Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1350/17.PBBRG.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
ARGUIDO COM PASSADO CRIMINAL
PENA DE PRISÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - O bem jurídico que se visa proteger com a incriminação da condução sem habilitação legal é a segurança da circulação rodoviária, estabelecendo o legislador uma presunção fundada na observação empírica de que a sua infracção é perigosa em si mesma, tendo em vista o bem penalmente tutelado.

II - O nosso ordenamento jurídico pretende afastar, até ao limite possível, a aplicação de uma pena de prisão, sobretudo nos crimes de diminuta densidade jurídico-criminal e, para mais, se fixada em medida não superior a um ano.

III - Contudo, no caso, a pena de prisão de 12 meses imposta mostra-se perfeitamente ajustada às particularidades do caso – o que não foi posto em causa no recurso – e o seu cumprimento é exigido pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, pelo que não deve ser substituída por multa ou por outra pena não privativa da liberdade, perante a ponderosa circunstância de o arguido, a par de outros relevantes antecedentes criminais – alguns dos quais dotados de relativa gravidade –, ter sido já anteriormente condenado, por seis vezes, pela prática deste tipo de crime (exercício da condução automóvel sem habilitação), ao que acresce a circunstância de ter praticado o agora em apreço quando se encontrava em cumprimento de prisão por dias livres, o que revela ou impõe, necessariamente, a ilação de que as várias sanções que lhe foram aplicadas não surtiram o almejado efeito dissuasor.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

No âmbito do identificado processo, do Juízo Local Criminal da Comarca de Braga, o arguido A. V. foi julgado e condenado por sentença proferida e depositada a 20/10/2017, como autor de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º, nº 1, do Dec. Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 12 (doze) meses de prisão.

Inconformado com a referida decisão, o arguido interpôs recurso, pugnando pela suspensão da execução da pena ou pelo seu cumprimento na habitação, mediante as seguintes conclusões:

«1. O Recorrente, foi condenado pela prática de um crime de condução sem carta na pena de dozes meses de prisão efetiva.
2. O Recorrente não se conforma com a decisão, pois entende que ao caso se deveria ter lançado mão da possibilidade de aplicação de uma pena de prisão suspensa sujeita a outras medidas, nomeadamente, sujeita ao regime prova com determinação de regras de conduta e/ou injunções.
3. Por outro lado, mesmo que se entenda, com entendeu o Tribunal a quo, que se deverá efetivar a pena de prisão, atento o crime dos autos deverá a mesma ser substituída pelo cumprimento na habitação, nos termos do artº 44 º do CP, para a qual o Arguido dá o seu consentimento e requer.
4. Atendendo o crime dos autos – condução sem carta – e a pena fixada – 12 meses -, o cumprimento da pena na habitação terá como consequência a elevada ressocialização do Arguido.
5. A pena de substituição de comprimento na habitação adequa-se ao cumprimento de penas pela prática de pequenos crimes e em especial de crimes estradais.
6. Aplicação da medida de cumprimento na habitação, evita o contágio prisional e os prejuízos daí resultantes e tem um elevado valor ressocializador.
7. E assegura de modo adequado as necessidades punitivas de prevenção geral, através de um elevado nível de controlo e contenção, bem como, a interiorização da perda de liberdade do Arguido, quando confinado à habitação.
8. O cumprimento da pena na habitação proporciona mais-valias sociais ao permitir que o Arguido não quebre vínculos sócio-familiares.
9. A residência do Arguido dispõe de condições para a aplicação desta medida facilmente verificável pela DGRS.
10. O Arguido confessou integralmente os factos, é de modesta condição social, teve uma infância conturbada e esteve institucionalizado até aos 15 anos, e apenas completou o 2º ano de escolaridade.
11. A suspensão a pena ou o cumprimento da mesma na habitação não causará qualquer alarido social,
12. Considera, pois, o Recorrente que estão reunidas as condições de suspensão da pena que lhe foi aplicada, sujeita ao regime de prova ou o cumprimento da mesma na habitação nos termos do artº 44º do C.P.
13. Ao decidir em sentido diverso, a douta sentença desrespeitou os art. 44º, 50º, 70º e 71º do Código Penal.».

O recurso foi admitido por despacho proferido a fls. 107.

O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência, dizendo, em suma, que deve manter-se na íntegra a decisão recorrida. Neste Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto e fundamentado parecer, pugnando igualmente pela improcedência do recurso, evocando as marcadas exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir no caso concreto.

