Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2255/08.3TBGMR-G.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
VISITA
MULTA
INCUMPRIMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Sumário: .1. No incidente de incumprimento por violação do regime de visitas só há que proferir uma decisão provisória condenando o progenitor em multa se houver culpa deste.
.2. A circunstância do incidente de incumprimento revestir a natureza de jurisdição voluntária não autoriza a ultrapassagem dos limites estabelecidos na lei para a multa.
Decisão Texto Integral: Processo 2255/08.3TBGMR-G.G1
Tribunal de origem: 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães


Relatora: Helena Gomes de Melo
1º Adjunto: Juiz Desembargador Amílcar Andrade
2º Adjunto: Juiz Desembargador Manso Rainho

Acordam os juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO

Por apenso aos autos de inibição e limitação do exercício do poder paternal em que é requerente R. e requerido F. foi instaurado incidente de incumprimento, porquanto o referido F. veio imputar à mãe da menor, o incumprimento do regime de visitas estabelecido por acordo. No incidente foi proferido despacho em 5.05.2010 que julgou verificado o incidente de incumprimento e condenou a ora recorrente na multa de 10 Uc por cada fim-de-semana em que não entregou a menor ao pai, ascendendo a 70 euros à data da decisão, do qual foi por esta interposto o presente recurso em separado.
A recorrente apresenta as seguintes conclusões:
.A. Vem o presente recurso da circunstância da Apelante não se conformar com a, aliás, douta Decisão proferida a fls. 550/551 dos presentes autos (Ref.ª Citius 6909481), proferida em 05.05.2010, que determinou que «Uma vez que a progenitora, como a própria o reconheceu, não procede desde 19.03.2010 à entrega da M. ao pai, violando o regime de visitas estipulado, julgo verificado o presente incidente de incumprimento e, como tal, condeno a requerida numa multa de 10 UC por cada fim-de-semana em que se verificou o incumprimento (actualmente ascendendo a 70 UC)», porquanto, salvo o devido respeito por opinião diversa, e pelas razões que a seguir se aduzirão, se entende que aquela douta decisão não ponderou devidamente todos os factos que foram trazidos aos presentes autos pela progenitora, aqui Recorrente.
.B. Isto porque, desde logo, se entende que a douta decisão que «cominou a multa de 10 UC por cada fim-de-semana em que a requerida se recusasse a entregar a menor ao requerente», está ferida de nulidade o que, consequentemente, afectará a validade da douta decisão ora recorrida.
.C. É que, na verdade, a douta decisão de 19 de Março de 2010, relativa ao incumprimento suscitado pelo progenitor por referência aos períodos de visitas de 29 de Janeiro a 19 Março, determinou uma espécie de compensação das visitas em falta, mediante a cominação de uma avultada multa em caso de incumprimento, sem que, na verdade, a aqui Recorrente tivesse exercido o seu direito ao contraditório, pois, com efeito, pese embora, estivesse em curso prazo para que a aqui Recorrente exercesse o seu direito ao contraditório face ao incidente de incumprimento suscitado pelo aqui Recorrido, a verdade é que, determina já o Dign.º Tribunal “a quo” sanção para aquele incumprimento,
.D. Fazendo, assim, o Dign.º Tribunal “a quo” tábua rasa da obrigação legal de dar oportunidade à aqui Recorrente não só de contraditar o requerimento apresentado (incidente de incumprimento) e os factos aí alegados, mas também de apresentar prova, tal como, em devido tempo, o veio a fazer (Ref.ª Citius 4244829), nomeadamente, prova documental respeitante aos Relatórios de Avaliação Psicológica da menor M..
.E. Os quais, aliás, refira-se, e ainda que, sem prejuízo dos Relatórios de Avaliação Psicológica requeridos ao Dign.º Tribunal “a quo”, foram unânimes em referir que a menor vem manifestando problemas de ansiedade e medo intenso face à antecipação dos contactos com o pai, com reflexos claramente muito negativos na estabilidade emocional da mesma!
.F. Assim, por tudo o aqui exposto e já melhor constante dos presentes autos à data da prolação da decisão recorrida, competindo ao Tribunal adoptar medidas que salvaguardem e, de forma absoluta, protejam os superiores interesses e bem-estar psicológico da menor, entende-se, modestamente, e sempre com o devido e merecido respeito por opinião diversa, que este Dign.º Tribunal, ao proferir a decisão de 19 de Março, não conferiu, por qualquer forma, cumprimento a tal desiderato legal.
