Corroborou, ao invés, nos termos sobreditos, a tese da embargante no sentido de que nenhuma “assunção” existiu por sua parte e que os cheques foram emitidos e se destinavam a pagar dívida própria da mesma, embora acrescentando que esta dívida respeitava a produtos agrícolas que lhe foram vendidos pela “Agro” e não a qualquer máquina.

Daí que, pese embora o teor da assentada feita em acta (não integralmente expressivo do que foi dito e está gravado, nem correctamente avaliado na motivação), estejamos perante declaração confessória que, nos termos do artº 360º, do CC, só poderia relevar como prova plena da tese da embargante – não aceitando esta as explicações envolventes da mesma – se ela provasse a inexactidão de tais circunstâncias (isto é, de que a dívida não respeitava a produtos agrícolas comprados por si mas a outras aquisições).

Independentemente disso, não pode tal depoimento deixar de ser livremente apreciado e adequadamente valorado.

M. S., irmão do anterior A. S., sócio gerente da “Agro” desde 1993 e também seu legal representante, ouvido como depoente e como declarante, começou por referir que apenas conhece de nome a “TF.” e que conhece o Sr. L. M., mas nunca com este tratou de negócios, apenas viu o cheque depois de aquele seu irmão o ter recebido.
Questionado pelo Mº Juiz, disse que o cheque dos autos “foi, tal como outro (de 6.500€) para fazer pagamento daquilo que ele devia, de que a TF. devia, que ele sempre disse que pagava e passou esses cheques pré-datados para pagar uma parte da dívida que tinha da venda de produtos fornecidos pela AGRO ...”.
Relativamente à alegada venda da máquina, primeiro negou-a, dizendo “não, nunca!” e, depois, hesitando, acrescentou, em jeito de correcção: “vejamos se consigo dar resposta como deve ser: a “Agro” já vendeu uma ou outra Unifeed, mas nunca um tipo de Unifeed de que aqui se discute, não é verdade que tivesse qualquer negócio com a “TF.” de máquina Unifeed”.
Acrescentou o depoente que também não é verdade que tivessem vendido alguma máquina a José – referindo-se a J. S. e à alegação aventada pela embargante e com que foi confrontado de que a máquina por si adquirida teria acabado nas mãos deste e estando em uso pelo mesmo (ponto 18 da petição de embargos) –, que ele teve uma mas “não foi emprestada”, que “não tem nada a ver com AGRO ...” e “eu não percebo por que é que associam uma coisa à outra”.
Alterando ou contrariando mesmo o que inicialmente disse – que os cheques eram para pagar a dívida da executada, por fornecimentos – foi, depois, corrigindo que “ele deu esses cheques para abater ao extracto que existe no processo à volta de 26.000 euros” e, perante tal documento, corroborou que “ele assumiu, porque era sócio da TF. ou pessoal”, sem explicar – e ninguém lhe ter perguntado – o que queria com isso dizer.
Questionado, pelo Mandatário da embargante, sobre como é que sabe disso – no início, referiu que nunca tratou de nada com o L. M. e que os cheques lhe foram entregues pelo irmão – justificou apenas que por ele e o irmão serem donos da empresa, discutirem as situações e lidar com as contas.
Confrontado com a hipótese por aquele sugerida de terem aproveitado o cheque recebido para pagamento da máquina para “limpar outras dívidas”, respondeu, em tom vago e enigmático, que não consegue entender isso e, tergiversando, foi acrescentando ora que não é verdade que tivessem afectado os cheques a dívidas antigas, ora que eles foram para abater à conta do que “ele” devia, ora que “é óbvio que esses cheques foram para pagar o que estava para trás”, sem distinguir, nessas afirmações, as dívidas pessoais de L. M. das da “TF.”.
Instado, ainda, pelo Mandatário da exequente/embargada, referiu que nunca pôs a hipótese de vender qualquer máquina, que essa questão não se poria “sem liquidar o que estava para trás”.
Por fim, relatou, algo curiosamente, que o trajecto dos dois cheques foi o seguinte: uma vez entregues pela executada e recebidos pelo irmão A. S., por razões que mal explicou ligadas à sua carteira de pré-datados, foram endossados a seu pai, que este lhe emprestou o dinheiro e que, por isso, foi este que os “meteu” em seu próprio nome. Como o tribunal não os aceitou porque foram “metidos” fora de prazo, recebeu-os de volta, deu o dinheiro ao pai e “agora estou a tentar cobrá-los”.

Os cheques foram, portanto, no dizer inicial e espontâneo do depoente (de que não foi lavrada qualquer assentada), para pagar dívida (própria) da executada “TF.”, resultante da venda de produtos a esta fornecidos pela exequente.

Trata-se de uma confissão ab initio semelhante à do irmão A. S., embora tergiversante na medida em que, no decorrer do depoimento, foi sendo mais afeiçoada à versão exposta na petição executiva, alteração esta a nosso ver explicável pela manifesta percepção que o depoente foi interiorizando do significado das suas palavras em relação àquela e à consequente menor espontaneidade e maior racionalização do seu discurso (diferentemente do irmão, mais claro, directo, assertivo, constante e firme quanto ao referido aspecto).

