Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | EVA ALMEIDA | ||
Descritores: | EXECUÇÃO PENHORA REGISTO ALIENAÇÃO TERCEIRO | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 09/15/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | I - Registada a penhora sobre o imóvel, a posterior alienação efectuada pela executada é ineficaz em relação à execução. II- O terceiro, que adquire da executada o bem penhorado, não tem o direito de “expurgar” a penhora pelo valor indicado no respectivo registo, que é meramente indicativo e não limitativo dessa garantia. Pode apenas fazer cessar a execução, requerendo a liquidação da responsabilidade do executado, ao abrigo do disposto nos artºs 916º a 917º do CPC – 846º e 847º do NCPC. | ||
Decisão Texto Integral: | I – RELATÓRIO J… e S… intentaram execução de sentença para pagamento de quantia já liquidada, contra J…, Lda. Nestes autos de execução foi penhorado em 8.2.2012 o prédio urbano, constituído por uma parcela de terreno para construção, situado em Gondufe, Ponte de Lima e descrito na respectiva conservatória do Registo Predial no nº338/19920717. Tal penhora mostra-se registada nessa mesma data pela ap.41., com a indicação de que a quantia exequenda era de 5.723,85 Euros. Em 24.2.2012 foi registada a aquisição desse prédio a favor de D…, Lda., por venda efectuada pela executada J…, Lda. Em 5.6.2013 mostra-se registada a aquisição do mesmo prédio a favor de I…, por negócio de compra e venda celebrado com a D…, Lda. Este I… veio aos autos de execução requerer a liquidação da quantia de 5.723,85 Euros, a fim de libertar o prédio da penhora que sobre o mesmo incidia. Os exequentes J… e S… vieram opor-se, alegando que fora admitida a cumulação sucessiva de execuções e que a actual quantia exequenda é de €57.015,77, sendo esse o valor que a penhora garante, bem como juros, custas, despesas e honorários do agente de execução. Foi proferida a seguinte decisão: «O requerente I… adquiriu um bem onerado com uma penhora. Conforme preceitua o artigo 819°, do Código Civil, sem prejuízo das regras do registo, são ineficazes em relação ao exequente os actos de disposição ou oneração dos bens penhorados. Consagra-se neste artigo o princípio da ineficácia, em relação ao credor, dos actos de disposição ou oneração dos bens penhorados, ressalvadas as regra do registo. Deste princípio resulta que o devedor pode livremente alienar ou onerar os bens penhorados. Simplesmente, a execução prossegue, como se esses bens pertencessem ao executado (vide Vaz Serra, Realização coactiva da prestação, nº23, BoI. Nº73). Face ao exposto, a execução deverá prosseguir porquanto a pretensão do requerente não merece a adesão dos credores exequentes.» * Inconformado, o requerente I… interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões: 1. O presente recurso surge, em virtude do Despacho recorrido carecer de fundamento de facto e de direito. 2. Na verdade, o aqui Recorrente em 04/06/2013 adquiriu, por escritura pública, o prédio em questão, designado por Bouça do Corgo, sito em Paraíso, freguesia de Gondufe, Ponte de Lima, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n." 338, e com a matriz predial sob o artigo 443, à sociedade Dinâmica Secreta, Lda. 3. Que, por sua vez, já o tinha adquirido à Executada, por escritura pública, datada de 24/02/2012,tendo essa compra sido registada na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Lima, nessa mesma data. 4. Porém, sobre o prédio em questão recaiu na já longínqua data de 08/02/2012, uma penhora para garantia, tão só, da quantia exequenda de €5.723,85, 5. Razão essencial que levou o aqui Recorrente a efetuar a compra do prédio e a dispor-se, como se dispõe, a pagar tal quantia exequenda, com o consequente levantamento da penhora. 6. E, por isso, foi com enorme surpresa, que o Recorrente se viu confrontado, agora, com a decisão (despacho recorrido) de que afinal o imóvel garantia a quantia de €57.0l5,77. 7. De salientar que quando foi deferida a cumulação de execuções já o dito imóvel não estava na esfera jurídica da Executada, 8. Ou seja, já tinha sido transmitido à sociedade D…, Lda., que por sua vez, transmitiu ao aqui Recorrente I…. 9. Anote-se a este propósito que o bem penhorado só fica afetado às inalidades de uma dada execução e a sua indisponibilidade destina-se a garantir tal afectação, e só ela. 10. mas não deve ela ir mais longe do que aquilo que é aconselhado pelo sua razão de ser, como diz o Prof. Vaz Serra, Realização Coactiva da Prestação, pág. 121 (vide Miguel Mesquita, Apreensão de Bens em Processo Executivo e Oposição de Terceiro, pág., 69 referenciando o disposto no Art. 8190 do Cód, Proc. Civil.) 11. O que contraria frontalmente o fundamento simplista, inadequado e kafkiano do Despacho recorrido. 12. Já que, como também diz Miguel Teixeira de Sousa, em Acção Executiva Singular, pág. 241, a inoponibilidade relativa dos actos praticados sobre os bens penhorados justifica-se apenas na exata medida em que ela seja necessária à prossecução dos fins da execução. 13. Isto é, à satisfação do crédito do Exequente. 14. Diremos nós à satisfação de um determinado crédito e não de uma séria infinita deles. 15. E tanto assim é que se por razões substanciais e processuais não for permitida em dado caso a cumulação de execuções a penhora efetuada num dado processo, sobre um determinado bem, não vai e nem pode servir de suporte a créditos ou créditos diferentes do crédito inicial. 16. Tudo isto a significar que deve ser deferida a pretensão do aqui Recorrente no sentido de pagar tão só a quantia exequenda de €5.723,85, e de ser levantada a penhora, 17. Para que o aqui Recorrente possa exercer plenamente o direito que adquiriu através da compra que efetuou por escritura pública. 18. Não devendo, de modo algum, proceder-se à venda judicial do imóvel em questão. 