Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
126/14.3GTBRG.G1
Relator: LUÍS COIMBRA
Descritores: PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
INOBSERVÂNCIA DO ESTIPULADO NO ARTº 243.º
Nº 1
C)
DO CPP
IRREGULARIDADE
REALIZAÇÃO DA CONTRAPROVA
CONCEITO PROGRAMÁTICO DE “CURTO PRAZO”
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I) Em matéria de nulidades vigora entre nós o princípio da legalidade (art.º 118.º do CPP), princípio segundo o qual a violação ou inobservância das disposições da lei do processo só determina a nulidade do acto quando for expressamente cominada na lei.
II) A inobservância do estipulado no artº 243º, nº 1, c), do CPP e do artº 9º, da Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro, não configura nulidade, constituindo, antes, uma irregularidade, a cair na estatuição do art.º 123.º, do CPP.
III) Tendo decorrido um tempo estimado de 1 hora e 19 minutos entre o teste quantitativo ao ar expirado e a recolha de sangue para análise (como contraprova), não pode esse prazo ser visto como desrespeitador do programático “curto prazo” a que fazem alusão quer o artigo 153º nº 3 do Código da Estrada quer o artigo 5º da Lei nº 18/2007, de 17 de Maio.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães


I. RELATÓRIO
1. No âmbito dos presentes autos de Processo Abreviado, após realização da audiência de discussão e julgamento, no dia 09.02.2015 foi proferida sentença (constante de fls. 82 a 94, mas depositada apenas no dia 10.02.2015 - cfr. declaração de depósito de fls. 96), na qual se decidiu condenar o arguido Miguel S. (devidamente identificado nos autos) como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts 292º nº 1 e 69º nº 1 a) do Código Penal, na pena (principal) de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de €7 (sete euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 (cinco) meses.

2. Inconformado com o assim decidido, o arguido (a fls. 98 a 116) interpôs recurso, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
“1. Foi o arguido Recorrente condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez na pena de multa de 100 (cem) dias, à taxa diária de €7,00, perfazendo a quantia de €700,00 (setecentos euros), bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de 5 (cinco) meses.
2. No dia 17 de Maio de 2014, pelas 02h02, o Recorrente foi fiscalizado aleatoriamente para detecção de álcool no sangue através de teste realizado pelo alcoolímetro DRAGGER, modelo 7110MKIII, série ARRA-0012, acusando uma TAS de 1,82 g/l correspondente à TAS de 1,97 g/l, deduzido o erro máximo admissível.
3. O auto de notícia e talão de registo do teste realizado através daquele alcoolímetro encontram-se omissos quanto ao número do alcoolímetro, despacho de aprovação da ANSR, despacho de aprovação do IPQ e verificação periódica do mesmo.
4. O artigo 243º nº 1, al. c) do CPP impõe que conste do auto de notícia, além do mais, os meios de prova conhecidos.
5. Por sua vez, o artigo 9º nº 2 da Portaria nº 1556/2007 de 10 de Dezembro estatuí que os registos de medição dos alcoolímetros devem conter, entre outros elementos, a marca, o modelo, e o número de série do alcoolímetro, assim como a data da última verificação metrológica.
6. O talão de registo de medição, bem como o respectivo auto de notícia não mencionam o número do alcoolímetro, nem tão pouco a data da última verificação metrológica, inquinando, assim, o controlo efectuado e, consequentemente, pondo em crise o resultado nele obtido.
7. A prova especial material constituída pelo talão obtido do alcoolímetro em questão nos presentes autos é nula, porquanto não resulta do mesmo a data de verificação do equipamento.
8. Nem tão pouco resulta da informação junta aos autos pela GNR que a cerificação vertida nessa mesma informação corresponde ao alcoolímetro utilizado para fiscalizar o Recorrente no dia, hora e local dos autos.
9. Do auto resulta apenas a marca, o modelo e série do alcoolímetro, não sendo, pois, possível aferir com a clarividência necessária que a lei exige para assegurar ao arguido as suas garantias de defesa, o número do alcoolímetro em questão.
10. Desta forma, e não constando o número do alcoolímetro do talão ou sequer do auto de notícia, torna-se inútil a informação prestada pela GNR – não suprindo aquela informação as omissões supra aludidas.
11. Sendo o auto de notícia e o talão do registo omissos quanto aos elementos supra referidos os mesmos são nulos, e como tal deviam ter sido declarados pelo Tribunal a quo.
12. O atropelo às normas supra mencionadas atenta contra o princípio do processo equitativo previsto nos artigos 20º nº. 4 e 32º da CRP.
13. Sendo a TAS essencial para o preenchimento do tipo legal de crime que é imputado ao ora Recorrente, perante a ausência das formalidades prescritas na lei, quer para o auto, quer para o talão, e a incerteza da informação prestada pela GNR, o Tribunal a quo devia ter declarado a nulidade do auto de notícia e do meio de prova – talão de registo de medição – e, consequentemente, absolvido o Recorrente.
14. Resulta provado nos autos que entre o teste de pesquisa de álcool por ar expirado e a recolha de sangue – contraprova – ao arguido mediou um período nunca inferior a uma hora e dezanove minutos, inquinando assim o resultado obtido.
15. Resulta da prova produzida que a última bebida foi ingerida minutos antes da fiscalização, sendo do conhecimento geral que o pico da TAS é atingido uma hora após a ingestão da última bebida.
16. Por tal motivo e pelo facto de ter ingerido apenas duas cervejas, o Recorrente perante o resultado obtido no controlo metrológico requereu, desde logo, a contraprova, colocando assim em causa a fiabilidade do alcoolímetro.
17. A contraprova foi realizada uma hora e dezanove minutos após a fiscalização primitiva do arguido, comprometendo irremediavelmente o resultado obtido em claro prejuízo daquele.