Cumprido o disposto no nº 2, do art. 417º do CPP, feito o exame preliminar e colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
*
Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, no presente recurso suscita-se a questão de saber se foi violado o disposto nos arts. 44º, 50º, 70º e 71º do C. Penal, ao não se ter substituído a pena de prisão em que o arguido foi condenado.
Importa apreciar a enunciada questão e decidir. Para tanto, deve considerar-se como pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso os factos considerados na decisão recorrida (transcrição):

Matéria de facto provada:

«a) No dia 11 de setembro de 2017, pelas 23 horas e 10 minutos, na Rua Ponte Nova, deste concelho de Braga, o arguido A. V. conduziu o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula NT, sem que estivesse legalmente habilitado à condução de veículos automóveis na via pública;
b) Ao atuar do modo descrito, o arguido agiu com o propósito de conduzir na via pública um veículo ligeiro sem ter a habilitação necessária e legalmente exigida para o efeito, bem sabendo que não podia conduzir veículo automóvel na via pública ou equiparada sem que, para tal, estivesse habilitado com carta de condução;
c) O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e criminalmente punida;
d) O arguido confessou de forma livre, integral e sem reservas;
e) O arguido teve a sua origem num agregado familiar pautado por conflitos entre os progenitores que se separaram e motivaram a institucionalização numa Instituição Particular de Solidariedade Social em Braga até aos 15 anos de idade;
f) O arguido completou o 2.º ano de escolaridade;
g) O arguido vive em união de facto com uma companheira e o enteado de 14 anos de idade;
h) O arguido trabalha na construção civil como trolha, auferindo o vencimento mensal de 600,00€;
i) A companheira do arguido trabalha como cozinheira e aufere o vencimento mensal de 630,00€;
j) Vivem em casa arrendada, suportando ambos a renda mensal de 250€, bem como as restantes despesas do agregado familiar;
k) No âmbito do processo especial sumário n.º 190/01 do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão, por sentença datada de 2 de abril de 2001, transitada em julgado no dia 26 de abril de 2001, relativamente a factos praticados no dia 27 de março de 2001, o arguido foi condenado na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, a 350$00 por dia, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro;
l) No âmbito do processo comum singular n.º 650/00 do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, por sentença datada de 10 de outubro de 2001, transitada em julgado no dia 25 de outubro de 2001, relativamente a factos praticados no dia 09/07/1994, o arguido foi condenado na pena de 15 meses de prisão suspensa pelo período de 2 anos, pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 296.º, n.º 1, e 297.º, n.º 2, alíneas c) e d), ambos do C.P.;
m) No âmbito do processo especial sumário n.º 62/06.7GAVNF do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão, por sentença datada de 2 de março de 2006, transitada em julgado no dia 17 de março de 2006, relativamente a factos praticados no dia 18/02/2006, o arguido foi condenado na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 6,00€, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro;
n) No âmbito do processo espacial sumário n.º 221/06.2GAPVL, por sentença datada de 23 de maio de 2006, transitada em julgado no dia 7 de junho de 2006, relativamente a factos do dia 11 de maio de 2006, o arguido foi condenado na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, a 03,00€ (três Euros) por dia, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro;
o) No âmbito do processo comum singular n.º 163/04.6GBVNF do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial, por sentença datada de 16 de junho de 2006, transitada em julgado no dia 3 de julho de 2006, relativamente a factos praticados no dia 29 de abril de 2004, o arguido foi condenado na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, a 05,00€ (cinco Euros) por dia, pela prática de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do C.P.;
p) No âmbito do processo comum singular n.º 191/05.4GTBRG do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, por sentença datada de 4 de julho de 2008, transitada em julgado no dia 24 de julho de 2008, relativamente a factos praticados no dia 26 de abril de 2005, o arguido foi condenado na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de 4,00€ (quatro Euros), pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro;
q) No âmbito do processo comum singular n.º 220/06.4GAPVL do Tribunal Judicial da Comarca da Póvoa de Lanhoso, por sentença datada de 11 de março de 2009, transitada em julgado no dia 17 de maio de 2010, relativamente a factos praticados no dia 10 de maio de 2006, o arguido foi condenado na pena de 7 (sete) meses de prisão, a cumprir em 42 períodos de reserva por dias livres;
r) No âmbito do processo comum singular n.º 981/06.0TAGMR do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, por sentença datada de 10 de Março de 2009, transitada em julgado no dia 17 de junho de 2010, relativamente a factos praticados no dia 10 de maio de 2006, o arguido foi condenado na pena de 18 meses de prisão suspensa por igual período de 18 meses, pela prática de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do C.P.;
s) No âmbito do processo especial abreviado n.º 402/09.7GBVNF do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão, por sentença datada de 24 de maio de 2010, transitada em julgado no dia 24 de junho de 2010, relativamente a factos praticados no dia 16 de outubro de 2009, o arguido foi condenado na pena de 05 (cinco) meses de prisão, suspensa por um ano, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro;