.G. Como é evidente, olvidou aquela douta decisão que estamos perante uma criança, com apenas 6 (seis) anos de idade, que, desde, pelo menos, o ano de 2008, assiste a condutas grosseiras, violentas e, aliás, de cariz criminoso por parte do aqui Recorrido, seu pai.
.H. O que lhe acarreta já sintomatologias ansiosas, de medo e revolta, pois, na verdade, é a própria menor que implora à aqui Recorrente que não deixe o Recorrido levá-la, o que, aliás, modestamente, não poderia, por certo, ter sido considerado de forma ligeira e indiferente pelo Dign.º Tribunal “a quo”, como, salvo o devido respeito o foi, atenta aquela douta decisão, em tempo recorrida.
.I. De modo que, ao contrário da douta decisão recorrida, precisava a menor do manto de protecção deste Dign.º Tribunal, o qual sempre passaria pela suspensão das visitas do Recorrido ou quanto muito que as visitas fossem acompanhadas por um terceiro e, nunca, salvo o devido respeito, pelo “reforço” de tais visitas.
.J. Termos em que, salvo o devido respeito, julgando-se que o bem-estar da M. não se encontra, de momento, assegurado com o regime de visitas em vigor, antes, se impunha que o Dign.º Tribunal “a quo” se tivesse, previamente à fixação de um qualquer regime de visitas, munido dos elementos necessários à formulação de juízo sustentado nesse sentido, designadamente, da já requerida e ordenada prova, capaz de auxiliar o Tribunal na compreensão da temática subjacente e, consequentemente, na decisão a proferir.
.K. Destarte, mostrando-se o douto despacho de 19 de Março último -, que cominou a multa de 10 UC por cada fim-de-semana em que a Requerida, a partir de então e até 10 de Maio seguinte, se recusasse a entregar a menor ao Requerente -, ferido de ilegalidade e não acautelando devidamente os interesses da menor M, não pode a aqui Recorrente aceitar a imputação de um qualquer seu incumprimento; razão pela qual, desde logo, se impugna a douta decisão ora recorrida e, assim, a condenação na «multa de 10 UC por cada fim-de-semana em que se verificou o incumprimento».
ACRESCE QUE,
.L. Ainda sem prescindir de tudo quanto supra exposto, sempre entende a aqui Recorrente que não se coaduna a douta decisão ora recorrida com o âmbito de aplicação do artigo 181.º da O.T.M., porquanto, «Não é um qualquer incumprimento que faz desencadear as consequências ditadas no art.º 181.º da O.T.M.. O incumprimento desgarrado de um progenitor em relação ao regime de visitas instituído ao outro não configura violação desse preceito. O incumprimento reiterado e grave só revela se for culposo, isto é, se puder ser assacado ao progenitor faltoso um efectivo juízo de censura» (vide Ac. T. Rel.Porto, de 03/10/2006, in www.dgsi.pt).
.M. Seja, é necessário apurar se o incumprimento do decidido regime de visitas (provisório, mas, ainda assim, cominado com multa de 10 UC, por cada fim-de-semana!) é, ou não, injustificável, pois, só depois se mostra legalmente possível adoptar as medidas previstas no art.º 181.º da O.T.M.
.N. Assim, apraz desde já referir que, na verdade, em momento algum, foi intenção da aqui Recorrente obstar a que o Recorrido prive de todo com a sua filha, mas sim que tais visitas sejam acompanhadas por um terceiro que confira à Matilde a segurança e estabilidade que a mesma não sente quando, ora, está com o pai.
.O. Com efeito, no que concerne, concretamente, aos factos subjacentes à prolação da douta decisão recorrida, importa aqui referir que é verdade que a menor deixou de realizar as visitas ao Recorrido, após o incidente ocorrido no dia 29 de Janeiro de 2010, no entanto descurou o Dign.º Tribunal “a quo” das razões para tal facto.
.P. É que, se o Tribunal “a quo” tivesse atendido a todos os factos vertidos nos autos relativamente ao que sucedeu no pretérito dia 29 de Janeiro de 2010 e à consequente situação clínica da menor, certo seria ter atendido aos apelos da menor M. na não realização das visitas ao pai, cuja vontade e, primordialmente, bem-estar e saúde psíquica sempre almejou a aqui Recorrente proteger.
.Q. Assim, face a tais factos, sendo certo que «o recurso aos meios coercivos estabelecidos no art.º 181.º, da OTM, pressupõe o não cumprimento culposo por parte do faltoso» (Ac. T. Rel. Lisboa, de 21/06/2007, in www.dgsi.pt), não nos parece, de todo, que a aqui Recorrente tenha, por alguma forma, actuado de forma culposa.