18. O Tribunal a quo não tomou em consideração que a contraprova foi realizada uma hora e dezanove minutos após a fiscalização primitiva, não podendo aferir, com a clareza e exactidão necessárias a TAS com que o Recorrente circulava aquando da fiscalização rodoviária.
19. O único facto provado susceptível de retirar da contraprova é o de que o Recorrente uma hora e dezanove minutos após a fiscalização atingiu uma TAS de 1,81 g/l.
20. O comportamento do arguido à hora da fiscalização é revelador da impossibilidade de o mesmo estar a circular com a TAS de que vem acusado, mas antes, a verificar-se, com uma TAS consideravelmente inferior, que segundo estudos diversos publicados na área e atento o depoimento da testemunha António C., Militar da GNR, situar-se-ia numa TAS correspondente a 0.3 g/l com o efeito comprovado de “perturbação de movimentos”, TAS essa não punível criminalmente.
21. Não pode, por isso o Tribunal a quo considerar, nem o Recorrente aceitar que a recolha de sangue para efeitos de contraprova realizada uma hora e dezanove minutos após o controlo primitivo em nada prejudicou o arguido.
22. Tanto mais que a lei impõe que a contraprova seja realizada o mais rapidamente possível por forma a permitir que a clareza e exactidão necessárias a TAS com que efectivamente o examinando circulava à hora da fiscalização.
23. Ao requerer a contraprova, o Recorrente está a colocar em causa o resultado obtido no teste primitivo e a fiabilidade do respectivo alcoolímetro e não é com a realização da contraprova uma hora e dezanove minutos depois que se poderá alcançar a verdade material dos factos.
24. Não pode o Tribunal a quo ilidir um facto desconhecido – TAS com que o Recorrente circulava – de um facto conhecido – contraprova realizada uma hora e dezanove minutos após a realização do teste de pesquisa de álcool no ar expirado – sob pena de violação do princípio in dubio pro reo.
25 Pelo que, pelo exposto, impõe-se a absolvição do arguido.
26 O Tribunal a quo condenou o arguido na pena de multa de 100 dias a uma taxa diária de €7,00.
27. Atento o comportamento e declarações do Recorrente, bem como os depoimentos das testemunhas arroladas resulta que o Recorrente não chegou sequer a representar a possibilidade de que as bebidas ingeridas fossem susceptíveis de atingir uma TAS legalmente punível.
28. Nunca o Recorrente se sentiu diminuídos nas suas capacidades físicas e mentais e, consequentemente, não se lhe afigurou como possível estar alcoolizado.
29 O Recorrente é pessoa pacata, sem hábitos de consumo alcoólico.
30. Assim, a eventual punibilidade do arguido sempre seria a título de negligência e não por dolo eventual, devendo, por isso, a pena de multa ser adequada a esse grau de culpa.
31 O Tribunal a quo condenou o arguido na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 5 (cinco) meses.
32. Entende o Recorrente ser desproporcionada a pena acessória aplicada, não se coadunando aos factos provados.
33. O Recorrente é sócio e gerente de facto de uma sociedade familiar, não tendo a quem confiar as suas funções, designadamente as deslocações que faz diariamente a cliente e fornecedores em todo o Norte do País.
34. É, por isso, fundamental a carta de condução para o exercício da actividade comercial da sociedade supra mencionada.
35. A pena acessória aplicada põe, por isso, em causa a subsistência da própria sociedade, dos seus trabalhadores, bem como a própria subsistência do Recorrente.
36. Tal factualidade não foi tida em consideração pelo Tribunal a quo, impondo aquele que tal pena fosse fixada no mínimo legal.
37. A decisão recorrida violou, por isso, os artigos 243º n.º 1 al. c) do CPP, 9º n,º 2 da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, 20º n.º 4 e 32º da CRP, 153º n.º 5 do Código da Estrada, 5º da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio e 15º, 69º e 71º do Código Penal.
Termos em que, concedendo provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e proferindo-se acórdão que absolva o arguido, farão V. Exas. a habitual
JUSTIÇA!”

3. O Ministério Público junto da primeira instância (a fls. 120 a 139), respondeu ao recurso, concluindo no sentido de que a “deverá a sentença proferida ser mantida nos seus precisos termos”.

4. Nesta Relação, a Exma Procuradora-Geral Adjunta (a fls. 146 a 148), acompanhando a resposta da magistrada do Ministério Público de 1ª instância, emitiu douto parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

5. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, não foi apresentada resposta.

6. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal Doravante a poder ser designado apenas com a sigla CPP), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
No caso vertente, vistas as conclusões do recurso, as questões suscitadas são as seguintes:
- Nulidade do auto de notícia e do talão de registo do teste realizado através do alcoolímetro;
- Saber se ocorreu violação do in dubio pro reo ao ter sido concluído que o arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1,81 g/l quando entre o teste de pesquisa ao ar expirado e a recolha no sangue mediou um período não inferior a 1 hora e 19 minutos;
- Saber se o arguido deve ser absolvido do crime de que vinha acusado.
- Saber se são excessivas as penas principal e acessória.
*
Vejamos, desde já o que na sentença recorrida consta quanto aos factos provados e não provados, bem como quanto à fundamentação da matéria de facto (transcrição):
“1.1. Factos Provados
Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:
- Constantes da acusação pública:
1. No dia 17 de Maio de 2014, pelas 02h00, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula …, pela Avenida Narciso Ferreira, em ….
2. Nessa mesma via, o arguido viria a ser interceptado por uma patrulha da GNR, em missão de fiscalização e ordenamento de trânsito e, por via disso, sujeito a um exame de pesquisa de álcool por ar expirado, que acusou uma TAS de 1,97 g/l, tendo então o arguido requerido contraprova através de análise sanguínea.