Em momento algum, ainda assim, o depoente aludiu à hipotética “assunção de dívida”. Devendo ter conhecimento dela, se verdadeira fosse, pelas razões que ele próprio referiu, tal omissão significativa confere plausibilidade à tese da embargante de que tal negócio não existiu.

Cotejando estes dois depoimentos, resulta patente a contradição entre o que diz um e o outro a respeito da alegada venda de máquinas: enquanto o A. S. negou repetidamente tal hipótese, rejeitando qualquer negócio desses com a embargante (sustentando, isso sim, o de produtos hortícolas do seu comércio), M. S., embora negando-o também, admitiu já ter vendido “uma ou outra” das referidas máquinas – concessão e admissão que, por um lado, credibiliza a hipótese alegada pela embargante e, por outro, não abona a espontaneidade, sinceridade, imparcialidade e fidedignidade de ambos, antes sugere que depõem com reserva mental ou de caso pensado – dando respostas “como deve ser”, na expressão disso significativa de M. S. – e escondendo algo.

A mesma suspeita se adensa ao empenhar-se em negar ter havido qualquer “empréstimo” da máquina a J. S., sem que tal tipo de acordo alguém tenha referido ou sugerido, mas apenas o seu uso por este.

De resto, a descrição feita sobre o trajecto dos cheques sugere uma explicação plausível para a falta de sintonia entre o que disse A. S. (e também o seu irmão M. S.) e o que – nas palavras de seu advogado – a exequente “diz no processo”: tendo eles sido endossados ao pai dos depoentes e por este sido “metidos” mas não cobrados, uma vez que estavam “fora de prazo” (prescritos) e, por isso, foram devolvidos àquela, estaremos agora e aqui perante nova tentativa de cobrança coerciva mediante o seu uso como quirógrafos, com o acrescento, no requerimento executivo, da consabidamente necessária relação causal, arquitectada para preencher este pressuposto e assim suprir a falha de qualquer suporte documental de quaisquer outras vendas alegadamente feitas à executada, já que, quanto à da máquina, mesmo que ela tivesse existido, é óbvio que nem sequer lhe interessava referi-la, menos prová-la.

Se é certo, pois, que os dois depoimentos convergiram quanto à afirmação de que nenhuma máquina foi vendida à executada, já não é certo que, contra o que refere o tribunal recorrido na motivação, designadamente a respeito da questão da “assunção de dívida” e, portanto, da matéria do ponto 3 que nos ocupa, eles tenham sido ambos prestados “de forma espontânea, segura, linear, coesa e credível”, e que “evidenciaram conhecimento pessoal e directo”, muito menos no sentido de que aquele negócio realmente existiu. Pelo contrário.

J. S., indicado e admitido também a prestar depoimento e declarações de parte como sócio e legal representante da “Agro”, sendo irmão do referido A. S., depois de esclarecer que, afinal, deixou de ser sócio daquela em 2009/2010 e actualmente não a representa, depôs na qualidade de testemunha da embargada.
Dizendo que, em tempos, vendeu animais ao L. M., quando ainda não existia a “TF.”, que era costume ele pagar mediante cheques que ia passando mas que quando deixou de pertencer à “Agro” aquele devia dinheiro a esta, apenas acrescentou que o seu irmão lhe contava que ele continuava a dever, que sabe que ele passou cheques para pagar essas dívidas (não esclarecendo se disso tem conhecimento fundado e directo ou se apenas tal imagina em função do que era habitual, nem precisando a que cheques se refere, quem efectivamente foi seu emitente – o L. M. ou a “TF.”? – ou a quem diziam respeito tais dívidas – ao sócio ou à sociedade?).
Explicitou, no entanto, que do concreto cheque de que tratam estes autos (e do outro relacionado), não sabe nada.
Negou ter na sua posse qualquer máquina objecto do negócio invocado pela executada, embora confirme que teve e tem máquinas suas do género, a última comprada em 2014 a um tal M., de Barcelos, e “que saiba” nunca aquela comprou à “Agro” qualquer máquina.
Confirmou também que “X” é um serralheiro que lhe faz serviços quando precisa.
Nada mais a respeito do caso relatou.

Deste depoimento, particularmente quanto ao impugnando ponto 3, contrariamente ao que o tribunal a quo expressou na motivação da sentença, não se nos afigura poder resultar o convencimento de que ele foi “escorreito, sério e verosímil”, muito menos que, conjugando o dos três, resulta deles demonstrada a matéria daquele ponto.

Aliás, o próprio tribunal acabou por reconhecer que todos eles “não se mostraram absolutamente isentos”, dadas as ligações à exequente, e que devem ser “apreciados com precaução” e “merecer especiais cautelas”.

Por isso, entendendo nós, diversamente do que foi julgado em 1ª instância, que tais depoimentos, olhando a todas as suas particularidades específicas e interrelacionadas, não foram prestados “de forma devidamente circunstanciada e coerente […], honesta e de modo concordante” quanto à eventual realidade dos factos alegados, nem de todo seguramente imunes a que se “reputassem por tendenciosos” ou com “carácter artificial ou fantasioso” ou susceptíveis de ser considerados como prestados em “postura genuína”, e, assim, como aptos a suprir as anunciadas reservas, concluímos que não merecem eles, quanto ao referido ponto, a credibilidade atribuída e que esteve na base da sua declaração como provado.

