Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
148/18.5T8VNF.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO
PRÉMIO VARIÁVEL
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA N.º 10/2001
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
1. A doutrina do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 10/2001, publicado no Diário da República, 1.ª Série-A, n.º 298, de 27 de Dezembro de 2001, aplica-se a todas as situações em que importe objectivamente prevenir um intuito fraudulento por parte do empregador, o mesmo não sucedendo com aquelas em que se verifiquem circunstâncias juridicamente relevantes, face aos princípios gerais do direito, nomeadamente ao princípio geral da boa-fé que deve presidir à formação e execução dos contratos, que permitam excluir que tivesse ocorrido aquele intuito fraudulento.
2. Assim como é censurável que o empregador inclua um seu trabalhador nas “folhas de férias” apenas depois de ocorrido o acidente, indicando falsamente que o mesmo foi admitido no respectivo mês, e se justifique plenamente que a seguradora averigúe se o mesmo estava já ao serviço em meses anteriores, também é censurável que, na situação inversa, isto é, de o empregador indicar que o sinistrado foi admitido no mês em que ocorreu o acidente mas não o incluir na correspondente “folha de férias” enviada posteriormente à seguradora, esta não averigúe se tal omissão resultou de algum lapso.
3. Para efeitos da não aplicação da doutrina do citado Acórdão de Uniformização, o envio tardio à seguradora da cópia da declaração de remunerações remetida à Segurança Social não é equiparável a omissão ou inexactidão da mesma, nem justifica que se considere o sinistrado excluído da cobertura do contrato de seguro em vigor à data da sua admissão e à data do sinistro por si sofrido, ainda que dela conste pela primeira vez, se for acompanhada de cópia da comunicação à Segurança Social, em dia anterior do mesmo mês, da admissão do sinistrado.
4. Se, em face do alegado incumprimento do disposto na Cláusula 24.ª, n.º 1, al. a) das condições gerais da Apólice Uniforme, a seguradora entende não resolver o contrato de seguro, nos termos do n.º 4 da Condição especial 01, resta-lhe cumprir perante o sinistrado as obrigações por si assumidas com a outorga do mesmo, só nesse pressuposto se justificando que lhe assistam o direito de regresso nos termos da Cláusula 28.ª, n.º 1, al. b) das condições gerais e o direito de actualização e agravamento do prémio nos termos dos n.ºs 3 e 4 da Condição especial 01.

Alda Martins
Decisão Texto Integral:
1. Relatório

No presente processo especial emergente de acidente de trabalho, em que figura como sinistrado J. V. e como rés X – Engenharia e Construção, Lda. e Y Portugal - Companhia de Seguros, S.A., o sinistrado pede a condenação das rés a reconhecerem que sofreu um acidente de trabalho, na sequência do qual padece duma IPP de 50% com IPATH, e a pagarem-lhe, solidariamente: a pensão anual, vitalícia e actualizável de 6.714,90€, desde 28/04/18; 6.782,36€ a título de indemnização por incapacidade temporária; subsídio de elevada incapacidade no montante de 4.727,19€; despesas com transportes, consultas e medicamentos no valor de 320€, tudo acrescido de juros de mora; e, finalmente, as despesas médicas e medicamentosas futuras de que o autor necessite na sequência do acidente.
A ré empregadora contestou, sustentando que a responsabilidade pelo pagamento das quantias peticionadas é da ré seguradora, por força do contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, entre elas celebrado em 1/01/16, tendo o autor sido admitido ao serviço da ré no dia 5/06/17 e a sua admissão comunicada à Segurança Social no dia 3/06/2017, sendo que as quantias pagas pela ré ao autor foram comunicadas a esta entidade e à 2.ª ré.
A ré seguradora contestou, aceitando o invocado contrato de seguro mas invocando que o nome do autor não estava incluído nas folhas de remunerações que lhe foram remetidas pela 1.ª ré. Por outro lado, não aceita o acidente, quer por desconhecer a sua ocorrência, quer porque o autor caiu porque sofreu uma convulsão na sequência de ter consumido opiáceos ou compostos relacionados. Subsidiariamente, alega que o autor se encontra curado desde 27/09/17 e que a incapacidade permanente para o trabalho habitual invocada não decorre do alegado acidente, não aceitando, ainda, as despesas reclamadas.
O autor respondeu, dizendo que o contrato de seguro foi celebrado através de um mediador para quem a ré enviava as folhas de remunerações mensais dos trabalhadores ao seu serviço, como aconteceu com as de Junho de 2017, delas constando o nome do autor, e que o mediador enviava tais folhas para a seguradora, procedimento que esta sempre aceitou, calculando os acertos do prémio a pagar pela 1.ª ré.
Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, com selecção dos factos considerados assentes e controvertidos.

Realizou-se a audiência de julgamento, após o que pelo Mmo. Juiz foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:

«Nestes termos e, pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente por provada, considerando que o autor sofreu um acidente de trabalho no dia 15/06/2017, quando se encontrava ao serviço da sua empregadora, aqui 1ª ré e, consequentemente:
I) Condeno a 1ª ré a pagar ao sinistrado:
a) a título da incapacidade parcial permanente (IPP), a pensão anual e vitalícia no montante de 6.764,37€, devida desde o dia a seguir à data da alta, ou seja, 28/04/18, actualizada em 01/01/2019, para o valor de 6.872,60€, a ser paga adiantada e mensalmente até ao 3º dia do mês a que respeitar, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual e sendo os subsídios de férias e de Natal pagos, respectivamente, nos meses de Junho e Novembro, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data de vencimento de cada mensalidade da pensão até efectivo e integral pagamento;
b) a título de indemnização por incapacidade temporária, o montante de 6.782,36€, acrescida de juros de mora desde a data do vencimento de cada uma das prestações e até efectivo e integral pagamento;
c) a título de subsídio por elevada incapacidade o montante de 4.740,32€, acrescido de juros de mora desde o dia seguinte ao do acidente até efectivo e integral pagamento; e
d) a título de despesas de deslocação, a quantia de 240€, acrescida de juros desde a data da tentativa da conciliação até efectivo e integral pagamento.
II) Absolvo as rés do restante pedido.
III) Fixo o valor da acção definitivamente em 108.370,28€.
Custas pelo autor (sem prejuízo do apoio judiciário concedido) e pela responsável, na proporção do decaimento (que será quanto ao autor apenas na quanto às despesas reclamadas no valor de 320€, relativamente às quais obteve vencimento em apenas 240€).
Notifique.»

A ré empregadora interpôs recurso da sentença e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:

«A - A Apelante recorre de facto e de direito, da douta Decisão proferida pelo Tribunal, a que se reportam os autos.
B – No dia 20 de Junho de 2018, realizou-se tentativa de conciliação (fase conciliatória) do qual foi lavrado “AUTO DE TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO (não conciliação)”, cuja posição de cada uma das partes intervenientes no mesmo ficou exarada, conforme “AUTO DE NÃO CONCILIAÇÃO”.
C – No dia 5 de Julho de 2018 o sinistrado J. V. deu entrada da petição inicial na qual demanda a X – Engenharia e Construção, Lda. e a Y PORTUGAL – Companhia de Seguros, S.A..
D – A Ré/recorrente apresentou contestação, com a qual juntou prova documental e arrolou testemunhas.
E - Os documentos juntos pela Recorrente à contestação foram:
• Doc. 1 - Apólice de seguro de acidentes de trabalho nº ..........37;
• Doc. 2 – Contrato de trabalho a termo certo celebrado com o sinistrado;
• Doc. 3 – Comprovativo da comunicação de Admissão do Trabalhador Sinistrado à Segurança Social;
• Doc. 4 – Comprovativo do pagamento do prémio referente à apólice nº ..........37 à Companhia de Seguros;
• Doc. 5 - Comprovativo da folha de remunerações entregues na Segurança Social relativas as remunerações pagas aos trabalhadores no mês de Junho de 2017;
• Doc. 6 – Recibo de vencimento do sinistrado do mês de Junho de 2017;
• Doc. 7 – Comprovativo do pagamento da retribuição do mês de Junho de 2017 ao sinistrado;
• Doc. 8 – Participação do Acidente de Trabalho à Companhia de Seguros;
• Doc. 9 – Relatório do Acidente de Trabalho;
• Doc. 10 – Notificação da Autoridade para as Condições do Trabalho.
• Doc. 11 – Comunicação da Companhia de Seguros a declinar responsabilidade;
• Doc. 12 – Resposta da empregadora à Companhia de Seguros.
F – No dia 16 de Outubro de 2018 o Tribunal proferiu despacho saneador.
G – Em 11 de Março de 2020 teve início a Audiência de Discussão e Julgamento, com uma segunda sessão em 17 de Junho de 2020 e uma terceira sessão em 30 de Junho de 2020
H -Na sessão da audiência de julgamento de 17 de Junho de 2020, a Ré/recorrente requereu e juntou aos autos um documento enviado em 29 de Novembro de 2017 pela Ré /recorrida à mandatária daquela, denominado “DECLARAÇÃO DE REMUNERAÇÕES COMPANHIAS DE SEGUROS” que contém o dizer em cada uma das folhas, a meio e transversalmente, “Não serve para envio” e em rodapé “Nota: Mapa de conferência da Declaração de Remunerações. Deverá ser enviado à companhia de seguros o Ficheiro de Suporte Magnético”, conforme documento de fls. 264-265 dos autos.
I – Com este documento a Ré/recorrente demonstrar que o documento de igual jaez junto pela Ré/recorrida com a sua contestação a fls. 165-167 dos autos, não continha ou “não era legível” o dizer “Não serve para envio”.
J – A Ré/recorrida Y, não impugnou tal documento, antes o aceitou.
K – Foi proferida a sentença de fls…. na qual consta:
“Tendo em vista os pedidos formulados são as duas as questões a apreciar:
1) Apurar da existência do alegado acidente e saber se este consubstancia um acidente de trabalho e, em caso afirmativo, qual o valor da indemnização que a autora tem direito a receber a título de ITA, de IPP, IPATH e despesas de deslocação, consultas e medicamentos; e
2) apurar a responsabilidade de cada uma das rés no pagamento dos valores apurados, o que passa por saber se à data do acidente existia seguro de acidentes de trabalho que englobasse o aqui autor.
L – Sentença na qual foram dados como provados os seguintes factos, com relevância para o presente recurso:
B) Para ter início no dia 1 de Janeiro de 2016, a 1ª ré celebrou com a 2ª ré um contrato de seguro do Ramo “Acidentes de Trabalho – Conta de Outrem”,
“Prémio Variável”, titulado pela “Apólice nº ..........37”.
C) Por força da celebração do referido contrato, a 2.ª ré assumiu, perante a 1.ª ré, a obrigação de suportar todos os encargos obrigatórios provenientes de acidentes de trabalho em relação às pessoas identificadas na apólice.
D) De acordo com as condições particulares acordadas entre as rés, ficariam abrangidos pelo mencionado contrato de seguro os trabalhadores ao serviço da 1ª ré que constassem das folhas de remunerações enviadas por esta à 2ª ré até ao dia 15 de cada mês.
E) A 1ª ré admitiu o autor ao seu serviço no dia 5 de Junho de 2017.
G) No dia 15 de Junho de 2017, cerca das 15 horas, no local designado pela 1ª ré, em ..., no Alentejo, o autor procedia à elaboração de roços numa parede no âmbito da empreitada de remodelação pré-escolar da Santa Casa da Misericórdia de ..., tendo caído no solo.
M) A 1ª ré enviava mensalmente à mediadora “W – MEDIAÇÃO DE SEGUROS UNIPESSOAL, LDA.”, mais precisamente ao cuidado do Sr. R. A., as declarações de remunerações mensais dos trabalhadores ao seu serviço que constam a fls. 165-167, que as enviava à 2ª ré.
N) O que aconteceu com as folhas de remuneração relativas ao mês de Junho de 2017.
O) A 2ª ré calculava os acertos do prémio a pagar pela 1ª ré.
P) A 1ª ré comunicou a admissão do autor à segurança social no dia 3/06/2017, sendo que as remunerações que pagou ao autor foram comunicadas à SS.”
M - E como factos não provados, os seguintes factos com relevo para o presente recurso:
7) Na declaração de remuneração relativas ao mês de Junho de 2017 enviadas nos termos referidos em M) constava o nome e retribuições do autor.
8) A 1ª ré enviava mensalmente à mediadora “W – MEDIAÇÃO DE SEGUROS UNIPESSOAL, LDA.”, mais precisamente ao cuidado do Sr. R. A., o extracto das declarações de remunerações mensais dos trabalhadores ao seu serviço remetidas à SS, que as enviava à 2ª ré.
9) A ré sempre aceitou o procedimento referido em M) e 8)”
N – Foi proferido a seguinte decisão:
“Nestes termos e, pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente por provada, considerando que o autor sofreu um acidente de trabalho no dia 15/06/2017, quando se encontrava ao serviço da sua empregadora, aqui 1ª ré e, consequentemente:
I) Condeno a 1ª ré a pagar ao sinistrado:
a) a título da incapacidade parcial permanente (IPP), a pensão anual e vitalícia no montante de 6.764,37€, devida desde o dia a seguir à data da alta, ou seja, 28/04/18, actualizada em 01/01/2019, para o valor de 6.872,60€, a ser paga adiantada e mensalmente até ao 3º dia do mês a que respeitar, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual e sendo os subsídios de férias e de Natal pagos, respectivamente, nos meses de Junho e Novembro, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data de vencimento de cada mensalidade da pensão até efectivo e integral pagamento;
b) a título de indemnização por incapacidade temporária, o montante de 6.782,36€, acrescida de juros de mora desde a data do vencimento de cada uma das prestações e até efectivo e integral pagamento;
c) a título de subsídio por elevada incapacidade o montante de 4.740,32€, acrescido de juros de mora desde o dia seguinte ao do acidente até efectivo e integral pagamento; e
d) a título de despesas de deslocação, a quantia de 240€, acrescida de juros desde a data da tentativa da conciliação até efectivo e integral pagamento.
II) Absolvo as rés do restante pedido.
III) Fixo o valor da acção definitivamente em 108.370,28€.
Custas pelo autor (sem prejuízo do apoio judiciário concedido) e pela responsável, na proporção do decaimento (que será quanto ao autor apenas na quanto às despesas reclamadas no valor de 320€, relativamente às quais obteve vencimento em apenas 240€).”
O - Decisão esta, com a qual não se conforma a apelante X – Engenharia e Construção, Lda. e por isso se impõe o presente recurso.
P – A Ré/Recorrente desde a primeira hora em que teve conhecimento do acidente discutido nos autos, assumiu tratar-se de um acidente de trabalho, posição que manteve quer na fase conciliatória quer na fase contenciosa do processo.
Q – Pelo que, no que reporta à caracterização do acidente, como acidente de trabalho, a Ré/recorrente não coloca a sentença em crise, pelo que se abstém de tecer qualquer consideração sobre tal aspecto.
R – O mesmo não acontece quanto à responsabilidade atribuída á Ré/recorrente na reparação do acidente, o que torna a decisão injusta e ilegal e por isso se impõem o recurso.
S – No dia 16 de Outubro de 2018 o Tribunal proferiu despacho/saneador, porém neste, ou em despacho posterior, não identificou o objecto em litígio, pelo que a audiência de discussão e julgamento decorreu sem que previamente tivesse sido o mesmo fixado.
T – Na sentença ora posta em crise, o Tribunal determinado que: “Tendo em vista os pedidos formulados são as duas as questões a apreciar:
1) Apurar da existência do alegado acidente e saber se este consubstancia um acidente de trabalho e, em caso afirmativo, qual o valor da indemnização que a autora tem direito a receber a título de ITA, de IPP, IPATH e despesas de deslocação, consultas e medicamentos; e
2) apurar a responsabilidade de cada uma das rés no pagamento dos valores apurados, o que passa por saber se à data do acidente existia seguro de acidentes de trabalho que englobasse o aqui autor.
U – O que constituiu uma verdadeira surpresa para a Ré/recorrente, uma vez que para uma decisão justa outras seriam as questões a resolver no processo, para além daquelas.
V – Nomeadamente, saber quais as obrigações da recorrente X – Engenharia e Construção, Lda, aqui Recorrente, e se cumpriu tais obrigações estabelecidas por lei e pelo contrato de seguro do Ramo “Acidentes de Trabalho – Conta de Outrem”, “Prémio Variável”, titulado pela “Apólice nº ..........37” celebrado com a Ré/recorrida Y.
X – O que deveria ter sido identificado como objecto em litígio no despacho saneador e bem ainda como questão a decidir na sentença, o que não foi conforme melhor alegado e demonstrado supra.
Z – Pelo que o expendido na sentença e a decisão nela proferida constituiu uma surpresa para a Recorrente.