3. Por via disso, foi então conduzido, de seguida, ao Centro Hospitalar do Médio Ave – Unidade de Vila Nova de Famalicão, onde lhe foi efectuada recolha de sangue já naquele estabelecimento hospitalar.
4. O resultado da referida análise toxicológica acusou uma TAS de 1,81 g/l.
5. O arguido tinha perfeito conhecimento das características da referida viatura, representou como possível estar a conduzir a mesma sob a influência do álcool, e não obstante conformou-se com essa realização e conduziu a viatura nessas condições.
6. Sabia que essa conduta era proibida e punida por lei.
- Constantes da contestação, com interesse para a causa decidenda resultou provado:
7. O arguido bebeu pelo menos duas cervejas.
8. O arguido é casado e vive com a mulher na Rua ….
9. O arguido é sócio da empresa … Ld.ª.
10. No âmbito da sua actividade profissional utiliza diariamente veículos automóveis.
11. O arguido havia ingerido apenas uma salada ao jantar.
12. No dia referido no ponto 1. dos factos provados o arguido tinha estado no Café …, em …, Vila Nova de Famalicão.
13. Tendo saído do sobredito café rumou na direcção oposta da sua residência com destino ao Posto de Combustível ….
14. Ao chegar à rotunda que dá acesso aquele posto de combustível foi fiscalizado nos termos referidos no ponto 2. dos factos provados.
15. A recolha de sangue aludida no ponto 3. dos factos provados foi efectuada às 03h21m.
16. O arguido é tido como consumidor responsável de bebidas alcoólicas.
- Mais se provou:
17. O alcoolímetro DRAGER, modelo 7110MKIII, série ARRA-0012, foi aprovado por Despacho n.º 19684/2009, de 25.06, tendo sido certificado pelo IPQ em 17.02.2014.
- Quanto aos antecedentes criminais do arguido provou-se que:
18. Do CRC do arguido consta: em 23.05.2012, pela prática em 21.04.2012, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, uma condenação na pena de 55 dias de multa à taxa diária de €6, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 3 meses.
- Quanto à situação económica, familiar, social e profissional do arguido provou-se que:
19. O arguido é gerente de empresa, aufere 700 euros por mês; vive com a esposa, farmacêutica, que aufere 900 euros por mês, numa casa arrendada, suportando uma renda mensal no valor de €350; tem um automóvel de 1990; tem o 12º ano de escolaridade.
1.2. Factos Não Provados
- Constantes da acusação pública:
Inexistem.
- Constantes da contestação, com interesse para a causa decidenda não resultou provado:
A. O arguido bebeu apenas duas cervejas.

1.3. Motivação da Decisão de Facto
A convicção do Tribunal formou-se com tendo por base, as declarações do arguido, na parte que confirmou que no dia, hora e local conduzia o veículo automóvel referido nos autos quando foi sujeito a fiscalização, após ter ingerido bebidas alcoólicas, contudo afirmou só ter ingerido duas cervejas, sendo que nesta parte não mereceu qualquer credibilidade; confirmou que efectivamente sabia que conduzir sob a influência de álcool é crime e que apenas tinha ingerido uma salada.
Ora, como resulta das regras da experiência e normal acontecer, se o arguido tivesse bebido apenas duas cervejas não acusaria a elevada TAS que, quer o teste de pesquisa de álcool no ar expirado, quer o teste de sangue, quase unanimemente indicaram, o primeiro 1,97 g/l, deduzida a margem, de erro 1,82 g/l (cfr. fls. 3 e 4), e o segundo 1,81 g/l (cfr. fls. 8).
Ora, o facto de a recolha de sangue aludida no ponto 3. dos factos provados foi efectuada às 03h21m, em nada prejudicou o arguido, veja-se que a TAS ainda decresceu, ao contrário do que o arguido quis fazer crer, que teria sido efectuado no pico de álcool no sangue.
Destarte, dúvidas não ficou o tribunal que o resultado do exame toxicológico de fls. 8 retrata fielmente a taxa de álcool no sangue que ao arguido era portador nas circunstâncias referidos no ponto 1.º e 2.º dos factos provados e foi realizado assim que possível como explicou a testemunha António C., militar da GNR, que de imediato deslocaram o arguido para a unidade de saúde mais próxima e posteriormente para o Hospital de Famalicão, por aquela não fazer recolha de sangue. Esclareceu que o arguido foi fiscalizado aleatoriamente no âmbito de uma operação de fiscalização. Apresentava-se consciente, relaxado e cheirava a álcool.
O depoimento das testemunhas mereceram credibilidade pela forma isenta, sincera, espontânea e congruente como foi prestado.
De referir que o facto ínsito no ponto 5. resultou provado em face das regras da experiência comum e normal acontecer, conjugado com o facto de o arguido ter referido que apenas consumiu uma salada ao jantar e por isso representou como possível que a absorção do álcool seria mais rápida, bem como com o facto de já ter antecedentes criminais pelo crime da mesma natureza e por isso a sua própria experiência lhe deu conhecimentos necessários para de modo próprio saber que para poder conduzir veículos na via pública não poderá consumir bebidas alcoólicas que apontassem uma TAS como a que veio a revelar.
Valorou-se, ainda, o relatório de exame médico junto a fls. 8, bem como o talão de fls. 3-A, o auto de fls. 4 e as informações de fls. 74-75 e 80, print de fls. 53.
No que concerne aos antecedentes criminais, levou-se em consideração o teor do certificado do registo criminal junto a fls. 58-61 aos autos.
No que concerne às condições económicas, profissionais, sociais e de personalidade do arguido, levaram-se em conta as declarações por este prestadas, inexistindo motivo para não fazer fé no que disse em face da postura do mesmo em audiência de julgamento, conjugadas com o depoimento da testemunha Rodolfo M., amigo do arguido há mais vinte anos que esclareceu a maneira de ser do arguido e a forma como o mesmo é visto na comunidade em que se encontra inserido.