.R. Que censura pode merecer uma mãe que sempre que prepara a sua filha, de seis anos, para uma visita com o pai, revela esta menor crises de choro, ataques de ansiedade e de pânico com necessidade de urgência hospitalar, medos e dificuldades de sono? Que censura pode merecer uma mãe que, por moto próprio e no sentido de ultrapassar tais sintomatologias, acolhe e respeita todas as indicações médicas e terapêuticas que lhe são fornecidas? - Parece-nos claro que “nenhuma” terá se ser a resposta, mais se reiterando que, a aqui Recorrente ao assentir na vontade da sua filha em não privar sozinha com o pai, a partir daquele dia 29 de Janeiro, mais não faz do que proteger a sua filha, zelando pelo seu desenvolvimento e bem-estar psíquico.
.S. Assim, está a aqui Recorrente em crer que não incorreu em qualquer situação de incumprimento injustificado nos presentes autos, tal qual considerado na douta decisão ora recorrida, pois que, é certo que a Matilde não se encontra(va) em estado de saúde, pelo menos psíquico, que lhe permitisse estar com o seu pai!
.T. E, ainda assim, tudo a aqui Recorrente fez, e, aliás, continua a fazer para que a Matilde vivencie novas visitas na companhia de seu pai, aqui Requerente, e que as mesmas sejam gratificantes e aprazíveis, de modo a que a mesma possa ultrapassar a resistência que demonstra ao convívio com aquele.
.U. De facto, e conforme vertido nos autos - tendo, na verdade, a aqui Recorrente junto aos autos prova documental de todos esses factos, nomeadamente Relatórios médicos -, mas descurada na douta decisão ora recorrida, a aqui Recorrente sugeriu que as visitas se realizassem, pelo menos numa primeira fase, na sua presença, o que foi rejeitado pelo Recorrido; ademais, encaminhou a M para o indicado acompanhamento psicoterapêutico semanal, sendo opinião profissional de todos aqueles técnicos que a acompanham que a aproximação ao pai terá de ser feita de forma adequada, gradual e acompanhada, o que a aqui Recorrente foi pondo em prática.
.V. Assim, em suma, sempre será de concluir não ter a aqui Recorrente incumprido por qualquer forma os seus deveres de progenitora, não tendo cometido qualquer incumprimento, que justifique a sua condenação (Cfr. Ac. da Relação do Porto de 18/05/2006 e da Relação de Lisboa de 21/06/2007).
.W. Até porque, nos termos do disposto no art.º 181.º, n.º 1 da O.T.M., «Se, relativamente à situação do menor, um dos progenitores não cumprir o que tiver sido acordado ou decidido, pode o outro requerer ao tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até €: 249,90 e em indemnização a favor da menor ou do requerente ou de ambos».
.X. Sendo assim certo que, a condenação da aqui Recorrente em multa de 10 UC, por cada fim-de-semana, extravasa largamente os limites da condenação impostos pela disposição legal supra transcrita.
.Y. Termos em que, salvo o sempre devido e merecido respeito, parece-nos que mal andou o Dign.º Tribunal “a quo” ao ter condenado a aqui Recorrente pelo “incumprimento” em causa («não procede desde 19.03.2010 à entrega da M. ao pai»), e naquela medida de multa, sendo que a censura deste Venerando Tribunal deverá merecer a decisão em apreço,
.Z. Pelo que se impõe a revogação da decisão em crise, porquanto, o douto Despacho ora recorrido violou o disposto nos artigos 157.º e 181.º da OTM.
Nestes termos e nos melhores de direito, decidindo V. Exas. julgar o presente recurso procedente e, em conformidade, ordenando a revogação da douta decisão recorrida, julgarão, como sempre, com inteira e sã JUSTIÇA!

O Ministério Público apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
.1. A recorrente já interpôs recurso da decisão proferida a 19 de Março de 2010, a qual determinou um regime provisório de visitas à menor, cominando o incumprimento com multa no valor de 10 Ucs. Tal recurso que deu origem ao apenso D, não foi admitido, tendo a recorrente reclamado do despacho de não admissão. Assim sendo, não poderá agora a recorrente voltar a colocar em crise tal decisão, acrescentando argumentos que não deduziu atempadamente, pretendo, quiçá, uma nova apreciação dessa decisão.
Sem prescindir:
.2. A douta decisão proferida em sede de conferência de pais, a 19 de Março de 2010, que estabeleceu um regime provisório de visitas à criança, é irrecorrível, porque efectuada no uso legal de um poder discricionário pelo Tribunal, conforme previsto no artº 157º, nº 1 e nº 3, da OTM e 679º do CPC.