Vejamos, ainda, os depoimentos das três testemunhas da embargante.

S. S., que é dono da “X – Serralharia, Ld”, vocacionada para trabalhos de serralharia e reparação de máquinas agrícolas, disse não conhecer a executada “TF.”, apenas ficou conhecê-la desde que nomeado como testemunha, e, quanto a negócios, após alguma hesitação, disse apenas conhecer o Sr. L. M., por ter feito alguns com ele mas “com outro nome” e não com a “TF.”. Quanto à exequente “Agro” disse e mostrou conhecê-la bem, por “pontualmente” lhe entregar serviços e fazer consultas para orçamento de reparações.
Instado pelo Mandatário da embargante sobre se foi consultado acerca de uma máquina Unifeed, disse que a “Agro” o consulta para fazer orçamento de reparações de tal tipo de máquinas, pois que “a empresa trabalha com produtos agrícolas e comercializa dessas máquinas”. Porém, não tem conhecimento de casos concretos porque desconhece quem são os clientes da exequente a quem são destinadas tais máquinas e os respectivos orçamentos.
Quanto a eventual consulta em 2012/2013, disse ter “ter vaga ideia de ter dado um orçamento para isso” à “AGRO ...”, mas “não faz a mínima ideia” a quem se destinava a ser vendida a máquina, nem recorda a que tipo de intervenção se referia a consulta. Tem também “vaga ideia” que tal máquina “chegou a entrar nas suas instalações”, sendo sempre o Sr. A. S. quem tratava consigo.
Questionado ainda sobre se o Sr. L. M. esteve com ele a propósito de tal máquina, disse não poder precisar, não recordar, a relação já na altura era complicada (não disse porquê, presume-se que por dívidas, claro), admitindo, contudo, que “tenho uma vaga ideia de ter havido uma conversa relacionada a respeito dessa máquina, não posso confirmar o que foi dito”.

O tribunal a quo, na motivação, a propósito deste depoimento, apenas salientou (depreciativamente) a “vaga ideia” referida de um orçamento em 2012 para reparação de uma máquina da “AGRO ...”.

Todavia, retira-se do mesmo, de novo e com toda a certeza e segurança – mas isso não foi ali salientado nem valorado –, que o depoente A. S. faltou à verdade ao negar a comercialização pela exequente sua representada de tal tipo de máquinas, uma vez que aquele foi assertivo e convincente ao referir, de modo bem claro e firme, que tal empresa “comercializa dessas máquinas”.

Nada tendo também dito sobre a questão da “assunção de dívida”, verifica-se não resultar do mesmo confirmação, muito menos segura, da tese da embargante quanto à venda da máquina. No entanto, em função do que disse e do que admitiu, particularmente a conversa com o Sr. L. M. sobre tal máquina, também não resulta completamente afastada a referida tese.

L. M., já várias vezes referido anteriormente como principal protagonista do caso, confirmou que, de facto, em 26-11-2009, devia à AGRO ...”, a título pessoal e dos negócios por ele tidos com esta, cerca de 26.000€ mas que, tendo sido declarado insolvente em 18-05-2010, essa dívida “foi apresentada na insolvência”, “entrou na insolvência”, “na exoneração do passivo”, sendo isso do conhecimento da “AGRO ...”, particularmente do Sr. A. S..
Dizendo que actualmente não faz nada e é pessoa doente, explicou que a executada “TF.” foi constituída em 2012 pela sua irmã e pela sua mãe e que chegou a ser sócio dela com uma quota de 5% que esta lhe deu, tendo estado alguns meses como gerente.
Relatou que passados dois anos [da insolvência], em Janeiro de 2012, “eles – era sempre com o Sr. A. S. da “AGRO ...” que falava e tratava e assim foi no caso – vieram-me rogar com uma máquina Unifeed e um camião de animais”. Falaram-lhe em comprar a máquina “que estava em casa do pai deles”. Falou sobre isso à mãe e à irmã, dizendo-lhes que a máquina era precisa, e elas concordaram.
A máquina era usada e o preço foi de 20.000€. Combinaram que a máquina seria intervencionada pelo Sr. S. S. (da referida “X”), nomeadamente para forrar em inox, e nesse sentido foi mais o A. S. falar com ele e indicar o que era necessário.
Pediram-lhe, então, os cheques para pagamento do preço, dizendo que era para verem se eram aceites e que não iam mandar fazer o arranjo da máquina (a custear pela exequente) sem ver isso. De facto, “caiu na asneira”, segundo as suas palavras, de passar, em Fevereiro de 2012, os dois cheques e lhos entregar, sendo um de 6.500€ para dali a 5/6 meses e outro de 14.000€ para Janeiro de 2013, ambos destinados ao pagamento da máquina, a qual seria entregue depois de feita pelo S. S. a intervenção acertada [o cheque dado à presente execução é sacado de facto sobre a conta da “TF.”, tem aquele valor e data, está passado a favor da exequente e mostra-se assinado em nome da gerência daquela por duas pessoas cujo nome se inicia por “Maria”, supondo-se que sejam aquela mãe e irmã do depoente].
Aconteceu que a máquina “até hoje” não foi entregue, apesar de, entretanto, a exequente ter “metido” o primeiro cheque ao Banco (acabou por ser pago “pela Justiça”). Por isso, resolveu dar o segundo por “extraviado”, já que a executada, a seu ver, nada deve.
Tal máquina está actualmente em casa do ex-sócio da exequente (J. S., irmão do A. S. e do M. S.).
Contra-instado mediante a objecção de que, durante o ano de 2012, nada fez para obter a entrega da máquina, refutou dizendo que se fartou de tentar ligar, deixaram de o atender e que, depois, por sugestão do Sr. A. S., foram ao escritório do Sr. Advogado da exequente – o mandatário nestes autos que se encontrava a instá-lo – para assinar um papel.
Relatou, então, a testemunha, com esses passos confrontando o dito Sr. Advogado, que o pretendido, segundo ali lhe foi dito, era que, mediante tal documento pelo próprio Ilustre Causídico elaborado, lhe desse “outro bem em garantia” (“o senhor tem que prestar garantias”, reporta, sendo certo que as não tinha nem a “TF.” para as dar), comentando, em face disso e em tom insinuante, que até lhes ter entregue os ditos cheques “foi tudo bonito”, mas as “máquinas não vieram” e depois é que o chamaram ao dito escritório.