De esclarecer que o depoimento desta testemunha, nem de Hugo C., mereceram credibilidade na parte em que referiram que o arguido apenas bebeu duas cervejas pois como deixámos dito supra, tal facto não se revela compatível com a TAS que os exames a que o arguido se submeter indicaram.”

1ª Questão: - Nulidade do auto de notícia e do talão de registo do teste realizado através do alcoolímetro.
Como fundamento desta aventada nulidade manifesta o recorrente o seu entendimento do artigo 243°, nº 1, al. c), do CPP impor que conste do auto de notícia, além do mais, os meios de prova conhecidos e o talão de registo de medição não conter o número do alcoolímetro e a data da última verificação metrológica, conforme estatui o artigo 9°, nº 2, da Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro.
Melhor exemplificando, invoca o recorrente que o talão de registo de medição, bem como o respectivo auto de notícia não mencionam o número do alcoolímetro, nem tão pouco a data da última verificação metrológica, inquinando, assim, o controlo efectuado e, consequentemente, pondo em crise o resultado nele obtido. (…) A prova especial material constituída pelo talão obtido do alcoolímetro em questão nos presentes autos é nula, porquanto não resulta do mesmo a data de verificação do equipamento. (…) Nem tão pouco resulta da informação junta aos autos pela GNR que a cerificação vertida nessa mesma informação corresponde ao alcoolímetro utilizado para fiscalizar o Recorrente no dia, hora e local dos autos. (…) Do auto resulta apenas a marca, o modelo e série do alcoolímetro, não sendo, pois, possível aferir com a clarividência necessária que a lei exige para assegurar ao arguido as suas garantias de defesa, o número do alcoolímetro em questão. (…) Desta forma, e não constando o número do alcoolímetro do talão ou sequer do auto de notícia, torna-se inútil a informação prestada pela GNR – não suprindo aquela informação as omissões supra aludidas. (…) Sendo o auto de notícia e o talão do registo omissos quanto aos elementos supra referidos os mesmos são nulos, e como tal deviam ter sido declarados pelo Tribunal a quo. (cfr. conclusões 3 a 11).
Apreciemos a questão, desde já trazendo a colação o que consta exarado nos invocados normativos 243º nº 1 c) do CPP e 9º nº 2 da Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro,
Estabelece o artigo 243º nº 1 c) do CPP, normativo que tem por epígrafe “Auto de notícia”:
1 — Sempre que uma autoridade judiciária, um órgão de polícia criminal ou outra entidade policial presenciarem qualquer crime de denúncia obrigatória, levantam ou mandam levantar auto de notícia, onde se mencionem:
(…)
c) Tudo o que puderem averiguar acerca da identificação dos agentes e dos ofendidos, bem como os meios de prova conhecidos, nomeadamente as testemunhas que puderem depor sobre os factos.”
Por sua vez, estatui o artigo 9° da Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro:
Artigo 9.º
Inscrições e marcações
1— Os alcoolímetros devem apresentar, de forma visível e legível, as indicações seguintes, inscritas em local a definir em cada modelo no respectivo despacho de aprovação de modelo:
a) Símbolo de aprovação de modelo;
b) Marca;
c) Modelo;
d) Número de série;
e) Nome do fabricante ou do importador;
f) Gama de medição;
g) Condições estipuladas de funcionamento, em graus centígrados;
h) Factor de conversão, se aplicável.
2 — Os registos da medição devem conter, entre outros elementos, a marca, o modelo e o número de série do alcoolímetro assim como a data da última verificação metrológica.”
Ora, desde já urge dizer que em lado algum, quer do CPP quer da Portaria em causa, resulta que a inobservância do estipulado em tais normativos seja cominado com nulidade. Aliás nem o recorrente indica qual o normativo que a estabeleça.
Como consabido, em matéria de nulidades vigora entre nós o princípio da legalidade - cfr. art.º 118.º do CPP.
Princípio segundo o qual a violação ou inobservância das disposições da lei do processo só determina a nulidade do acto quando for expressamente cominada na lei.
Ora, percorrendo as disposições legais vigentes na lei processual penal sobre tal matéria, não descortinamos onde seja punida a alegada falta (ou omissão) cometida como constituindo nulidade, ver arts. 119.º, nulidades insanáveis-, 120.º, nulidades dependentes de arguição.
Donde, tem de se qualificar a alegada falta (ou omissão) cometida, não como se tratando de nulidade como pretende o recorrente, antes como constituindo uma irregularidade, a cair na estatuição do art.º 123.º, do mesmo compêndio adjectivo.
Devendo a predita irregularidade ser arguida pelo interessado (in casu, o arguido) no próprio acto ou, se a este não tiver assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiver sido notificado para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado, sob pena de se ter por sanada.
A ter existido alguma irregularidade do auto de notícia ou no talão do alcoolímetro, passado que foi há muito que foi esse prazo de 3 dias, há muito que a mesma se encontrava sanada (repare-se que na altura dos factos o arguido logo assinou o talão do registo de medição e a notificação para a contraprova, sendo que posteriormente também foi notificado da acusação e nos 3 dias seguintes a quaisquer dessas situações, nem na própria contestação, nunca invocou qualquer irregularidade).
Mesmo assim, ainda diremos que o auto de notícia faz alusão aos anexos da “Notificação da contraprova” e ao do “Resultado de exame pericial”.
É verdade que no auto de notícia e nessa “notificação da contraprova” (constante de fls. 4 e que observa o preceituado no nº 2 do artigo 153º do Código da Estrada) não é feita alusão à data da última verificação metrológica do aparelho. E também a data de verificação do equipamento não consta do talão obtido no alcoolímetro.