AA – Ora, o princípio da proibição das decisões-surpresa, consagrado no artigo 3º, nº 3 do CPC, consubstancia-se, no que às questões de direito diz respeito, na interdição das decisões baseadas em fundamento que não tenham sido previamente considerado pelas partes.
AB - O que constitui uma nulidade nos termos do artigo 195º do mesmo CPC.
AC – Resulta do artigo 607º, nºs 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil que o tribunal deve enunciar as questões que lhe cumpre decidir, seguindo-se a fundamentação da sentença que tem uma dupla função: análise de facto e de direito do objecto em litígio.
AD - Só após terem sido fixadas as questões a decidir pelo Senhor Juiz da causa pode ser, por este, determinada a matéria de facto provada e não provada com relevância para o caso, cabendo, então submete-la a tratamento jurídico adequado, identificando as normas de direito aplicáveis, interpretando-as e determinando os respectivos efeitos jurídicos.
AE – A Meritíssima Juíza “a quo” na sentença recorrida: -
- decidiu a matéria de facto em contradição com a prova documental e prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento;
- A fundamentação de facto é insuficiente, ambígua e obscura, o que equivale à falta de fundamentação.
- não se pronunciou sobre questões que se devia ter pronunciado, no caso em concreto questões colocadas pela Ré/Recorrente na sua contestação.
- fez uma errada interpretação dos conceitos o que redundou numa errada aplicação das normas jurídicas.
- As omissões da sentença inquinam toda a fundamentação jurídica exposta na sentença, fazendo a Meritíssima Juiz uma errónea interpretação e aplicação das normas legais, tendo como consequência uma decisão injusta e ilegal.
AF –O dever de fundamentar as decisões judiciais tem, consagração legal o nº 1 no Artigo 154º do Código de Processo Civil e constitucional, como impõe o Artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, de modo que os seus destinatários as possam analisar criticamente, nomeadamente para efeitos de impugnação, quando seja admissível o recurso.
AG – Uma fundamentação deficiente e equívoca, como acontece no caso vertente, equivale à falta de fundamentação, porque a decisão não é, nem pode ser, um acto arbitrário, mas a concretização da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido à apreciação jurisdicional, as partes necessitam de saber a razão ou razões do decaimento nas suas pretensões, designadamente para ajuizarem da viabilidade da utilização dos meios de impugnação legalmente previstos.
AH – A consequência do vício da falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito alicerçantes da decisão é a nulidade.
AI – A violação dos artigos 607º e 154ºdo Código de Processo Civil é geradora de nulidade da sentença, nos termos do nº 1 , alínea b) e c) do Artigo 615º, do Código de Processo Civil.
AJ – Perante a prova documental e testemunhal produzida nos autos, não poderia ter sido dado como provado o facto dado como provado sob a letra M), tal como foi dado como provado, devendo ter outra redacção e alcance.
AK – O que teria de ser dado como provado era: M) A 1ª ré enviava mensalmente à 2ª Ré, as declarações de remunerações mensais dos trabalhadores ao seu serviço.
AL – E dado como provado o facto dado como não provado sob o número 8, ou seja, que “A 1ª ré enviava mensalmente à 2ª Ré o extracto das declarações de remunerações mensais dos trabalhadores ao seu serviço remetidas à SS, que as deveria enviar à 2ª ré.
AM – Ao ter dado como provado, tal como foi dado como provado o facto sob a letra M), e não provado o nº 8 dos factos não provados, o Tribunal “a quo” não valorou, devidamente, os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela recorrente:
- J. B. – gravação áudio no dia 11 de Março de 2020 das 12:01:09 às 12:25:13;
- S. V. – gravação áudio no dia 11 de Março de 2020 das 14:30:47 às 14:52:59;
- C. C. – gravação áudio no dia 11 de Março de 2020 das 14:30:47 às 14:52:59;
- S. C. – gravação áudio no dia 11 de Março de 2020 das 14:53:37 às 15:05:35;
AN – Bem como o depoimento das testemunhas arroladas pela recorrida e ouvidas na audiência de discussão e julgamento, dos peritos da Ré/recorrida N. P. (gravação áudio no dia 17 de Junho de 2020 das 16:02:22 às 16:13:22), D. T. (gravação áudio no dia 30 de Junho de 2020 das 11:16:42 às 11:41:00) que desconheciam “in totum” qualquer aspecto relacionado com a Apólice nº ..........37.
AO – E não teve o tribunal “a quo” devidamente em conta os documentos juntos aos autos pela recorrente, nomeadamente:
• Apólice de seguro de acidentes de trabalho nº ..........37, documento 1 junto com a sua contestação.
• Comprovativo da folha de remunerações entregues na Segurança Social relativas as remunerações pagas aos trabalhadores no mês de Junho de 2017, documento 5 junto com a sua contestação.
• Recibo de vencimento do sinistrado do mês de Junho de 2017, documento 6 junto com a sua contestação.
• Comprovativo do pagamento da retribuição do mês de Junho de 2017 ao sinistrado, documento 7 junto com a sua contestação.
• Participação do Acidente de Trabalho à Companhia de Seguros, documento 8 junto com a sua contestação.
• Documento junto na sessão da audiência realizada no dia 17 de Junho de 2020 “DECLARAÇÃO DE REMUNERAÇÕES COMPANHIAS DE SEGUROS” de fls. 264-265 dos autos.
AP – Nem teve o Tribunal “a quo” atenção aos articulados apresentados por cada uma das partes, nomeadamente da Ré/recorrente.
AQ – Pelo facto de não ter o Tribunal “a quo” valorado a prova testemunhal produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento,a prova documental junta aos autos e os articulados das partes resultou que os facto dado como provados na sentença sob a letra M) não tenham correspondência com o afirmado pelas testemunhas nos seus depoimentos, com os documentos e articulados e faz com que não corresponda integralmente à verdade material e daí resultando uma decisão injusta e ilegal.
AR - Do depoimento das testemunhas J. B. (gravação áudio no dia 11 de Março de 2020 das 12:01:09 às 12:25:13), S. V. (gravação áudio no dia 11 de Março de 2020 das 14:30:47 às 14:52:59), C. C. (gravação áudio no dia 11 de Março de 2020 das 14:30:47 às 14:52:59) e S. C. (gravação áudio no dia 11 de Março de 2020 das 14:53:37 às 15:05:35), resulta claro que a recorrente enviava mensalmente à Ré/recorrida, as declarações de remunerações entregues na Segurança Social relativas as remunerações pagas aos trabalhadores, o que nomeadamente aconteceu às remunerações referentes ao mês de Junho de 2017.
AS – Deste modo não poderia a Meritíssima Juíza ter dado como provado o facto M) dos factos dados como provados na sentença e deveria ter dado como provado o nº 8 dos factos dados como não provados na sentença.
AT – A “Fundamentação” da Meritíssima Juíza quanto aos factos provados e não provados é absolutamente confusa e obscura, já que não estabeleceu a devida cronologia para a apresentação de documentos da Ré/Recorrente à Ré/Recorrida e fundamentalmente confundiu quais os documentos que deveriam ter sido apresentados no mês de Junho e os que deveriam ter sido apresentados no mês de Julho de 2017
AU - E confunde, não distinguindo o documento denominado “DECLARAÇÂO DE REMUNERAÇÕES” de fls. 165-167, “melhor legível” a folhas 264-265, com a necessária “declarações de remunerações de pessoal remetido à segurança social” documento 5 junto com a contestação da Recorrente.
AV– E imprecisa, quanto ao facto de quem enviava a quem as declarações de remunerações
AX – Isto para além de outras imprecisões constantes nessa “Fundamentação”, como dizer-se que “C. C.” é “técnica administrativa da 1ª ré”, o que não é verdade já que deixou de ser trabalhadora da recorrente em Outubro de 2019, conforme do depoimento gravado, em sistema áudio no dia 11 de Março de 2020 das 14:30:47 às 14:52:59.
AZ – É completamente obscuro e incompreensível o facto dado como não provado sob o número 9 “A ré sempre aceitou o procedimento referido em M) e 8)”, já que não é identificada a Ré.
BA - A Meritíssima Juíza na “Fundamentação” baseou-se, no que importa ao presente recurso, no depoimento da testemunha R. A. (gravação áudio do dia 16 de Junho de 2020 das 16:27:31 às 17:02:20), mediador da Ré/recorrida o qual foi a única testemunha a declarar que a Ré/recorrida não recebeu cópia da declaração enviada previamente para a segurança social.
BB – São inadequadas as considerações tecidas na “Fundamentação” : “Estas três testemunhas, de forma unânime, referiram que as declarações de remunerações mensais dos trabalhadores juntas a fls. 165-167 eram mensalmente enviadas à 2ª ré, o que aconteceu também no mês de Junho…”, já que no mês de Junho as declarações enviadas eram referentes ao mês de Maio, onde não constava o Autor sinistrado, nem podia constar, uma vez que ainda não tinha sido admitido ao serviço da Ré/Recorrente.
BC - O tribunal “a quo” não valorou a prova documental junta aos autos pela Ré/recorrente, já que dúvidas não subsistem, porque se encontra devidamente provado que:
• A Ré/recorrente celebrou para ter início no dia 1 de Janeiro de 2016 com a Ré/recorrida um contrato de seguro do ramo “Acidentes de Trabalho – Conta de Outrem”, na modalidade de “Prémio Variável”, titulado pela “Apólice nº ..........37”. (facto dado como provado sob a letra B) dos factos provados e documentos 1 e 4 juntos com a contestação da Ré/recorrente)
• A Ré/recorrente comunicou à Segurança Social no dia 3 de Junho de 2017 a admissão do autor ao seu serviço, mediante a celebração de contrato a termo certo com efeitos a partir do dia 5 de Junho de 2017 (factos dados como provados sob as letras P) e E) dos factos provados e documentos 2, 3 juntos com a contestação da Ré/recorrente)
• O acidente de trabalho em causa nos presentes autos ocorreu no dia 15 de Junho de 2017 na localidade de Campo de ..., no Alentejo (facto dado como provado sob a letra G) dos factos provados).
• A ré/recorrente fez a imediata participação do acidente à Ré/Recorrida (Documento 8 junto com a contestação da Ré/recorrente)