.3. Tal decisão não incorre em nulidade por falta de fundamentação e de contraditório, uma vez que teve por base o contínuo incumprimento do regime de visitas pela recorrente.
.4. Acresce que o Tribunal analisou sempre os argumentos aduzidos pela recorrente nos sucessivos pedidos de suspensão do regime de visitas, pelo que, não poderá deixar de se concluir que não houve qualquer preterição do direito de audição e ao contraditório.
.5. Face à contínua recusa da recorrente em entregar a menor ao pai, não restou ao Tribunal outra opção que não fosse estabelecer um regime provisório de visitas, tendo em vista assegurar a execução efectiva das suas decisões e manter o convívio da M. com o pai.
.6. O superior interesse da criança traduz-se, no presente caso, em manter os contactos com o pai.
.7. Neste caso de extrema conflitualidade entre os progenitores e como a experiência o vem demonstrando, a proibição do contacto da criança com o pai, poderia dar lugar a um afastamento de tal forma severo que se tornasse ainda mais difícil no futuro a convivência e a proximidade entre pai e filha.
.8. No âmbito dos processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais e respectivos incidentes, vigora o princípio da jurisdição voluntária, conforme previsto no artº 1409º e seguintes do CPC, concedendo-se ao Tribunal uma maior amplitude de intervenção, não estando sujeito a critérios de legalidade estrita, de forma a atender aos superiores interesses das crianças.
.9. O que se traduz na condenação do progenitor infractor numa multa adequada às suas condições económicas e do respectivo agregado familiar, pois caso assim não fosse, o mesmo poderia ao arrepio das decisões do Tribunal manter a sua conduta, incumprindo o regime de regulação das responsabilidades parentais, sem que daí adviesse qualquer tipo de consequências.
.10. Não se poderá senão considerar a conduta e incumprimento do regime de visitas pela recorrente como deliberado e culposo.
.11. Pelo exposto, entendemos que não foram violadas quaisquer normas ou princípios.
Conclui-se, assim, que a decisão recorrida fez uma correcta apreciação da matéria de facto e uma correcta aplicação do direito, não havendo violação de qualquer dispositivo legal, pelo que é infundado o recurso interposto.

Após a interposição do recurso as partes vieram requerer a suspensão da instância, por se encontrarem em negociações com vista a colocarem termo aos diversos litígios que as opõem, estando de acordo que durante esse período fosse suspenso o regime de visitas estipulado nos autos, vigorando, em substituição, o regime de visitas “estabelecido pela Dra. C., com mediação, no seguinte horário:
. às quintas-feiras das 18.30 às 20.30 horas;
. aos domingos das 14.15 às 16.15 horas.”
O prazo de suspensão foi concedido, tendo, entretanto, decorrido.

Considerando que:
. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso;
. nos recursos apreciam-se questões e não razões; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
as questões a decidir são as seguintes:
. a recorrente incumpriu culposamente o regime de visitas?
. em caso afirmativo, o nº 1 do artº 181º da OTM permite a condenação da recorrente na multa de 1.000,00 por cada fim-se-semana em que não entregue a menor ao pai?

II – FUNDAMENTAÇÃO
Resulta dos autos que:
Por sentença datada de 21.05.2009, a fls. 215, foi homologado o acordo relativo à regulação do exercício das competências parentais reportadas à menor M. nos termos do qual, entre outros, se estabeleceu que a menor até 31.12.2009 passaria os fins-de-semana, quinzenalmente, com o pai, entre as 14H30 de sábado e as 19H00 de domingo, e que a partir do ano de 2010 os fins-de-semana quinzenais decorreriam entre as 19H00 de 6.ª feira e as 19H00 de domingo (fls 54 dos autos).
A requerente veio peticionar ao Tribunal a suspensão provisória do regime de visitas em vigor, alegando que em 29 de Janeiro de 2010 ocorreu um episódio de violência para a menor, perpetrado pelo seu pai e que determinou a ida da menor ao serviço de urgências (fls 59).
Por despacho de 18 de Fevereiro de 2010 (fls 148), a pretensão da requerente foi indeferida, tendo, no entanto, sido ordenada a realização de diligências e designado o dia 12.04.2010 para inquirição da pediatra que no dia 29.01.2010 se encontrava de serviço às urgências e de outras testemunhas, incluindo L., namorada do pai da menor.
Notificada de tal despacho, a progenitora apresentou novo requerimento em 01.03.2010 (fls , o qual foi indeferido por despacho, proferido em 15.03.2010 (a fls. 156 destes autos).