Todavia, analisando as actas da audiência de julgamento dos dias 13.01.2015 e 27.01.2015, das mesmas decorre que o tribunal a quo, fazendo uso da prerrogativa prevista no artigo 340º do CPP, determinou que se diligenciasse no sentido de obter informação acerca, quer da data de verificação do alcoolímetro, quer do despacho da ANSR que aprovou o aparelho alcoolímetro em causa e, bem assim, quanto ao número de tal alcoolímetro (cfr. actas de fls. 67 a 70 e 76/77), sendo que nessa sequência vieram a ser prestadas as informações que constam a fls. 75 e 80 (tendo das mesmas sido dado conhecimento ao ilustre mandatário do arguido conforme resulta das mesmas actas) das quais decorre bem evidenciado que o alcoolímetro tinha o nº “ARRA – 0012” (cfr. cópia certificada do certificado de verificação do Instituto Português de Qualidade de fls. 75 e ofício do Destacamento de Trânsito da GNR de Braga constante de fls. 80), número esse que já constava impresso no próprio talão de registo obtido do aparelho alcoolímetro em causa e que evidenciou a taxa de álcool que o arguido apresentou após ter sido sujeito ao exame quantitativo de pesquisa de álcool ao ar expirado (cfr. talão de fls. 3-A que se encontra agrafado ao expediente de notificação da taxa apurada e no qual o arguido declarou requerer a contraprova). Aliás, se bem analisarmos quer o talão do alcoolímetro quer aquela expediente de notificação, ambos se mostram assinados pelo próprio arguido.
Mais decorre daquela fls. 75 que o alcoolímetro em causa tinha sido submetido a primeira verificação no dia 17-02-2014, motivo pelo qual, e face ao disposto no artigo 4º nº 2 do Decreto-Lei nº 291/90 de 20 de Setembro, a sua validade metrológica estava perfeitamente assegurada/consagrada/vigente na data em que o arguido foi submetido ao teste de alcoolémica.
Assim, sem necessidade de mais considerações, quer por inexistir qualquer nulidade, quer porque uma eventual irregularidade se encontrar há muito sanada, a que ainda acresce que para os autos até foram entretanto carreados elementos tendentes a dissipar quaisquer dúvidas suscitadas pelo recorrente, improcede a primeira pretensão recursiva.
Mais se acrescenta ainda que, na sequência de tudo o que atrás foi dito, em lado algum dos autos resulta que tenham sido violadas as garantias de defesa e o princípio do direito ao processo equitativo previsto no artigo 20º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, densificado no artigo 32º da mesma Lei Fundamental.

2ª Questão - Saber se ocorreu violação do in dubio pro reo ao ter sido concluído que o arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1,81 g/l quando entre o teste de pesquisa ao ar expirado e a recolha no sangue mediou um período não inferior a 1 hora e 19 minutos.
Como corolário do princípio da presunção de inocência que decorre do artigo 32º nº 2 da Constituição da República Portuguesa, apresenta-se o princípio do in dubio pro reo que obriga a que, instalando-se e permanecendo a dúvida acerca de factos referentes ao objecto do processo (existência dos factos, forma de cometimento e responsabilidade pela sua prática), essa dúvida deve ser sempre desfeita em benefício do arguido relativamente ao ponto ou pontos duvidosos, podendo mesmo conduzir à absolvição (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Noções de Processo Penal, Rei dos Livros, pags 50 e 51).
Como salienta Figueiredo Dias (in Direito Processual Penal, I vol, pag 213) “Um non liquet na questão da prova – não permitindo ao juiz – que omita decisão … - tem que ser sempre valorado a favor do arguido”, sendo que “com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dúbio pro reo”.
Tal princípio incute uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.
No caso vertente, o tribunal recorrido formulou a sua convicção relativamente à matéria de facto com respeito pelos princípios que disciplinam a prova e sem que tenham subsistido dúvidas quanto à autoria dos factos submetidos à sua apreciação e à forma do cometimento dos mesmos, não tem cabimento a invocação do princípio in dubio pro reo, que como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste. O princípio em questão afirma-se como princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal. Contudo no caso dos autos, o tribunal a quo não invocou, na fundamentação da sentença, qualquer dúvida.
Bem pelo contrário, a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos imputados ao arguido/recorrente, indicando exaustivamente as razões que fundaram a convicção do tribunal para o assentamento, pela positiva, da materialidade que deu como provada e pela negativa, a factualidade que deu como não provada.
Muito embora possamos constatar que apenas no início da motivação do recurso (mas não também nas conclusões) o recorrente se manifeste no sentido de que foram incorrectamente julgados como provados os factos dos pontos 2, 3, 5 e 17 e incorrectamente julgada não provada a factualidade vertida no ponto A., o certo é que quer pela leitura da transcrição que o arguido fez do depoimento da testemunha António C., quer da audição que fizemos de todo o gravado depoimento desta mesma testemunha, conjugado com os resultados que constam do talão do alcoolímetro de fls. 3-A e do relatório de exame químico toxicológico de fls. 8 e nas regras da experiência comum quanto à vontade da condução daquele veículo por parte do arguido e à representação do mesmo em poder estar a conduzir com uma taxa superior à legalmente permitida [repare-se que em lado algum dos autos decorre que, apesar dessa taxa, o arguido tivesse sido, por quem quer que fosse ou por algum motivo de força maior, coagido ou impelido a conduzir aquela viatura naquelas circunstâncias, sendo que o mesmo até admitiu ter ingerido bebidas alcoólicas, embora tivesse circunscrito essa admissão apenas a duas cervejas (numero este que o tribunal a quo - que gozou da imediação e da oralidade na apreciação da prova que perante si foi produzida - não assentou pela positiva, por não ter, nessa parte, conferido credibilidade ao afirmado pelo arguido), nenhuma alteração se impõe em relação a tais factos.