• No dia 7 de Julho de 2017 a Ré/Recorrente entregou na Segurança Social “EXTRACTO DA DECLARAÇÃO DE REMUNERAÇÕES” referente ao mês de Junho onde consta o nome do sinistrado/Autor, com todas as remunerações pagas a este. (facto dado como provado em P) dos factos dados como provados e documentos 5 e 6 juntos com a contestação da Ré/recorrente).
BD - A Portaria 256/2011, de 5 de Julho “Aprova a parte uniforme das condições gerais da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, bem como as respectivas condições especiais uniformes”, sendo que a cláusula 5ª, do seu ANEXO define a modalidades de cobertura do seguro prémio variável: “b) Seguro a prémio variável, quando a apólice cobre um número variável de pessoas seguras, com retribuições seguras também variáveis, sendo consideradas pelo segurador as pessoas e as retribuições identificadas nas folhas de vencimento que lhe são enviadas periodicamente pelo tomador do seguro.”
BE – A Cláusula 24.ª, nº 1, alínea a), do mesmo ANEXO da Portaria 256/2011, de 5 de Julho “1 - Para além do previsto no capítulo ii, o tomador do seguro obriga-se: a) A enviar ao segurador, até ao dia 15 de cada mês, cópia das declarações de remunerações do seu pessoal remetidas à segurança social, relativas às retribuições pagas no mês anterior, devendo no envio mencionar a totalidade das remunerações previstas na lei como integrando a retribuição para efeito de cálculo da reparação por acidente de trabalho…”
BF- Da conjugação das cláusulas 5ª e 24ª do ANEXO à Portaria 256/2011, de 5 de Julho resulta que o tomador do seguro tem de enviar cópia da declaração de remunerações do seu pessoal remetidas à segurança social, até ao dia 15 de cada mês, relativas às retribuições pagas no mês anterior.
BG – A Ré/Recorrente no dia 7 do mês de Julho de 2017, enviou para a segurança social a remunerações pagas aos seus trabalhadores no mês de Junho de 2017, nomeadamente as remunerações pagas ao sinistrado/Autor (facto dado como provado em P) dos factos dados como provados e documentos 5 e 6 juntos com a contestação da Ré/recorrente)
BH – E só a partir do envio dessa declaração para a segurança social poderia ter enviado cópia para a seguradora, ou seja, a partir de 7 de Julho de 2017 e até ao dia 15 desse mesmo mês de Julho de 2017.
BI – O acidente de trabalho ocorreu no dia 15 de Junho de 2017, ou seja 11 dias decorridos da data de admissão do sinistrado/Autor.
BJ – O acidente de trabalho em causa nos presentes autos ocorreu no mês da admissão ao serviço do Autor/sinistrado, que de resto foi legalmente comunicada pela Ré/recorrente à segurança social, o que aconteceu dois dias antes da produção de efeitos do contrato de trabalho celebrado, tudo conforme artigo 29º da Lei 110/2009 de 16 de Setembro.
BK – Pelo que só podia a Ré/recorrente incluir, como incluiu, o Autor/sinistrado na declarações de remunerações do seu pessoal remetido à segurança social no mês de Julho de 2017, relativas às retribuições pagas no mês de Junho de 2017.- Doc. 5, junto com a sua contestação
BL – E tendo-o feito em data anterior à data limite para enviar a cópia de tal declaração à Ré/recorrida, não se vislumbra motivo ou razão para a Ré/recorrente retirar o nome do Autor/sinistrado na declaração enviada àquela, tanto mais que o acidente em causa nos presentes autos já tinha ocorrido no dia 15 do mês de Junho de 2017.
BM– O caso vertente não é similar ou análogo ao caso chamado à colação pela Senhora Juíza “a quo” na sentença, ora, recorrida.
BN – Pois que, o Autor/sinistrado não podia ter sido mencionado noutras folhas de férias, que não na apresentada na segurança social no mês de Julho de 2017 e relativa ao mês de Junho de 2017. - Documento 5 junto com a contestação da Ré/Recorrente.
BO – O Autor sinistrado só prestou actividade laboral para a Ré/recorrente de 5 a 15 de Junho de 2017, ou seja 11 dias!
BP - Tendo o Autor/sinistrado sido vítima de um acidente de trabalho no mês de Junho de 2017, constando o seu nome e remunerações pagas na declaração enviada para a segurança social em Julho de 2017, referente ao mês de Junho de 2017 é a Ré/recorrida a responsável pelo pagamento àquele das pensões, indemnizações, subsídios e despesas.
BQ - O Tribunal não estabeleceu a devida cronologia para a apresentação de documentos da Ré/Recorrente à Ré/Recorrida e fundamentalmente confundiu quais os documentos que deveriam ter sido apresentados no mês de Junho e os que deveriam ter sido apresentados no mês de Julho de 2017 e bem ainda não distinguiu o documento denominado “DECLARAÇO DE REMUNERAÇÕES” de fls. 165-167, “melhor legível” a folhas 264-265, com a necessária “declarações de remunerações de pessoal remetido à segurança social”.
Documento 5 junto com a contestação da Recorrente.
BR – A Ré/Recorrente fez a admissão do Autor/sinistrado na segurança social no dia 3 de Junho, para inciar a sua actividade no dia 5 desse mesmo mês, constando o seu nome e remunerações na declaração de remuneração de pessoal remetida à segurança social no dia 7 de Julho de 2017.
BS - São inusitadas as considerações tecidas pela Senhora Juíza do tribunal “a quo” e a jurisprudência citada (que não é aplicável ao caso concreto), na sentença recorrida, para determinar, como determinou, a responsabilidade da Ré/Recorrente pela reparação do acidente de trabalho em causa nos presentes autos.
BT – O tribunal não teve particular atenção ao documento junto aos autos pela Ré/recorrida a fls. 165 – 167 e a fls. 264-265 pela Ré/recorrente, nestas e ao contrário daquelas, lê-se clara e perfeitamente “Não serve para envio” e onde consta em rodapé a “Nota: Mapa de conferência da Declaração de Remunerações. Deverá ser enviado à companhia de seguros o Ficheiro de Suporte Magnético.”
BU – Suporte Magnético que não estava activo por parte da Recorrida Y, conforme resulta dos depoimentos das testemunhas R. A. (gravação áudio do dia 16 de Junho de 2020 das 16:27:31 às 17:02:20), mediador da Ré/recorrida e J. B. (gravação áudio no dia 11 de Março de 2020 das 12:01:09 às 12:25:13) cujo o gabinete elaborava e elabora a contabilidade da Recorrente.
BV – Não podendo ser assacada qualquer responsabilidade à Ré/recorrente por tal omissão - não estar activo o “Ficheiro de Suporte Magnético”-, ao qual é esta absolutamente alheia.
BX - Se o documento onde consta em letras consideravelmente maiores e perfeitamente visíveis, pelo menos no documento junto pela Ré/recorrente a fls. 264-265, “Não serve para envio” para a Companhia de Seguros outro é o documento necessário que é o que alude a Cláusula 24ª, nº 1, alínea a) do ANEXO à Portaria 256/2011 de 5 de Julho: “ …o tomador do seguro obriga-se:
a) A enviar ao segurador, até ao dia 15 de cada mês, cópia das declarações de remunerações do seu pessoal remetidas à segurança social, relativas às retribuições pagas no mês anterior, devendo no envio mencionar a totalidade das remunerações previstas na lei como integrando a retribuição para efeito de cálculo da reparação por acidente de trabalho…”, ou seja, no caso vertente o “EXTRACTO DA DECLARAÇÃO DE REMUNERAÇÕES” enviado à segurança social e junto como documento 5 à contestação (da Ré/recorrente).
BZ – Mais, aliás como já se abordou supra, se o Autor Sinistrado constava na DECLARAÇÃO DE REMUNERAÇÕES da segurança social do mês de Junho de 2017, e se a comunicação à Seguradora é feita em data posterior a esta e aquele já tinha sido vítima do acidente de trabalho, nenhuma vantagem resultava para a Ré/recorrente em o retirar da declaração.
CA – São de igual forma inusitadas, as considerações tecidas de forma velada na Sentença, acerca de eventual violação do princípio da boa-fé por parte de Ré/Recorrente, aliás, com o devido respeito se diga, tais considerações só podem ser aplicadas à Ré/Recorrida Y, dada a sua postura e actuação ao longo do processo.
CB – Em razão de não ter o Tribunal “a quo” valorado a prova testemunhal produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, a prova documental junta aos autos pela Ré/recorrente e os articulados das partes, resultou que os factos dados como provados na sentença não tenham correspondência com o afirmado pelas testemunhas nos seus depoimentos, com os documentos e articulados e com a lei.
CD – A Meritíssima Juíza ao dar como provado a letra M) da sentença recorrida e como não provado o facto vertido no número 8, faz com que não corresponda integralmente à verdade material e daí resultando uma decisão injusta e ilegal.
CE – Outra teria sido a decisão, se tivesse sido feita pelo Tribunal “a quo” uma análise atenta de todo o processo, com especial incidência sobre os articulados, documentos juntos com eles em que as partes – recorrida e recorrentes – assumiram determinada posição e uma adequada valoração da prova documental, e testemunhal produzida na Audiência de Discussão e Julgamento.
CF – Se tal tivesse acontecido o Tribunal “a quo” teria decidido de modo diferente, absolvendo a Ré/recorrente X- Engenharia e Construção, Lda. e condenado a Ré/Recorrida Y PORTUGAL – Companhia de Seguros, S.A..
CG – A fundamentação de direito feita pela Meritíssima Juíza na douta sentença recorrida, foi inadequadamente aplicada ao caso concreto.
CH - Dando a Meritíssima Juíza “a quo” à matéria fáctica que deu como provada (com a qual de resto, não se concorda e por isso se pede a sua reapreciação) um tratamento jurídico e faz uma interpretação e aplicação das normas de direito, nomeadamente as normas constantes das cláusulas 5ª e 24ª do Anexo à Portaria 256/2011, de 5 de Julho, inadequado.
CI – O tribunal “a quo” violou os preceitos inscritos nos artigos 3º, nº 3, 154º, 596º, nº 1, 607º nºs 2,3, 4 e 5 do Código de Processo Civil.
CJ – Está a sentença ferida de nulidade nos termos do artigo 615º do Código de Processo Civil.
CK – Deve a sentença recorrida ser substituída por outra na qual a Ré /recorrente venha a ser absolvida e condenado a Ré/Recorrida Companhia de Seguros a pagar o que for devido ao Autor/sinistrado.»