t) No âmbito do processo comum coletivo n.º 730/08.9PBBRG da Vara de Competência Mista de Braga, por acórdão datado de 12 de novembro de 2009, transitado em julgado no dia 20 de setembro de 2010, relativamente a factos praticados no dia 12 de março de 2008, o arguido foi condenado na pena única de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de prisão, suspensa por igual prazo, com regime de prova, pela prática de dois crimes de roubo, previstos e punidos pelo artigo 210.º, n.º 1, do C.P.;
u) No âmbito do processo especial abreviado n.º 233/12.7PCBRG do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, por sentença datada de 26 de junho de 2012, transitada em julgado no dia 11 de setembro de 2012, relativamente a factos praticados no dia em 23/12/2011, o arguido foi condenado na pena de 6 meses de prisão suspensa pelo período de 1 ano, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro;
v) No âmbito do processo especial sumário n.º 955/13.5GAVNF do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão, por sentença datada de 2 de outubro de 2013, transitada em julgado no dia 1 de novembro de 2013, relativamente a factos praticados no dia 6 de setembro de 2013, o arguido foi condenado na pena única de 11 (onze) meses de prisão, a cumprir em dias livres, em 66 (sessenta e seis) períodos de fins de semana com a duração de 48 (quarenta e oito) horas cada período;
w) O arguido iniciou o cumprimento da prisão por dias livres supra referida no dia 21 de julho de 2017.».
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O arguido, sem questionar a medida da pena que lhe foi aplicada, apenas se insurge quanto à sua não substituição, nomeadamente pela suspensão da sua execução ou pelo seu cumprimento em regime de permanência na habitação, invocando a confissão integral e sem reservas dos factos, a sua condição pessoal e o tipo de crime cometido.
Vejamos.
O crime de condução de veículo sem habilitação legal pelo qual o arguido foi condenado é abstractamente punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias nos termos do disposto no art. 3º, nº 1, do DL n º 2/98, de 3 de Janeiro.
O bem jurídico que se visa proteger com esta incriminação é a segurança da circulação rodoviária, estabelecendo o legislador uma presunção fundada na observação empírica de que a situação de exercer a condução sem habilitação legal é perigosa em si mesma, tendo em vista bens jurídicos penalmente tutelados (1).
O Sr. Juiz optou, e bem, pela pena de prisão, por ter entendido que na concreta situação, as exigências de prevenção geral e especial não encontravam resposta adequada na aplicação de uma pena de multa, opção que, como se disse, não vem posta em causa no recurso.
Para determinação da medida concreta da pena, atendeu também o Sr. Juiz ao disposto no artigo 40º do C. Penal, que estabelece que a aplicação de penas ou medidas de segurança tem como finalidade a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. E aos parâmetros estabelecidos pelo nº 1, do art. 71º, do C. Penal, segundo os quais a medida da pena é determinada, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o art. 40º, nº 2, do mesmo Código, bem como às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente ao grau de ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins e motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime (art. 71º, nº 2, do C. Penal).
Sopesando todos esses factores e, designadamente, as elevadas exigências de prevenção geral e especial, desde logo porque é a sétima vez que o arguido incorre na prática do mesmo tipo de ilícito, a par de vários outros crimes – alguns dos quais dotados de relativa gravidade – foi-lhe imposta a pena de prisão de 12 meses, a qual se mostra perfeitamente ajustada às particularidades do caso, o que, como já assinalamos, não foi posto em causa no recurso.
Contudo, o arguido/recorrente, não questionando o quantum da pena aplicada, mostrou-se irresignado por a mesma não ter sido substituída, assim nos remetendo para a averiguação sobre se o sentido pedagógico e ressocializador ínsito ao direito penal se atinge com a substituição da mesma pela suspensão da sua execução ou pelo seu cumprimento na habitação, como defende o recorrente.
Como se sabe, foi sendo, historicamente, consagrado nos sucessivos regimes da lei penal a preocupação, cada vez mais firme e acrescida, de obstar às penas curtas de prisão e ao respectivo efeito criminógeno.
Sobre este tema, registamos o ponderado pelo nosso Supremo Tribunal no AUJ nº 7/2016 de 16-02-2016, DR I Série, de 21-03-2016 (P. 1786/10.0PBGMR-A.G1-A.S1), a propósito das penas de multa de substituição:
«(…) O nosso sistema de reações criminais tem como ponto nuclear uma preferência pelas penas não privativas da liberdade relativamente às penas privativas da liberdade. Nos termos do art. 70.º, do CP, sempre que as penas não privativas da liberdade permitam assegurar as finalidades da punição (cf. art. 40.º, do CP) devem ser estas as escolhidas. Esta escolha pode ocorrer em um de dois momentos: ou numa fase inicial da determinação da medida da pena quando o tipo legal de crime preenchido pela conduta do agente prevê a possibilidade de aplicação de uma pena de prisão ou de uma pena de multa, em alternativa, ou numa fase ulterior, depois da determinação da medida concreta da pena e atenta a sua duração há ainda possibilidade de aplicação de uma pena de substituição. Em ambos os casos o juiz deve dar preferência à pena não privativa da liberdade “sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades de punição”.
(…) o ordenamento jurídico pretendeu “muito justamente afastar, até ao limite possível, a aplicação de uma pena de prisão” [Figueiredo Dias, (Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, Lisboa: Æquitas/Ed. Notícias, 1993), § 168, p. 139].».
Tendo em conta tal desiderato, impõe o art. 43º do C. Penal, «A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes».