O pai da menor veio suscitar o incidente de incumprimento, por requerimento de 10 de Março de 2010, alegando que é por recusa da recorrente que não se realizam as visitas à menor, desde o dia 29 de Janeiro de 2010, peticionando a final a condenação da ora recorrente em indemnização a seu favor e que fossem ordenadas as diligências necessárias para o cumprimento coercivo do regime de visitas (fls 152).
Foi ordenada a notificação da recorrente para se pronunciar (que respondeu a fls 92) e foi designada conferência para o dia 19 de Março de 2010 (fls 156) e ordenada a comparência da menor.
Nessa data a menor não compareceu, tendo a progenitora invocado que a mesma se encontrava doente e apresentado documentos para prova desse facto e foi proferida decisão que determinou “que a menor M. passe todos os fins-de-semana com o F. até ao próximo dia 10 de Maio de 2010” e condenou a recorrente “em multa de 10 Uc por cada fim-de-semana em que não entregue a M. ao progenitor. Para além da multa ora determinada, cada fim-de-semana, até ao próximo dia 10.05.2010, que a M. não passe com o progenitor acrescerá aos fins-de-semana subsequentes ao mencionado fim-de-semana de 08 e 09 de Maio de 2010”.
A recorrente interpôs recurso desse despacho exarado em acta em 19 de Março de 2010.
Por despacho de 26.03.2010 foi indeferido o requerimento da mãe da menor, onde era pedido a alteração do regime de visitas, de modo a que estas passassem a ser efectuadas com o acompanhamento de um terceiro.
Procedeu-se à audição de testemunhas, em 12.04.2010 (fls 204).
A mãe da menor juntou aos autos um relatório subscrito pela educadora da menor e pela psicóloga da escola a fls 106, um relatório psicológico datado de 25 de Fevereiro de 2010 (fls 107) e, um relatório de observação psicológica datado de 25 de Março de 2010 (fls 120).
Até à data da decisão em recurso, a requerida não tinha procedido à entrega da criança ao pai.
O recurso da decisão de 19 de Março de 2010 não foi admitido, tendo sido objecto de reclamação dirigida ao Srº Presidente desta Relação e que foi por este indeferida.Tendo sido pedida a “rectificação” desse despacho, esse pedido foi desatendido por despacho proferido a 8.11.2010, o qual foi notificado às partes por carta remetida em 9.11.2010.


Veio a recorrente invocar nas suas alegações que o recurso ora interposto visa a apreciação da legalidade da decisão proferida em 19 de Março de 2010 que cominou com a multa de 10 Uc por cada fim-de-semana em que se recusasse a entregar a menor ao pai.
Contudo, não cabe a este Tribunal a apreciação da decisão proferida em 19 de Março de 2010. Como a própria recorrente refere, dessa decisão foi interposto recurso, o qual não foi admitido, tendo sido indeferida a reclamação. Essa decisão transitou pois em julgado. Bem ou mal, não cabe aqui pronunciar-nos sobre a mesma. Quem indeferiu a reclamação foi o srº Presidente desta Relação, a quem a mesma tinha sido dirigida, decisão que é final.
Mesmo que não o fosse, a decisão em recurso é apenas a proferida em 5 de Maio de 2010 (fls 137 destes autos) e não também a proferida em 19 de Março de 2010.
Vejamos então se estão reunidos os pressupostos de aplicação do artº 181º da OTM.
Dispõe o artº 181º da OTM que:
1 - Se, relativamente à situação do menor, um dos progenitores não cumprir o que tiver sido acordado ou decidido, pode o outro requerer ao tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até 249,90 e em indemnização a favor do menor ou do requerente ou de ambos.
2 - Autuado ou junto ao processo o requerimento, o juiz convocará os pais para uma conferência ou mandará notificar o requerido para, no prazo de dois dias, alegar o que tenha por conveniente.
3 - Na conferência, os pais podem acordar na alteração do que se encontra fixado quanto ao exercício do poder paternal, tendo em conta o interesse do menor.
4 - Não tendo sido convocada a conferência ou quando nesta os pais não chegaram a acordo, o juiz mandará proceder a inquérito sumário e a quaisquer outras diligências que entenda necessárias e, por fim, decidirá.
5 - Se tiver havido condenação em multa e esta não for paga no prazo de dez dias, será extraída certidão do processo, a remeter ao tribunal competente para execução.

Alega a recorrente que apenas ocorre preenchimento do disposto do artº 181º da OTM se o incumprimento for culposo, o que não se verifica no caso.
Os autos demonstram com clareza e à saciedade que a relação entre a requerente e o requerido e entre os familiares da requerente e o requerido não é boa, havendo acusações recíprocas de agressão.