A ré seguradora apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Vistos os autos pelas Exmas. Adjuntas, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões que se colocam a este tribunal são as seguintes:

- nulidade da sentença;
- modificação da decisão sobre a matéria de facto;
- transferência da responsabilidade pelo acidente de trabalho da 1.ª ré para a 2.ª ré.

3. Fundamentação de facto

Os factos provados são os seguintes:
A) O autor nasceu no dia -/04/1971.
B) Para ter início no dia 1 de Janeiro de 2016, a 1.ª ré celebrou com a 2.ª ré um contrato de seguro do Ramo “Acidentes de Trabalho – Conta de Outrem”, “Prémio Variável”, titulado pela “Apólice n.º ..........37”.
C) Por força da celebração do referido contrato, a 2.ª ré assumiu, perante a 1.ª ré, a obrigação de suportar todos os encargos obrigatórios provenientes de acidentes de trabalho em relação às pessoas identificadas na apólice.
D) De acordo com as condições particulares acordadas entre as rés, ficariam abrangidos pelo mencionado contrato de seguro os trabalhadores ao serviço da 1.ª ré que constassem das folhas de remunerações enviadas por esta à 2.ª ré até ao dia 15 de cada mês.
E) A 1.ª ré admitiu o autor ao seu serviço no dia 5 de Junho de 2017.
F) O autor auferia a retribuição anual ilíquida de 11.191.50€ (700€ x 14 + 126,50€ x 11, respectivamente salário base e subsídio de alimentação).
G) No dia 15 de Junho de 2017, cerca das 15 horas, no local designado pela 1.ª ré, em ..., no Alentejo, o autor procedia à elaboração de roços numa parede no âmbito da empreitada de remodelação pré-escolar da Santa Casa da Misericórdia de ..., tendo caído no solo.
H) Em consequência daquela queda, o autor foi transportado para o ULS Baixo Alentejo, E.P.E., Hospital … S.A., Beja, onde veio a ser atendido e onde lhe foram prestados os primeiros socorros, realizados exames médicos e ministrados medicamentos.
I) Posteriormente, foi o autor transferido para o Hospital …, Centro Hospitalar …, E.P.E., onde ficou internado 15 dias, tendo ido de seguida para o Centro Hospitalar do …, E.P.E., onde foi sujeito a tratamento conservador, sendo transferido novamente para o Hospital de …, onde permaneceu internado até 10 de Julho de 2017, continuando tratamento conservador, tendo finalmente sido transferido para o Hospital da área de residência em Famalicão, onde esteve internado três dias.
J) Em consequência directa e necessária do descrito acidente, sofreu o autor uma lesão que se traduz num “traumatismo cranioencefálico do qual resultaram focos de contusão vários e hematoma parieto-occipital extenso”.
K) Como consequência do acidente em causa, o autor padece de:
a. Incapacidade Temporária Absoluta de 16/06/2017 até 27/04/2018, fixável num período de 316 dias,
b. Incapacidade Permanente Parcial fixável em 52,21%,
c. Incapacidade permanente absoluta para a actividade profissional habitual.
L) O autor despendeu em transportes para se deslocar a consultas a quantia de 240€.
M) A 1.ª ré enviava mensalmente à mediadora “W – MEDIAÇÃO DE SEGUROS UNIPESSOAL, LDA.”, mais precisamente ao cuidado do Sr. R. A., as declarações de remunerações mensais dos trabalhadores ao seu serviço que constam a fls. 165-167, que as enviava à 2.ª ré.
N) O que aconteceu com as folhas de remuneração relativas ao mês de Junho de 2017.
O) A 2.ª ré calculava os acertos do prémio a pagar pela 1.ª ré.
P) A 1.ª ré comunicou a admissão do autor à Segurança Social no dia 3/06/2017, sendo que as remunerações que pagou ao autor foram comunicadas à Segurança Social.
Q) Em resposta a carta da ré seguradora à ré empregadora recebida por esta em 3/10/2017, em que aquela declinava a responsabilidade por, à data do acidente, o sinistrado não constar da relação do pessoal seguro, a ré empregadora enviou-lhe, em 6/10/2017, cópias da comunicação da admissão do autor à Segurança Social no dia 3/06/2017 e da declaração de remunerações dos trabalhadores ao seu serviço remetida à Segurança Social em 7/07/2017, onde constava o nome e remunerações do autor em Junho de 2017. (aditamento nos termos do ponto 4.2. infra)
R) Na participação do acidente de trabalho à ré seguradora pela ré empregadora, estava mencionado que o sinistrado iniciara a prestação do trabalho para a segunda em 5/06/2017, com as remunerações mencionadas na alínea F). (aditamento nos termos do ponto 4.2. infra)

Os factos não provados são os seguintes:

1) No dia e hora referidos em E), o autor exercia as funções de “Oficial principal” e foi-lhe ordenado pela 1.ª ré que subisse para cima de uma “prancha” a fim de elaborar roços numa parede.
2) Enquanto o autor se encontrava a elaborar os roços na dita parede, acabou por se desequilibrar e cair do cimo daquela prancha, desamparado, ao solo.
3) Em 15 de Junho de 2017, o autor tinha consumido opiáceos ou compostos relacionados.
4) A queda do autor ficou a dever-se a uma convulsão que sofreu.
5) O autor encontra-se totalmente incapaz para o trabalho, não estando curado, designadamente falta de memória, tendo recorrido ao Serviço Nacional de Saúde, para que lhe proporcionassem o necessário tratamento a fim de recuperar do referido acidente, passando a ser seguido no Hospital de …, no Porto.
6) O autor gastou em transportes, consultas e medicamentos, valor superior ao referido em L).
7) Na declaração de remunerações relativas ao mês de Junho de 2017, enviadas nos termos referidos em M), constava o nome e retribuições do autor.
8) A 1.ª ré enviava mensalmente à mediadora “W – MEDIAÇÃO DE SEGUROS UNIPESSOAL, LDA.”, mais precisamente ao cuidado do Sr. R. A., o extracto das declarações de remunerações mensais dos trabalhadores ao seu serviço remetidas à Segurança Social, que as enviava à 2.ª ré.
9) A ré sempre aceitou o procedimento referido em M) e 8).

4. Apreciação do recurso

4.1. Importa em 1.º lugar saber se a sentença está ferida de nulidade, conforme a Recorrente sustenta.

Estabelece o n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil que é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

A Apelante invoca as alíneas b) e c) mas alude ainda a omissão de pronúncia, prevista na alínea d).

No que respeita à omissão de pronúncia, a Recorrente insurge-se contra o facto de na sentença apenas ter sido apreciada a questão – no que ora interessa – de “apurar a responsabilidade de cada uma das rés no pagamento dos valores apurados, o que passa por saber se à data do acidente existia seguro de acidentes de trabalho que englobasse o aqui autor”, mas não, também, a questão de saber “quais as obrigações da recorrente X – Engenharia e Construção, Lda, aqui Recorrente, e se cumpriu tais obrigações estabelecidas por lei e pelo contrato de seguro do Ramo “Acidentes de Trabalho – Conta de Outrem”, “Prémio Variável”, titulado pela “Apólice nº ..........37” celebrado com a Ré/recorrida Y”, questão esta que diz que deveria ter sido identificada no despacho saneador e na sentença como objecto do litígio e como tal apreciada.
Ora, desde logo, importa sublinhar que eventuais vícios do despacho saneador são distintos das nulidades da sentença, acima enunciadas, e que, de qualquer modo, o Código de Processo do Trabalho tem norma específica relativa à sua elaboração no âmbito do processo especial emergente de acidente de trabalho, concretamente o seu art. 131.º, que, na versão anterior à Lei n.º 107/2019, de 09/09, vigente na data da prolação daquele despacho (16/10/2018), tinha a seguinte redacção:

Despacho saneador
1 - Findos os articulados, o juiz profere, no prazo de 15 dias, despacho saneador destinado a:
a) Conhecer das excepções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente;
b) Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória;
c) Considerar assentes os factos sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação e nos articulados;
d) Seleccionar a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida;
e) Ordenar o desdobramento do processo, se for caso disso.
2 - Seguidamente observam-se os termos do processo comum regulados nos artigos 63.º e seguintes, salvo o disposto nos artigos subsequentes.

Compulsado o despacho saneador proferido nos autos, constata-se que foi estritamente observada a norma em apreço, sendo certo, ainda, que o mesmo não foi impugnado por qualquer meio por qualquer das partes.
No que toca à nulidade da sentença por omissão de pronúncia, prevista na aludida alínea d) do art. 615.º do Código de Processo Civil, está relacionada com o estabelecido no art. 608.º, n.º 2 do mesmo diploma, nos termos do qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Assim, só é relevante como causa de nulidade da sentença a omissão de pronúncia sobre «questões», como tal se entendendo os pedidos formulados e respectivas causas de pedir e as excepções que lhes sejam opostas, o mesmo não sucedendo com a falta de consideração de linhas de fundamentação jurídica, diferentes das discutidas ou acolhidas na sentença, que as partes hajam invocado (1).
Isto é, em sede de nulidade da sentença, a omissão de pronúncia quanto a simples fundamentos invocados pelas partes, sob pena de contradição, só releva na medida em que traduza falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, nos termos da alínea b) do n.º 1 do citado art. 615.º, sendo certo que, como diz Fernando Amâncio Ferreira (2), “[a] falta de motivação susceptível de integrar a nulidade de sentença é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos, quer estes respeitem aos factos, quer ao direito (…)”.
No mesmo sentido, pronunciou-se Artur Anselmo de Castro (3), afirmando que “[t]ambém a falta de fundamentação constitui causa de nulidade da sentença, quer a omissão respeite aos fundamentos de facto, quer aos de direito. Da falta absoluta de motivação jurídica ou factual – única que a lei considera como causa de nulidade – há que distinguir a fundamentação errada, pois esta, contendendo apenas com o valor lógico da sentença, sujeita-a a alteração ou revogação em recurso, mas não produz nulidade (…)”.
E, ainda, Antunes Varela (4), referindo que, “[p]ara que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito. (...) Para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na decisão.”

Em suma, a mera insuficiência de fundamentos da sentença, ainda que decorra de o juiz não ter considerado factos ou argumentos jurídicos alegados pelas partes nos articulados, não constitui a causa de nulidade da sentença tipificada como falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, nem, consequentemente, a tipificada como omissão de pronúncia sobre questões que devessem ser apreciadas, o que se justifica porque a sua relevância depende da apreciação da correcção da decisão proferida pelo tribunal de primeira instância, isto é, da indagação sobre se este incorreu em erro de julgamento, o que não se confunde com os vícios a que alude o citado art. 615.º, que respeitam unicamente à validade formal da sentença.
Por seu turno, no que concerne à nulidade por ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível, nos termos da alínea c) do n.º 1 do citado art. 615.º, deve entender-se que “[a] sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz.” (5)
Ora, compulsada a sentença, constata-se que a mesma apreciou todos os pedidos formulados pelo sinistrado, em função das respectivas causas de pedir, bem como a única excepção peremptória deduzida pela ora Apelante, a saber, a existência de seguro de acidentes de trabalho celebrado com a ré seguradora que abrangia o ora autor à data do sinistro sofrido pelo mesmo. A sentença recorrida enunciou e apreciou esta excepção, julgando-a improcedente e considerando que a responsabilidade pelas consequências do acidente de trabalho dos autos cabe à ora Recorrente. Por outro lado, o tribunal recorrido deu como provados os factos acima enumerados e como não provados os demais constantes da base instrutória elaborada em sede de despacho saneador, apresentando as razões para tanto, e deles extraiu consequências por força de normas legais que identificou, interpretou e aplicou, as quais de modo lógico e claro impõem aquela decisão, sendo questão diversa, como se referiu, saber se a decisão sobre a matéria de facto e a decisão sobre o direito aplicável enfermam ou não de erro de julgamento.
Não ocorre, pois, qualquer um dos fundamentos de nulidade da sentença previstos no citado n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil.