Para além disso, importa ainda acrescentar que os resultados decorrentes das taxas de alcoolemia obtidos advêm de prova pericial, cujo valor, por regra, está subtraído à livre apreciação do julgador (cfr. artigo 165º nº 1 do CPP), sendo que por inexistirem quaisquer elementos que nos levem a divergir da mesma, e também não decorrendo dos autos qualquer elemento que pudesse ser evidenciador de que a submissão do arguido ao teste ao ar expirado ou à colheita de sangue para análise tivessem sido precedidos de qualquer comportamento ilícito por parte do agente que as determinou, nenhuma alteração também se imporá em relação à taxas de alcoolemia constantes da apurada factualidade.
Por outro lado, muito embora possa ter decorrido o mencionado tempo estimado de 1 hora e 19 minutos entre o teste quantitativo ao ar expirado e a recolha de sangue para análise (como contraprova) - mas jamais possa ser visto esse prazo como desrespeitador do programático “curto prazo” a que fazem alusão quer o artigo 153º nº 3 do Código da Estrada quer o artigo 5º da Lei nº 18/2007, de 17 de Maio - segundo as regras da experiência comum, a própria passagem desse período de tempo entre a fiscalização e a colheita de sangue para contraprova ao teste ao ar expirado, necessariamente até seria determinante a que a taxa obtida com o exame toxicológico estivesse em fase descendente (ou cada vez mais descendente daquela primeiramente obtida) e por isso com valor necessariamente inferior em relação àquele que anteriormente tinham sido obtido através do exame ao ar expirado. Aliás, isso mesmo decorre até das taxas apuradas e mencionadas nos factos 2. e 4., sendo que a decorrente da contraprova tem o valor mais baixo do que a realizada, em “primeira linha”, ao ar expirado. Por isso, ao contrário do que o recorrente pretende fazer crer, de forma alguma se pode dizer que o tempo que mediou entre o primeiro teste e a colheita de sangue tenha jogado em prejuízo do arguido. Antes, e pelo contrário, segundo as regras da experiência comum o arguido em nada foi prejudicado (e até terá sido, sim, quando a nós, beneficiado), tal como referido pelo tribunal a quo na fundamentação da matéria de facto quando explica ”o facto de a recolha de sangue aludida no ponto 3. dos factos provados foi efectuada às 03h21m, em nada prejudicou o arguido, veja-se que a TAS ainda decresceu, ao contrário do que o arguido quis fazer crer, que teria sido efectuado no pico de álcool no sangue.”
Nessa decorrência concordamos com o que, a dado ponto da sua resposta ao recurso, disse a magistrada do Ministério Público de 1ª instância e que passamos a reproduzir: “Conforme bem refere o Arguido/Recorrente, é comummente sabido que o pico da taxa de álcool no sangue é atingido cerca de uma hora após a ingestão da última bebida — neste sentido, vide o texto “Álcool e Condução”, disponível in www.ansr.pt.
Ora, se entre a fiscalização do arguido e a realização do exame sanguíneo mediou uma hora e dezanove minutos, forçoso é concluir que a TAS do arguido teria já atingido o seu máximo, sendo certo que, analisada a amostra de sangue colhida ao arguido, concluiu-se que aquele apresentava uma TAS já inferior àquela que apresentou no teste quantitativo; ou seja, o processo de absorção do álcool pelo organismo do arguido estaria já em decrescendo.”
Mais se acrescenta, ainda, que perante esta decisão da factualidade que deu como provada e não provada, tomada com toda a segurança pelo tribunal a quo como bem se evidencia na fundamentação da matéria de facto, não tem sentido invocar a violação do princípio in dubio pro reo, que só opera quando, produzida toda a prova, o tribunal mantiver dúvidas sobre a prática, pelo arguido, de factos que lhe sejam desfavoráveis. Esta dúvida é que impõe ao juiz que decida de modo a favorecer o arguido.
Não havendo dúvida sobre a prática dos tais factos desfavoráveis ao arguido/recorrente não há lugar à aplicação de um tal princípio.
Por isso, também aqui naufraga esta pretensão do recorrente, concluindo-se, então, pela inalteração de factualidade provada e não provada (mormente dos sindicados factos dados provados nos pontos 2, 3, 5 e 17 e dado como não provado facto A.), tal como fora fixada na sentença recorrida.
*
3ª Questão:
Quanto a esta questão – saber se o arguido deve ser absolvido do crime por que foi julgado/condenado, cumpre muito sucintamente dizer que a mesma terá que improceder, por duas ordens de razões:
a) por um lado, verificamos que a suscitação desta questão tinha por base o êxito de uma eventual alteração da matéria de facto, alteração essa que, como supra exposto, não veio a ter acolhimento por este tribunal ad quem.
b) por outro lado, adianta-se ainda que, face à inalterabilidade da matéria de facto e perante os factos provados, a qualificação jurídica dos factos provados encontra-se correcta e detalhadamente fundamentada na sentença recorrida, da qual decorre que a conduta do arguido integra a prática do mencionado crime de condução de veículo em estado de embriaguez por que vinha acusado, cometido sob a forma de dolo eventual (cfr. artigo 14º nº 3 do Código Penal), e não sob a forma negligente como opinava o arguido no seu recurso.
Por tal razão, sem necessidade de mais considerações, improcede tal pretensão.
*
4ª Questão: Saber se são excessivas as penas principal e acessória.
Quanto esta questão, constatamos que o recorrente propugna que a pena de multa que lhe foi aplicada deve ser fixada em tempo não superior a 60 dias (não questionando a taxa diária que foi aplicada) e que a pena acessória de proibição de conduzir deve ser fixada no mínimo legal de 3 meses (e não em 5 meses como havia sido fixado na sentença).