No meio deste conflito, encontra-se a menor que o vivência, nutrindo receio em estar com o requerido. Como o próprio recorrido refere no seu requerimento onde suscita o incidente de incumprimento do regime de visitas, “a situação está a afectar a menor e a colocá-la em condições de não querer ver o pai…”.
Tal como já constava da redacção do nº2 do artº 1905º do CC, o actual nº 7 do artº 1906º do CC veio consagrar que o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com o progenitor a quem não foi confiado, tendo acrescentando nas disposições introduzidas pela Lei 61/2008 que o tribunal deverá ainda promover e aceitar acordos ou tomar decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha e de responsabilidades entre eles. O legislador de 2008, conhecedor da importância do estabelecimento e manutenção de laços afectivos com ambos os progenitores, veio incentivá-los. Qualquer decisão sobre a regulação das responsabilidades parentais terá que se nortear pelo interesse do menor que é a parte mais fraca e em formação e que, por essa razão, o legislador quis proteger Ver sobre a questão, entre outros, Helena Gomes de Melo, João Vasconcelos Raposo, Luís Batista Carvalho, Manuel do Carmo Bargado, Ana Teresa Leal e Felicidade d´Oliveira, Poder Paternal e Responsabilidades Parentais, 2ª edição, Lisboa: Quid Júris, 2010, p.117.
. Não há uma definição legal do que é o interesse do menor, mas o mesmo deverá ser entendido “…em termos suficientemente amplos de modo a abranger tudo o que envolve os legítimos anseios, realizações e necessidade daquele e dos mais variados aspectos: físico, intelectual, moral, religioso e social. E esse interesse tem de ser ponderado casuisticamente em face de uma análise concreta de todas as circunstâncias relevantes” Ac. do TRL de 01.04.2004, citado no Ac. do TRL de 08.07.2008, relatado por Rosário Gonçalves, proferido no processo 5895/2008-1, disponível em www.dgsi.pt. Sobre o interesse do menor ver também Ac do TRL de 14.06.2007 (relator Vaz Gomes), proferido no Processo 2616/2007, igualmente disponível em www.dgsi.pt.
.
A tutela do direito do menor em manter uma relação próxima com o progenitor com o qual não reside e a tutela do interesse deste progenitor a manter a sua proximidade é das que maiores dificuldades traz aos tribunais.
Não sendo cumprido o acordado ou decidido por um dos pais, pode o progenitor afectado requerer ao tribunal as diligências necessárias ao cumprimento coercivo. No caso de violação do direito de visita os meios disponíveis são os seguintes:
. execução coerciva com entrega do menor;
. condenação do remisso em multa até 249,90 e indemnização a favor do menor, do requerente ou ambos;
. convocação dos progenitores para conferência de pais (via concordial mas que poderá, na falta de acordo, redundar em condenação – nº 4 do artº 181º da OTM) Poder Paternal e Responsabilidades Parentais, p. 123..
No caso em apreço é também claro que há incumprimento: desde 29 de Janeiro de 2010 e até à data da decisão em recurso que a mãe da menor não a entregou ao pai.
Mas não basta verificar-se a não ocorrência objectiva da visita para declarar o incumprimento. É necessário a formulação de um juízo objectivo de censura ao comportamento do progenitor que impediu a sua concretização Poder Paternal e Responsabilidades Parentais, p. 124... E tem sido também este o entendimento dos nossos tribunais. Como se defende no Ac.do TRL de 14.09.2010, só existe incumprimento do poder paternal relevante, no que ao direito de visitas diz respeito, quando o progenitor que incumpre (no caso do Ac. citado, a mãe) tiver criado intencionalmente uma situação reiterada e grave, culposa, que permita assacar-lhe um efectivo juízo de censura Em que é relator Pedro Brighton, proferido no processo 1169/08 e o Ac. citado pela recorrente de 21.06.2007 (relatora Ana Luísa Geraldes), proferido no processo 5145/2007, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
.
Note-se que actualmente o incumprimento do regime estabelecido para a convivência do menor pode constituir crime. Esta inovação introduzida pela Lei 61/2008 veio punir com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias “quem, de um modo repetido e injustificado, não cumprir o regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais, ao recusar, atrasar ou dificultar significativamente a sua entrega ou acolhimento”. É o caso do progenitor com quem o menor ficou a residir que não entrega o filho ao outro progenitor nas datas estabelecidas para o convívio de ambos, invocando os mais variados pretextos Tomé d´Almeida Ramião, Organização Tutelar de Menores Anotada e Comentada, Lisboa: Quid Júris, 2009, p. 133..