4.2. Importa, então, apreciar a pretensão da Apelante de alteração da decisão sobre a matéria de facto.

Estabelece o art. 662.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Modificabilidade da decisão de facto», no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por sua vez, o art. 640.º, que rege sobre os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe do seguinte modo:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(…)
Retornando ao caso dos autos, verifica-se que a Recorrente, no seu recurso, sustenta que foi incorrectamente julgada a matéria constante dos pontos M) da factualidade provada e 8) da factualidade não provada, pois, em vez daquele, deveria ter sido dado como provado o que consta deste último, a saber:
- A 1.ª ré enviava mensalmente à mediadora “W – MEDIAÇÃO DE SEGUROS UNIPESSOAL, LDA.”, mais precisamente ao cuidado do Sr. R. A., o extracto das declarações de remunerações mensais dos trabalhadores ao seu serviço remetidas à Segurança Social, que as enviava à 2.ª ré.

No que a esta situação de facto respeita, o tribunal recorrido motivou a sua decisão nos seguintes termos:
«No que respeita aos pontos M), N) e O), foram considerados os depoimentos das testemunhas C. C., técnica administrativa da 1ª ré, S. C., escriturária na 1ª ré, e R. A., mediador de seguros que trabalhava com as rés.
Estas três testemunhas, de forma unânime, referiram que as declarações de remunerações mensais dos trabalhadores juntas a fls. 165-167 eram mensalmente enviadas à 2ª ré, o que aconteceu também no mês de Junho e, bem assim, que no final do ano eram feitos os acertos do prémio, o que é, aliás, típico da modalidade de contrato ora em causa.
Eram as testemunhas J. B. e S. V., que trabalham no gabinete de contabilidade que prestava serviços à 1ª ré, que, mensalmente, elaboravam aquela de remuneração que enviavam à 1ª ré, a pedido desta.
(…)
Finalmente, quanto aos pontos 8) e 9) não foi feita prova segura sobre tal matéria.
De facto, ao contrário dos documentos juntos a 165-167, cujo envio foi aceite pelas testemunhas C. C., S. C. e R. A., quanto às declarações de remunerações mensais dos trabalhadores remetidas à SS, os depoimentos destas testemunhas não foram coincidentes.
Assim, C. C. e S. C. afirmaram que, para além das folhas de remuneração juntas a fls. 165-167, também enviavam ao mediador de seguros, mensalmente, por via eletrónica, os extracto da declaração de remunerações mensais dos trabalhadores que eram remetidos à SS, o que o mediador de seguros, R. A., negou perentoriamente.
É certo que das folhas de remuneração juntas a fls. 165-167 consta a menção “não serve para envio”, como resulta da cópia junta a fls. 264-265 (a linha de água tão falada na audiência de julgamento) e que em nota de rodapé se refere que deverá ser enviado à companhia de seguros o ficheiro de suporte magnético (que à data não existia ainda, como as aludidas testemunhas todas afirmaram), o que inculca a ideia de que algo mais deveria ser enviado, mas a verdade é que perante o depoimento contraditório daquelas testemunha – que, note-se, são todas interessadas na versão apresentada, seja porque demostra que as trabalhadoras da 1ª ré cumpriam os seus deveres laborais, seja porque iliba o senhor mediador de uma qualquer responsabilidade que lhe possa advir no âmbito do contrato celebrado – e na ausência de um comprovativo de envio (por carta, por e-mail, etc.), ficou o tribunal com sérias dúvidas sobre se aqueles documentos foram efectivamente enviados pela 1ª à 2ª ré, razão pela qual entendeu dar como não provado o facto constante em 8) e, consequentemente, também o aludido em 9).»
A Apelante, para sustentar a sua pretensão, invoca os depoimentos das testemunhas J. B., S. V., C. C., S. C., N. P. e D. T., bem como os documentos juntos com a sua contestação e o junto na sessão da audiência realizada no dia 17 de Junho de 2020, consistente em “Declaração de Remunerações Companhias de Seguros” (fls. 264-265).
Ora, em 1.º lugar, salienta-se que não foi adequadamente observado o disposto na al. a) do n.º 2 do art. 640.º do Código de Processo Civil, isto é, não foram devidamente especificados os segmentos dos depoimentos gravados de cada uma das testemunhas identificadas que concretamente demonstrassem que à ré seguradora foi enviado o extracto das declarações de remunerações mensais dos trabalhadores ao seu serviço remetidas à Segurança Social, designadamente o referente a Junho de 2017.
De qualquer modo, conforme se refere na sentença, é certo que as testemunhas C. C. e S. C. afirmaram que, para além das folhas de remuneração juntas a fls. 165-167 (e 264-265), onde não se provou que constassem o nome e retribuições do autor – cfr. o facto não provado sob o n.º 7) –, também enviavam ao mediador de seguros, mensalmente, por via electrónica, o extracto da declaração de remunerações mensais dos trabalhadores que era remetida à Segurança Social, mas o mediador de seguros, R. A., negou-o peremptoriamente, e, por outro lado, não se mostra junto aos autos o comprovativo daquele envio por via electrónica, que necessariamente existiria se tivesse ocorrido.
Na verdade, compulsados os vários documentos indicados pela Apelante, constata-se que, entre outros, aí se encontram os mencionados nos pontos M) e N) (declaração de remunerações enviada pela ré empregadora à ré seguradora, sem o nome e remunerações do autor) e parte final do ponto P) (declaração de remunerações de Junho de 2017, enviada à Segurança Social em 7/07/2017, onde consta o nome e remunerações do autor), mas em lugar algum consta documento comprovativo do envio à ré, em Julho de 2017, designadamente por via electrónica, desta declaração de remunerações enviada à Segurança Social.
Não obstante, resulta dos documentos n.ºs 11 e 12 juntos com a contestação que, em resposta a carta da ré seguradora à ré empregadora recebida por esta em 3/10/2017, em que aquela declinava a responsabilidade por, à data do acidente, o sinistrado não constar da relação do pessoal seguro, a ré empregadora enviou-lhe, em 6/10/2017, cópias da comunicação da admissão do autor à Segurança Social no dia 3/06/2017 e da declaração de remunerações dos trabalhadores ao seu serviço remetida à Segurança Social em 7/07/2017, onde constava o nome e remunerações do autor em Junho de 2017.
E, por outro lado, resulta do documento n.º 8 que, na participação do acidente de trabalho à ré seguradora pela ré empregadora, estava mencionado que o sinistrado iniciara a prestação do trabalho para a segunda em 5/06/2017, com as remunerações mencionadas na alínea F).
Trata-se de factos assentes por acordo das partes nos articulados, e também através dos aludidos documentos cuja existência e teor não foram questionados, pelo que, afigurando-se-nos que são relevantes para a decisão da causa, impõe-se tê-los em conta nos termos dos arts. 607.º, n.º 4, 662.º, n.º 1 e 663.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (aditamentos supra no local próprio).
4.3. Importa, finalmente, indagar se deve ou não considerar-se que a responsabilidade pelo acidente de trabalho que vitimou o autor se encontrava transferida da 1.ª ré para a 2.ª ré.
Resulta da factualidade provada sob as alíneas B), C) e D) que as rés celebraram contrato de seguro de acidentes de trabalho na modalidade de prémio variável, que se mantinha em vigor à data do sinistro dos autos, cingindo-se a controvérsia entre aquelas a saber se o ora autor se encontrava abrangido pelo mesmo.
A Portaria n.º 256/2011, de 5/07, em conformidade com o previsto no n.º 1 do art. 81.º do regime jurídico dos acidentes de trabalho, constante da Lei n.º 98/2009, de 4/09, aprovou a parte uniforme das condições gerais da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, bem como as respectivas condições especiais uniformes, constantes dos seus respectivos anexos, relevando especialmente para o caso em apreço as seguintes cláusulas:

Condições gerais
Cláusula 5.ª
Modalidades de cobertura

O seguro pode ser celebrado nas seguintes modalidades:
a) Seguro a prémio fixo, quando o contrato cobre um número previamente determinado de pessoas seguras, com um montante de retribuições antecipadamente conhecido;
b) Seguro a prémio variável, quando a apólice cobre um número variável de pessoas seguras, com retribuições seguras também variáveis, sendo consideradas pelo segurador as pessoas e as retribuições identificadas nas folhas de vencimento que lhe são enviadas periodicamente pelo tomador do seguro.

Cláusula 24.ª
Obrigações do tomador do seguro quanto a informação relativa ao risco
1 - Para além do previsto no capítulo ii, o tomador do seguro obriga-se:
a) A enviar ao segurador, até ao dia 15 de cada mês, cópia das declarações de remunerações do seu pessoal remetidas à segurança social, relativas às retribuições pagas no mês anterior, devendo no envio mencionar a totalidade das remunerações previstas na lei como integrando a retribuição para efeito de cálculo da reparação por acidente de trabalho, e indicar ainda os praticantes, os aprendizes e os estagiários;
b) A permitir ao segurador o exame da documentação de base das declarações previstas na alínea anterior, bem como a prestar-lhe qualquer informação sempre que este o julgue conveniente;
(…)
2 - Salvo convenção em contrário, as comunicações previstas nas alíneas a) e c) do número anterior são efectuadas por meio informático, nomeadamente em suporte digital ou correio electrónico.

