Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
163/14.8GAMGD.G1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: NOTIFICAÇÃO ATO PROCESSUAL
CONTAGEM DOS PRAZOS
ALTERAÇÃO QUALIFICAÇÃO FACTOS
COMUNICAÇÃO À DEFENSORA DO ARGUIDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) À notificação para comparência a ato processual, não é aplicável o disposto no artº 279º do Código Civil. Tal disposição legal apenas se aplica à contagem dos prazos para a prática de atos processuais, fora dos casos previstos na lei processual, para o que remete o artº 104º-A do CPP.

II) O despacho através do qual o juiz de julgamento comunica a alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação ou da pronúncia não necessita de ser notificado pessoalmente ao arguido, podendo essa notificação ser realizada na pessoa do defensor do arguido, como sucedeu no caso dos autos.

III) No quadro evidenciado nos autos, tendo o tribunal a quo observado o disposto no artº 358º, nº 3, do CPP, sendo a comunicação da alteração da qualificação jurídica efetuada à arguida/recorrente, na pessoa da defensora que lhe foi nomeada na sessão da audiência de julgamento a que, estando devidamente notificada, não compareceu, não houve violação do direito de defesa ou do contraditório constitucionalmente consagrados, nos artºs 32º, nº 1 e 18º, nº 1, ambos da CRP.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

1 - RELATÓRIO

Nestes autos de processo comum, com a intervenção do Tribunal Singular, nº. 309/12.0TBCBT.G1, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Guimarães – Juízo Central de Competência Criminal – J4, foi proferida sentença em 20/03/2017, depositada no dia seguinte, condenando a arguida/demandada Maria:

- Pela prática, em autoria material, de dois crimes de difamação agravada p. e p. pelos artigos 180º, nº. 1 e 183, nº. 2, ambos do Código Penal, na pena de 250 dias de multa, por cada um dos crimes e em cúmulo jurídico na pena de 375 dias de multa, à taxa diária de €6,00, perfazendo a multa global de €2.250,00: e
- No pagamento de indemnização, por danos morais, aos demandantes Rui e Manuela, sendo no montante de €1.000,00 ao primeiro e de €750,00 ao último;
- A publicar a expensas suas, ao abrigo do disposto no artigo 189º, nº. 1, do Código Penal, o teor do dispositivo da sentença, no jornal “X”, em formato papel e em formato online, no prazo de vinte dias a contar do trânsito em julgado da sentença.
Inconformada com o decidido, a arguida Maria interpôs recurso, apresentando a respetiva motivação e formulando, a final, as conclusões que seguidamente se transcrevem:

I. A PRESENTE SENTENÇA É NULA POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO N.º 10 DO ART.113.º DO C.P.PENAL O QUAL ESTABELECE QUE QUE A DESIGNAÇÃO DE DIA PARA JULGAMENTO E PARA A SENTENÇA/ACÓRDÃO SÃO OBRIGATORIAMENTE NOTIFICADAS TAMBÉM AO ADVOGADO DOS ARGUIDOS, COM A EXPRESSA RESSALVA DE QUE O PRAZO PARA O ATO PROCESSUAL SUBSEQUENTE SÓ SE INICIA COM A COMUNICAÇÃO EFETUADA EM ÚLTIMO LUGAR;
II. A PRESENTE DECISÃO É POIS NULA, FICANDO TODO O PROCESSO DESDE A NOTIFICAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO EIVADO DE TAL VICIO, QUER POR VIA DE ILEGALIDADE QUER PELA SUA MANIFESTA INCONSTITUCIONALIDADE.
III. A VIOLAÇÃO DAS NORMAS SUPRA REFERIDAS FEZ AINDA O TRIBUNAL “A QUO” INCORRER NA VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO N.º 1 DO ART.32.º DA CRP APLICÁVEL DIRETAMENTE POR FORÇA DO ART.18.º, N.º 1 DO MESMO SUPREMO DIPLOMA, O QUE É AINDA MAIS GRAVE SE ATENDERMOS AO FACTO DO TRIBUNAL “A QUO” TER PROMOVIDO UMA ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA, SEM QUE AO ARGUIDO TENHA SIDO, LEGALMENTE, CONCEDIDA OPORTUNIDADE DE DEFESA.
IV. O DIREITO AO CONTRADITÓRIO E DE DEFESA TEM CONSAGRAÇÃO CONSTITUCIONAL (ART. 32.º N.º 5 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA) E SIGNIFICA QUE “NENHUMA PROVA DEVE SER ACEITE EM AUDIÊNCIA, NEM NENHUMA DECISÃO DEVE SER TOMADA PELO JUIZ, SEM QUE PREVIAMENTE TENHA SIDO DADA AMPLA E EFETIVA POSSIBILIDADE AO SUJEITO PROCESSUAL SE PRONUNCIAR SOBRE A MESMA.
V. DEVE POIS A PRESENTE DECISÃO CONSIDERAR-SE NULA POR FALTA DE NOTIFICAÇAO À ARGUIDA DA DATA DE LEITURA DA SENTENÇA;
VI. ACRESCE AINDA, VENERANDOS SENHORES DESEMBARGADORES, QUE A DECISÃO ORA SINDICADA PELA NÃO CONSIDEROU ASSENTES FACTOS QUE PERMITAM IMPUTAR À ARGUIDA A PRATICA DE QUALQUER ILICITO; NA VERDADE UMA LEITURA RÁPIDA DA DECISÃO SOB RECURSO PERMITE CONCLUIR QUE ESTA NÃO IMPUTA À ARGUIDA MARIA QUALQUER FACTO, LIMITANDO-SE A FAZER VERTER NOS AUTOS ELEMENTOS QUE CONSIDERA ASSENTES, ISTO É;
VII. POR FORMA A QUE À ARGUIDA MARIA FOSSE POSSÍVEL IMPUTAR O CRIME DE DIFAMAÇÃO NECESSÁRIO SERIA DAR-SE COMO PROVADO QUE ESTE IMPUTOU AOS OFENDIDOS, DIRECTA OU INDIRETAMENTE, FACTOS OFENSIVOS DA SUA HONRA E CONSIDERAÇÃO, A FORMA COMO O FEZ E POR QUE MEIOS, SENDO QUE APENAS SE CONSIDEROU PROVADO QUE A NOTÍCIA FOI DIVULGADA EM ÓRGÃO DE COMUNICAÇAO SOCIAL, NADA MAIS CONCLUÍDO OS AUTOS, TAL COMO NÃO CONSIDERARAM ASSENTE QUE AO PARTICIPAR OS FACTOS A ARGUIDA, SABIA QUE OS MESMOS ERAM FALSOS, O QUE ALIÁS NÃO É VERDADE.
VIII. SE A EXISTÊNCIA DA NOTICIA RESPEITANTE AOS OFENDIDOS NUNCA ESTEVE EM DÚVIDA, IMPORTARIA APURAR OS FACTOS QUE LEVARAM À MESMA E QUEM MOTIVOU A SUA DIVULGAÇÃO, ELEMENTOS ESTES QUE NÃO CONSTAM DO PROCESSO, SENDO QUE A ESTE PROPOSITO NADA É IMPUTADO À ARGUIDA;
IX. O TRIBUNAL “A QUO” TÃO POUCO ESCLARECE SE A CONDUTA IMPUTADA À ARGUIDA RESPEITA À IMPUTAÇÃO EM PROCESSO CRIME DE TAIS COMPORTAMENTOS OU AO FACTO DESTES COMPORTAMENTOS TEREM SIDO ALVO DE NOTICIA, LEVANDO A QUE, SEM EXPLICAR, OBTENHA CONCLUSÃO SEM SUSTENTAÇÃO NA MATÉRIA DE FACTO ASSENTE;
X. DAQUI DECORRE QUE CONCLUIR A SIMPLES PROVA DOS FACTOS ATRÁS INDICADOS – PONTOS 1.º A 27.º DA MATÉRIA DE FACTO ASSENTE – NÃO PERMITE IMPUTAR À ARGUIDA A PRATICA DE QUALQUER ILÍCITO CRIMINAL PADECENDO A PRESENTE DECISÃO DO VÍCIO DE INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA PARA A BOA DECISÃO DA CAUSA;
XI. PELO EXPOSTO, É MANIFESTO QUE A SENTENÇA CONDENATÓRIA PROFERIDA EM PRIMEIRA INSTÂNCIA, PADECE DO VÍCIO DE INSUFICIÊNCIA DOS FACTOS PARA A DECISÃO RECORRIDA, VÍCIO PREVISTO NO ARTIGO 410º, Nº 2, ALÍNEA A) DO CPP, PORQUE ASSENTA EM FACTOS QUE, POR NÃO TEREM QUALQUER RELEVÂNCIA PENAL, SÃO INSUSCEPTÍVEIS DE PREENCHER O TIPO LEGAL DE CRIME PELO QUAL O ARGUIDO VEM ACUSADO;
XII. PADECE ASSIM A DECISÃO SINDICADA DOS VÍCIOS DE INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO MATÉRIA DE FACTO PROVADA, CFR. ARTIGO 410.º N.º 2 A) E ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA, CFR. ARTIGO 410.º N.º 2 C), AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, VÍCIOS QUE SE REQUER SEJAM DECLARADOS;
XIII. AOS VICIOS ATRÁS SINDICADOS ACRESCE AINDA O VICIO DECORRENTE DA EXISTENCIA DE UMA ACUSAÇÃO QUE NÃO RESPEITA OS PRESSUPOSTOS LEGAIS;
XIV. QUANDO O PROCEDIMENTO CRIMINAL DEPENDER DE ACUSAÇÃO PARTICULAR, DO OFENDIDO OU DE OUTRAS PESSOAS, É NECESSÁRIO QUE ESSAS PESSOAS SE QUEIXEM, SE CONSTITUAM ASSISTENTES E DEDUZAM ACUSAÇÃO PARTICULAR – ARTIGO 50.°, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
XV. O CRIME IMPUTADO À ARGUIDA ASSUME NATUREZA DE CRIME PARTICULAR PELO QUE IMPÕE O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL QUE A ACUSAÇÃO SEJA FORMULADA PELO ASSISTENTE, SENDO QUE RESULTA DESTES NORMATIVOS QUE A ACUSAÇÃO SERÁ NULA, E COMO TAL MANIFESTAMENTE INFUNDADA, “A) QUANDO NÃO CONTENHA A IDENTIFICAÇÃO DO ARGUIDO.”;
XVI. NO CASO AOS AUTOS A ACUSAÇÃO É PERFEITAMENTE OMISSA QUANTO À IDENTIFICAÇÃO DA ARGUIDA ORA RECORRENTE NÃO CONSTANDO DA MESMA SEQUER O SEU NOME COMPLETO OU SEQUER A SUA FILIAÇÃO, FREGUESIA E CONCELHO DE NATURALIDADE, DATA DE NASCIMENTO, ESTADO CIVIL, PROFISSÃO, RESIDÊNCIA OU SEQUER O LOCAL DE TRABALHO;
XVII. POR TAL FACTO REQUER A RECORRENTE MARIA QUE ESTE VENERANDO TRIBUNAL CONSIDERE A ACUSAÇÃO MANIFESTAMENTE INFUNDADA POR NÃO CONTER OS ELEMENTOS ESSENCIAIS E OBRIGATÓRIOS
XVIII. DEVE POIS A ARGUIDA MARIA, PELOS MOTIVOS EXPOSTOS, SER ABSOLVIDA DA PRÁTICA DO CRIME DE QUE VEM ACUSADA, O QUE SE REQUER.
TERMOS EM QUE E NOS MAIS DE DIREITO, CONCEDENDO-SE INTEGRALMENTE PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO, FARÃO V. EX.AS, VENERANDOS SENHORES JUÍZES DESEMBARGADORES, A IMPETRADA JUSTIÇA!
O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta ao recurso, nos termos constantes a fls. 595 a 605, que aqui se dão por reproduzidos, formulando, a final, as seguintes conclusões:

1. A ora recorrente foi regularmente notificada da data da leitura da sentença, em prazo e não apresentou qualquer justificação para a sua falta;
2. A Ilustre Mandatária da mesma também foi notificada, o que se comprova se atendermos ao requerimento do dia 15 de Março de 2017;
3. A falta da arguida regularmente notificada, não é motivo para não prosseguir com a audiência, pelo que, assegurando o seu direito de defesa, foi-lhe nomeada uma Advogada para o efeito;
4. A alteração da qualificação jurídica foi formalmente comunicada à Advogada nomeada em sede própria e nada foi requerido;
5. Assim, não existe qualquer nulidade por falta de notificação da arguida, ora recorrente, da sentença proferida;
6. A prova produzida e que serve de fundamento para a condenação da arguida, ora recorrente, está bem explanada na D. Sentença recorrida;
7. Dúvida não há de que, a matéria indiciária da factualidade dada como provada, é suficiente;
8. A identificação da arguida na acusação particular, onde se consta o nome completo da mesma, não foi levantada aquando do requerimento de abertura de instrução, pelo que se consolidou esta irregularidade, uma vez que a arguida está identificada na íntegra nos autos, não havendo dúvidas quanto à pessoa em causa.
9. Não havendo, assim, lugar a revogação e substituição da sentença condenatória da Arguida, pelos motivos explanados.

Pelo exposto, concluímos que a douta decisão recorrida não violou qualquer dispositivo legal, mostrando-se justa e adequada, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu, a fls. 614 a 617, parecer, pronunciando-se no sentido de o recurso dever merecer provimento quanto à invocada nulidade insanável, que importará declarar, tendo em conta o disposto nos artigos 332º, nº. 1 e 119º, al. c), do C.P.P., porquanto o dia em que se presume efetuada a notificação à arguida coincide com a data designada para a audiência, não podendo assim, considerar-se eficazmente concretizada a notificação.

Cumprido o disposto no nº. 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não houve resposta.

Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência. Cumpre agora apreciar e decidir:

2 – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso:

Constitui jurisprudência pacífica dos nossos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada pelo recorrente (artigos 403º e 412º, nº 1 in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões que importe conhecer, oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito.

No caso vertente e vistas as conclusões dos recursos em apreciação interposto pelo arguido, as questões suscitadas são as seguintes:

– Nulidade por falta de notificação da arguida, ora recorrente, da data designada para a leitura da sentença;
– Violação do direito de defesa e do direito ao contraditório (artigos 32º, nº. 1 e 18º, nº. 1, ambos da CRP) por o tribunal ter determinado a alteração da qualificação jurídica dos factos, sem que à arguida tenha sido concedida a oportunidade de defesa;
– Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – artigo 410º, nº. 2, al. a), do C.P.P.;
– Erro notório na apreciação da prova – artigo 410º, nº. 2, al. c), do C.P.P.;
– Nulidade da acusação particular, por manifestamente infundada, por ser omissa quanto à identificação da arguida.
*
2.2. Da sentença recorrida

Passamos a transcrever o teor da sentença recorrida, nos segmentos relevantes para a apreciação das questões suscitadas:
«(…)

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
2.1. Factos Provados

Resultaram provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:

1) No dia 26 de Setembro de 2014, entre as 13h30 e as 14h30, a Assistente/Arguida Maria entrou no estabelecimento comercial da Arguida/Assistente Manuela, uma loja de roupa sita no Largo ..., no Mogadouro, com a desculpa que queria comprar um casaco.
2) No interior do estabelecimento comercial, a Arguida/Assistente Manuela dirigiu-se à Assistente/Arguida Maria e disse-lhe, em voz alta e exaltada, o seguinte: “Vai-te embora” (…) “eu não preciso do teu dinheiro”.
3) Em acto continuo, a Assistente/Arguida Maria dirigiu-se ao expositor dos casacos, enquanto a Arguida/Assistente Manuela e mais uma cliente que se encontrava na loja ao balcão, ficaram a falar uma com a outra.
4) Como a Assistente Maria não saía da loja, a Arguida Manuela saiu para chamar as autoridades policiais.
5) Os Assistentes Maria e Joaquim são filhos da terra.
6) No dia 26 de Setembro de 2014, entre as 15h15 e 17h30, o Assistente
Joaquim, deslocou-se com a sua esposa, a Arguida/Assistente Maria ao Serviço de Urgências do Centro de Saúde, sito no Largo …, para que a mesma fosse assistida.
7) Enquanto o Assistente Joaquim aguardava que a sua esposa fosse assistida por um clínico, na sala de espera do Serviço de Urgências, surgiram o Arguido/Assistente Rui e o Arguido António.
8) O Arguido António ao entrar na sala de espera, dirigiu-se ao Assistente Joaquim, dirigindo-lhe expressões, não concretamente apuradas, tendo sido entretanto retirado da sala pelo segurança que ali estava ao serviço.
9) Os Assistentes Rui e Manuela foram constituídos Arguidos neste processo a 05 de Janeiro de 2015, sendo queixosa a Arguida/Assistente Maria.
10) Antes de serem constituídos Arguidos, os Assistentes Rui e Manuela tiveram conhecimento que a Arguida/Assistente Maria teria apresentado uma queixa contra eles através do Jornal X, em papel, páginas 12 e 13, e na versão online, ambos de 20 de Outubro de 2014, cujo exemplar e cópia, respectivamente, se encontram a fls. 185 a 188 dos autos e que se dão aqui por integralmente reproduzidos.
11) Tal notícia foi difundida em termos locais e nacionais.
12) Os factos constantes na notícia foram comentados negativamente de forma pública na rua, nos cafés e nas redes sociais.
13) Tal divulgação envergonhou os Assistentes/Arguidos Rui e Manuela, provocando mesmo que pessoas ficassem com uma ideia errada dos mesmos.
14) A Arguida/Assistente Maria tinha como propósito formular sobre os Assistentes/Arguidos Rui e Manuela juízo públicos ofensivos da sua honra e consideração, o que conseguiu.
15) A Arguida/Assistente Maria agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
16) Com a conduta da Demandada Maria, os Demandantes Rui e Manuela ficaram ofendidos, dominados por um sentimento de injustiça e revolta, pois são pessoas estimadas pelos seus amigos e familiares.
17) Os Demandantes Rui e Manuela ficaram tristes e desgostosos pela imputação daqueles factos, que se tornaram públicos de uma forma tão ampla e comentada, fazendo-os sentir vergonha e constrangimento no seu dia-a-dia.
18) Vergonha essa que sentem dado sentirem que as pessoas que com eles convivem diariamente estejam na dúvida se os Demandantes Rui e Manuela teriam ou não praticados aqueles factos.
19) De tal forma que o Demandante Rui passou a evitar deslocar-se a locais públicos que costumava frequentar e que devido à sua actividade política deveria frequentar, recusando estar presente em alguns convívios que muito gostava de participar e, no dia a dia, passou a ser mais reservado, e com falta de confiança que o afectaram no desenvolvimento da sua actividade política.
20) Já a Demandante Manuela, desde a publicação da notícia andou deprimida e nervosa, principalmente por causa do seu filho Rui.
21) Os Arguidos Rui, Manuela e Maria não têm antecedentes criminais.
(…)
27) A Arguida Maria é comerciante, explorando um restaurante com o seu marido, no Concelho de Cascais.