A questão que se coloca é se há elementos para concluirmos pela imputação a título de culpa à recorrente da não entrega da menor Matilde ao pai.
No Ac. do TRL de 8.02.2007 Cujo relator é Sousa Pinto, proferido no processo 10331/2006, disponível em www.dgsi.pt. defende-se que quem tem a criança na sua disponibilidade tem a obrigação de desencadear os mecanismos necessários para que a mesma se desloque para junto do pai, no caso, a morar longe do continente, tendo em vista o regime de visitas vigente. A não concretização desse desiderato revela a existência de atitude culposa da sua parte, a menos que lograsse demonstrar existirem razões para o não fazer (vd. art.º 799.º, n.ºs 1 e 2 do CC).
A recorrente juntou aos autos documentos e arrolou testemunhas, cujo depoimentos este Tribunal não conhece. Do despacho ora em recurso, fez-se constar que “da inquirição de testemunhas levada a cabo no passado dia 12.04.2010 resultaram relatos contraditórios sobre o estado em que a criança se encontraria aquando do episódio ocorrido no passado dia 29.01.2010, mormente após a sua saída do hospital”.
Foi a partir dos incidentes ocorridos em 29.01.2010 que a recorrente deixou de entregar a menor ao pai.
O relatório junto aos autos pela recorrente a fls 106 subscrito pela educadora O. e pela psicóloga T. refere que “é importante referir que a M. sempre manifestou quer com a Educadora, quer com as auxiliares, a falta de vontade, interesse e medo em se relacionar com o pai, referindo mesmo que é “mau”, que bate na mamã e no tio Zé, e… “…não quero ir com ele…”. Chega mesmo a solicitar à educadora que esta a leve para sua casa durante o fim-de-semana, a fim de não ir com o pai….A prova de toda esta tristeza e angústia gerada pelo pai, é o facto de a M. não querer realizar a prenda para o Dia do Pai, tendo mesmo mostrado medo de vir para o colégio no Dia do Pai”.
Do relatório psicológico junto a fls 107, subscrito pela psicóloga M., fez-se constar que “relativamente às visitas ao pai, penso ser necessário existir: mediação e preparação das mesmas, para se evitar que a M. vivencie situações conflituosas”.
No relatório de fls 120 e seguintes subscrito pela psicóloga clínica C. (a mesma cujo entendimento foi seguido pelos partes no acordo que vigorou durante a suspensão dos autos supra referida), lê-se nomeadamente que:
. “A M. não fala espontaneamente do pai, mas só quando solicitada. Após esta solicitação o desenho denota muita tensão (tendo inclusivamente furado a folha) e aparecem afectos depressivos.”
.” De ressaltar também são os temas edipiano e da dependência relativamente à figura materna que se evidencia de igual forma nas suas respostas ao Teste do Pata Negra onde denota um desejo regressivo de exclusividade. Também aqui se torna evidente uma problemática edipiana vivida de forma angustiante. Estas provas revelam um mundo interno povoado de objectos ameaçadores (principalmente ao nível da imago paterna) e angústias abandónicas. Os afectos agressivos podem ser dirigidos às figuras femininas enquanto que as figuras masculinas estão só ligadas à sexualidade. Há uma acentuada dificuldade em incluir figuras masculinas na sua vida. A M. parece estar a associar agressividade com figuras masculinas, tendo efectuado como que uma clivagem, como se deixasse de ter acesso. Ao nível do seu mundo interno não há relação de cuidado, de afecto, por parte das figuras masculinas; os homens só entram na sexualidade
.(…)” A utilização destas defesas de carácter obsessivo parece ter sido então o modo que a M. tem usado para lidar com os medos e angústia com que tem vivenciado a sua relação com o pai, no contexto da separação da mãe que é sentida como extremamente violenta e ameaçadora.”;
.(…) “Considerando o exposto, a M. apresenta indicação para psicoterapia; tendo sido proposto um acompanhamento psicoterapêutico de peridiocidade semanal a inicial em Abril. Parece também fundamental a mediação das suas visitas ao Pai no sentido de uma progressiva reparação desta relação”.
A decisão em recurso não decide definitivamente o incidente.
Transparece da decisão que o Tribunal deu pouco relevo aos relatórios juntos pela mãe da menor por terem sido efectuados por uma profissional contratada pela requerente. Embora se refira na decisão a uma psicóloga contratada pela requerente, encontram-se juntos mais relatórios, subscritos por 4 diferentes profissionais, sendo três deles, psicólogos.