Porém, uma pena de prisão fixada em medida não superior a um ano, para além de poder ser substituída por multa, nos termos dessa norma, também pode ser suspensa na execução (art. 50º) e ainda ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade (art. 58º), desde que se verifiquem os respectivos pressupostos. E, para além destas penas de substituição da prisão, em sentido próprio, porque cumpridas em liberdade, há ainda que contar com penas de substituição detentivas como sucede com o regime de permanência na habitação (art.44º) e a prisão em regime de semidetenção (art.46º) (2).
No que respeita à opção pela sanção, estamos, pois, perante um poder-dever ou um poder vinculado sempre sujeito a uma devida e criteriosa fundamentação.
No caso vertente, o Sr. Juiz perfilhando o entendimento de que a pena de prisão era exigida precisamente pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, não a substituiu por multa ou por outra pena não privativa da liberdade, justificando tal opção, pelas elevadas exigências de prevenção geral e especial.
Efectivamente, assim considerou tendo em conta o grande número de crimes desta natureza ocorrido na comarca e apelando, no campo da prevenção especial, não só aos antecedentes criminais do arguido e à natureza das penas que lhe foram aplicadas, como à elevada intensidade da sua culpa, atenta a modalidade de dolo, directo, que revestiu a sua conduta, concluindo que o mesmo não apresenta garantias de prosseguir a sua vida em liberdade sem o cometimento de novos crimes rodoviários, constituindo o cumprimento efectivo da prisão um apelo firme para o reforço da sua consciência ético jurídica e das suas competências pessoais, garantindo a protecção da sociedade e do bem jurídico protegido.

Assim, conforme decorre do texto da sentença recorrida, o Sr. Juiz conheceu da questão da escolha da pena, como se lhe impunha, e fundamentou essa escolha, com o entendimento, explícito, de que a substituição da pena de prisão por qualquer pena de substituição não satisfaria as exigências de prevenção geral e especial.

Realmente, conforme impõe o art. 50º do C. Penal, a questão da suspensão (ou não) dessa pena de prisão, aplicada em medida não superior a cinco anos, tem que ser obrigatoriamente abordada, importando averiguar se a prognose de ressocialização é favorável: a execução da pena de prisão aplicada deve ser suspensa se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste o tribunal concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Considerando essa norma a possibilidade de suspensão de execução da pena impõe-se averiguar se é possível, ou não, fazer um prognóstico favorável. A prognose de ressocialização tem por parâmetros a ideia de que, por um lado, a reclusão constitui a última ratio da política criminal, mas, por outro, a de que a comunidade persegue a garantia, a protecção e a promoção dos direitos pessoais, sem o sentido de missão socializadora através de métodos de coacção próprios do controlo social.
O que significa que deve negar-se a possibilidade de suspensão se os factos provados justificarem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de reinserção que a sociedade lhe oferece, ou seja, se o juiz não estiver convicto desse prognóstico (favorável) (3).
Tal como entendeu o Acórdão da Relação do Porto de 25/10/2006 (proferido nos autos PCC nº 623/05.1PBMTS), «impõe-se averiguar se é possível, ou não, fazer um prognóstico favorável. Só o prognóstico favorável permite a suspensão da execução da pena de prisão. Não estando quanto a ele convicto o julgador falhará uma exigência legal devendo negar-se a possibilidade de suspensão. Esse é o caso das situações de non liquet.».