Os termos fluentes, claros, assertivos e coerentes com que relatou, até em face do próprio Advogado protagonista de parte dos factos, a sua versão destes, não nos permitem secundar o entendimento expresso pelo tribunal recorrido na motivação – aliás, sem a menor justificação - de que o seu depoimento “não se revestiu de coerência, lógica e seriedade”.

Não é perceptível nem, aliás, se mostra explicado o significado das asserções ali aventadas: “o seu discurso apresentou um carácter isolado” e “desconforme com o que ditam os juízos de experiência comum e da normalidade do acontecer”.

Aquilo que, afinal, disse em vários pontos coincide com o que disseram as demais pessoas ouvidas.

Os aluídos critérios, no meio, face ao tipo de negócios em causa, considerando as longas relações anteriores, juntamente com as explicações dadas, não nos causam a “estranheza” que o tribunal a quo encontrou no facto de ele ter aceitado “entregar os cheques sem receber tal máquina ou, pelo menos, alguma documentação a ela respeitante e/ou competente recibo de quitação”.

É claro que a exequente/vendedora (prudente, avisada e experiente) não a daria (a quitação) sem efectivamente cobrar os cheques quando os mesmos se vencessem, o que só deveria acontecer, na versão de tal testemunha, já depois da entrega combinada da máquina. A ser assim, como não há razões para não acreditar, tal entrega poderia fragilizar a posição dela e, portanto, confere plausibilidade à descrita exigência das garantias acrescidas, bem como à inviabilização do negócio por estas não terem sido prestadas.

A falta de documentos alusivos ao mesmo não é de todo inédita, tratando-se de máquina usada e tudo tendo sido tratado verbalmente e de modo que não se crê subordinado a assumidos critérios profissionais e contabilísticos rigorosos.

De resto, o facto de nada ter feito para reaver o cheque apesar de ter sabido que, afinal, a máquina estava em casa do ex-sócio J. S. ou obter a entrega da mesma, não significa só por si que “aceitou pacificamente essa situação”, uma vez que ele refere ter feito diligências para indagar quando ela lhe seria entregue, não correspondidas pela exequente; que, entretanto, foi apresentado mas não pago pelo Banco o primeiro cheque; que aconteceu a tal reunião no escritório do Advogado da exequente (em que lhe foi exigida a assinatura de um documento, dando garantias acrescidas, naturalmente postas como condição para a vendedora entregar a máquina, mas que recusou); e que acabou por dar por “extraviado” o segundo cheque – circunstância estas obviamente já reveladoras já dissenso que sobreveio.

O certo é que, pelo menos no que tange à inexistência de qualquer alegado negócio de “assunção de dívida”, este resulta indirectamente negado, face à justificação do contexto, motivo e finalidade em que foram emitidos e entregues os cheques, negação, afinal de contas, consentânea com o que disseram ambos os legais representantes da exequente.

Todos, com efeito, estão de acordo que não foi para essa finalidade – pela exequente apenas “dita no processo” – que eles foram emitidos. Onde divergem aqueles seus dois representantes desta testemunha L. M. é no dizerem aqueles que tal se deveu à venda de produtos agrícolas à “TF.” enquanto que este sustenta que era para pagar a tal máquina.

