Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
130/16.GEBRG-A.G1
Relator: FERNANDO PINA
Descritores: NULIDADE ACUSAÇÃO
NOVA ACUSAÇÃO
PEDIDO CÍVEL
CONTAGEM DO PRAZO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/02/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
Tendo ocorrido nulidade da acusação deduzida, só com a notificação da nova acusação começa a correr o prazo estipulado no artº 77º, do CPP, para a dedução do pedido cível.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE GUIMARÃES:

I. RELATÓRIO

A –

Nos presentes autos de Processo Comum Singular que, com o nº 130/16.7GEBRG, correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Braga - Juiz 2, recorre a ofendida Paula, do despacho proferido em 02 de Março de 2018, pelo Mmº Juiz titular dos presentes autos, que não admitiu o pedido de indemnização civil deduzido, por extemporaneidade, nos termos do disposto no artigo 77º, nº 2 e nº 3, do Código de Processo Penal.

Da motivação do recurso, a recorrente Paula, retira as seguintes conclusões (transcrição):

1. O tribunal recorrido declarou a nulidade invocada pela arguida e, em consequência, determinou o regresso dos autos à fase de inquérito, tendo sido deduzida nova acusação, da qual, a recorrente foi notificada em 5 de Fevereiro de 2018.
2. É, portanto, a partir desse novo despacho de acusação que se conta o prazo para a dedução do pedido de indemnização civil, uma vez que a formulação do pedido de indemnização civil está dependente do despacho de acusação/arquivamento - vd. nºs. 2 e 3, 77º, CPP.
3. Deste modo, a recorrente teria, a partir do dia 5 de Fevereiro de 2018, o prazo de 20 dias para, querendo, deduzir o pedido de indemnização civil, pelo que o mesmo não é extemporâneo - vd. nº 2, art. 75º e nºs. 2 e, 3, art. 77º, CPP.
4. A recorrente pretende certidão das seguintes peças do processo com as quais instrui o presente recurso:

- Requerimento de 25 de Outubro de 2017 apresentado pela arguida melhor identificado nos autos à margem referenciados.
- Despacho de 25 de Outubro de 2017.
- Notificação da recorrente da acusação pública de 5 de Fevereiro de 2018.
- Despacho de 31 de Janeiro de 2018 que recebeu essa acusação e designou data para a audiência de julgamento.
- Pedido de indemnização civil apresentado pela recorrente em 21 de Fevereiro de 2018.

De harmonia com as razões expostas deve conceder-se provimento ao recurso, revogando-se o despacho proferido e por tal efeito admitir-se o pedido de indemnização civil formulado pela recorrente.
Assim deliberando este Tribunal Superior fará Justiça.

Notificado o Ministério Público nos termos do disposto no artigo 411º, nº 6, do Código de Processo Penal, para os efeitos do disposto no artigo 413º, nº 1, do mesmo diploma legal, não apresentou qualquer resposta.

Notificada a arguida nos termos do disposto no artigo 411º, nº 6, do Código de Processo Penal, para os efeitos do disposto no artigo 413º, nº 1, do mesmo diploma legal, veio apresentar resposta ao recurso interposto, concluindo por seu turno (transcrição):

a) Devem as presentes contra-alegações ser admitidas;
b) Não deverá ser concedido provimento ao recurso;
c) Não deverá ser revogado o despacho proferido;
d) Não deverá ser admitido o pedido de indemnização civil formulado pela recorrente.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, limitou-se a colocar o seu visto, nos termos do disposto no artigo 417º, do Código de Processo Penal.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

B -
O despacho de 02-03-2018, ora recorrido encontra-se fundamentado nos seguintes termos (transcrição):

Paula deduziu a fls. 124 e seguintes, através de requerimento remetido electronicamente aos autos no dia 21 de Fevereiro de 2018, na qualidade de ofendida, pedido de indemnização civil contra M. B., invocando para o efeito o disposto no artigo 77°, n°s. 2 e, 3, do Código de Processo Penal — adiante designado pela sigla C.P.P..

Nos termos do artigo 74°, do C.P.P., o pedido de indemnização civil é deduzido pelo lesado, entendendo-se como tal a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha constituído ou não possa constituir-se assistente.

O artigo 77°, n° 2, do C,P.P., estabelece que o lesado que tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do artigo 75°, n° 2, do C.P.P., é notificado do despacho de acusação, ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, se a ele houver lugar, para, querendo, deduzir o pedido, em requerimento articulado, no prazo de vinte dias.

O n° 3, do artigo 77°, do C.P.P. refere que se não tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização ou se não tiver sido notificado nos termos do n° 2, o lesado pode deduzir o pedido até vinte dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação ou, se não o não houver, o despacho de pronúncia.

Como refere o Senhor Conselheiro Manuel Lopes Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado, 1999, pág. 227, “se o pedido não for deduzido na acusação ou no prazo para que ela seja deduzida, caducará, em tal caso, o direito de exercer a acção cível conjuntamente”.

Da posse destes elementos, é possível concluir que é extemporâneo o pedido de indemnização civil deduzido por Paula e remetido a este Tribunal no dia 21 de Fevereiro de 2018, não sendo manifestamente aplicável o disposto no n° 3, do artigo 77°, do C.P.P..