2.2. Factos não provados
Não resultaram provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:

A) No interior do estabelecimento comercial, a Arguida/Assistente Manuela dirigiu-se à Assistente/Arguida Maria e sem que nada o justificasse disse-lhe, em voz alta e exaltada, o seguinte: “(…) Sua filha da puta, sua mula, sua ordinária, não vales nada, põe-te no caralho”.
B) Quando de repente, sem que Assistente/Arguida Maria tivesse apercebido, a mesma fica fechada no interior do estabelecimento comercial da arguida, enquanto a Arguida/Assistente Manuela e a cliente saíram para o exterior da loja, tendo a Assistente/Arguida Maria permanecido no interior da loja, sozinha, cerca de 15 a 20 minutos.
C) Somente quando a GNR chegou ao local é que a assistente pode ser retirada da loja.
D) As expressões descritas em A) foram proferidas pela Arguida/Assistente Manuela em voz alta e na presença de clientes que, naquele momento se encontrava no interior do estabelecimento e que de imediato tomaram consciência do sentido e alcance das mesmas.
E) Com tais expressões, quis a Arguida/Assistente Manuela ofender gravemente a honra e consideração da Assistente/Arguida Maria, como efectivamente sucedeu.
F) Bem sabia a Arguida/Assistente Manuela que a sua conduta era proibida por lei.
G) No entanto, não se coibiu de levá-la a cabo de forma deliberada, livre e consciente.
H) A ora Demandante Maria é uma pessoa educada, conhecida e respeitada no meio.
I) Ao apontá-la de tais nomes, a Demandada Manuela ofendeu de forma grave e profunda a Demandante Maria, ficando esta em consequência das expressões proferida por aquela, muito desgostosa, triste e perturbada o que se reflectiu no seu ambiente de trabalho e familiar.
J) Por outro lado, a atitude da Demandada Manuela causou vergonha, humilhação e intranquilidade à Demandante Maria, até porque foi na presença de terceiros.
K) A Demandante Maria sempre foi uma pessoa conhecida e respeitada no meio.
L) O facto de se tratar de uma localidade de pequenas dimensões, em que todos os residentes se conhecem uns aos outros, foram facilmente divulgados estes acontecimentos, provocando na Demandante Maria um sentimento de vergonha sempre que esta se ausentava da sua casa no Mogadouro.
M) Pelo exposto, a atitude despropositada da Demandada Manuela causou abalo psicológico à Demandante Maria, sobretudo pela vergonha, perturbação e tristeza, porque os factos ocorreram no interior de estabelecimento comercial, estabelecimento esse aberto ao público, onde habitualmente é frequentado por clientes moradores daquela localidade e transeuntes, deixando esta sem qualquer vontade de adquirir artigos exposto naquele estabelecimento comercial.
N) No momento descrito em 8), sem que nada fizesse prever ou justificar, o Arguido António dirigiu-se ao Assistente Joaquim, em voz alta e exaltado, tendo proferido as seguintes expressões: “Onde esta o gajo? Vou-te arrancar os tomates, seu filho da puta”.
O) De seguida, aparece o Arguido/Assistente Rui também na sala de espera do referido Serviço de Urgências, em direcção ao Assistente Joaquim, que se encontrava sentado, acabando por se encostar a este, proferindo-lhe os seguintes impropérios: “Filho da puta, Cabrão, sois uns merdas, sois uns velhacos, sois uns isóteros”.
P) Em resposta aos insultos, o Assistente Joaquim de forma tranquila responde dizendo: “A minha esposa entrou no estabelecimento da tua mãe e não faltou ao respeito a ninguém e tu estás-me aqui a encher de nomes diante desta gente toda.”
Q) Tais expressões foram proferidas pelos Arguidos em voz alta e na presença de todos os utentes que se encontravam naquela unidade de saúde, pelo segurança que ali se encontrava ao serviço e pelos funcionários da recepção e que de imediato tomaram consciência do sentido e alcance que das mesmas.
R) Com tais expressões, quiseram os Arguidos ofender gravemente a honra e consideração do Assistente Joaquim, como efectivamente sucedeu.
S) Bem sabiam os Arguidos que as suas condutas eram proibidas por lei.
T) No entanto, não se coibiram de levá-las a cabo de forma deliberada, livre e consciente.
U) O Demandante Joaquim é uma pessoa educada, recatada, respeitada e conhecida no meio.
V) Ao apontá-lo de tais nomes, os Demandados Rui e António ofenderam de forma grave e profunda o Assistente Joaquim, ficando este em consequência das expressões proferida por aqueles, muito abalado, triste e perturbado o que se reflectiu no seu ambiente de trabalho e familiar.
W) Por outro lado, a atitude dos Demandados Rui e António causou vergonha, humilhação e intranquilidade ao assistente.
X) Pelo exposto, a atitude dos Demandados Rui e António causou ao Assistente Joaquim abalo psicológico, sobretudo pela vergonha, perturbação e tristeza, porque os factos ocorreram no interior de uma unidade de saúde – no Centro de Urgências, um serviço aberto 24 horas ao público, onde presta assistência a todos os moradores e utentes que habitualmente se dirigem aquela unidade de saúde para ser-lhes prestado tratamento médico.
Y) Acontece que, a vila do Mogadouro é um meio pequeno onde todos os habitantes se conhecem uns aos outros, e onde facilmente foram divulgados estes factos, provocando no Demandante um sentimento de vergonha sempre que este se ausentava da sua casa no Mogadouro.
Z) O Demandante Rui ainda sente falta de confiança que muito o afecta no desenvolvimento da sua actividade política.