M. C., agricultor reformado, dono de uma vacaria cuja exploração esteve arrendada a L. M. e que por isso o conhece bem, tal como conhece os representantes da exequente “Agros”, apesar de se revelar algo agastado com estes sobre as garantias que lhe exigiram em determinado negócio (compra de um camião de gado) e de mostrar não saber distinguir a qualidade jurídica da pessoa de L. M. da da pessoa colectiva “TF.”, relatou que aquela “Agros” vendeu uma máquina Unifeed àquele e asseverou que sabe disso porque foi com ele, a casa “deles”, ver tal máquina, que conhece bem e sabe distinguir.
Nessa circunstância, falaram com o A. S., negociaram e ficou acertado que a máquina sofreria um arranjo pelo senhor de Courel.
A mais disso, referiu que ouviu dizer (mas não viu) que falaram com esse dito senhor e que a máquina ficou de ser levada mas não levaram, que diziam (mas não sabe, obviamente) que o preço combinado era vinte e tal mil euros, que não sabe qual a forma de pagamento acordada mas que o L. M. lhe disse que passara uns cheques para o efeito.
Perante a insinuação feita pelo Mandatário da exequente, na contra-instância, de que, tendo já sido ouvido em tribunal e dissera então coisas diferentes, reiterou que disse exactamente o mesmo, sublinhando aquilo que se passou no dia em que diz ter ido com L. M. ver a máquina e falado com A. S. sobre a venda e distinguindo isso do que referiu não saber, não ter presenciado, ter apenas ouvido dizer, lhe ter sido contado.

Esta testemunha foi, pois, concreta, clara, firme e assertiva na sua narração, ao contrário do que refere o tribunal a quo.

Distinguiu, tendo o cuidado ela própria de o fazer espontaneamente, aquilo que se passou na sua presença daquilo que apenas tomou conhecimento por via indirecta. Mesmo quando contra-instada (em termos e tom enfáticos e depreciativos, desnecessários) sobre a sua clareza e coerência, manteve essa postura, mormente a respeito da questão da entrega dos cheques sobre que já tinha antes sido objectivo ao dizer que apenas ouviu isso (não que viu) da boca do L. M..

Discorda-se, pois, que tenha pelo tribunal recorrido sido considerado o seu depoimento como “vago, errático e pouco consistente, pois que não soube destrinçar os factos que afirmou ter presenciado daqueles que ouviu contar pela testemunha L. M.”.

Como se relatou, soube distinguir e distinguiu. E de que o negócio da máquina foi pelo menos abordado entre o L. M. e o A. S., na sua presença, não ficam dúvidas, o que credibiliza a tese da embargante de que na origem da emissão dos cheques não esteve qualquer negócio de assunção de dívida.

Tudo isto analisado, relacionado e ponderado, considerando, enfim, que não tem o menor sentido nem plausibilidade a tese da exequente, uma vez que, em face das regras da experiência comum e do que é normal esperar do comportamento dos intervenientes nas circunstâncias apuradas, estando o L. M. insolvente, tendo o crédito daquela sobre ele sido reclamado e beneficiando o mesmo do regime de exoneração do passivo restante – factos por ele relatados, de que se não duvida, já que não contraditados e conformes àquilo que outros depoentes em geral admitiram –, não é crível que a sociedade executada fosse assumir e o L. M. promover que ela assumisse as suas dívidas pessoais abrangidas naquele regime, convencemo-nos de que efectivamente o apelante tem razão nas críticas que, ao impugnar a decisão sobre a matéria do ponto provado nº 3 (e consequentemente da alínea a), imputou à decisão recorrida, seja quanto à análise feita sobre o teor dos meios de prova que indicou, seja quanto às considerações expendidas sobre os mesmos, seja, ainda, quanto à credibilidade, razão de ciência e valor probatório que lhes foi conferido.

Afoitamente concluímos, portanto, não estar demonstrado, contra o que alegou a exequente, que a entrega do cheque dado à presente execução foi feita pela executada “TF.” com a finalidade de liquidar a dívida pessoal de L. M. para com ela e pelo motivo de a ter assumido como sua através do aventado negócio de “assunção”.

Pelo contrário, convencemo-nos, tal como alegou nos embargos a executada, ser certo e seguro que realmente nunca tal negócio existiu e que jamais tal entrega teve a finalidade de o cumprir.

Laborou, pois, a decisão recorrida em erro de apreciação e valoração das provas e, portanto, em erro de julgamento sobre a referida matéria, a corrigir.

Aqui chegados, importa, pois, modificar a decisão da matéria de facto em conformidade com aquilo que resulta da prova.

Assim:

Julgando-se procedente a impugnação, dá-se por não provada a matéria constante do ponto provado nº 3, que passará a integrar o elenco dos não provados.

E, do mesmo passo, tendo em conta as divergências doutrinais e jurisprudenciais sobre o ónus da prova da relação causal ou subjacente numa situação como esta em que é oferecido como título executivo um cheque prescrito apenas como quirógrafo da dívida e alegada, no requerimento executivo, a relação subjacente originária e causante da mesma, ao abrigo do artº 662º, nºs 1 e 2, alínea c), do CPC, decide-se, não só, eliminar dos factos não provados a alínea a) [7] mas também, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida nos termos do artº 607º, nº 4, aditar um novo ponto provado, indispensável face às diversas e possíveis soluções jurídicas da causa, que passará a ser o nº 3, em substituição do não provado, do seguinte teor:

A executada «TF. – Sociedade Agrícola, Ldª» nunca assumiu a dívida referida no ponto 2 anterior e o cheque referido no ponto 1 não foi emitido e entregue como forma de pagar parte dela à exequente.”