Daí que, na sequência do que supra mencionámos e não tendo ocorrido qualquer alteração da matéria de facto, apenas importa indagar da justeza ou não da decisão recorrida, sendo que como vimos a nível do enquadramento jurídico não tem qualquer fundamento a sua alusão a que o crime teria sido cometido sob a forma negligente (que mesmo assim também é punida dentro da mesma moldura legal tal como resulta do estabelecido no artigo 292º nº 1 do Código Penal, quando ali se diz “Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo (…) com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.
Decorre, pois, deste do artigo 292º nº 1 do Código Penal a punição de 1 mês a 1 ano de prisão ou multa de 10 a 120 dias para quem conduzir veículo na via pública com uma taxa de alcoolemia igual ou superior a 1,20 g/l, sendo que em caso de opção pela pena de multa cada dia de multa corresponde a uma quantia ente €5 a €500 que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais (cfr. artigo 47º nº 2 do Código Penal).
Pela análise da sentença recorrida, resulta que o tribunal a quo, depois de, em consonância com o que estabelece o artigo 70º do Código Penal, ter optado pela pena de multa (em detrimento da pena de prisão), na determinação da medida daquelas penas (principal e acessória) teve em conta, essencialmente, a taxa de álcool apresentada (em relação à qual considerou elevado o grau de ilicitude), o crime ter sido cometido sob a forma de dolo eventual, bem como as exigências de prevenção geral que se fazem sentir no âmbito da prevenção rodoviária. Fez ainda alusão ao facto do arguido não ter revelado espírito critico quanto aos factos que praticou, invocando razões implausíveis para a sua verificação, embora também salientasse que “a favor do arguido ter-se-á que apontar que o mesmo o arguido de se encontra familiar e socialmente inserido”.
Foi sobretudo isto a que o tribunal a quo atendeu para encontrar o quantum da pena de multa em termos de dias de multa.
Para além disso, e pesando em desfavor do arguido há que ter em atenção que também foi dado como provado no ponto 18. que: “Do CRC do arguido consta: em 23.05.2012, pela prática em 21.04.2012, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, uma condenação na pena de 55 dias de multa à taxa diária de €6, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 3 meses.
No essencial concordando com o que da sentença consta quanto à dosimetria da pena encontrada, podemos ainda acrescentar que a aplicação de uma pena tem como finalidade a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, de harmonia com o disposto no art. 40.º, n.º 1, do C. Penal. Assim, a pena não tem um fim retributivo, a sua aplicação pauta-se, em primeira linha, pelas exigências de prevenção geral positiva ou de integração; a pena visa a reafirmação contrafáctica da norma violada (nas palavras do ilustre Professor FIGUEIREDO DIAS) e a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada.
Nos termos do preceituado no n.º 2 do art. 40.º do C. Penal, a culpa é um pressuposto irrenunciável e um limite inultrapassável da aplicação de uma pena. De facto, não há pena sem culpa e, jamais, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sob pena de violação da dignidade humana, princípio fundamental de um Estado de Direito Democrático.
Acompanhando o Professor FIGUEIREDO DIAS (in As consequências jurídicas do crime, Coimbra, 1988, pag. 279 e ss.), diríamos que a prevenção geral positiva fornece uma moldura de prevenção, em que o limite máximo expressa a medida óptima de tutela dos bens jurídicos, ainda consentida pela culpa, e o limiar mínimo, aquele abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação de uma pena, sem se pôr em causa a defesa dos bens jurídicos.
Dentro desta moldura de prevenção geral actuam as exigências de prevenção especial sentidas no caso, tendo como função primordial a socialização do agente e a sua reintegração social e como função subordinada a intimidação individual.
Feita esta análise sobre as finalidades punitivas, analisaremos o caso concreto, tendo em conta que o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, para além de ser sancionado com pena acessória de proibição de conduzir (quanto à pena acessória deixaremos para mais tarde) é, tal como atrás referimos, punível com pena de prisão de 1 mês até 1 ano ou com pena de multa até 10 a 120 dias, nos termos do preceituado nos art.s 292º nº 1 e 47.º nº 1 do C.P.
Para determinar o quantum de pena adequado à culpa e à prevenção há que ponderar as circunstâncias gerais presentes no caso concreto que, revelando pela via da culpa ou pela via da prevenção, deponham a favor ou contra o recorrente (cfr. 71º nº 1 do C. Penal), sendo que o nº 2 do art. 71.º estabelece uma enumeração não taxativa destas circunstâncias, que auxilia o julgador na tarefa, não fácil, de individualização judicial da pena.
Assim, voltando ao caso sub júdice, dever-se-á ter em conta, essencialmente: a taxa de álcool apurada (1,81 g/l decorrente da realização da contraprova – cfr. artigo 152º nº 6 do Código da Estrada); a parcial admissão dos factos; a existência de um antecedente criminal de idêntica natureza e a integração familiar e social por parte do recorrente.
Para além disso, tal como decorre da factualidade apurada e motivação da matéria de facto, a intercepção do arguido ocorreu no âmbito de uma missão de fiscalização e ordenamento de trânsito levada a cabo por uma patrulha da GNR.
Todos estes factores, perante uma moldura abstracta que se situa entre 10 a 120 dias de multa, mas tendo em conta de sobremaneira a concreta taxa apurada e especialmente a existência de um antecedente criminal de idêntica natureza (demonstrativo de que não se tratou de uma situação pontual), o que necessariamente impõe uma menor necessidade de prevenção especial, temos por adequada, equilibrada e proporcional a pena de 100 dias de multa tal como fixado na sentença recorrida, não havendo, assim, argumentos para a reduzir.

Pretende ainda o recorrente que a pena acessória seja fixada no mínimo legal dos 3 meses, sendo que o tribunal recorrido a tinha fixado em 5 meses.
Analisemos esta questão, tendo em conta que, segundo estabelece o artigo 69º nº 1 a) do Código Penal, a moldura abstracta da pena acessória se situa entre 3 meses e 3 anos.
Constituindo a condução de veículo motorizado em estado de embriaguez por si só grave violação do trânsito rodoviário (vd. Germano Marques da Silva, in “Crimes Rodoviários/Pena Acessória e Medidas de Segurança”, Universidade Católica Editora, pág. 64), daí que ao agente do crime p. e p. pelo artigo 292.º, do Código Penal, seja aplicável tal sanção, que foi o que sucedeu no caso vertente.
E reveste a sanção aplicada a natureza de pena acessória como directamente resulta do próprio normativo e decorre ainda da inserção sistemática do mesmo no capítulo III sob a epígrafe “Penas Acessórias e Efeitos das Penas”.
Corresponde a uma necessidade de política criminal por motivos óbvios e consabidos que se prendem também com a elevada sinistralidade rodoviária, procurando tal pena acessória ter um efeito dissuasor com vista a evitar que os condutores ingiram elevadas quantidades de álcool que, quanto mais elevadas, mais afectam a capacidades de reacção e destreza perante situações imprevistas por diminuírem os reflexos e até provocarem alguma apatia e/ou sonolência ou, em certas pessoa, até um estado eufórico nada adequado ao cuidado atento que é exigível ao exercício da condução, por demais perigosa pela própria natureza de se tripular um objecto móvel (normalmente dotado de motor).
Porque se trata de uma pena, a determinação da medida concreta da sanção inibitória, há-de efectuar-se segundo os critérios orientadores gerais contidos no artigo 71.º do Código Penal, não olvidando que a sua finalidade (diferentemente da pena principal que tem em vista a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade) reside na censura da perigosidade, embora a ela não seja estranha a finalidade de prevenção geral (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, pág.165). Trata-se de uma censura adicional pelo facto que ele praticou (cfr. acta n.º 8 da Comissão de Revisão do Código Penal).
Na determinação da sanção acessória é necessário observar os critérios estabelecidos no art. 71° do C.P. (vide Ac. Relação de Évora de 14.05.1996, CJ, ano de 1996, pág., 286), dando especial importância à prevenção especial, que visa a consciencialização e a socialização do arguido, de molde a que futuramente paute as condutas de acordo com o prescrito pela lei.
Por outro lado, a aplicação da pena acessória não tem de ser proporcional à pena principal, uma vez que os objectivos de política criminal são, também eles, distintos. O fim da pena acessória dirige-se especificamente à recuperação do comportamento estradal do condutor transviado, pelo que não tem de existir uma correspondência matemática e proporcional entre as penas, consideradas as respectivas molduras abstractas (vide Ac Relação do Porto de 20.05.1995, CJ, T4, pág. 229).
Entende o recorrente que o quantum da pena acessória de proibição de conduzir se revela exagerado, opinando que o mesmo apenas deverá ser fixado em 3 meses (ou seja, precisamente o mínimo legal).
Todavia, convirá não esquecer que na determinação desse quantum de pena acessória, por se estar perante um crime, as necessidades de prevenção geral e razões de eficácia do direito penal deverão ser mais acutilantes daquelas decorrentes da inibição prevista para as contra-ordenações relacionadas com a taxa de alcoolémica (sejam essas contra-ordenações graves ou muito graves).
No caso vertente, face à factualidade provada, temos que é elevado o grau de ilicitude do facto, atenta a TAS apurada (1,81 g/l) – quase quatro vezes superior ao mínimo da contra-ordenação grave por álcool para os “normais” condutores (sendo que os demais condutores a que também alude o artigo 145º nº 1 l) do Código da Estrada ainda vêem o mínimo mais reduzido) - sendo o grau de culpa, porque na modalidade de dolo eventual, da intensidade menos elevada.
Ao nível da prevenção, não podem ser olvidadas as mais que propaladas exigências de prevenção geral decorrentes dos elevados índices de sinistralidade rodoviária e o elevado número de processos que diariamente dão entrada nos tribunais por crimes deste tipo, apesar de tantas e tão repetidas campanhas de alerta para o perigo que o álcool contribui para a insegurança rodoviária.
É certo que admitiu, embora apenas, parcialmente os factos e se encontra social, familiar e profissionalmente integrado, decorrendo ainda da factualidade apurada que utiliza diariamente veículos automóveis (daí ser corrente poder dizer-se que necessitará diariamente da carta de condução no âmbito da sua actividade profissional).
Para além disso, a par da concreta taxa de álcool apresentada, resulta da factualidade apurada que já tem um antecedente criminal por crime de idêntica natureza, pelo que também aqui se impõem maiores exigências de prevenção especial.
Nesta medida, entendemos ter sido perfeitamente ajustada a fixada, pelo tribunal a quo, medida da pena acessória de inibição de conduzir por 5 meses, não havendo razões para que a mesma fosse reduzida.
São, pois, também de manter as penas principal e acessória que haviam sido fixadas na sentença recorrida.
*
Assim, e em síntese conclusiva, naufragando todas as pretensões do recorrente - e não se mostrando violados quaisquer princípios ou preceitos constitucionais ou qualquer preceitos legais ordinários, designadamente os invocados no recurso - terá o recurso que improceder, sendo de confirmar a decisão recorrida.
*
III. DISPOSITIVO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC’s (arts. 513º nº 1 do Código de Processo Penal e 8º nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, conjugado este com a Tabela III anexa a tal Regulamento).
*
(Elaborado em computador e revisto pelo relator, 1º signatário - art. 94º nº 2 do Código de Processo Penal)
*
Guimarães, 27 de Junho de 2016

__________________________________
(Luís Coimbra)

__________________________________
(Maria Manuela Paupério)