Com efeito, Paula foi notificada do despacho de acusação e para, querendo, deduzir o pedido de indemnização civil, em requerimento articulado, no prazo de vinte dias (cfr. fls. 67).
Tal notificação foi concretizada por via postal simples com prova de depósito, a qual foi remetida para a morada indicada pela mesma a fls. 14.
Tal notificação foi depositada no respetivo receptáculo postal no dia 31/01/2017 (cfr. fls. 71.)
Assim, o pedido de indemnização civil remetido a este Tribunal no dia 21 de Fevereiro de 2018 foi apresentado após o decurso do prazo supra referido.
Ainda que se entendesse aplicável o disposto no n° 3, do artigo 77º, do C.P.P., sempre importa referir que o pedido de indemnização civil foi deduzido muito após os 20 dias seguintes da notificação da arguida e da sua mandatária.
Pelo exposto, não admito o pedido de indemnização civil deduzido a fls. 124 a 128.
(…)

II – FUNDAMENTAÇÃO

1 - Âmbito do Recurso

De acordo com o disposto no artigo 412º, do Código de Processo Penal e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19-10-95, publicado no D.R. I-A de 28-12-95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo nº 07P2583, acessível em www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui e pela própria natureza do recurso, não têm aplicação.
Assim, vistas as conclusões do recurso interposto, verificamos que a questão suscitada é a seguinte:

- Incorrecta interpretação e aplicação no despacho recorrido, do disposto no artigo 77º, nº 2, do Código de Processo Penal, relativamente à não admissão do pedido civil deduzido pela ofendida/recorrente.

2 - Apreciando e decidindo:

Resulta de disposto no artigo 77º, nº 2, do Código de Processo Penal, que “o lesado que tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do nº 2, do artigo 75º, é notificado do despacho de acusação, ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, se a ela houver lugar, para, querendo, deduzir o pedido, em requerimento articulado, no prazo de 20 dias”.

Por outro lado, decorre do disposto no artigo 71º, do mesmo diploma legal, que “o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo…”.

Assim, sendo o pedido civil emergente da prática de um crime, terá, em princípio, de ser deduzido no respectivo processo penal.
Nestes termos o pedido civil deverá fundamentar-se no essencial no objecto do processo penal, ou seja, no conjunto de factos que constitui o objecto processual penal.
Este objecto processual é obviamente delimitado nos termos legais, pela acusação ou pronúncia formuladas no processo respectivo.
E por ser assim, o prazo legal para a dedução do pedido civil, em processo penal, tem o seu termo inicial, com a notificação de tais actos processuais, altura em que se encontra, em princípio, delimitado o objecto do respectivo processo.
Então a acusação ou a pronúncia têm uma natureza essencial para a dedução do pedido civil.
No caso, como no presente em que se verifica a nulidade da acusação deduzida, nos termos do disposto no artigo 122º, do Código de Processo Penal, a mesma torna-se inválida, bem como os actos que dela dependerem e aqueles que ela puder afectar.
A questão que no presente recurso se coloca, isto é se o prazo para a dedução do pedido civil, tem o seu termo inicial na data da notificação da acusação nula, ou na data da repetição da notificação da acusação estripada da nulidade que a afectava, não tem resposta inequívoca na lei.

Ou seja, as consequências da não formulação do pedido civil, no prazo de 20 dias, subsequentes à notificação da acusação deduzida, são inequívocas, nos termos do disposto no artigo 77º, ou seja, a sua não admissão, restando a sua formulação em separado nos tribunais civis, se legalmente admissível ou, sendo inadmissível o pedido em separado, preclude o direito de formular tal pedido civil.

Contudo, no caso sub judice, ocorreu a nulidade da acusação, bem como dos actos que dela dependerem, nos termos do disposto no artigo 122º, do Código de Processo Penal.

Assim, dependendo a dedução do pedido civil, pela consagração legal, do princípio da adesão, constante do artigo 71º, do Código de Processo Penal, da concreta delimitação do respectivo objecto do processo, o que conforme supra referido, apenas ocorre com a dedução da acusação, logo o prazo para a dedução do pedido civil, apenas poderá ter o seu termo inicial na data da notificação da nova acusação que não da nula, porque depende dessa nova acusação, a legitimidade para a sua formulação e, a definição do seu pedido e causa de pedir.

Pelo exposto, tendo ocorrido a nulidade da acusação deduzida, só com a notificação da nova acusação começa a correr o prazo estipulado no artigo 77º, do Código de Processo Penal, para a dedução do pedido civil.

Nestes termos procede na íntegra, o recurso interposto, revogando-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído, por outro, que admita o pedido civil deduzido pela ofendida Paula, seguindo os autos os subsequentes termos até final.

Sem custas, atenta a procedência do recurso interposto.

III – DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em:

- Julgam totalmente procedente o recurso interposto pela ofendida Paula e, em consequência, revogam o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que admita o pedido de indemnização civil deduzido e, seguindo os autos os subsequentes termos processuais.

Sem custas.

Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto.

Guimarães, 02-07-2018

(Fernando Paiva Gomes M. Pina)
(Maria José dos Santos de Matos)