Consequentemente, os factos provados a ter em conta passarão a ser os seguintes:

1. No âmbito do processo de execução com o nº1418/17.5T8VNF – de que os presentes autos constituem apenso –, instaurado no dia 21 de Fevereiro de 2017, a embargada/exequente “Agro” fundou a execução no facto de ser legítima portadora de um escrito, denominado «cheque», datado de 30 de Janeiro de 2013, com o nº5542836272, da conta nº39890171771, do “Banco ... – ...”, constando, além do mais, no campo destinado a quem dá a ordem de pagamento, o(s) nome(s) do(s) legal/legais representante(s) da empresa “TF.”, no campo destinado ao “valor” o montante de €14.000,00 (catorze mil euros), no campo destinado ao “local de emissão” a referência a Barcelos e no campo “à ordem de” a indicação da embargante/executada “AGRO ...”.
2. L. M., sócio da embargante/executada “TF.”, contraiu junto da embargada/exequente “Agro” uma dívida no valor total de €26.547,90 (vinte e seis mil, quinhentos e quarenta e sete euros e noventa cêntimos).
3. A executada «TF. – Sociedade Agrícola, Ldª» nunca assumiu a dívida referida no ponto 2 anterior e o cheque referido no ponto 1 não foi emitido e entregue como forma de pagar parte dela à exequente
4. Vencido e apresentado a pagamento, foi tal cheque devolvido com indicação de ‘cheque revogado p/ justa causa – extravio’.

No elenco dos não provados, a alínea a) será substituída pelo teor do ponto 3.

Manter-se-ão, neste, os demais, uma vez que, sendo relativos à alegada celebração, entre executada e exequente, do contrato de compra e venda da máquina Unifeed eles se não apresentam como essenciais ou como fundamentais. Em bom rigor, eles apenas integram os motivos por que a embargante impugnou os factos aduzidos no requerimento executivo respeitantes à relação subjacente aí invocada e por que alegou nunca ter assumido qualquer dívida, nem tal cheque se destinar a pagá-la. De resto, tais pontos não foram alvo de impugnação especificada e, subsistindo dúvidas sobre os termos, condições e a conclusão do pretenso negócio, não se impõe, quanto a eles, qualquer intervenção oficiosa ao abrigo do artº 662º.

Matéria de Direito

Neste âmbito, de relevante e sobre o caso concreto, a sentença recorrida referiu o seguinte: [8]

“[…]No caso de que nos ocupamos o documento que serve de título à execução denomina-se de «cheque».
[…]
No caso dos presentes autos executa-se um cheque datado de 30 de Janeiro de 2013, com o nº5542836272, da conta nº39890171771, do “Banco ... – ...”.
O sacador desse cheque foi a sociedade “TF.”, sendo sacado o aludido “Banco ... – ...” e tomadora a, aqui, embargada/exequente “Agro”.
Por via deste cheque, a identificada “TF.” ordenou àquela instituição bancária que pagasse o valor de €14.000,00 (catorze mil euros) à mencionada “Agro”.
[…]
Sabendo-se que o cheque dos autos vale como quirógrafo, ele contém em si o reconhecimento unilateral de uma dívida, porque se mantém a ordem de pagamento.
Com efeito, os títulos de crédito, que no domínio da legislação anterior eram integrados na alínea d), do nº1, do artigo 46º, do Código de Processo Civil, já que as leis que os regulam (Lei Uniforme das Letras e Livranças e Lei Uniforme Relativa ao Cheque) lhes atribuem força executiva, têm agora uma referência específica na alínea c), do nº1, do artigo 703º, do mesmo diploma legal.
Não se ficando, porém, por esta específica referência, o legislador, ciente da discussão gerada à volta dos títulos de crédito prescritos, e da corrente que acabou por se impor, concedeu-lhes a exequibilidade, “ainda que meros quirógrafos”, desde que os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo.
É ainda na sua especial força probatória que assenta a reconhecida exequibilidade.
Por isso é que no artigo 458º, nº1, do Código Civil, se estabelece que se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.
Ora, quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz, de acordo com a regra ínsita no nº1, do artigo 350º, do Código Civil.
Daí que, como antes já se entendia, e ficou agora consagrado na alínea c), do nº1, do artigo 703º, do Código de Processo Civil, basta ao exequente alegar no requerimento executivo os factos constitutivos da relação subjacente.
Alegada essa relação causal, fica o executado com o ónus da prova da inveracidade desses factos, ou seja, de que a obrigação não existe ou se extinguiu (cfr. artigo 350º, nº2, do Código Civil […].