Cláusula 28.ª
Direito de regresso do segurador
1 - Após a ocorrência de um acidente de trabalho, o segurador tem direito de regresso contra o tomador do seguro, relativamente à quantia despendida:
(…)
b) No caso de incumprimento das obrigações referidas nas alíneas do n.º 1 da cláusula 24.ª, na medida em que o dispêndio seja imputável ao incumprimento;

Condições especiais
Condição especial 01
Seguros de prémio variável
1 - Nos termos desta condição especial, e de acordo com o disposto na alínea b) da cláusula 5.ª das condições gerais, estão cobertos pelo contrato os trabalhadores ao serviço do tomador do seguro na unidade produtiva identificada nas condições particulares, de acordo com as folhas de retribuições periodicamente enviadas ao segurador nos termos da alínea a) do n.º 1 da cláusula 24.ª das condições gerais.
2 - O prémio provisório é calculado de acordo com as retribuições anuais previstas pelo tomador do seguro.
3 - No final de cada ano civil ou aquando da cessação do contrato, e sem prejuízo do disposto no n.º 5, é efectuado o acerto, para mais ou para menos, em relação à diferença verificada entre o prémio provisório e o prémio definitivo, calculado em função do total de retribuições efectivamente pagas durante o período de vigência do contrato.
4 - Quando o tomador do seguro não cumprir a obrigação referida no n.º 1, o segurador, sem prejuízo do seu direito de resolução, cobra no final da anuidade um prémio não estornável correspondente a 30 % do prémio provisório anual, podendo ainda exigir o complemento do prémio que se apurar ser devido em função das retribuições que realmente deviam ter sido declaradas.
(…)

O contrato de seguro de acidentes de trabalho na modalidade de prémio variável tem como pressuposto a variabilidade dos trabalhadores cobertos e a variabilidade da massa salarial declarada, com repercussão nos montantes de prémios devidos, em função do envio pelo empregador ao segurador, até ao dia 15 de cada mês, de cópia das declarações de remunerações do seu pessoal remetidas à segurança social, relativas às retribuições pagas no mês anterior, devendo no envio mencionar a totalidade das remunerações previstas na lei como integrando a retribuição para efeito de cálculo da reparação por acidente de trabalho e indicar ainda os praticantes, os aprendizes e os estagiários.
A temática das consequências da falta de indicação do trabalhador sinistrado nas declarações de remunerações (tradicionalmente designadas “folhas de férias”) enviadas à seguradora deu origem a vários entendimentos na jurisprudência, a ponto de ter sido objecto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de uniformização de jurisprudência n.º 10/2001, publicado no Diário da República, 1.ª Série-A, n.º 298, de 27 de Dezembro de 2001 (proferido em 21 de Novembro de 2001 no processo n.º 00S3313) (6).
Estava em causa um acidente de trabalho ocorrido em 20 de Julho de 1994, em que o sinistrado nunca constara das “folhas de férias” remetidas pela empregadora à seguradora, apesar de estar ao serviço daquela desde 19 de Novembro de 1992.
Aí se dá conta da existência duma corrente jurisprudencial que considerava que as consequências de omissões ou inexactidões nas “folhas de férias”, desde que praticadas de boa-fé, sem carácter fraudulento, isto é, não visando a redução dos prémios a satisfazer pelo segurado, não afectavam a situação dos trabalhadores nas folhas mencionados ou omitidos. Só a omissão ou inexactidão intencionais, na medida que influem na intensidade do risco e no prémio do seguro, tornariam o contrato nulo ou anulável, atingindo reflexamente o sinistrado e afastando a responsabilização da seguradora.
Prossegue-se no citado Acórdão dando conta de uma outra corrente jurisprudencial que considerava que a omissão de trabalhadores nas “folhas de férias” não conduz à nulidade do contrato, já que não há inquinação da formação da vontade negocial, não tendo a remessa das “folhas” a ver com a formação do contrato de seguro, mas sim com a sua execução. No contrato de seguro de acidentes de trabalho de prémio variável, as partes, ao celebrá-lo, não definem o âmbito pessoal da cobertura, sendo as “folhas de férias” que o determinam em cada momento, pelo que quem delas não constar não se pode considerar abrangido pelo contrato, salvo qualquer lapso que possa ser relevado ao abrigo da boa-fé contratual.
Nesta conformidade, o Acórdão acolheu este segundo entendimento e uniformizou jurisprudência no sentido de que, “no contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, a omissão do trabalhador sinistrado nas folhas de férias remetidas mensalmente pela entidade patronal à seguradora não gera a nulidade do contrato nos termos do artigo 429.º do Código Comercial, antes determina a não cobertura do trabalhador sinistrado pelo contrato de seguro.”
Apenas umas semanas depois, decidiu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 2001, proferido no processo n.º 01S2857 (7), que aquela doutrina é extensível aos casos de inclusão do trabalhador sinistrado (que havia sido omitido em anteriores folhas de salários relativas a períodos de tempo em que se encontrava já ao serviço da entidade patronal segurada) apenas na folha relativa ao mês em que ocorreu o acidente.
Esta solução tem sido pacificamente acolhida em situações semelhantes às tratadas naqueles arestos, conforme se exemplifica com os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 2007, proferido no processo n.º 07S290328, de 11 de Fevereiro de 2015, proferido no processo n.º 620/11.8TTLSB.L1.S1, e de 28 de Janeiro de 2016, proferido no processo n.º 1403/10.8TTGMR.G1.S1 (8).
É também nessa linha que se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Dezembro de 2004, proferido no processo n.º 04S2954 (9), que a companhia de seguros não é responsável pela reparação do acidente de trabalho relativamente ao subsídio de alimentação que foi incluído pela primeira vez na folha de férias referente ao mês em que o acidente ocorreu, uma vez que tal omissão atenta contra o princípio da boa-fé que deve presidir à formação e cumprimento dos contratos, justificando-se que lhe seja extensível a doutrina perfilhada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 10/2001, embora se adiante que “(…) assim não será se tal omissão tiver ocorrido por circunstâncias juridicamente relevantes, face aos princípios gerais do direito, circunstâncias essas que à entidade empregadora caberá alegar e provar.”
Em conformidade, no reverso, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Dezembro de 2008, proferido no processo n.º 08S2313, entendeu-se que a doutrina do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 10/2001 não se aplica quando o objecto do contrato haja sido alterado antes do acidente de trabalho (permitindo a actualização do prémio a partir de momento anterior ao evento infortunístico), ou seja, verificando-se que o tomador do seguro não incluiu todos os trabalhadores ao seu serviço nas “folhas de férias” de alguns meses anteriores ao do sinistro, tal não afecta a validade e eficácia do contrato de seguro quanto à cobertura dos riscos relativamente aos trabalhadores incluídos na última “folha de férias” enviada antes de ocorrido aquele e, naturalmente, na primeira subsequente à ocorrência, esta respeitante ao mês do acidente, apenas conferindo à seguradora, independentemente da ocorrência de qualquer infortúnio, os direitos de resolução do contrato de seguro e de agravamento e actualização do prémio, previstos na Apólice Uniforme.
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 2012 retomou a ressalva avançada no seu Acórdão de 9 de Dezembro de 2004, acima referido, e afirmou que não tem aplicação a não cobertura do trabalhador sinistrado pelo contrato de seguro, referida no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 10/2001, quando a omissão do nome desse trabalhador for devida a circunstâncias juridicamente relevantes, face aos princípios gerais do direito, nomeadamente ao princípio geral da boa-fé que deve presidir à formação e execução dos contratos, e, assim, “[a] omissão do nome de um trabalhador na folha de vencimentos relativa ao primeiro mês de actividade, iniciada no dia 25 desse mês, não exclui a responsabilidade da Seguradora por um acidente que vitimou aquele trabalhador no mês seguinte, quando se prove que aquela omissão decorre de uma prática de encerramento das folhas de férias no dia 20 de cada mês para permitir dessa forma o processamento de salários até ao fim do mês, e mercê disso, a entidade empregadora enviava à Seguradora até ao dia 15 do mês seguinte o mapa de pessoal e salarial restringido até àquele dia 20 do mês anterior, sendo esse facto do conhecimento do mediador de seguros respectivo.”

Posto isto, como enquadrar juridicamente a questão que ora nos ocupa?
Como se refere na fundamentação do último aresto citado, o facto de as “folhas de férias” só terem de ser enviadas no mês seguinte àquele a que dizem respeito permite que as entidades empregadoras menos escrupulosas omitam o nome de alguns dos seus trabalhadores ou de parte das retribuições que foram pagas, para, desse modo, pagarem um prémio de seguro inferior ao que seria devido, o que traduz um cumprimento defeituoso do contrato, que se presume culposo, nos termos do art. 799.º, n.º 1, do Código Civil, e atenta gravemente contra o princípio da boa-fé que deve presidir à formação e ao cumprimento dos contratos (arts. 227.º e 762.º do mesmo diploma).
Assim, julgamos poder concluir que a doutrina do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 10/2001 se aplica a todas as situações em que importe objectivamente prevenir esse intuito fraudulento, o mesmo não sucedendo com aquelas em que se verifiquem circunstâncias juridicamente relevantes, face aos princípios gerais do direito, nomeadamente ao princípio geral da boa-fé que deve presidir à formação e execução dos contratos, que permitam excluir que tivesse ocorrido aquele intuito fraudulento.
Em conformidade, no Acórdão desta Relação de Guimarães de 4 de Abril de 2019, proferido no processo n.º 1257/15.8T8VRL.G1 (10), defendeu-se que a recepção tardia da declaração de remunerações não constitui declaração inexacta, nem implica a exclusão do trabalhador da cobertura do contrato de seguro em vigor à data da sua admissão, mas apenas confere à seguradora, independentemente da ocorrência de qualquer infortúnio, o direito de resolver o contrato ou de agravar o prémio de seguro nos termos das disposições conjugadas dos artigos 7.º, n.º 2, alínea a), 16.º, n.º 1, alínea c) das condições gerais, e n.ºs 1 e 4 da Condição Especial 01, da Apólice Uniforme, ainda que se indique a admissão de um novo trabalhador (11). No caso era habitual a empregadora enviar as folhas de férias depois do dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitavam, o que a seguradora ia aceitando, e a trabalhadora, admitida a 1 de Março, constou na folha desse mês, enviada a 22 de Abril, dia do sinistro, mas depois da ocorrência deste e após telefonema para a mediadora.