Ora, na ausência de outro relatório que contrarie os juntos, não se vislumbram razões, para, por ora, não atentar nos mesmos. E face a estes relatórios, afigura-se ser mais conforme ao interesse da menor que as visitas do seu pai sejam medeadas, de modo a que a menor ultrapasse o medo que parece ter do seu progenitor, pelo que não se pode concluir pela culpa da progenitora no incumprimento.
E tendo o Tribunal “a quo” entendido que não se encontrava esclarecido, porquanto, como se refere na decisão recorrida, os depoimentos produzidos foram contraditórios sobre o estado em que a criança se encontraria aquando do episódio ocorrido no passado dia 29.01.2010, mormente após a sua saída do hospital, tendo ordenado, a fim de clarificar a actual situação psicológica da M., que se oficiasse ao Departamento de Psicologia da Universidade do Minho, solicitando avaliação psicológica à menor, na qual deverão ser levadas em conta, entre outros:

“. Se a menor recusa liminarmente a figura do pai;
. Quais os motivos dessa recusa;
. Qual o relacionamento da menor com a família materna (eventuais dependências e influências, nomeadamente por parte do avô materno e/ou do tio materno);
. Se in casu se verifica o comummente denominado Síndrome de alienação parental, e a quem devem ser assacadas as responsabilidades pela verificação do mesmo;
. Em caso afirmativo, qual a melhor maneira de solucionar o problema;
. Se a manutenção do regime de visitas talqualmente decidido (junte cópia do acordo de regulação do exercício das competências parentais celebrado no passado dia 21.05.2010) poderá causar quaisquer danos psicológicos na criança e se sim, a que nível”,
não tinha elementos para concluir pelo incumprimento culposo e condenar a recorrente numa multa de 10 Uc´s – montante elevado, atento o valor de cada unidade de conta - por cada fim-de-semana de incumprimento.
As decisões a proferir neste âmbito, mesmo a título provisório, como é o caso, nos termos do artº 157º da OTM, têm sempre que se nortear pelo interesse do menor de acordo com os factos que naquele momento estão indiciados. O juiz não está obrigado a decidir provisoriamente, não o devendo fazer, se não dispuser de elementos que lhe permitam decidir. È verdade que a recorrente não está a cumprir decisões judiciais, havendo o perigo de, ao não censurar o seu comportamento com a aplicação de uma multa, descredibilizar a justiça. Mas o facto de se revogar agora a decisão, não impede que a final, depois de efectuadas as diligências ordenadas pelo Tribunal e de acordo com o resultado destas, se houver factos para se concluir pela culpa da recorrente no incumprimento do regime de visitas, se condene a mesma em multa, com os limites constantes do nº1 do artº 181º da OTM – multa até 249,90.
O facto de se tratar de um incidente de um processo tutelar cível que é um processo de jurisdição voluntária (artº 150º da OTM) não permite a ultrapassagem dos limites estabelecidos na lei, como é o caso do limite máximo da multa. Nos processos de jurisdição voluntária as regras em matéria de tramitação e julgamento estão definidas nos artºs 1409º a 1411º do CPC caracterizam-se, em termos gerais, pela sua celeridade, pela investigação oficiosa dos factos e das provas na medida do estritamente necessário à decisão (art. 1409.º, n.º 2), na não submissão a critérios de legalidade estrita, “devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna”, em face dos interesses a regular no caso concreto (art. 1410.º do CPC) e na modificabilidade das decisões (art. 1411.º). “…Mas essa simplificação de procedimentos e de menor vinculação à lei e aos critérios de legalidade não dispensam o tribunal de se pronunciar sobre as questões essenciais que relevam para a decisão da causa ou do incidente, nem o dispensam de fundamentar adequadamente a decisão, ainda que de forma mais sintética. É que a simplificação de procedimentos e a não sujeição a critérios de legalidade estrita a que aludem os arts. 1409.º e 1410.º referem-se apenas à tramitação do processo, à livre investigação dos factos pelo tribunal e ao julgamento, mas já não aos pressupostos substanciais da decisão” Conforme se refere no Ac. do TRP de 17.03.2009 (relator Guerra Banha), proferido no proc. Nº 2130/05, disponível em www.dgsi.pt., onde se faz referência a doutrina e jurisprudência no mesmo sentido(sublinhado nosso).

III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção Cível em revogar a decisão provisória recorrida, por os autos não conterem neste momento elementos que permitam proferir um juízo de culpa relativamente ao comportamento da recorrente.
Custas pela parte vencida a final.
Not.


Guimarães, 6 de Janeiro de 2011
Helena Melo
Amílcar Andrade
José Rainho