No caso vertente, a embargada/exequente “Agro”, no requerimento executivo, alegou que o cheque que se executa foi-lhe entregue pela embargante/executada “TF.” para pagamento parcial de uma dívida de L. M. – sócio desta última – no valor total de €26.547,90 (vinte e seis mil, quinhentos e quarenta e sete euros e noventa cêntimos).
Esta relação causal, fundamental ou subjacente mostra-se suficientemente descrita e não padece de nenhum vício de forma […]
Por sua vez, incumbia à embargante/executada “TF.” o ónus de alegar e demonstrar que a obrigação constante do título oferecido à execução não existia ou mostrava-se já extinta.
Sucede que, como resulta da fundamentação de facto desta decisão, a embargante/executada soçobrou na tarefa de demonstrar a falta de causa da relação subjacente invocada pela embargada/exequente “Agro”.
[…]
Deste modo, a oposição à execução por embargo terá, necessariamente, que improceder”

Ora bem.

A executada/embargante/recorrente “TF.”, neste âmbito, defende que, ao contrário do sentenciado, o ónus da prova da relação fundamental alegada no requerimento executivo impendia sobre a exequente/embargada/recorrida “Agro”.

Não a si, portanto.

Mais sustentou que, ainda que assim se não entendesse, sempre resultou demonstrado que não teve vontade de assumir nem assumiu a dívida do seu sócio, pelo que inexistiu qualquer “assunção” e não foi com tal finalidade que os cheques foram entregues, pelo que deve a sentença ser revogada e, consequentemente, julgar-se procedente a oposição.

Ora, a alínea c), do nº 1, do artº 703º, do CPC, relativamente aos controversos títulos de crédito invocados como meros quirógrafos, estabelece, como condição para poderem servir de base à execução – para valerem como títulos executivos – que “os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento, ou sejam alegados no requerimento executivo”.

Não se refere a norma, apenas, à indicação da típica e genérica relação subjacente, à fonte da obrigação – uma compra e venda, um mútuo, uma transmissão de dívida.

Exige-se a alegação dos factos constitutivos dessa relação.

Tal exigência é paralela à do nº 1, do artº 5º, CPC, quando aí se alude ao dever de as partes alegarem os factos essenciais que constituem a causa de pedir ou as excepções [9].

Por isso se diz, em síntese, v.g., no sumário do Acórdão do STJ, de 07-05-2014 [10] que “a parte que quer prevalecer-se do título – letra – invocado como quirógrafo da obrigação causal subjacente à sua emissão tem o ónus de alegar, na petição inicial ou no requerimento executivo, os factos essenciais constitutivos da relação causal subjacente à emissão do título, desprovido de valor nos termos da respectiva LU, identificando adequadamente essa relação subjacente, de modo a possibilitar, em termos proporcionais, ao demandado/executado, o cumprimento do acrescido ónus probatório que sobre ele recai, como consequência da dispensa de prova concedida ao credor pelo art. 458º do CC.”

Ora, há-de convir-se que, logo à partida, os termos em que a recorrida alegou tal relação causal – a assunção pela executada da dívida do seu sócio – se apresentavam, mesmo a considerarem-se satisfatórios da exigência legal, muito debilitados, seja no preenchimento da referida causa de pedir seja quanto à sua real existência.

Com efeito, nada de concreto alegou sobre os exactos termos e circunstancias em que tal negócio teria sido concluído e, para além de prova oral, nenhum documento alusivo à demonstração do mesmo ofereceu. [11]

Independentemente disso e sendo certo que a lei apenas refere a exigência de alegação pelo exequente dos factos constitutivos, não é pacífica a questão de saber se concomitantemente também sobre ele impende o ónus de os provar ou este recai sobre o executado, em sede de embargos.

No Acórdão desta Relação de Guimarães, de 30-04-2015 [12], está retratada uma exaustiva mas eloquente panorâmica do problema da validade do título cambiário quando prescrito como título executivo, maxime quanto à particular questão do ónus da prova da relação subjacente.

Aí se adoptou, até por ser a maioritária, a posição de que, valendo um cheque como quirógrafo da obrigação subjacente, dele emana a presunção de causa nos termos do artº 458º, CC, e consequente inversão do ónus da prova.

Fazemos deste Colectivo as palavras do que assim julgou a espécie de que tratou o aresto.

Aí se diz, além do mais:

“O legislador parte do princípio e bem, que se alguém reconhece uma dívida, como acontece quando alguém subscreve um cheque dando ordem de pagamento a outrem, presume-se que este negócio tem uma causa, dispensando o credor de provar a relação subjacente. Quem tem que provar que não há causa para o reconhecimento de dívida é o devedor.”

Consequentemente:

“Nos casos em que não se apuraram factos relativos à causa do título de crédito, ou seja atinentes à relação fundamental, a oposição tem que ser decidida contra a parte onerada com o ónus da prova que é o devedor, uma vez que a causa do reconhecimento de dívida se presume.”

Perscrutada a Jurisprudência posterior, cremos que é a posição que continua a merecer amplo acolhimento e contra a qual, apesar de algumas decisões de sentido contrário [13], não vemos terem surgido argumentos novos justificativos do seu abandono. [14]

É essa que predomina nesta Relação [15] e ora se acolhe e reitera, pelas razões sobejamente expendidas nos respectivos arestos e que aqui nos escusamos de repetir.