19. Pois, isso significaria, como significa, o teor do despacho recorrido, um manifesto atropelo e violação do princípio constitucional da Tutela da Confiança Jurídica. 20. E toda a conduta dos exequentes revela isso mesmo, pois contém evidente protelamento dos actos processuais, por parte deles, para maliciosamente virem com uma despropositada e desatempada cumulação de execuções, 21. Com manifesto prejuízo do aqui Recorrente, que agiu com toda a boa-fé, adquirindo o prédio de um terceiro e não da Executada. 22. E essa boa-fé merece toda a tutela do Direito e da Justiça, como V/Exas. com toda a certeza decidirão. 23. Por tudo o supra exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado, 24. E revogado o Despacho recorrido que deve ser substituído por outro que defira a pretensão do aqui Recorrente, 25. No sentido de efetuar o pagamento, tão só, da quantia €5.723,85, em consequência ser levanta a penhora do imóvel. Termos em que e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado, revogando o Despacho recorrido que deve ser substituído por outro que defira a pretensão do aqui Recorrente, no sentido de efetuar o pagamento, tão só, da quantia €5.723,85 (cinco mil setecentos e vinte e três euros e oitenta e cinco cêntimos), e em consequência ser levanta a penhora do imóvel. * Os exequentes contra-alegaram. * Admitido o recurso, os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, onde foram recebidos sob a forma, modo de subida e efeito atribuídos pela 1ª instância. Colhidos os vistos, cumpre decidir. II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” (artº 608º nº2 do NCPC). As questões a apreciar são as constantes das conclusões que acima reproduzimos. III – FUNDAMENTOS DE FACTO Os factos com interesse para a decisão do presente recurso são os que constam do relatório supra. IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO Resulta do disposto nos artºs 817º e segs. do Código Civil, que, em caso de incumprimento da obrigação pecuniária, o credor tem o direito de executar o património do devedor. Através da penhora o exequente adquire o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior. Assim, penhorado o imóvel por comunicação do solicitador de execução à Conservatória de Registo Predial, é inoponível à execução a venda posteriormente efectuada pelo executado. É isso que decorre do disposto no art. 819º do Código Civil: “sem prejuízo das regras do registo, são ineficazes em relação ao exequente os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados”. A penhora gera a indisponibilidade do bem penhorado relativamente ao processo executivo e garante tudo o que possa vir a ser exigido nessa execução, isto é, a quantia exequenda, o valor dos créditos reclamados, as despesas processuais, custas e honorários do solicitador execução. A ineficácia da venda opera assim relativamente à execução e não apenas ao exequente, porque abrange também os credores reclamantes, o comprador dos bens, o próprio tribunal. “Trata-se de uma inoponibilidade objectiva ou situacional, diversa da inoponibilidade meramente subjectiva, isto é, em face de um certo terceiro (cfr. Castro Mendes, in Acção Executiva, p. 100, nota 2)” – Ac. do TRC de 22-01-2008, proc. 116-C/2002.C1 Os actos de disposição do bem penhorado praticados pela aqui executada não são nulos ou anuláveis, tudo se passando como se, relativamente aos exequentes e eventuais credores concorrentes, não tivesse tido lugar. Isto sem prejuízo da regra da prioridade do registo consignada no art. 6º do Código do Registo Predial, mas, no presente caso a penhora tem registo anterior ao das transmissões do imóvel em que o requerente funda o seu direito. O facto de no registo da penhora se indicar determinado valor da quantia exequenda não garante ao adquirente o direito de “expurgar” a penhora por esse valor. Com efeito, o nosso direito apenas prevê a expurgação de hipoteca (artº 721º do CC), razão pela qual no registo desta tem sempre de constar qual o valor máximo garantido, o que já não sucede com a penhora, em que, pela sua natureza e alcance o valor referido é meramente indicativo. O terceiro adquirente de imóvel penhorado pode apenas fazer cessar a execução, requerendo a liquidação da responsabilidade do executado, ao abrigo do disposto nos artºs 916º a 919º e sempre sem prejuízo do disposto no artº 920º, todos do Código de Processo Civil então aplicável. Ora, no caso em apreço, o requerimento apresentado pelo ora requerente visava apenas o pagamento da quantia que no registo da penhora foi indicada como sendo a quantia exequenda, não correspondendo ao que se dispõe nos citados artigos. Acresce que, já tendo ocorrido cumulação de execuções (cumulação sucessiva com base no mesmo título – sentença – correspondendo a execução cumulada à parte da indemnização entretanto liquidada), a responsabilidade da executada não se limita ao valor inicial da execução, mas ao valor global dos pedidos cumulados. A ratio da cumulação sucessiva de execuções e os princípios de adequação processual a ela inerentes, impõem que a penhora efectuada nos autos garanta o valor global dos pedidos, sem necessidade de nova penhora sobre o mesmo bem ou de qualquer aditamento ao registo anterior. Uma vez efectuada e, in casu, registada a penhora sobre o imóvel, a posterior alienação efectuada pela executada é ineficaz em relação à execução. O ora recorrente só poderia aferir do valor garantido pela penhora requerendo a liquidação da responsabilidade do executado, não podendo prevalecer-se de um valor meramente indicativo constante do registo, que não é limitativo da garantia conferida pela penhora. Pelo exposto não colhe a argumentação do apelante. IV - DECISÃO Nestes termos, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida. Custas pelo recorrente. Guimarães, 15-09-2014 Eva Almeida António Beça Pereira Manuela Fialho |