Por seu turno, no Acórdão desta Relação de 3 de Dezembro de 2020, proferido no processo n.º 1680/17.3T8VRL.G1 (12), entendeu-se que a doutrina do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 10/2001 não é aplicável a um sinistro sofrido por um trabalhador numa situação em que a entidade empregadora nunca enviou qualquer “folha de férias” desde o início de vigência do contrato de seguro, tendo a seguradora, apesar de tal falta, aceitado os prémios de seguro, bem como a sua responsabilidade em relação a pelo menos três sinistros relativos a outros colegas do trabalhador em causa, pelo que, nunca tendo a seguradora reagido àquela falta, e mantendo-se o contrato válido, a invocação de não cobertura dum sinistro atentaria contra a boa-fé, constituindo abuso de direito.
Na situação a que se reportam os presentes autos, resulta da factualidade provada que o autor foi admitido ao serviço da ré empregadora em 5/06/2017, tendo esta comunicado a admissão do autor à Segurança Social no dia 3/06/2017.
O acidente de trabalho ocorreu logo no dia 15/06/2017 e na participação do acidente de trabalho à ré seguradora, pela ré empregadora, estava mencionado que o sinistrado iniciara a prestação do trabalho para a segunda em 5/06/2017, com as remunerações mencionadas na alínea F).
A ré empregadora comunicou à Segurança Social, em 7/07/2017, a declaração de remunerações pagas ao autor no mês antecedente, e tinha legítimo interesse em enviar idêntica declaração à ré seguradora até ao dia 15/07/2017, assim como para a seguradora, em face do teor da participação, era expectável que o autor constasse pela primeira vez na “folha de férias” que recebesse da ré empregadora até tal data.
Assim, quando, surpreendentemente, recebeu da 1.ª ré, por intermédio da mediadora, as declarações de remunerações mensais dos trabalhadores ao seu serviço que constam a fls. 165-167, que – note-se – não são cópia das enviadas à Segurança Social, nem o foram por meio informático, como dispõe a Cláusula 24.ª, n.º 1, al. a) e n.º 2, sem que delas constasse o nome e remunerações do autor, impunha-se que a ré seguradora esclarecesse junto da ré empregadora se esta não incorrera nalgum lapso, designadamente solicitando o envio das declarações de remunerações de Junho de 2017 enviadas à Segurança Social.
Com efeito, assim como é censurável que a entidade empregadora inclua um seu trabalhador nas “folhas de férias” apenas depois de ocorrido o acidente, indicando falsamente que o mesmo foi admitido no respectivo mês, e se justifique plenamente que a seguradora averigúe se o mesmo estava já ao serviço em meses anteriores, também é censurável que, na situação inversa, isto é, de a entidade empregadora indicar que o sinistrado foi admitido no mês em que ocorreu o acidente mas não o incluir na correspondente “folha de férias” enviada posteriormente à seguradora, esta não averigúe se tal omissão resultou de algum lapso.
Da factualidade provada não decorre que a 2.ª ré o tenha feito, mas, pelo contrário, que se aproveitou da omissão para enviar carta à ré empregadora, recebida por esta em 3/10/2017, a declinar a responsabilidade por, à data do acidente, o sinistrado não constar da relação do pessoal seguro, tendo a ré empregadora lhe enviado, em 6/10/2017, cópias da comunicação da admissão do autor à Segurança Social no dia 3/06/2017 e da declaração de remunerações dos trabalhadores ao seu serviço remetida à Segurança Social em 7/07/2017, onde constava o nome e remunerações do autor em Junho de 2017.
Como se refere no mencionado Acórdão desta Relação de 3 de Dezembro de 2020, a propósito do art. 334.º do Código Civil, nos termos do qual é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, “[o] abuso de direito consiste num uso anormal dos direitos e/ou prerrogativas concedidos pela lei, anormalidade que decorre de o seu exercício implicar a "negação" prática de direitos de terceiros, ou a criação de uma desproporção objectiva entre os benefícios que para o seu titular resultam, e as consequências que terceiros têm de suportar por força desse exercício (Ns. Rodrigues Bastos, Das Relações Jurídicas segundo o C.C. de 1966, Vol. V, pág. 10 e Ac. STJ de 15/12/2011, processo nº 2/08.9TTLMG.P1S1). Abrange os casos de pura emulação, e os casos em que derivando embora vantagens para o exercitante, a elas se juntam desnecessárias desutilidades para outrem. Ao exercício abusivo de um direito andará associada a ideia de que o exercício do direito é feito, digamos, fora do quadro de valores, princípios e objectivos que justificam a sua consagração legal.
Consagrou a lei um critério objectivo, em que não se torna necessário provar a consciência de se estar a utilizar abusivamente o direito, sendo suficiente que tal abuso ocorra. A apreciação opera-se recorrendo às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade, no que respeita à boa-fé e aos bons costumes; e aos juízos de valor positivamente consagrados na lei, no que se refere ao fim social e económico do direito. - P. Lima e A. Varela, Cód. Civ. anot., Coimbra ed., 2ª ed., pág. 277, em nota ao art. 334. VAZ SERRA (“Abuso do Direito (em matéria de responsabilidade civil)”, Boletim do Ministério da Justiça n.º 85 (1959), pág. 243 e ss.), refere que constituirá abuso de direito o exercício que em princípio seria legítimo, nos casos em que é exercido de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante, mostrando-se objectivamente disfuncional.”

Atentas as circunstâncias acima referidas, e tendo ainda em conta que a falta de inclusão do sinistrado na “folha de férias” se verificava já desde 15/07/2017, sem que a ré seguradora tivesse tido a iniciativa de esclarecer a situação, como o impunha o princípio da boa-fé, ou tivesse imediatamente declinado a responsabilidade – levando a ré empregadora a crer que nenhuma controvérsia existia –, o mesmo princípio da boa-fé impunha que, ao menos, a ré seguradora aceitasse o envio tardio da cópia da declaração de remunerações dos trabalhadores remetida à Segurança Social em 7/07/2017, onde constava o nome e remunerações do autor em Junho de 2017, como suficiente para esclarecer a situação.
Relembra-se que no próprio Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 10/2001 se mencionou que quem não constar das “folhas de férias” não se pode considerar abrangido pelo contrato de seguro de prémio variável, “salvo qualquer lapso que possa ser relevado ao abrigo da boa-fé contratual.”
Por outro lado, em termos semelhantes aos referenciados no citado Acórdão desta Relação de Guimarães de 4 de Abril de 2019, pode dizer-se, para efeitos da não aplicação da doutrina daquele Acórdão de Uniformização, que o envio tardio à seguradora, em 6/10/2017, da cópia da declaração de remunerações remetida à Segurança Social, não é equiparável a omissão ou inexactidão da mesma, nem justifica que se considere o sinistrado excluído da cobertura do contrato de seguro em vigor à data da sua admissão e à data do sinistro por si sofrido, ainda que dela constasse pela primeira vez, já que foi acompanhada de cópia da comunicação à Segurança Social, em dia anterior do mesmo mês, da admissão do sinistrado.
Resulta objectivamente da factualidade provada que a ré empregadora não teve qualquer intuito fraudulento e, se a ré seguradora tivesse procedido com o dever de cuidado imposto pela boa-fé que deve presidir à execução dos contratos, teria chegado a essa mesma conclusão. Neste contexto, é ilegítima, porque resultante dessa omissão da diligência por si devida, a invocação pela ré seguradora da não cobertura do sinistro dos autos pelo contrato de seguro que a ligava validamente à ré empregadora.
Acresce que, se, em face do alegado incumprimento do disposto na Cláusula 24.ª, n.º 1, al. a) das condições gerais da Apólice Uniforme, a ré seguradora entendeu não resolver o contrato de seguro, nos termos do n.º 4 da Condição especial 01, resta-lhe cumprir perante o sinistrado as obrigações por si assumidas com a outorga do mesmo, só nesse pressuposto se justificando que lhe assistam o direito de regresso nos termos da Cláusula 28.ª, n.º 1, al. b) das condições gerais e o direito de actualização e agravamento do prémio nos termos dos n.ºs 3 e 4 da Condição especial 01.
Em face do exposto, entende-se que é de considerar a responsabilidade pelas consequências resultantes do acidente de trabalho dos autos transferida da ré empregadora para a ré seguradora, procedendo o recurso.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, condena-se a ré Y Portugal - Companhia de Seguros, S.A. a pagar ao autor as prestações que na sentença recorrida se considerou serem-lhe devidas, absolvendo-se a ré X – Engenharia e Construção, Lda. do pedido.
Custas pela ré seguradora nas duas instâncias.
Em 18 de Março de 2021

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso


1. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, Almedina, 2017, p. 737.
2. Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 6.ª edição, p. 52.
3. Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, pp. 141-142.
4. Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1985, p. 667.
5. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1984 (reimpressão), p. 151.
6. Também disponível em www.dgsi.pt.
7. Disponível em www.dgsi.pt.
8. Todos disponíveis em www.dgsi.pt.
9. Disponível em www.dgsi.pt.
10. Disponível em www.dgsi.pt.
11. No mesmo sentido, cfr. o Acórdão desta Relação de Guimarães de 18 de Dezembro de 2017, proferido no processo de contra-ordenação laboral n.º 122/17.9T9VRL.G1, disponível em www.dgsi.pt.
12. Disponível em www.dgsi.pt.