É o que, claramente, sucede na situação em apreço:

Se o arguido confessou os factos – embora sem grande relevo – e se mostra inserido profissional e socialmente, possuindo apoio no seu núcleo familiar, também não podemos abstrair da gravidade da sua conduta nem, sobretudo, da ponderosa circunstância de o mesmo, a par de outros relevantes antecedentes criminais, ter sido já anteriormente condenado, por seis vezes, pelo exercício da condução automóvel sem habilitação, o ilícito ora em apreço, ao que acresce a circunstância de ter praticado este último quando se encontrava em cumprimento de prisão por dias livres, o que revela ou impõe, necessariamente, a ilação de que as várias sanções que lhe foram aplicadas não surtiram o almejado efeito dissuasor.
Tudo circunstâncias e considerações com muito significado a que, nesta sede, se tem de atender por relevarem, sobremaneira, a aferir dos pressupostos e finalidades da reflexão sobre a possibilidade da substituição da pena de prisão pela suspensão da respectiva execução ou por qualquer outra.
Ora, como se vê do exposto, não pode asseverar-se que a personalidade do arguido não fornece qualquer contra-indicação à suspensão e que os factos não apontam para que a sua conduta, objecto destes autos, seja o seu comportamento padrão ou que o seu envolvimento no presente processo não tenha tido, realmente, repercussões negativas nas suas interacções sociais, uma vez que a sua actual situação jurídico-penal é do domínio público.
Portanto, os elementos fornecidos pelos autos não permitem fundear o vaticínio de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição nem fundam a esperança no êxito do processo de reinserção social do arguido em liberdade.
Para a eventualidade de não ser deferida a suspensão da execução da pena, o arguido também solicitou o cumprimento desta no regime de permanência na habitação, a que alude o art. 44º do C. Penal.
Como se escreveu no acórdão da RP de 6/6/2012, proc. nº 31/11.5PEPRT.P1 «Com a introdução desta pena, quis o legislador, ainda, densificar o princípio fundamental de um sistema penal democrático, assente em princípios humanistas e ressocializadores da pena, nomeadamente da pena de prisão tout court, entendida como última ratio».
A escolha desta medida substitutiva assenta, exclusivamente, em razões de prevenção e pressupõe, materialmente, a sua adequação e suficiência para as finalidades da punição e, formalmente, a condenação em pena de prisão não superior a um ano e o consentimento do condenado.
Neste caso, verifica-se o primeiro desses requisitos formais mas não se extrai dos factos provados que o arguido tivesse dado a sua anuência em momento anterior ao da apresentação da motivação do recurso e, por isso, em tempo útil para a ponderação desse consentimento pelo Tribunal.
De todo o modo, à semelhança do decidido na sentença recorrida, também nós perfilhamos o entendimento de que não se encontra reunido o necessário pressuposto material para o arguido poder beneficiar deste regime.

Na verdade, não obstante a pena de prisão, como se assinalou, apenas se justificar nos casos em que é de todo inviável a sua substituição por uma pena não detentiva, para mais, nos crimes de diminuta densidade jurídico-criminal, como sucede no caso em apreço, certo é não podermos olvidar que o arguido praticou este crime quando se encontrava a cumprir uma pena de prisão por dias livres, não se deixando intimidar com a sua eventual revogação, ao que acresce o elevado número de ilícitos pelo mesmo praticados e as correspondentes penas aplicadas, que não tiveram a virtualidade de o consciencializar para o mal cometido, persistindo no mesmo tipo de conduta.

Portanto, tudo desaconselha as pretendidas formas de cumprimento da pena, pelo que nenhuma censura merece o decidido pelo Tribunal recorrido, que arredou com suficiente fundamentação a possibilidade de aplicação de qualquer outra pena substitutiva, em vez da pena de prisão.
Assim, improcede o recurso.
*
Decisão:

Pelo exposto, negando-se provimento ao recurso, decide-se manter integralmente a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro UC´s.
Guimarães, 9/04/2018

Ausenda Gonçalves
Fátima Furtado



1 - Cfr. Paula Ribeiro de Faria, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo II”, 1999, p. 1093.
2 - A prisão por dias livres (art.45º), foi entretanto extinta.
3 - Como realça F. Dias (Direito Penal Português, as consequências jurídicas do crime, p. 344), o que está em causa não é qualquer certeza, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, devendo o tribunal estar disposto a correr um certo risco fundado e calculado – sobre a manutenção do agente em liberdade. Só havendo sérias razões para duvidar da capacidade do arguido de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, é que o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada.