Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1298/15.5T8VRL.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: PERDA DA QUALIDADE DE ASSOCIADO
INUTILIDADE OU IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – A exclusão de associado faz extinguir, na sua esfera jurídica, aquele conjunto unitário de direitos e obrigações que impendiam sobre a participação por si detida.

II – Também a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – Relatório

Nos presentes autos, M. C., N.I.F. n.º …, residente na Rua … Vila Real e J. S., N.I.F. n.º …, residente no lugar do …, Vila Real, instauraram acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra ASSOCIAÇÃO DE SOLIDARIEDADE SOCIAL ..., I.P.S.S., N.I.P.C. n.º …, com sede na Rua … Vila Real, peticionando, a final, que seja “declarada nula a Assembleia Geral eleitoral realizada no dia 29 de Dezembro de 2014”, alegando, para tanto, que são associados da ré, tendo em 29/12/2014 decorrido uma assembleia geral ordinária para a realização do acto eleitoral dos seus órgãos sociais, que reputam por inválida, com os seguintes fundamentos:

- o autor não foi previamente convocado para participar no acto eleitoral;
- ocorreu uma alteração de uma das listas concorrentes após o termo do prazo para a apresentação das listas;
- a assembleia geral foi presidida por quem não possuía poderes para o efeito;
- não foi permitido que um representante de uma das listas concorrentes estivesse presente na mesa da assembleia geral para poder fiscalizar a regularidade do acto eleitoral;
- foi permitido que o candidato que encabeçava uma das listas entrasse e saísse da sala onde decorria o plebiscito;
- a Secretária da mesa da Assembleia Geral tinha na sua posse 18 credenciais para que associados pudessem votar em representação de outro associado, tendo alguns associados votado em nome de pessoas que não conheciam;
- os boletins de voto não permitiam uma votação diferenciada para os diversos órgãos sociais, apenas constando a indicação das letras correspondentes a cada uma das listas.
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Na contestação, a ré veio arguir a excepção de caducidade e a falta de capacidade eleitoral do autor, por não possuir as quotas em dia, quando decorreu a assembleia geral colocada em crise, para além de impugnar a alegação dos autores, concluindo, assim, pela improcedência da acção.
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Posteriormente, a ré ofereceu articulado (fls. 123-124), na qual defendeu ter ocorrido uma inutilidade superveniente da lide, em virtude de ter sido comunicado ao autor que este fora excluído como associado da ré, cuja ilegitimidade também invoca.
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Os autores apresentaram articulado de resposta à contestação, refutando a verificação da matéria exceptiva aduzida pela ré, para além de peticionarem a alteração da causa de pedir e do pedido em consequência da confissão que alegam ter ocorrido na contestação.
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Os autores responderam ainda a esse articulado, tendo rejeitado que ocorresse uma inutilidade superveniente da lide, para além de defenderem que inexiste a ilegitimidade activa arguida pela ré.
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Foi proferido despacho saneador, no qual, além do mais, se decidiu não admitir a alteração da causa de pedir e do pedido, se julgaram inverificados os pressupostos para ser declarada a inutilidade superveniente e se considerou improcedente a arguição da ilegitimidade activa do autor.
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Realizou-se audiência de julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou totalmente improcedente a pretensão aduzida pelos autores, dela absolvendo a ré Associação de Solidariedade Social ..., I.P.S.S., o que foi mantido por este tribunal, com revogação por parte do STJ, por considerar existir omissão de pronúncia.
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II- Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida veio a Ré instaurar o presente recurso, nele formulando as seguintes conclusões:

- Quanto ao momento no qual a qualidade de associado tem que se verificar:

1. A anulabilidade das deliberações da assembleia geral das associações contrárias à lei ou aos estatutos, seja pelo seu objecto, seja por virtude de irregularidades havidas na convocação dos associados ou no funcionamento da assembleia, pode ser arguida pelo órgão de administração ou por qualquer associado que não tenha votado a deliberação (art.º 178º, nº 1 do Código Civil).
2. O Apelante não esteve sequer presente no acto eleitoral pelo que é manifesto que não votou a deliberação tomada na assembleia geral de 29/12/2014.
3. A acção foi instaurada em 3 de Agosto de 2015 (facto 16 dos provados, da sentença).
4. É indiscutível, também a partir dos factos provados, de que pelo menos até 4/11/2015 aquele Autor, aqui Apelante, era associado da Recorrida (cfr. facto 37 dos provados, da sentença).
5. Sendo ele, à data da impugnação, associado da Ré, aqui Recorrida, e não tendo votado favoravelmente a deliberação, encontra-se preenchida a previsão do nº 1 do artigo 178º do Código Civil.
6. Encontrando-se provado que ao tempo da impugnação o Apelante era associado da Recorrida e que não havia votado favoravelmente a deliberação anulanda, a decisão recorrida violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 178º, nº 1 e 342º, nº 1 do Código Civil, devendo ser revogada.
7. De acordo com a própria decisão recorrida que, nessa exacta medida se aceita, a assembleia geral da ré, realizada em 29/12/2014, é anulável com um tríplice fundamento:
a) a ausência de convocação do autor pela forma prevista no artigo 28.º, n.º 2, dos Estatutos da Ré (cfr. artigo 177.º do Código Civil);
b) a irregularidade do funcionamento da assembleia contrária à lei, “maxime” o artigo 61.º-A, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro, quanto ao modo, como foi escolhida a “representante” do Presidente em exercício da Mesa da Assembleia Geral, para presidir ao acto eleitoral, pois deveria ter tido lugar a eleição pressuposta por aquele normativo e não uma escolha por cooptação;
c) por reporte ao disposto no artigo 177.º do Código Civil, a circunstância de ter sido disponibilizado um único boletim de voto aos associados, apesar de existirem eleições para três órgãos sociais (cfr. artigos 14.º e 16.º, n.º 1, dos Estatutos da Ré), exigência essa que se deve reputar por decorrente, perante a lacuna legal, da aplicação por via da analogia do artigo 155.º, n.º 3, da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, por se tratar de um caso análogo, pois procedem as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei (cfr. artigo 10.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil) uma vez que em ambas as situações pretender-se-á salvaguardar a liberdade de escolha dos votantes na eleição dos seus representantes para cada um dos distintos órgãos.
8. Face a esse tríplice fundamento, revogada a sentença recorrida deve ser proferida decisão que anule a deliberação tomada na assembleia geral de 29/12/2014, que elegeu os órgãos sociais da Recorrida e nessa medida julgue procedente a acção.

- Sem prescindir: quanto à violação, noutra perspectiva, do disposto no artigo 342º, nº 1 (e nº 2) e também no artigo 346º do código civil

9. Dos provados, não consta qualquer facto que diga que o Apelante tenha perdido no decurso da acção a qualidade de associado.
10. O direito do Apelante, de anulação da deliberação social, nasceu validamente: o Apelante provou que não votou favoravelmente a deliberação social, propôs em tempo a acção de impugnação e provou que à data da impugnação era associado da Apelada.
11. Se suposto tal nascimento válido do direito, a extinção posterior da qualidade do associado por acto positivo da Apelada extingue esse direito, então esse facto é extintivo do direito do autor e compete à Apelada a prova de tal facto, como decorre do artigo 341º, nº 2 do Código Civil.
12. Resulta da própria decisão recorrida que a Apelada não fez tal prova, tendo-se limitado a tornar duvidosa a subsistência de qualidade de associado do autor.
13. A decisão recorrida violou, pois, por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 342º, nº 1 e 2 e 346º do Código Civil, pelo que deve ser revogada.
- Ainda sem prescindir: a propósito do artigo 16.º, n.º 3, do decreto-lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro 14. Estabelece o nº 3 do artigo 16º do DL nº 119/83, de 25 de Fevereiro (disposição essa que não foi alterada pelo DL nº 172-A/2014, de 14 de Novembro), que estabeleceu o Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, que são sempre lavradas actas das reuniões de qualquer órgão da instituição, que são obrigatoriamente assinadas por todos os membros presentes, ou, quando respeitem a reuniões da assembleia geral, pelos membros da respectiva mesa.
15. Estatuindo a lei a obrigatoriedade, relativamente às Instituições Particulares de Solidariedade Social, de serem sempre lavradas actas das reuniões de qualquer órgão da instituição, é de concluir que as deliberações de tais órgãos têm que ser documentadas nessas actas e que as mesmas razões que fundam a norma do artigo 63º, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais valem analogicamente para a prova das deliberações de órgãos que se encontrem obrigados de forma imperativa à elaboração de actas das suas reuniões.
16. A alegação de factos não se confunde com a sua prova; e foi apenas isso o que a Apelada fez.
17. E a carta onde menciona a tomada de tal deliberação (cfr. Facto 37 dos provados da sentença recorrida), constitui um documento particular, por si elaborado, ou seja, da sua autoria
18. Resulta do disposto no artigo 376º, nº 2, a contrario, do Código Civil, que os factos compreendidos nesse documento particular apenas se consideram provados na medida em que forem desfavoráveis aos interesses do declarante.
19. A decisão recorrida violou também, por erro de interpretação e aplicação o disposto no artigo 16.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro e, por erro de interpretação e não aplicação, violou também o disposto no artigo 63º, nº 1 do CSC aplicável analogicamente, bem como o disposto no artigo 376º, nº 2, a contrario, do Código Civil, devendo ser revogada.
- Finalmente e ainda sem prescindir: o interesse em agir, mesmo que perdida pelo apelante a qualidade de associado da apelada
20. A deliberação social sob anulação tem por objecto a eleição dos órgãos sociais da Apelada.
21. Anulada esta, os efeitos da invalidade são os previstos no artigo 289º, nº 1 do Código Civil, com a ressalva dos direitos de terceiro de boa fé, expressamente tutelados no artigo 179º do Código Civil.
22. Internamente, tudo se passa como se as eleições não tivessem ocorrido e, portanto, são destruídos todos os actos que pressuponham a válida eleição, desde logo a tomada de posse dos órgãos sociais e todas as deliberações por eles tomadas, incluindo a de exclusão do Apelante, caso ela de facto tenha ocorrido, sendo este restituído à condição que tinha à data da dita assembleia.
23. A decisão recorrida violou, por erro de interpretação e (não) aplicação, o disposto no artigo 289º, nº 1 do Código Civil, devendo ser revogada e substituída por outra que, tal como se referiu na conclusão 8, anule a deliberação tomada na assembleia geral de 29/12/2014, que elegeu os órgãos sociais da Recorrida, com as consequências legais quanto aos efeitos de tal invalidade e que, nessa medida julgue procedente a acção.
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O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III-O Direito

Como resulta do disposto nos arts.º 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apurar se a decisão proferida deve ser revogada, de acordo com a pretensão do recorrente, respondendo, para o efeito, às questões elencadas.
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- Fundamentação de facto:

Matéria de facto provada:

1. Em 2014 os estatutos da ré continham o seguinte teor, no que releva para os presentes autos (cfr. art. 1.º, 3.º, 4.º e 24.º da p.i., 26.º, 37.º, 59.º, 62.º e 63.º da cont.):

“(…) Artigo 1.º A Associação de Solidariedade Social ... é uma instituição particular de solidariedade social com sede na Rua …, Vila Real, sem fins lucrativos e o seu âmbito de acção abrange o Distrito de Vila Real;
Artigo 2.º A Associação de Solidariedade Social ... tem por objectivos: a) apoio criança e jovens; b) apoio a pessoas idosas; c) apoio à família e à comunidade (…)
Artigo 4.º A organização e funcionamento dos diversos sectores de actividade constarão de regulamentos internos, a aprovar em Assembleia Geral;
Artigo 5.º Podem ser associados pessoas singulares maiores de dezoito anos e as pessoas colectivas;
Artigo 6.º Haverá duas categorias de associados: 1. Honorários – as pessoas que, através de serviços ou donativos, dêem contribuição especialmente relevante para a realização dos fins da instituição, como tal reconhecida e proclamada pela Assembleia Geral; 2. Efectivos- As pessoas que se proponham a colaborar na realização dos fins da associação, obrigando-se ao pagamento da jóia e quota mensal, nos montantes fixados na Assembleia Geral;
Artigo 7.º A qualidade de associado prova-se pela inscrição no livro respectivo, que a associação obrigatoriamente possuirá;
Artigo 8.º São direitos dos associados: a) participar nas reuniões da Assembleia Geral; b) Eleger e ser eleito para os cargos sociais (… )
Artigo 9.º São deveres dos associados: a) pagar pontualmente as suas quotas, tratando-se de associados efectivos (…)
Artigo 11.º, 1 Os associados efectivos só podem exercer os direitos referidos no artigo 8.º, se tiverem em dia o pagamento das suas quotas; 2 – Os associados efectivos que tenham sido admitidos à menos de três meses não gozam dos direitos referidos nas alíneas b) e c) do artigo 8.º, podendo assistir às reuniões da Assembleia Geral, mas sem direito de voto; 3. Não são elegíveis para os Corpos Gerentes os associados que, mediante processo judicial, tenham sido removidos dos cargos directivos da associação ou de outra instituição particular de solidariedade social, ou tenham sido declarados responsáveis por irregularidades cometidas no exercício das suas funções;
Artigo 12.º, 1, Perdem a qualidade de associado: a) os que pedirem a sua exoneração; b) os que deixarem de pagar as suas quotas durante doze meses (…) 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, considera-se eliminado o associado que, tendo sido notificado pela Direcção para efectuar o pagamento das quotas em atraso, o não faça no prazo de trinta dias (…)
Artigo 14.º São órgãos da associação a Assembleia Geral, a Direcção e o Conselho Fiscal (…)
Artigo 18.º 1. Os membros dos Corpos Gerentes só podem ser eleitos consecutivamente para dois mandatos para qualquer órgão da Associação, salvo se a Assembleia Geral reconhecer expressamente que é impossível ou inconveniente proceder à sua substituição (…) 3. O disposto nos números anteriores aplica-se aos membros da Mesa da Assembleia Geral, da Direcção e do Conselho Fiscal (…)
Artigo 19.º (…) 3. As votações respeitantes às eleições dos Corpos Gerentes (…) serão feitas obrigatoriamente por escrutínio secreto (…)
Artigo 22.º, 1, Os associados podem fazer-se representar por outros associados nas reuniões da Assembleia Geral em caso de comprovada impossibilidade de comparência à reunião, mediante carta dirigida ao presidente da Mesa, com a assinatura notarialmente reconhecida, mas cada associado não poderá representar mais de um associado (…)
Artigo 24.º, 1. A Assembleia Geral é constituída por todos os sócios admitidos há pelo menos três meses que tenham as suas quotas em dia e não se encontrem suspensos. 2. A Assembleia Geral é dirigida pela respectiva Mesa, que se compõe de um Presidente, um 1.º Secretário e um 2.º Secretário. 3. Na falta ou impedimento de qualquer dos membros da Mesa da Assembleia Geral competirá a esta eleger os respectivos substitutos de entre os associados presentes, os quais cessarão as suas funções no termo da reunião;
Artigo 25.º Compete à Mesa da Assembleia Geral dirigir, orientar e disciplinar os trabalhos da Assembleia, representá-la e designadamente: a) Decidir sobre os protestos e reclamações respeitantes aos actos eleitorais, sem prejuízo de recurso nos termos legais (…) Artigo 28.º, 1, A Assembleia Geral deve ser convocada com, pelo menos, quinze dias de antecedência pelo Presidente da Mesa, ou seu substituto; 2 A convocatória é feita por meio de aviso postal expedido com a antecedência mínima de oito dias para cada associado, dela constando obrigatoriamente o dia, a hora e a ordem de trabalhos (…)”
2. Consta dos autos um documento denominado “acta número um do ato eleitoral”, com o seguinte teor, no que releva para os presentes autos (cfr. art. 1.º e 2.º da cont.):
“(…) Aos dezassete dias do mês de Dezembro de dois mil e catorze, pelas onze horas, reuniu na Sede da Associação de Solidariedade Social ..., o Presidente da Mesa da Assembleia Geral da mesma Associação, Z. B., a Secretária da Mesa, M. B., e M. M., por ter sido convidada a estar presente pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral, para dar cumprimento ao constante na convocatória das Listas concorrentes aos órgãos sociais da Associação de Solidariedade Social .... Depois de analisadas as duas listas concorrentes foi-lhes atribuída uma letra, por ordem de chegada aos serviços administrativos: letra A à lista representada pela mandatária M. C. (…) e a letra B à lista representada pelo mandatário R. S. (…). Depois de analisados cada elemento que compõem as listas, foram achados conformes, excepto o candidato a Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Lista A, M. T., cujo número de sócio não consta, embora tenha pertencido aos órgãos sociais desta Associação em dois mil e nove. O Presidente da Mesa propôs que preenchesse uma segunda via de ficha de inscrição, para que pudesse ser incluído nas listas de sócios votantes (…).”
3. Consta dos autos um documento denominado “acta número dois do ato eleitoral”, com o seguinte teor, no que releva para os presentes autos (cfr. art. 1.º e 2.º da cont.):

“(…) Aos vinte e nove dias do mês de Dezembro de dois mil e catorze, pelas onze horas e trinta minutos, reuniu na Sede da Associação de Solidariedade Social ..., a Secretária da Mesa da Assembleia Geral da mesma Associação, M. B. e M. M., enquanto representante legal do Presidente da Mesa da Assembleia Geral, Z. B., pelo seguinte motivo: reclamação por escrito do mandatário da Lista B, R. S., referente ao ato eleitoral para os órgãos desta Associação (…) a decorrer no dia hoje pelas dezasseis horas e trinta minutos. Face ao exposto, omissão do número de sócio e ausência do nome no Livro de Sócios do elemento M. T., candidato a Presidente da Mesa da Assembleia Geral da lista A, e atendendo a que este já fez parte dos órgãos sociais desta Associação de Solidariedade Social ... no ano de dois mil e nove, decidiu-se atribuir-lhe provisoriamente o número cento e vinte e sete, colocando-o na lista de votantes, para posteriormente se proceder à sua regularização definitiva em reunião de Direcção futura (…).”
4. Consta dos autos um documento denominado “acta número três do ato eleitoral”, com o seguinte teor, no que releva para os presentes autos (cfr. art. 1.º e 2.º da cont.):
“(…) Aos vinte e nove dias do mês de Dezembro de dois mil e catorze, pelas dezasseis horas e trinta minutos, deu-se início ao ato eleitoral, conforme o constante na convocatória do ato eleitoral, na Sede da Associação de Solidariedade Social ..., sendo a mesa eleitoral constituída pelos sócios M. M., enquanto representante legal do Presidente da Mesa da Assembleia Geral, Z. B., e M. B., na qualidade de Secretária e J. P.. Constavam na lista de sócios cento e dezoito sócios e igual número de sócios de boletins de voto. O acto eleitoral decorreu com toda a normalidade e sem incidentes a registar. Pelas dezoito horas e trinta minutos, deu-se por encerrado o acto eleitoral. Foram conferidos e contabilizados os votos resultantes do acto, na presença dos mandatários das listas concorrentes, obtendo-se os seguintes resultados: Votos nulos: zero; Votos Brancos: 1; Votos Lista A: 36; Votos Lista B: 43; Fizeram parte desta votação vinte credenciais referentes a representações de sócios, que por motivos justificados, não puderem estar presentes, as quais se anexam ao processo eleitoral (…)”
5. Encontra-se junto a fls. 51 um documento denominado “Ficha de Candidatura de Sócio”, relativa ao autor, no qual consta, além do mais, que este possui o email …@sapo.pt – cfr. art. 6.º da cont.
6. Consta dos autos a fls. 52-54, um email, datado de 20/11/2014, destinado, além do mais, ao endereço …@sapo.pt, contendo o seguinte teor, no que releva para os presentes autos (cfr. art. 2.º, 8.º e 9.º da p.i.):
“(…) Exmos. Sócios e sócios da Associação .... Segue em anexo convocatória para a Assembleia Geral, cujo ponto único da ordem de trabalhos é o acto eleitoral. Com saudações Z. B., Presidente da Assembleia Geral; Nos termos dos Estatutos da Associação de Solidariedade Social ... (…) onde se realizará o acto eleitoral dos corpos gerentes desta Associação ..., no dia 29 de Dezembro de 2014, com abertura do acto eleitoral às 16h30m e encerramento da votação às 18h30m, procedendo-se de imediato à contagem dos votos. Ponto único: A ordem de trabalhos terá como ponto único o ato eleitoral (…) Procedimentos e datas para o ato eleitoral (…) 2.º De dia 9 ao dia 16 de Dezembro de 2014: apresentação de listas, que deverão ser entregues na Associação ... (…), em envelope fechado, dirigidas ao Senhor Presidente da Assembleia Geral, Z. B.. Na lista deverá constar o nome e o cargo a desempenhar por cada associado proposto e assinado. Deve ainda constar em primeiro lugar o mandatário da lista (…) 3.º) De dia 17 ao dia 21 de Dezembro de 2014, apreciação da conformidade da composição de cada lista pelo Senhor Presidente da Assembleia Geral, sendo comunicada ao mandatário da lista qualquer irregularidade. A cada lista será atribuída uma letra, por ordem de entrega nos serviços, sendo entregou a lista; 4.º) Dia 22 de Dezembro de 2014: afixação de listas na Sede da Associação ..., para consulta dos associados; 5.º Dia 29 de Dezembro de 2014, início do acto eleitoral às 16h30, por voto secreto. Às 18h30m encerra-se o acto eleitoral. De seguida, nomeiam-se os escrutinadores que procedem à abertura da urna e à contagem dos votos. De seguida, procede-se à elaboração da respectiva acta. Durante o acto eleitoral estará presente o Presidente e um Secretário da Mesa. Poderá ainda estar presente, se assim o entender, um representante de cada lista concorrente. Se estiverem todos os elementos da lista eleita, poderá ser, de seguida, empossada, iniciando-se o seu mandato em 1 de Janeiro de 2015”.
7. A autora é associada da ré – cfr. art. 1.º da p.i.
8. A autora exerceu o seu direito de voto no acto eleitoral da ré que decorreu em 29/12/2014 – cfr. art. 21.º da cont.
9. Consta dos autos a fls. 99-100v a missiva relativa à apresentação da candidatura da lista a que veio a ser atribuída a letra B), no acto eleitoral que decorreu em 29/12/2014, datada de 16/12/2014, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – cfr. art. 33.º da cont.
10. Consta dos autos a fls. 101 uma missiva dirigida a R. S., datada de 19/12/2014, na qual aquele foi informado que o associado J. F., indicado para 3.º Suplente do Conselho Fiscal, não podia fazer parte da lista em virtude de não estar em conformidade com o n.º 1 do artigo 18.º dos Estatutos e que por esse motivo deveria esse candidato ser substituído – cfr. art. 37.º e 38.º da cont.
11. Consta dos autos a fls. 101v uma missiva dirigida ao Presidente da Assembleia Geral da ré, datada de 20/12/2014, na qual foi informado que o candidato J. F. seria substituído pela associada J. M. – cfr. art. 39.º da cont.
12. Consta dos autos a fls. 102 uma missiva subscrita pelo Ilustre Advogado R. F., em representação da autora, datada de 26/12/2014, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – cfr. art. 46.º da cont.
13. Consta dos autos a fls. 102v uma missiva subscrita pela autora, datada de 22/12/2014, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – cfr. art. 12.º da p.i. e 46.º da cont.
14. Consta dos autos a fls. 103v-104 uma missiva subscrita por M. B., na qualidade de Secretária da Assembleia Geral da ré, datada de 26/12/2014, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – cfr. art. 47.º da cont.
15. Consta dos autos a fls. 104v-105 a acta relativa à tomada de posse realizada em 12/01/2012, dos membros dos órgãos sociais da ré, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – cfr. art. 52.º da cont.
16. A presente acção foi instaurada em 03/08/2015 – cfr. art. 24.º da cont.
17. Foram concorrentes ao acto eleitoral de 29/12/2014, integrando a lista A), os associados identificados na lista de fls. 171-171v, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – cfr. art. 10.º da p.i, 21.º e 55.º da cont.
18. Em data não concretamente apurada, mas que se determinou ter ocorrido até 22/12/2014 (inclusive), foi afixado na sede da ré um documento com os nomes dos associados que integravam a lista B) concorrente ao acto eleitoral, identificados a fls. 100-100v – cfr. art. 12.º da p.i.
19. Em data não concretamente apurada, mas que se determinou ser anterior a 26/12/2014 e posterior à afixação do documento indicado em 18, foi afixado na sede da ré um documento com os nomes dos associados que integravam a lista B) concorrente ao acto eleitoral, contendo a alteração aludida em 11 – cfr. art. 13.º e 14.º da p.i.
20. A mesa da Assembleia Geral de 29/12/2014 foi presidida por M. M., qual não exibiu nenhum documento que lhe outorgasse poderes de representação ou que contivesse uma subdelegação de poderes – cfr. art. 15.º e 16.º da p.i. e 49.º da cont.
21. A mesa da Assembleia Geral não permitiu que a autora estivesse presente na sala onde decorriam as votações – cfr. art. 17.º da p.i.
22. M. B. tinha consigo algumas credenciais (procurações) que permitiam o voto de associados em representações de outros associados – cfr. art. 19.º da p.i.
23. Nos boletins de voto apenas constava a lista A e a lista B, não permitindo a votação diferenciada para os vários órgãos sociais – cfr. art. 26.º e 27.º da p.i.
24. No dia do acto eleitoral não foi apresentado qualquer protesto relativamente ao modo como este se desenrolou – cfr. art. 3.º da cont.
25. A autora recebeu a convocatória indicada em 6 por email e por carta – cfr. art. 8.º da cont.
26. Em 29/12/2014 o autor apresentava as quotas em atraso – cfr. art. 26.º da cont.
27. J. P. integrou a mesa da Assembleia Geral – cfr. art. 55.º da cont.
28. Nos anteriores actos eleitorais apenas existia um boletim de voto, ainda que somente tivesse existido uma única lista concorrente – cfr. art. 67.º da cont.
29. Em data não concretamente apurada, mas que se determinou situar-se no final de Janeiro de 2015, o autor tomou conhecimento do desfecho do acto eleitoral – cfr. art. 19.º da cont.
30. O documento indicado em 2 foi apenas assinado por M. B. – cfr. art. 5.º do artic. de fls. 109v-112.
31. O documento identificado em 3 foi somente assinado por M. B. e M. M. – cfr. art. 5.º do artic. de fls. 109v-112.
32. O documento referenciado em 4 foi assinado por M. B., M. M. e J. P. – cfr. art. 5.º do artic. de fls. 109v-112.
33. A declaração de recebimento do documento referido em 9 foi assinada por S. S., funcionária administrativa da ré – cfr. art. 24.º do artic. de fls. 109v-112.
34. O documento aludido em 10 foi assinado por M. B. – cfr. art. 28.º do artic. de fls. 109v-112.
35. No documento indicado em 11 constam as assinaturas de M. B., junto à indicação manuscrita de que a missiva foi entregue em mão no dia 20/12/2014, e de S. S., por debaixo do carimbo com a menção recebido e a data de 22/12/2014 – cfr. art. 31.º do artic. de fls. 109v-112.
36. A ré procedeu ao envio ao autor de uma missiva, datada de 23/09/2015 e recebida em 25/09/2015, informando-o de que deveria regularizar as suas quotas de associado, dentro do prazo estabelecido no artigo 12.º, n.º 2, dos Estatutos da ré, e que se tal obrigação não fosse cumprida a ré daria cumprimento ao estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º dos referidos Estatutos – cfr. 2.º par. do artic. de fls. 123-124.
37. A ré procedeu ao envio ao autor de uma missiva, datada de 11/11/2015 e recebida em 12/11/2015, comunicando-lhe que em reunião de Direcção da ré, realizada em 04/11/2015, foi decidido “eliminar” o autor de associado, de acordo com o disposto no artigo 12.º, n.º 2, dos Estatutos da ré – cfr. 4.º e 5.º par. do artic. de fls. 123-124.
38. A ré procedeu ao envio ao autor de uma missiva, datada de 03/11/2015, que aquele recebeu, comunicando-lhe a realização de uma assembleia-geral extraordinária no dia 17/11/2015, pelas 17 horas – cfr. art. 8.º do artic. de fls. 141-148.
39. Em 09/11/2015 a autora procedeu à transferência bancária para uma conta bancária titulada pela ré do montante de € 30,00, por conta das quotas devidas pelo autor, relativamente ao ano de 2013, sem que esse montante tivesse sido restituído pela ré – cfr. art. 9.º e 10.º do artic. de fls. 141-148.
40. O autor não procedeu à impugnação judicial da deliberação a que se refere a missiva identificada em 37 – cfr. art. 17.º do artic. de fls. 141-148.
41. Até à citação para a presente acção a ré nunca procedeu à exclusão de nenhum associado por quotas em atraso – cfr. art. 16.º do artic. de fls. 141-148
42. Diversos associados procederam à liquidação das quotas antes do início do período eleitoral e foram admitidos a exercer o seu direito de voto em 29/12/2014, como era prática habitual na ré – cfr. art. 23.º do artic. de fls. 130v-134 e 20.º do artic. de fls. 141-148.
43. A ré procedeu ao envio de uma missiva aos associados L. P., E. G., C. D., A. J., S. C., M. F., M. S., S. A., J. R., S. G., J. T., I. R., M. J., L. M., A. P., A. F., C. L., V. P., J. C., J. B., I. M., G. F., G. R., F. L., F. A., E. C. e E. F., datada de 11/11/2015, comunicando-lhes que em reunião de Direcção da ré, realizada em 04/11/2015, foi decidido “eliminá-los” de associados, de acordo com o disposto no artigo 12.º, n.º 2, dos Estatutos da ré - cfr. art. 19.º do artic. de fls. 141-148.
44. O autor não procedeu ao pagamento das quotas relativas aos anos de 2014 e 2015 – cfr. art. 13.º do artic. de fls. 141-148.
45. O autor não foi convocado por carta para a assembleia geral de 29/12/2014 – cfr. art. 5.º da p.i.
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Matéria de facto não provada:

1. O email referido no facto provado n.º 6 foi recebido pelo autor – cfr. art. 5.º da p.i., 7.º e 17.º a 19.º da cont.
2. No dia 17/12/2014, a autora solicitou junto dos serviços Administrativos e ao Presidente da Assembleia Geral da ré que informassem acerca da existência e da apresentação de listas concorrentes ao acto eleitoral, tendo-lhe sido dito que não dera entrada qualquer outra lista concorrente à lista A) – cfr. art. 10.º e 11.º da p.i. e
3. Os membros da mesa da Assembleia Geral não permitiram que esse órgão fosse integrado por um candidato da lista A) – cfr. art. 17.º e 25.º da p.i.
4. Os membros da mesa da Assembleia Geral permitiram que R. S. estivesse permanentemente a entrar e a sair da sala onde decorria o respectivo acto eleitoral, e estando em contracto constante com os associados eleitores, influenciando o sentido de voto – cfr. art. 18.º da p.i.
5. As procurações indicadas no facto provado n.º 22 não foram exibidas a nenhum representante da lista A) – cfr. art. 20.º e 22.º da p.i.
6. Houve associados que votaram em representação de outros associados, sem os conhecerem ou saberem o seu nome – cfr. art. 21.º da p.i.
7. As credenciais já estavam todas na posse de M. B. antes do início do acto eleitoral – cfr. art. 23.º da p.i.
8. Todos os associados da ré acordaram que as convocatórias, notificações e demais comunicações escritas passariam a ser realizadas por correio electrónico, sendo esse o meio utilizado para a notificação e convocação dos associados – cfr. art. 5.º da cont.
9. O autor foi convocado para outras Assembleias Gerais através de email – cfr. art. 15.º da cont.
10. O documento identificado no facto provado n.º 18 foi arrancado pela autora – cfr. art. 44.º da cont.
11. O Presidente da Assembleia Geral não presidiu ao acto eleitoral devido a uma doença grave de um familiar – cfr. art. 49.º e 50.º da cont.
12. Quando foi realizada a assembleia geral de 29/12/2014, os associados A. P., A. M., Carolina, C. F., E. M., J. L., R. S., S. O., M. A., F. V., N. J. e N. V. possuíam quotas em atraso - cfr. art. 18.º do artic. de fls. 141-148.
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Fundamentação de direito

Em suma, segundo o que consta do douto acórdão do STJ, importa que este tribunal conheça de quatro questões a saber:

a) Se a qualidade de associado que legitima a invocação da invalidade de deliberações sociais se tem que verificar ao longo da pendência da acção ou apenas na data da sua propositura (conclusões 1 a 8);
b) Se a perda pelo Autora da qualidade de associado na pendência da acção é ou não um facto extintivo do direito invocado em juízo e, nessa medida, se o ónus da prova de tal facto (que não se encontra incluído no elenco dos provados que fundamentam a sentença) recai ou não sobre a Ré (conclusões 9 a 13);
c) Se esse facto (a deliberação de exclusão do Autor de associado da Ré) tem ou não que ser provado por acta, prova documental essa que não foi feita (conclusões 14 a 19);
d) Se atento os efeitos ex tunc da declaração da invalidade da deliberação anulanda, que no plano interno (o da relação entre os associados ou entre a associação e os associados) não sofre nenhuma limitação legal, bem como a natureza e objecto da própria deliberação anulanda em questão (da eleição dos órgãos sociais e, desde logo, do órgão de administração que diz ter tomado a deliberação de 4 de Novembro de 2015, de exclusão do associado), a anulação dessa deliberação da assembleia eleitoral importaria ou não, consequencialmente, a própria destruição de todas as deliberações tomadas por tal órgão que pressuponham a sua válida eleição (conclusões 20 a 23).

Por forma a não se decidir pelo todo, levando, de novo, a que se considere estar a omitir qualquer pronúncia sobre os elencados pontos, passaremos a fazê-lo ponto por ponto.

Assim, quanto ao primeiro ponto que se prende em apurar se a qualidade de associado que legitima a invocação da invalidade de deliberações sociais se tem que verificar ao longo da pendência da acção ou apenas na data da sua propositura, aduz o A./Recorrente que o tribunal a quo violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nos arts. 178.º, n.º 1 e 342.º, ambos do Cód. Civil

Ora, como decorre do disposto no art. 178.º, n.º 1, do mencionado diploma, ‘a[A] anulabilidade prevista nos artigos anteriores pode ser arguida, dentro do prazo de seis meses, pelo órgão da administração ou por qualquer associado que não tenha votado a deliberação’, preceituando-se, por sua vez, no seu art. 342.º, n.º 1, quanto ao ónus da prova, que ‘a[A]quele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado’.

Daqui decorre que era ao A. que incumbia fazer a prova dos requisitos assinalados no art. 178.º, n.º 1, do Cód. Civil, nomeadamente, para além dos demais elementos que aí constam e que aqui não se discutem, alegando e provando ser associado da Ré.

Aliás, como resulta da factualidade apurada, é o próprio A. que, logo no art. 1.º, da petição inicial, alega ser sócio da Ré, com as quotas pagas e de plano direito.

Acontece que, tal como consta do ponto 1, dos factos dados como provados, segundo o ponto 7, dos estatutos da Ré, essa qualidade de associado teria de ser provada pela inscrição no livro respectivo, que a associação obrigatoriamente deve possuir, o que o A. não logrou demonstrar.

Daqui que se tenha entendido que, ao não ter o A. logrado provar esse requisito substantivo, sempre a acção teria de improceder.

Tal questão não se prenderia já com a decisão proferida em sede de despacho saneador quanto aos requisitos formais sobre a legitimidade do A., mas sim quanto ao direito material a aplicar, por falta de um dos pressupostos do direito que o mesmo pretende exercer por via da acção em apreço.

Aliás, como se sabe, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 5º, nº 3, do Código de Processo Civil), pelo que se deve considerar não ocorrer nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, se o juiz decidiu a questão aplicando as normas jurídicas num determinado sentido que difere daquele que é defendido pelo recorrente.

A assim não se entender, parece que manietados a uma única solução que não fosse senão a de julgar a acção procedente no sentido pretendido pelo A.

Contudo, mesmo assim, não sendo esse o entendimento deste tribunal porque se considera não ter o A. logrado demonstrar essa sua qualidade de associado à data da propositura da acção como necessário seria à luz dos estatutos, porque se impõe, cumpre apurar se essa qualidade do A. como associado, e que se dá como certa à data da propositura da acção, se tem que verificar ao longo da sua pendência ou apenas na data da sua propositura.

Ora, sendo o direito `a qualidade de associado o mais importante dos direitos dos associados, na medida em que é uma condição necessária de existência dos demais, com a sua exclusão, extingue-se, na sua esfera jurídica, aquele conjunto unitário de direitos e obrigações que impendiam sobre a participação por si detida.

Como tal, tendo ocorrido, ainda que no decurso da acção, a perda da sua qualidade de associado, tal faz com que o A. deixe de ter o direito que, pela acção, pretendia exercer.

Aliás, a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, actualmente prevista no art.º 277.º al. e), do NCPC, dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo [José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, I Volume, 2ª Edição, Almedina, 2003 anotação 3 ao art.º 287.º, p. 512].

Essa mesma ideia é possível retirar-se do art. 181.º do Cód. Civil, ao reportar-se aos efeitos da saída ou exclusão do associado, no sentido deste perder os direitos inerentes a essa sua qualidade.

Como tal, tem de se concluir que a qualidade de associado se deve verificar ao longo da pendência da acção.

Posto isto, importa atentar na 2.ª questão colocada, no sentido de apurar se a perda pelo Autor da qualidade de associado na pendência da acção é ou não um facto extintivo do direito invocado em juízo e, nessa medida, se o ónus da prova de tal facto (que não se encontra incluído no elenco dos provados que fundamentam a sentença) recai ou não sobre a Ré.

Ora, quanto à 1.ª parte dessa questão, a resposta parece já resultar do que se disse, ao afirmar-se a necessidade da qualidade de associado se manter ao longo da pendência da acção, sob pena de, a assim não se verificar, deixar o associado de poder exercer o direito que tem como pressuposto a verificação da sua qualidade como associado.

Como tal, tem de se considerar que a perda pelo Autora da qualidade de associado na pendência da acção constitui um facto extintivo do direito invocado em juízo.

Aliás, para nós, nenhum sentido faria que o A., tendo perdido a qualidade de associado, pudesse exercer um direito que já não tem ou perdeu, pondo em causa a vontade da restante colectividade, quanto aos actos praticados.

Já quanto à prova desse facto, se ao A. incumbia a prova da sua qualidade como associado, à Ré incumbia a prova da perda dessa qualidade.

Ora, dos autos resulta que os sócios que deixassem de pagar as suas quotas durante 12 meses, perderiam essa qualidade, considerando-se, como tal, eliminados, todos aqueles que, tendo sido notificados para efectuar o pagamento das quotas em atraso, não o fizessem em 30 dias (cfr. ponto 1, dos factos provados, na parte em que alude ao art. 12.º dos estatutos da Ré).
À data de 29.12.2014, o A. encontrava-se com as quotas em atraso (cfr. ponto 26, dos factos provados), tendo o A. proposto a acção em 3.8.2015 (ponto 16, dos factos provados).
A ré procedeu ao envio ao autor de uma missiva, datada de 23/09/2015 e recebida em 25/09/2015, informando-o de que deveria regularizar as suas quotas de associado, dentro do prazo estabelecido no artigo 12.º, n.º 2, dos Estatutos da ré, e que se tal obrigação não fosse cumprida a ré daria cumprimento ao estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º dos referidos Estatutos – cfr. 2.º par. do artic. de fls. 123-124 (cfr. ponto 36, dos factos provados),
Mais se apurou que a Ré procedeu ao envio ao autor de uma missiva, datada de 11/11/2015 e recebida em 12/11/2015, comunicando-lhe que em reunião de Direcção da ré, realizada em 04/11/2015, foi decidido “eliminar” o autor de associado, de acordo com o disposto no artigo 12.º, n.º 2, dos Estatutos da ré – cfr. 4.º e 5.º par. do artic. de fls. 123-124 (cfr. ponto 37, dos factos provados).
Decorre, ainda, da factualidade apurada que o autor não procedeu à impugnação judicial da deliberação a que se refere a missiva identificada em 37 – cfr. art. 17.º do artic. de fls. 141-148 (ponto 40, dos factos provados) -, nem ao pagamento das quotas relativas aos anos de 2014 e 2015 – cfr. art. 13.º do artic. de fls. 141-148 (ponto 44, dos factos provados.
Daqui decorre a prova da perda da qualidade de associado do A., a este comunicada, sem qualquer impugnação da sua parte.
Pois, tal como já antes referido, ao assim actuar, também sempre se teria de entender ter expressado a sua aceitação (art. 218.º/288.º, do Cód. Civil).

Pelo exposto, considerando ter sido feita a prova pela Ré, face aos factos supra apontados e inerentes considerações feitas a esse título, há que passar para a 3.ª questão, por forma a apurar se esse facto (a deliberação de exclusão do Autor de associado da Ré) tem ou não que ser provado por acta, prova documental essa que não foi feita (conclusões 14 a 19).

A este respeito, como já se referiu antes, a acta não corresponde a uma forma de deliberação e o facto de não ter sido junta acta, não permite concluir pela sua inexistência, nem pela falta da respectiva deliberação.

Comunicado o sentido da deliberação, da exclusão do A. como associado, ele ficará excluído, a menos que, pela via judicial, logre alcançar a sua invalidade.

Cremos, pois, de qualquer das formas que, in casu, desnecessário seria a prova por via da acta, porquanto, para além do mais, do próprio estatuto (art 12.º, 1) decorre a perda da qualidade de associado de quem, sendo associado, deixe de pagar as suas quotas durante 12 meses, considerando-se o mesmo eliminado com a notificação efectuada pela direcção para efectuar o pagamento em atraso e não o faça no prazo de 30 dias.

Como tal, dos estatutos resulta apenas ser necessário a prova da notificação efectuada nos termos e para os fins consignados no referido art. 12.º/1, dos estatutos da Ré.

Por último, importa decidir quanto à questão suscitada pelo recorrente, no sentido de apurar se, atento os efeitos ex tunc da declaração da invalidade da deliberação anulanda, que no plano interno (o da relação entre os associados ou entre a associação e os associados) não sofre nenhuma limitação legal, bem como a natureza e objecto da própria deliberação anulanda em questão (da eleição dos órgãos sociais e, desde logo, do órgão de administração que diz ter tomado a deliberação de 4 de Novembro de 2015, de exclusão do associado), a anulação dessa deliberação da assembleia eleitoral importaria ou não, consequencialmente, a própria destruição de todas as deliberações tomadas por tal órgão que pressuponham a sua válida eleição (conclusões 20 a 23).

Ora, para que esta questão se suscitasse necessário seria que se tivesse considerado não ter o A. perdido a sua qualidade de associado da Ré, por forma a poder vir exercer esse seu direito de associado, arguindo a anulabilidade das deliberações por si apontadas.

Não sendo esse o entendimento, face ao que supra se expôs, caí por terra esta última questão.

Mesmo que assim se não entendesse, o facto é que a notificação que alicerça a eliminação do A. como associado não integra a esfera de actos impugnados pelo A.

Mas, mesmo que se considerasse o mesmo afectado por uma eventual anulabilidade de deliberações anteriores, sempre seria necessário, como se disse, não se ter extinto já o direito do A. vir arguir, por via desta acção, a anulação das deliberações e actos praticados.

Assim, entendemos que só no caso de se perfilhar um outro entendimento, é que seria de responder afirmativamente à questão colocada.

Assim, nestes termos, julgando ter analisado e decidido, ponto por ponto, as questões apontados como não tendo sido apreciadas por este tribunal, continuamos a entender ser de improceder o recurso.
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V – Decisão

Pelo exposto, nos termos supra referidos, os Juízes da 2ª Secção Cível, deste Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar, a apelação interposta improcedente, mantendo, consequentemente, o decidido.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
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TRG, 10.07.2019
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária e assinado electronicamente)

Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
Desembargador José Carlos Dias Cravo
Desembargador António Manuel A. Figueiredo de Almeida