2.3. Motivação

O Tribunal fundou a sua convicção com base na conjugação das declarações dos Arguidos e do Assistente, com toda a prova testemunhal produzida em julgamento e a prova documental constante nos autos.
O ponto 1) resulta da conjugação das declarações dos Arguidos Manuela, Rui e Maria e do Assistente Joaquim com os autos de ocorrências de fls. 60 e 61 dos autos, dos quais resulta a data e a hora aproximada dos factos. Quanto à compra do casaco, tanto a Arguida Manuela como a Assistente Maria referiram que esta pretendia comprar um casaco. No entanto, se a primeira disse que aquela alegava que queria um casaco porque tinha frio (conforme confirmado pelo Assistente Joaquim), a Assistente Maria alegou em julgamento – e ao contrário do assumido na acusação particular – que queria comprar um casaco específico porque tinha gostado do mesmo e não o tinha visto em mais lado nenhum. Ora, se esta falta de coerência entre o alegado pela Assistente em julgamento e o descrito na sua própria acusação particular (bem como no auto de notícia) poem em causa a credibilidade das declarações prestadas por esta, o resto das circunstâncias que ocorreram e foram descritas pela própria Assistente e o seu marido, Joaquim, desmentem a fingida inocência com que aquela entrou na loja da Arguida.
Defendem os Assistentes que não sabiam que a loja era da Arguida. Ora, se tal argumento choca com as regras da experiência comum porque estamos numa pequena localidade e o estabelecimento comercial da Arguida se situa na mesma praça do que o Tribunal, existindo litígios pendentes em julgamentos (à data dos factos e ainda hoje) entre as famílias dos aqui intervenientes, certamente os Assistentes já teriam conhecimento que a Arguida tinha uma loja naquele local. Ainda que assim não fosse, se as intenções da Assistente fossem puras, logo que se apercebesse que a loja em que entrara era da Arguida, arrepiava caminho e não insistiria em comprar naquele local. Certo é que ao sair de um julgamento em que o seu marido é Arguido, por queixa apresentada pela irmã e mãe da aqui Arguida Manuela, à luz do comportamento do Homem comum, por mais que gostasse de um casaco, ninguém daria a ganhar dinheiro ao familiar dos seus acusadores. Mais a mais, sempre se dirá que é flagrante o objectivo que movia os Assistentes, uma vez que mesmo depois de (alegadamente) ter ficado trancada na loja, 15 a 20 minutos – versão que não foi confirmada em julgamento – a Assistente não se demoveu dos seus intentos, permanecendo no seu alegado “cárcere” por vontade própria e contra o pedido dos militares da GNR que foram chamados pela própria Arguida.
Por todo o exposto, não ficou provado que a Assistente quisesse comprar um casaco, mas sim que usou tal argumento para entrar e permanecer na loja da Arguida.
No que respeita aos factos descritos em 2), foram os mesmos confirmados pela Arguida Manuela e pela Assistente Maria.
No entanto, não ficou provado que a Arguida Manuela tenha dito à Assistente: “Sua filha da puta, sua mula, sua ordinária, não vales nada, põe-te no caralho” (Ponto A)). Se a Arguida Manuela negou ter proferido tais expressões, as declarações da Assistente Maria também não foram suficientes para dar aqueles factos como provados. Com efeito, para além da Arguida Manuela, a Testemunha Fernanda – que disse ter estado na loja quando a Assistente Maria lá se encontrava – afirmou que a Arguida Manuela não proferiu aquelas palavras.
Cumpre aqui sublinhar que a própria Assistente não referiu – de forma espontânea - que a Arguida Manuela a tenha chamado de “mula”, “ordinária” ou que tenha dito “não vales nada”.
Com declarações pouco lógicas, nos termos já sublinhados e, contrariadas pela restante prova produzida, não mereceu credibilidade o descrito pela Assistente Maria e nem as declarações do Assistente Joaquim poderiam acrescentar alguma prova ao alegado. Senão vejamos.
As declarações do Assistente Joaquim foram pautadas por contradições, do início ao fim da inquirição, tendo o mesmo voltado através no seu depoimento por diversas vezes, acabando por dar uma versão dos factos pouco lógica, contrária às regras da experiência comum ou até mesmo contrárias ao anteriormente alegado pela sua esposa ou ao descrito nas acusações particulares.
Defendeu o Assistente que, do exterior da loja, ouviu a Arguida Manuela a insultar a sua esposa. No entanto, as expressões e o momento em que as mesmas terão sido proferidas não coincidem com o alegado pela Assistente Maria, nem com a acusação particular deduzida por esta.
É ainda de sublinhar que o Assistente Joaquim alegou que, para além dos insultos, viu a sua esposa a ser empurrada pela Arguida Manuela e pelo Arguido Rui, mas nunca entrou na loja em sua defesa ou, pelo menos, para a convencer a sair do estabelecimento comercial, já que os seus alegados apelos do exterior não eram suficientes.
Por fim, das declarações da Assistente também não resultou que tenha respondido à Arguida “Se não precisas do meu dinheiro, eu preciso de um casaco que tenho frio” já que, afinal, não tinha frio, gostava era de um casaco em especial (ponto A)).
O ponto 3) ficou provado pelas declarações da Assistente Maria, da Arguida Manuela e pelo depoimento da Testemunha Fernanda que foram coincidentes neste ponto.
No que respeita à factualidade descrita em 4), a própria Arguida confirma que saiu do estabelecimento comercial. No entanto, nega ter fechado a Assistente dentro do mesmo.
Nesta parte, Fernanda e Gil confirmaram que a Arguida Manuela saiu do seu estabelecimento para chamar a GNR, tendo sido aquela a realizar a chamada. Nenhuma destas Testemunhas disse que a Arguida trancou a porta da loja quando saiu. O próprio Assistente Joaquim – que aguardava, junto ao seu veículo, na rua – disse que não se recordava ter visto a Arguida a fechar a porta à chave. Perguntado se, em algum momento, ao ver a sua esposa alegadamente trancada, falou com a Arguida Manuela e lhe pediu para abrir, o mesmo respondeu que não.
Mais uma vez, a passividade do Assistente demonstra que os factos não ocorreram nos moldes descritos na acusação particular e que a Assistente Maria ficou na loja por sua própria vontade.
Defende o Assistente que procurou o número de telefone da GNR junto do quiosque que fica em frente à loja, sem sucesso, pelo que se deslocou de carro, até ao posto. Ora, em primeiro lugar, se a Arguida Manuela também tinha chamado as autoridades, à sua frente (a Testemunha Gil encontrava-se no exterior do café ao lado da loja), desconhece-se porque é que precisava voltar a ligar. Em segundo lugar, se o Assistente não conseguiu o número da GNR, no quiosque, desconhece-se porque é que não se dirigiu ao dito café. Por fim, todos os inquiridos referiram que várias pessoas estavam no local e, portanto, terão assistido aos factos, inclusive um familiar dos Assistente que trabalha ou trabalhava no referido quiosque. Assim, questiona-se porque é que nem uma pessoa foi arrolada como Testemunha dos Assistentes, a estes factos.
Por todo o exposto, deu-se o ponto B) como não provado.
O ponto 5) foi confirmado pelos próprios, não contrariados por nenhuma outra prova produzida em julgamento.
Os pontos 6) e 7) foram confirmados por todas as pessoas inquiridas sobre esta matéria, bem como resulta da documentação clínica de fls. 32..
Quanto ao descrito em 8), foi o mesmo confirmado pelo Assistente Joaquim, pelo Arguido Rui e pelas Testemunhas L. C. e M. S..
No entanto, se Rui e a Testemunha L. C. dizem que não obstante o teor das palavras proferidas pelo Arguido António fosse insultuoso, não foram capazes de descrever as expressões proferidas.
Até a inquirição destas pessoas, a versão apresentada pelo Assistente Joaquim prevalecia, não tendo sido contrariada por nenhuma contraprova produzida.
Contudo, no final da audiência, requerida e deferida a leitura do depoimento escrito de M. S., verifica-se que esta Testemunha confirma que o Arguido António insultou o Assistente Joaquim, chamando-o de “gatuno” e que lhe disse ainda que “ia pagar por aquilo que fez à irmã”. Ora, estas não são as expressões referidas pelo Assistente e que são particularmente fáceis de decorar: “Onde está o filho da puta? Onde está o gajo? Arranco-te os tomates!”.
Perante esta contradição entre declarações e depoimento, sendo a versão apresentada pelo Assistente mais gravosa, não é possível, sem sombra para dúvidas, dar como provados que o Arguido António apelidou o Assistente de “filho da puta”, impondo a lei, pelo princípio do in dubio pro reo, que se dêem os factos descritos em N) como não provados.
O ponto 9) resulta de fls. 51 e 55 dos autos.
Os factos descritos em 10) resultam dos documentos aí referidos, não tendo sido produzida prova em julgamento no sentido que os Assistentes Rui e Manuela tivessem tido conhecimento anterior da dita queixa, tendo apenas esta última referido que, dias antes da saída da notícia, o cunhado da Arguida Maria espalhou pela localidade que ia sair uma notícia bombástica.
O ponto 11) resulta do conhecimento geral, uma vez que o jornal em causa faz parte dos que têm maior tiragem, a nível nacional, bem como foi confirmado pelas Testemunhas inquiridas a esta matéria, que residem no Mogadouro ou em Aveiro (Paulo e Estela).
Estas mesmas Testemunhas, assim como os Assistentes Rui e Manuela confirmaram o descrito de 12) a 14), resultando das regras da experiência comum o impacto que este tipo de notícia tem na comunidade em geral quando se conhece os intervenientes ou o local onde os factos ocorreram. Nas redes sociais, a censura pública ocorre mesmo quando não se conhecem os intervenientes.
Quanto ao ponto 14), a Testemunha Bárbara, jornalista do X e que tratou da elaboração da notícia referida em 12), foi categórica ao afirmar que o jornal só poderia ter conhecimento do sucedido através da Arguida Maria, tendo sido a mesma a contactar o chefe daquela, a ligar mais do que uma vez para descrever os factos e procurar saber quando é que a notícia sairia. A única satisfação que a Arguida poderia retirar da divulgação do caso pelos meios de comunicação social seria a de ver a honra e consideração dos Assistentes diminuídas, o que conseguiu.
A Arguida pretendia divulgar o sucedido, quando os suspeitos ainda nem sequer tinham sido constituídos arguidos, acusados pelo Ministério Público e condenados (o que não veio a acontecer). Pelo já supra exposto, ficou demonstrado em julgamento que a Arguida agiu livre e conscientemente, sendo do conhecimento geral que este tipo de conduta é proibido e punido por lei – ponto 15).
Os factos descritos de 16) a 20) resultam da conjugação das declarações dos Assistentes Rui e Manuela com os depoimentos das Testemunhas Paulo e Estela, sendo patente que não obstante a vergonha e constrangimento que a Assistente Manuela sentiu, esta ficou mais nervosa por causa do impacto que aquela notícia teve na vida profissional e pessoal do seu filho.
Não obstante os Assistentes ainda poderem sentir vergonha por acharem que a sua idoneidade ainda é questionada pelas pessoas que os rodeiam, as regras da experiência comum e o depoimento de Paulo permitem concluir que o decurso do tempo atenuou as inseguranças do Demandante Rui, voltando o mesmo ao que era antes – facto Z.
Os pontos 21) e 22) resultam dos Certificados de Registo Criminal de fls. 454 a 459, dos autos.
No que respeita às condições pessoais de vida dos Arguidos, foram os factos fornecidos pelos próprios, sendo que, não tendo sido contrariados por nenhuma outra prova junta aos autos e não chocando com as regras da experiência comum, foram dados como provados – pontos 23) a 27).
Quanto aos factos dados como não provados e ainda não fundamentados, o ponto C) foi contrariado pelas próprias declarações da Assistente Maria, uma vez que, depois da chegada da primeira patrulha da GNR, aquela não saiu do estabelecimento comercial, mantendo o propósito que queria comprar um casaco, tendo sido necessária a chegada de outra patrulha da GNR para que, finalmente, anuísse sair da loja.
Os factos descritos de D) a G) resultaram da falta de prova do facto descrito em A).
O mesmo sucede com os factos descritos de I) a L).
Com efeito, não tendo sido provado a prática dos factos ilícitos imputados à Demandada, não podem ser dados como provados os alegados danos causados por essa conduta, sendo certo que a única prova apresentada são as declarações dos Assistentes que, pelas razões já apontadas, não mereceram credibilidade.
Quanto aos factos descritos em H) e U), a falta de prova desses factos não significa que se tenha dado como provado o contrário. Simplesmente, não tendo sido produzida prova nesse sentido, cumpre dar tais factos como não provados.
Quanto aos factos descritos em O), nenhumas das Testemunhas inquiridas em julgamento referiram que viram o Arguido Rui a dirigir-se ao Assistente Joaquim nos termos descritos. Este mesmo Ofendido não foi capaz de descrever, de forma específica, as expressões que alegadamente lhe foram dirigidas, omitindo por completo as palavras “velhaco” e “isóteros”, difíceis de esquecer.
Pese embora o Arguido Rui tenha referido que o Assistente Joaquim o acusou, no Centro de Saúde, que o estava a insultar, quando não o tinha feito (alegadamente), dando-se como não provado os actos descritos em O), não se pode dar como provado que “em resposta aos insultos”, o Assistente Joaquim tenha proferido a frase descrita em P).
Os factos descritos de Q) a T) resultaram da falta de prova dos factos descritos em N) e O).
O mesmo sucede com os factos descritos de V) a Z).
Com efeito, não tendo sido provado a prática dos factos ilícitos imputados aos Demandados, não podem ser dados como provados os alegados danos causados por essa conduta, sendo certo que a única prova apresentada são as declarações dos Assistentes que, pelas razões já apontadas, não mereceram credibilidade.
Por fim, cumpre referir que o despacho de pronúncia remeteu para os factos constantes na acusação particular apresentada pelos Assistentes Rui e Manuela. No entanto, aqui chegado, verifica-se que os factos (ou conclusões) aí referidos sobre a falsidade das declarações da Arguida Maria não importam para a decisão da causa, nos termos em que o enquadramento jurídico é feito, na medida em que, conforme infra se explicará, o elemento objectivo é preenchido pela simples imputação de factos ofensivos à honra, cabendo à defesa, caso assim o pretenda, alegar – em contestação – que os factos que imputa na dita notícia são verdadeiros (artigo 180º, n.º2, alínea a), do Código Penal), o que não foi feito. Certo é, que para prova da falsidade das declarações da Arguida, deveriam ter sido alegados os factos imputados por esta que não correspondem à verdade, tendo sido feita uma simples remição para a notícia publicada, assim como deveria ter sido arrolada toda a prova testemunhal e documental correspondente, o que também não foi feito.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
3.1. Crime de injúria

Vêm os Arguidos Rui, António e Manuela acusados da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181º do Cód. Penal, cada um.
(…)
No nosso caso concreto, ficou demonstrado que no dia 26 de Setembro de 2014, entre as 13h30 e as 14h30, a Assistente Maria entrou no estabelecimento comercial da Arguida Manuela, uma loja de roupa sita no Largo ..., no Mogadouro, com a desculpa que queria comprar um casaco. No interior do estabelecimento comercial, a Arguida Manuela dirigiu-se à Assistente Maria e disse-lhe, em voz alta e exaltada, o seguinte: “Vai-te embora” (…) “eu não preciso do teu dinheiro”. Como a Assistente Maria não saía da loja, a Arguida Manuela saiu para chamar as autoridades policiais.
Nesse mesmo dia, entre as 15h30 e 17h30, o Assistente Joaquim, deslocou-se com a sua esposa, a Arguida/Assistente Maria ao Serviço de Urgências do Centro de Saúde, sito no Largo …, para que a mesma fosse assistida. Enquanto o Assistente Joaquim aguardava que a sua esposa fosse assistida por um clínico, na sala de espera do Serviço de Urgências, surgiram o Arguido Rui e o Arguido António. O Arguido António ao entrar na sala de espera, dirigiu-se ao Assistente Joaquim, dirigindo-lhe expressões, não concretamente apuradas, tendo sido entretanto retirado da sala pelo segurança que ali estava ao serviço.
Ora, destes factos não resultam preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do crime imputado aos Arguidos. Com efeito, no que respeita aos Arguidos Manuela e Rui não ficou demonstrado que os mesmos se tenham dirigido, respectivamente, à Assistente Maria e ao Assistente Joaquim. Em relação ao Arguido António, pese embora tenha ficado provado que o mesmo dirigiu expressões ao Assistente Joaquim, desconhecendo-se o teor das mesmas, não é possível concluir se as mesmas são ou não ofensivas à honra do Assistente.

Por todo o exposto, sem serem necessárias mais considerações, deverá decidir-se em conformidade e absolver os Arguidos das acusações proferidas.

3.2. Do crime de difamação

Vem a Arguida Maria pronunciada pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180º, do Código Penal.
Estabelece assim todo referido artigo 180º do Código Penal, que “1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.

2- A conduta não é punível quando:

a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.

3 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 31.º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar.

4 - A boa fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.”.
O presente ilícito criminal visa proteger a honra e a consideração da pessoa humana.
A honra é um direito da pessoa, corolário do princípio da irredutível dignidade da pessoa humana, ou seja, “um aspecto da personalidade de cada indivíduo, que lhe pertence desde o nascimento apenas pelo facto de ser pessoa e radicada na sua inviolável dignidade” (Comentário Conimbricense, Tomo I, Coimbra Editora, Faria Costa, pág. 606, § 11). O seu conteúdo traduz-se especificamente no direito, comum a qualquer pessoa, de que não lhe sejam imputadas, sob a forma de factos ou juízos, condutas ou características tidas por socialmente desvaliosas.
A consideração consubstancia-se na reputação exterior que o indivíduo goza na sociedade.

Assim, o primeiro conceito – honra – tem subjacente uma concepção normativa do bem jurídico em causa, porque radica num princípio jurídico e, por via do mesmo, é igual em relação a todas as pessoas, sendo, por essa razão, totalmente alheio “ao juízo valorativo que cada pessoa faz de si mesma (idem, pág. 603, § 4), e ao juízo que os outros fazem dela. O segundo conceito – consideração – corresponde a uma concepção fáctica do bem jurídico tutelado, porque reporta-se à reputação que, em concreto, um determinado indivíduo goza na sociedade, pelo que é susceptível de sofrer variações de pessoa para pessoa.

A conduta do agente pode assumir duas modalidades: a imputação de factos, mesmo sob a forma de suspeita; e a formulação de juízos de (des)valor. A primeira incide sobre a reprodução de um dado real da experiência ou de um acontecimento concreto. A segunda corresponde a uma valoração de uma determinada realidade.
A consumação do crime de difamação não exige a ofensa efectiva da honra e/ou da consideração do visado, nem a criação de uma situação de perigo concreto, ou seja, que a honra ou a consideração da vítima entre no espectro de efeitos da conduta concreta e, apenas por circunstâncias irrepetíveis, não tenha sido atingida. Na verdade, basta que a conduta do agente seja objectivamente adequada a produzir o resultado referido. Trata-se, por isso, de um crime de perigo abstracto-concreto (in O Direito à honra e a sua tutela penal, Almedina, 1996, pág. 56).

Assim, o que importa averiguar é a adequação objectiva da conduta para provocar o resultado danoso, o que “se tem sempre de fazer pelo recurso a um horizonte de contextualização” (Faria Costa, ob.cit., pág. 612, § 27). Como se escreveu no Acórdão da Relação do Porto de 5 de Novembro de 2008, relatado por Pinto Monteiro e disponível em www.dgsi.pt, “Para determinar se certa expressão, imputação ou formulação de juízos de valor têm relevância típica no âmbito dos crimes contra a honra há que considerar o contexto em que o agente actuou, as razões que o levaram a agir como agiu, a maior ou menor adequação social do seu comportamento, etc. (…)
Tem que se retirar das expressões proferidas, um cariz ofensivo, em termos objectivos, tomando como paradigma o sentir geral da comunidade, a «consciência ético-social da comunidade histórica que há-de legitimar a decisão legislativa de incriminar uma conduta», nas palavras de Taipa de Carvalho, em “Condicionalidade sócio-cultural do Direito Penal”, Coimbra, 1985, pág. 90 e ss.”.

Por seu turno, seguindo de muito perto o que se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de Dezembro de 2012, relatado por Margarida Bacelar no âmbito do processo n.º 5816/11.0TDLSB.L1-5, disponível em www.dgsi.pt, diremos ainda o seguinte: se o crime de difamação protege um direito fundamental que é a honra, havê-lo como praticado pode contender com outro direito fundamental que é a liberdade de expressão, para o que aqui interessa, na sua “faceta” de liberdade de opinião (cfr. os arts. 26º, nº 1 e 37º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa). Por isso, a contextualização assume um papel sobremaneira relevante. É na avaliação concreta do caso que se deve procurar a imprescindível harmonização entre os bens jurídicos eventualmente conflituantes obstando a que um se sobreponha ao outro.

No nosso caso concreto, ficou demonstrado que antes de serem constituídos Arguidos, os Assistentes Rui e Manuela tiveram conhecimento que a Assistente Maria teria apresentado uma queixa contra eles através do Jornal X, em papel, páginas 12 e 13, e na versão online, ambos de 20 de Outubro de 2014, cujo exemplar e cópia, respectivamente, se encontram a fls. 185 a 188 dos autos e que se dão aqui por integralmente reproduzidos. Tal notícia foi difundida em termos locais e nacionais. Os factos constantes na notícia foram comentados negativamente de forma pública na rua, nos cafés e nas redes sociais. Tal divulgação envergonhou os Assistentes Rui e Manuela, provocando mesmo que pessoas ficassem com uma ideia errada dos mesmos. A Arguida Maria tinha como propósito formular sobre os Assistentes Rui e Manuela juízo públicos ofensivos da sua honra e consideração, o que conseguiu. A Arguida Maria agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Analisado o teor da notícia, para o qual os factos dados como provados remetem na sua integralidade, verifica-se que a Arguida Maria contou à comunicação social que “A dona Manuela insultou-me aos gritos, disse que não me vendia um casaco e negou-me o livro de reclamações. Chamou o filho, a GNR e fechou-me na loja, só abrindo a porta já com a guarda. O Rui agarrou- me, empurrou-me contra uma prateleira e ainda levei um pontapé no joelho. Os guardas chamaram-me para fora da loja e aconselharam-me a apresentar queixa”.

Ora, pese embora a Arguida não tenha pretendido defender-se nos termos do disposto no n.º2, do artigo 180º, do Código Penal, sempre se dirá que, no que respeita aos alegados insultos proferidos pela Assistente Manuela, vai a mesma absolvida por falta de produção de prova nesse sentido. Quanto à prática dos alegados crimes de sequestro e ofensa à integridade física referidos na notícia e imputados pela Arguida e seu Ilustre Mandatário, aos Assistentes Manuela e Rui, foi proferido despacho de arquivamento pelo Ministério Público – por falta de prova - e o requerimento de abertura de instrução apresentado pela aqui Arguida foi rejeitado liminarmente, ao abrigo do disposto nos artigos 287º, n.º2 e 283º, n.º3, alínea b), ambos do Código de Processo Penal. Dito isto, conclui-se que a Arguida imputou factos aos Assistentes que não ficaram demonstrados neste processo e portanto não logrou provar a verdade do que descreveu na notícia do jornal.

No que respeita à “realização de interesse legítimo”, toda a participação ou queixa criminal contém, em regra, objectivamente, uma ofensa à honra, por comunicar a prática de factos configuradores de um comportamento criminoso. A denúncia de um crime, quando identificado o seu autor ou o suspeito de o ter cometido, objectivamente, atinge a honra do denunciado. Apesar disso, é evidente que ninguém pode ser impedido de participar um facto delituoso. Ao direito à honra do denunciado contrapõe-se o direito à denúncia como via necessária de acesso à justiça e aos tribunais para defesa dos interesses legalmente protegidos do denunciante, direito constitucionalmente consagrado – art. 20.º da CRP. Num Estado de direito é impensável, pois, impedir quem quer que seja de participar um facto delituoso, com a justificação de que em consequência da participação ir- se-á lesar a honra do participado (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Abril de 2010, Processo n.º 1/09.3YGLSB.S2, disponível em www.dgsi.pt).

No entanto, só pode prevalecer o direito à denúncia realizado através dos meios próprios para o efeito, isto é, através das autoridades policiais ou do Ministério Público. A Arguida denunciou os factos que imputou na notícia aos Assistentes, através de queixa apresentada a 29 de Setembro de 2009. Contudo, estes ainda não tinham sido constituídos arguidos naquela investigação que a Arguida relatou ao “X” denunciando publicamente factos cuja prova não apresentou e que determinou o arquivamento do procedimento criminal contra aqueles.

Para além do mais, ficou demonstrado em julgamento que a Arguida Maria tinha como propósito formular sobre os Assistentes Rui e Manuela juízo públicos ofensivos da sua honra e consideração, o que conseguiu, pelo que, sem margem para dúvidas não se pode concluir que a mesma tenha agido, movida por interesses legítimos.
Por todo o exposto, incorreu a Arguida Maria na prática de dois crimes de difamação. Sucede que dos factos dados como provados resulta que a Arguida praticou a difamação através de meio de comunicação social, pelo que se encontra preenchida a agravação prevista no n.º2, do artigo 183º, do Código Penal.
Com efeito, resulta deste normativo 183º que “1 - Se no caso dos crimes previstos nos artigos 180.º, 181.º e 182.º:

a) A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; ou,

b) Tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação;
as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.

2 - Se o crime for cometido através de meio de comunicação social, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias.”
Consigna-se que tal alteração da qualificação jurídica dos factos foi comunicada ao abrigo do disposto no n.º3, do artigo 358º, do Código de Processo Penal.

Nestes termos, não existindo qualquer causa de exclusão da culpa ou da ilicitude, é a Arguida Maria condenada pela prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de difamação agravada, previsto e punido pelo artigo 180º, n.º1 e 183º, n.º2, ambos do Código Penal.
(…).»
*
2.4. Conhecimento do recurso
Passando a apreciar e a decidir das questões suscitadas pela ordem lógica do conhecimento:

1ª – Da nulidade da acusação particular, por a mesma ser omissa quanto à identificação da arguida

Sustenta a arguida/recorrente que contra si deduzida é nula/manifestamente infundada por ser omissa quanto à identificação da arguida, ora recorrente, dela não constado o seu nome completo ou sequer a sua filiação, freguesia e concelho de naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, residência ou sequer local de trabalho.
O Exmº. PGA, no parecer emitido, pronuncia-se no sentido de que, tendo em conta que na acusação particular, que consta a fls. 405 a 409 dos autos, deduzida pelos assistentes contra a arguida, se refere que a acusação e o pedido cível são formulados contra Maria (cfr. fls. 405), não se verifica a invalidade invocada pela arguida/recorrente, além de que sempre seria intempestiva a sua arguição, tanto mais que a arguida requereu a abertura da instrução, sem que invocasse a sua existência.
Assiste inteira razão ao Exmº. PGA.

Na verdade, é completamente destituída de fundamento a nulidade da acusação particular invocada pela arguida/recorrente, posto que, conforme resulta de fls. 386, em tal peça processual consta que é deduzida “contra Maria, residente na …, vivenda AP, São Domingos de Rana, e melhor identificada nestes autos …”.
Acresce que, como também faz notar o Exmº. PGA, sempre seria extemporânea a arguição da apontada nulidade da acusação, tendo a arguida/recorrente requerido a abertura da instrução (cfr. fls, 414 e segs.), que teve lugar, vindo a ser pronunciada pelos factos constantes da aludida acusação (cfr. fls. 477), sem que suscitasse a invocada questão.
Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, neste segmento, tem de improceder o recurso.

2ª – Da nulidade por falta de notificação da arguida, ora recorrente, da data designada para a leitura da sentença

Invoca a arguida/recorrente a existência da nulidade, por não ter sido regularmente notificada da data designada para a leitura da sentença, que teve lugar, na sua ausência e sem que estivesse presente o seu mandatário constituído, sendo previamente comunicada à defensora oficiosa nomeada para o ato, uma alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na pronúncia, sem que a arguida tivesse podido pronunciar-se exercer o direito de defesa.
Manifesta a arguida/recorrente que o expediente que continha a notificação da arguida/recorrente foi depositado na caixa do correio, em 13/03/2017, pelo que, considerado o regime legal aplicável a notificação apenas se considera efetuada no 5º dia útil posterior ao depósito da correspondência, correspondendo ao dia 20/03/2017, que coincide com a data designada para a leitura da sentença, pelo que, arguida – com domicílio na zona de Cascais – se viu impedida de comparecer à diligência.
O Exmº. PGA pronuncia-se no sentido de, nesta parte, assistir razão à arguida/recorrente, não tendo esta sido regularmente notificada para a sessão da audiência, em que teve lugar a leitura da sentença, o que consubstancia uma nulidade insanável – artigo 119º, al. c), do C.P.P. –, que importa declarar, com as consequências daí decorrentes.

Vejamos:

Para poderemos apreciar a questão que nos ocupa, importa ter presente a tramitação processual ocorrida:

a) A arguida/recorrente e o seu il. mandatário estiveram presentes na sessão da audiência de julgamento realizada no dia 07/02/2017, na qual foi encerrada a discussão da causa, tendo sido designada para a leitura da sentença o dia 20/02/2017 (cfr. ata de fls. 500 a 505);

b) Na data marcada para a leitura da sentença (20/02/2017), foi comunicado pela Srª. Juiz “que se encontrava de baixa médica e que não iria proceder à leitura da sentença para hoje designada e que posteriormente seria designada nova data” (cfr. cota lavrada a fls. 517 dos autos);

c) Por despacho proferido em 08/03/2017, a Srª. Juiz designou para a leitura da sentença o dia 20/03/2017 (cfr. fls. 518).

d) A il. mandatária da arguida foi notificada de tal despacho, tendo, por requerimento datado de 14/03/2017, vindo requerer que fosse dada sem efeito a data designada para a leitura da sentença (20/03/2017), por estar impedida noutra diligência (cfr. fls. 527);

e) O requerimento mencionado na al. d) foi indeferido, por despacho proferido em 16/03/2017 (cfr. fls. 528), que foi notificado à il. mandataria da arguida, no dia 17/03/2017 (cfr. fls. 530 e 531).

f) O expediente enviado para notificação à arguida do despacho que designou data para a leitura da sentença, foi depositado na caixa do correio, em 13/03/2017 (cfr. talão de depósito a fls. 532 dos autos).

g) No dia 20/03/2017, não estando presentes a arguida, nem a sua ilustre mandatária, foi nomeada defensora oficiosa à arguida, teve lugar a sessão da audiência de julgamento (cfr. ata a fls. 537 e seguintes), na qual:

. Em relação à falta da arguida foi proferido, pela Srª. Juiz, o seguinte despacho:

Não obstante estar devidamente notificada – prova de depósito de 13.03.2017, 5º dia posterior a 18.03.2017, art. 113º, nº 3 do C.P.P. – a Arguida Maria não se encontra presente, nem justificou a sua falta. Deste modo, condena-se a mesma em multa processual, que se fixa em duas unidades de conta.
A falta da Arguida não impede a leitura da sentença no dia de hoje.
Contudo, tendo sido nomeada defensora, por falta da sua Ilustre Mandatária, determina-se que a mesma seja notificada da sentença, mediante contato pessoal, solicitando-se os bons ofícios das entidades policiais da área da sua residência.
Notifique.”

. Foi, ainda, proferido o seguinte despacho, pela Srª. Juiz:
Ao abrigo do disposto no artigo 358º, nº. 3, do Código de Processo Penal, o Tribunal comunica à Arguida Maria que pondera qualificar os factos pelos quais vem pronunciada, pelo artigo 180º, nº. 1 e 183º, nº. 2, do Código Penal.
Notifique.”
. Na sequência da mencionada comunicação, tendo sido dada a palavra à il. defensora oficiosa da arguida/recorrente, nomeada para o ato, pela mesma foi dito nada ter a requer.
. De seguida a Srª. Juiz a quo procedeu à leitura da sentença.
*
Do que se deixa descrito decorre que a arguida, ora recorrente, não esteve presente na sessão da audiência de julgamento, realizada no dia 20/03/2017, em que foi comunicada uma alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na pronúncia, ao abrigo do disposto no artigo 358º, nº. 3 do C.P.P. e se procedeu à leitura da sentença.
Manifesta a arguida/recorrente que não estava regularmente notificada para comparecer na data designada para a leitura da sentença e invoca a nulidade daí decorrente.
De harmonia com o disposto no artigo 61º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, o arguido goza do direito de estar presente aos atos processuais que diretamente lhe disserem respeito.
Um desses atos é precisamente a audiência de julgamento, desde o início até ao encerramento, com a leitura da sentença.
O arguido deverá, pois, tal como o seu defensor, ser notificado para comparecer naquele ato, conforme decorre do disposto no artigo 113º, nº. 10, do C.P.P.
Nos casos em que a notificação seja efetuada por via postal simples, dispõe o artigo 113º, nº. 3, do C.P.P., o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa do correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exato do depósito e, e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efetuada no 5º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação.
No caso vertente, verifica-se que o expediente para notificação à arguida/recorrente do despacho que designou o dia 20/03/2017, para a leitura da sentença, foi enviado, por via postal simples, com PD, a 10/03/2017 (cfr. fls. 522), para a morada pela arguida indicada no TIR que prestou, a fls. 277 verso, foi depositado, no recetáculo, em 13/03/03/2017 (cfr. fls. 533).
Por força do disposto no citado nº. 3 do artigo 113º do C.P.P., a notificação à arguida do despacho que designou a data para a leitura da sentença, considera-se efetuada no dia 18/03/2017 (sendo este o 5º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal como aquela em que depositou a carta na caixa do correio da arguida).
Em nosso entender e salvo o devido respeito pela posição contrária defendida pelo Exmº. PGA, à notificação para comparência a ato processual, não é aplicável o disposto no artigo 279º do Código Civil.
Em nosso entender tal disposição legal apenas se aplica à contagem dos prazos para a prática de atos processuais, fora dos casos previstos na lei processual civil, pra au remete o artigo 104º-A do Código de Processo Penal.
A presunção de que a notificação foi efetuada no 5º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal como aquela em que depositou a carta na caixa do correio do notificando, pode ser ilidida, mas terá de ser o notificando a ilidi-la, demonstrando que não foi notificado.
Por conseguinte, há que considerar que a arguida/recorrente foi notificada, no dia 18/03/2017, da data designada para a leitura da sentença - o dia 20/03/2017 -, não tendo comparecido, nem comunicado a impossibilidade de comparência.
Nesta conformidade, estando a arguida/recorrente regularmente notificada da data designada para a leitura da sentença, tal como o estava a sua ilustre mandatária, não tendo comparecido, sendo nomeada defensora oficiosa à arguida/recorrente, que a representou, para os efeitos legalmente previstos, entendemos não se verificar a invocada nulidade, por a leitura da sentença ter sido efetuada na ausência da arguida/recorrente.

Assim sendo, improcede também, nesta parte, o recurso.
Violação do direito de defesa e do direito ao contraditório (artigos 32º, nº. 1 e 18º, nº. 1, ambos da CRP)
Sustenta a arguida/recorrente que foram violados o direito de defesa e o direito ao contraditório, consagrados nos artigos 32º, nº. 1 e 18º, nº. 1, ambos da CRP, por o tribunal ter determinado a alteração da qualificação jurídica dos factos, ao abrigo do disposto no artigo 358º, nº. 3, do C.P.P., sem que à arguida tenha sido concedida a oportunidade de defesa.

Vejamos:

Na sessão da audiência, designada para a leitura da sentença, a que a arguida/recorrente e o seu mandatário constituído, faltaram, estando devidamente notificados para comparecer, conforme supra concluímos, tendo sido nomeada defensora oficiosa à arguida/recorrente, o tribunal a quo, ao abrigo do disposto no artigo 358º, nº. 1, do C.P.P., comunicou à arguida/recorrente, na pessoa da il. defensora nomeada, ponderar a alteração da qualificação jurídica dos factos pelos quais a arguida/recorrente foi pronunciada, em termos de integrarem o crime p. e p. pelos artigos 180º, nº. 1 e 183º, nº. 2, ambos do Código Penal, tendo a il. defensora dito nada ter a requerer. – cfr. ata da audiência a fls. 537 verso.
Nesta sequência o tribunal a quo procedeu à leitura da sentença sob recurso.

Relativamente ao momento para proceder à comunicação da alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, impondo-se que o seja no decurso da audiência (cfr. artigo 358º, nºs. 1 e 2, do C.P.P.) e depois de iniciada a produção da prova (em conformidade com a jurisprudência fixada no Acórdão nº. 11/2013, do STJ, publicado no DR 138, Série I, de 19/07/2013), nada impede que tenha lugar, depois de produzidas as alegações orais finais (neste sentido, cfr., entre outros, Ac. do STJ de 16/06/2005, proc. 1576/05, e de 17/9/2009, proc. 169/07.3GCBNV.S1, ambos acessíveis no endereço www.dgsi.pt), como aconteceu no caso vertente.

Por outro lado, perfilhamos o entendimento jurisprudencial que se crê unânime no sentido de que o despacho através do qual o juiz do julgamento comunica a alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação ou da pronúncia não necessita de ser notificado pessoalmente ao arguido, podendo essa notificação ser realizada na pessoa do defensor do arguido, como se verificou no caso sub judice, pois que, como se decidiu no Ac. do STJ de 13/02/2008, proc. 08P213, apenas os atos indicados no n.º 9 do art. 113.º do CPP, em que não se inclui o cumprimento do art. 358.º, n.º 3 (nem, aliás, o do art. 359.º), devem ser notificados pessoalmente ao arguido.

Neste quadro, tendo o tribunal a quo observado o disposto no artigo 358º, nº. 3, do C.P.P., sendo a comunicação da alteração da qualificação jurídica nos termos sobreditos, efetuada à arguida/recorrente, na pessoa da il. defensora que lhe foi nomeada na sessão da audiência de julgamento a que, estando devidamente notificada, não compareceu, não houve violação do direito de defesa ou do contraditório, constitucionalmente consagrados, nos artigos 32º, nº. 1 e 18º, nº. 1, ambos da Constituição da República Portuguesa.
Consequentemente, também, nesta vertente, o recurso improcede.

4ª – Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – artigo 410º, nº. 2, al. a), do C.P.P.;

Defende a arguida/recorrente que a sentença recorrida enferma do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por os factos provados sob os pontos 1º a 27º não permitirem que lhe seja imputada a prática de qualquer ilícito penal e, designadamente, dos crimes de difamação agravada p. e p. pelos artigos 180º, nº. 1 e 183º, nº. 2, ambos do Código Penal, por que foi condenada, não tendo o tribunal a quo apurado, como se impunha que fizesse, os factos que levaram à notícia e quem motivou a sua divulgação.

O Ministério Público junto da 1ª instância, pronuncia-se no sentido de não se verifica o invocado vício, porquanto o tribunal a quo, fundamentou a convicção de que a arguida/recorrente foi quem comunicou a notícia ao Jornal X, como resulta dos segmentos exarados na motivação da decisão de facto, respeitantes aos pontos 14 e 15, com referência ao depoimento da testemunha Bárbara, Jornalista daquele jornal, que tratou da elaboração da notícia.

Vejamos:

O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na al. a) do nº. 2 do artigo 410º do C.P.P., constituindo um defeito estrutural da decisão, terá de resultar do respetivo texto, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, estando vedado o recurso a elementos estranhos ao texto da sentença para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer elementos existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.

O indicado vício ocorre quando os factos provados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou de dispensa da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. – e isto, porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda, porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência. – cfr., entre outros, Ac. da RC de 05/11/2008, proferido no proc. 268/08.4GELSB.C1, acessível no endereço www.dgsi.pt.

A verificação do enunciado vício supõe, por conseguinte, que os factos provados na sentença não constituem suporte bastante para a decisão que foi tomada, quer porque não permite integrar todos os elementos materiais de um tipo de crime, quer porque deixem espaços não preenchidos relativamente a elementos essenciais à determinação da ilicitude, da culpa ou outros necessários para a fixação da medida da pena.

Revertendo ao caso dos autos, temos que, na sentença recorrida, o tribunal a quo:

A) Condenou a arguida, ora recorrente, pela prática, em autoria material e em concurso real, de dois crimes de difamação agravada p. e p. pelos artigos 180º, nº. 1 e 183º, nº. 2, ambos do Código Penal, tendo como ofendidos os assistentes Manuela e Rui:
B) A condenação proferida teve por base os factos dados como provados sob os pontos 9) a 15), a saber:

9) Os Assistentes Rui e Manuela foram constituídos Arguidos neste processo a 05 de Janeiro de 2015, sendo queixosa a Arguida/Assistente Maria.
10) Antes de serem constituídos Arguidos, os Assistentes Rui e Manuela tiveram conhecimento que a Arguida/Assistente Maria teria apresentado uma queixa contra eles através do Jornal X, em papel, páginas 12 e 13, e na versão online, ambos de 20 de Outubro de 2014, cujo exemplar e cópia, respectivamente, se encontram a fls. 185 a 188 dos autos e que se dão aqui por integralmente reproduzidos.
11) Tal notícia foi difundida em termos locais e nacionais.
12) Os factos constantes na notícia foram comentados negativamente de forma pública na rua, nos cafés e nas redes sociais.
13) Tal divulgação envergonhou os Assistentes/Arguidos Rui e Manuela, provocando mesmo que pessoas ficassem com uma ideia errada dos mesmos.
14) A Arguida/Assistente Maria tinha como propósito formular sobre os Assistentes/Arguidos Rui e Manuela juízo públicos ofensivos da sua honra e consideração, o que conseguiu.
15) A Arguida/Assistente Maria agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

C) Em sede de fundamentação de direito, procedendo à subsunção dos factos provados ao direito, consignou:
«(…)
No nosso caso concreto, ficou demonstrado que antes de serem constituídos Arguidos, os Assistentes Rui e Manuela tiveram conhecimento que a Assistente Maria teria apresentado uma queixa contra eles através do Jornal X, em papel, páginas 12 e 13, e na versão online, ambos de 20 de Outubro de 2014, cujo exemplar e cópia, respectivamente, se encontram a fls. 185 a 188 dos autos e que se dão aqui por integralmente reproduzidos. Tal notícia foi difundida em termos locais e nacionais. Os factos constantes na notícia foram comentados negativamente de forma pública na rua, nos cafés e nas redes sociais. Tal divulgação envergonhou os Assistentes Rui e Manuela, provocando mesmo que pessoas ficassem com uma ideia errada dos mesmos. A Arguida Maria tinha como propósito formular sobre os Assistentes Rui e Manuela juízo públicos ofensivos da sua honra e consideração, o que conseguiu. A Arguida Maria agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Analisado o teor da notícia, para o qual os factos dados como provados remetem na sua integralidade, verifica-se que a Arguida Maria contou à comunicação social que “A dona Manuela insultou-me aos gritos, disse que não me vendia um casaco e negou-me o livro de reclamações. Chamou o filho, a GNR e fechou-me na loja, só abrindo a porta já com a guarda. O Rui agarrou- me, empurrou-me contra uma prateleira e ainda levei um pontapé no joelho. Os guardas chamaram-me para fora da loja e aconselharam-me a apresentar queixa”.
Ora, pese embora a Arguida não tenha pretendido defender-se nos termos do disposto no n.º2, do artigo 180º, do Código Penal, sempre se dirá que, no que respeita aos alegados insultos proferidos pela Assistente Manuela, vai a mesma absolvida por falta de produção de prova nesse sentido. Quanto à prática dos alegados crimes de sequestro e ofensa à integridade física referidos na notícia e imputados pela Arguida e seu Ilustre Mandatário, aos Assistentes Manuela e Rui, foi proferido despacho de arquivamento pelo Ministério Público – por falta de prova - e o requerimento de abertura de instrução apresentado pela aqui Arguida foi rejeitado liminarmente, ao abrigo do disposto nos artigos 287º, n.º2 e 283º, n.º3, alínea b), ambos do Código de Processo Penal. Dito isto, conclui-se que a Arguida imputou factos aos Assistentes que não ficaram demonstrados neste processo e portanto não logrou provar a verdade do que descreveu na notícia do jornal.
No que respeita à “realização de interesse legítimo”, toda a participação ou queixa criminal contém, em regra, objectivamente, uma ofensa à honra, por comunicar a prática de factos configuradores de um comportamento criminoso. A denúncia de um crime, quando identificado o seu autor ou o suspeito de o ter cometido, objectivamente, atinge a honra do denunciado. Apesar disso, é evidente que ninguém pode ser impedido de participar um facto delituoso. Ao direito à honra do denunciado contrapõe-se o direito à denúncia como via necessária de acesso à justiça e aos tribunais para defesa dos interesses legalmente protegidos do denunciante, direito constitucionalmente consagrado – art. 20.º da CRP. Num Estado de direito é impensável, pois, impedir quem quer que seja de participar um facto delituoso, com a justificação de que em consequência da participação ir- se-á lesar a honra do participado (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Abril de 2010, Processo n.º 1/09.3YGLSB.S2, disponível em www.dgsi.pt).
No entanto, só pode prevalecer o direito à denúncia realizado através dos meios próprios para o efeito, isto é, através das autoridades policiais ou do Ministério Público. A Arguida denunciou os factos que imputou na notícia aos Assistentes, através de queixa apresentada a 29 de Setembro de 2009. Contudo, estes ainda não tinham sido constituídos arguidos naquela investigação que a Arguida relatou ao “X” denunciando publicamente factos cuja prova não apresentou e que determinou o arquivamento do procedimento criminal contra aqueles.
Para além do mais, ficou demonstrado em julgamento que a Arguida Maria tinha como propósito formular sobre os Assistentes Rui e Manuela juízo públicos ofensivos da sua honra e consideração, o que conseguiu, pelo que, sem margem para dúvidas não se pode concluir que a mesma tenha agido, movida por interesses legítimos.
Por todo o exposto, incorreu a Arguida Maria na prática de dois crimes de difamação. Sucede que dos factos dados como provados resulta que a Arguida praticou a difamação através de meio de comunicação social, pelo que se encontra preenchida a agravação prevista no n.º2, do artigo 183º, do Código Penal.

Padecerá a sentença recorrida do apontado vício para a decisão da matéria de facto provada?
A arguida/recorrente foi condenada pela prática de dois crimes de difamação, cometidos através de meio de comunicação social, mais concretamente da imprensa, p. e p. pelos artigos 180º, nº. 1 e 182º, ambos do Código Penal.
De harmonia com o disposto no artigo 180.º, nº. 1, comete o crime de difamação “quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias”.
Para o preenchimento do tipo objetivo do crime de difamação é necessário que o agente, dirigindo-se a terceiro, desenvolva conduta que consubstancie: a) a imputação a outrem, mesmo sob a forma de suspeita, de facto ofensivo da honra ou consideração; b) a formulação de um juízo ofensivo da honra ou consideração de outra pessoa; ou c) a reprodução daquela imputação ou juízo.
Conforme decorre do estatuído no artigo 182º do C.P., à difamação verbal é equiparada a feita por escrito, gesto ou imagem, que se traduzirem em factos ou juízos que violem a honra ou consideração de outra pessoa.
Confrontando a matéria factual dada como provada, na sentença recorrida, sob os pontos 10) a 15), verifica-se que, embora não conste expressamente que a arguida/recorrente declarou perante os jornalistas do Jornal X o que da notícia publicada no mesmo jornal, cujo teor é dado como reproduzido no ponto 10) dos factos provados (não sendo este modo de enunciar os factos o mais correto, pois que, deveria extrair-se do texto notícia e fazer-se constar dos factos provados, o teor das declarações/imputações produzidas pela arguida relativamente aos ora assistentes), consta como tendo sido pela mesma relatado (“A dona Manuela insultou-me aos gritos, disse que não me vendia um casaco e negou-me o livro de reclamações. Chamou o filho, a GNR e fechou-me na loja, só abrindo a porta já com a guarda. O Rui agarrou- me, empurrou-me contra uma prateleira e ainda levei um pontapé no joelho. Os guardas chamaram-me para fora da loja e aconselharam-me a apresentar queixa”, conta Maria), entendemos que da enunciada matéria factual provada se extrai que a arguida/recorrente produziu as ditas declarações, tendo em vista a sua divulgação no Jornal X, com o propósito de formular sobre os assistentes juízos públicos ofensivos da sua honra e consideração e agindo a arguida livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Como bem se ajuizou na sentença recorrida, a imputação, por parte da arguida/recorrente aos assistentes, feita perante órgão de comunicação social, concretamente, à imprensa, Jornal X, de factos que integram a prática de crimes – sequestro, ofensa à integridade física –, é atentatória da honra e consideração dos assistentes e a arguida/recorrente agiu com dolo, preenchendo nos seus elementos típicos objetivos e subjetivos, o crime de difamação agravada p. e p. pelos artigos 180º, nº 1 e 183º, nº. 2, ambos do Código Penal, não existindo qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Concluímos, por conseguinte, não se verificar o invocado vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, permitindo esta sustentar a imputação e condenação da arguida/recorrente pela prática dos dois crimes de difamação agravada, p. e p. pelo artigo 180º, nº. 1 e 183º, nº. 2, ambos do C.P.P., em conformidade com o decidido na sentença recorrida.
Improcede, pois, igualmente, este fundamento do recurso.

3 – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães, em negar provimento ao recurso e, em consequência, decidem confirmar, na íntegra, a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 3 UC´s (arts. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma).
Notifique.
Guimarães, 05 de fevereiro de 2018