Assim sendo, discorda-se do recorrente quanto à sua pretensão de que, contrariamente ao decidido em 1ª instância, se adopte o entendimento de que cabia à exequente/embargada/recorrida o ónus de provar a realidade da relação subjacente.

Ainda assim, não é pelo facto de aquela não ter satisfeito tal ónus (atenta a decisão de se julgar não provada a matéria que na sentença recorrida constava do ponto 3) que, como também defendeu a apelante, deve ser-lhe dada razão, julgar-se procedente esta oposição e, consequentemente, declarar-se extinta a execução.

É que, afinal de contas, resultou provado e, assim, cumprido o ónus que entendemos ser da sua responsabilidade, que, apesar do alegado pela recorrida no seu requerimento executivo quanto à relação subjacente à emissão do cheque:

A executada «TF. – Sociedade Agrícola, Ldª» nunca assumiu a dívida referida no ponto 2 anterior e o cheque referido no ponto 1 não foi emitido e entregue como forma de pagar parte dela à exequente.”

Logrou, portanto, a recorrente/embargante demonstrar, como tinha invocado nos embargos e sem que qualquer prejuízo lhe advenha de se não ter provado o negócio (alegadamente incumprido pela exequente/embargada/recorrida) de aquisição da máquina [16] que, segundo ela, justificara a entrega do cheque, que a relação causal por esta invocada para tal não existiu.

Daí que, nos termos do artº 729º, alínea a), aplicável ex vi do art 731º. CPC, deve a execução, na procedência dos embargos, ser julgada extinta por inexistência de título executivo.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso e, em consequência, dando provimento à apelação, revogam a decisão recorrida, julgam procedentes os embargos e declaram extinta a execução.
*

Custas da apelação, da execução e dos embargos pela exequente/embargada/apelada – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP)
*

Notifique.
Guimarães, 21 de Novembro de 2019

José Fernando Cardoso Amaral - Relator
Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo – 1ª Adjunta


Este Acórdão tem Voto de conformidade do Exmº Desembargador 2º Adjunto nele interveniente, Drª Eduardo José Oliveira Azevedo, que não apõe a sua assinatura por não estar presente no momento da sua publicação.


O Relator,



1. Os alegados factos, no entanto, são, e são apenas, os transcritos.
2. Transcrevem-se os referentes ao caso concreto, despidos das considerações de índole estritamente teórica.
3. No que as partes já estavam de acordo-
4. Processo nº 478/08.4TBASL.E1.S1.
5. Processo nº 3811/13.3TBPRD.P1.S1.
6. Claro que, como mais uma vez se comprova, os articulados dos processos nem sempre dizem a realidade e as próprias partes em nome de quem ela é dita se encarregam de desmentir o que neles é alegado, no que reside uma assinalável vantagem de os seus representantes serem ouvidos na audiência.
7. Apesar de não directa e especificamente impugnada em termos respeitadores do artº 640º.
8. Expurgando-se as citações de doutrina e jurisprudência, designadamente sobre o cheque como título cambiário, sabido como é já estar assente ab initio que o aqui invocado como base da execução estava prescrito e, portanto, não tem essa natureza.
9. Se bem que há quem distinga factos constitutivos do direito de factos constitutivos da causa de pedir e, assim, que há factos essenciais fundamentadores do direito que não são constitutivos da causa de pedir, conforme os efeitos (sobre isso, pode ver-se o Acórdão do STJ, de 18-09-2018, processo nº 21852/15.4T8PRT.
10. Processo nº 303/2002.P1.S1.
11. Num caso análogo, em que também estava alegada, em termos muito parcos, uma assunção de dívida como causa da emissão e entrega de cheques, o Acórdão da Relação de Coimbra, de 12-09-2017, considerou que a mesma “foi feita em termos meramente conclusivos” e ao arrepio da lei, na medida em que, “estando em causa uma relação subjacente complexa, que integrava a dívida dos pais do executado e a assunção da dívida pelo executado, o cumprimento da norma acima referida [artº 703º, nº 1, alínea c)] impunha a especificação da fonte da dívida bem como a forma através da qual se deu a alegada transmissão da dívida para o executado”.
12. Proferido no processo nº 1072/13.3TBBCHV-A.G1, relatado pela 1ª Adjunta deste.
13. Acórdãos da Relação de Coimbra, de 12-09-2017, processo 859/13.1TBSCD-A.C1, e de 10-09-2019, processo 2296/17.0T(PBL-A.C1.
14. Acórdãos da Relação de Lisboa, de 27-11-2018, processo nº 65/10.7TBBNV-A.L1-7, e de 07-03-2019, processo nº 7162/17.6T8SNT-A.L1-2, e da Relação do Porto, de 17-06-2019, processo nº 24873/17.9T8PRT-A.P1.
15. Acórdãos de 27-10-2016, processo nº 2855/12.7TBGMR-A. G1, de 23-11-2017, processo nº 3144/13.5TBGMR-A.G1, de 10-07-2018, processo nº 5245/16.9T8GMR-C.G1, e de 15-03-2018, processo nº 554/15.7T8CHV-A.G1.
16. O que não arreda a hipótese de ele ter existido.