Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3627/13.7TBGMR.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: PROCESSO DE REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
MONTANTE DA PENSÃO
RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
VALOR DOS ACORDÃOS UNIFORMIZADORES DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - Compete aos pais, no interesse dos filhos, prover ao seu sustento, sendo responsáveis por todas as despesas ocasionadas com a educação, saúde, alimentação, vestuário e instrução dos seus filhos menores, satisfazendo as despesas relacionadas com o seu crescimento e desenvolvimento, participando, com iguais direitos e deveres, na sua manutenção, ainda que não seja, necessariamente, idêntica a forma do cumprimento desta obrigação.
2 - O tribunal deve, tal como lhe é pedido, definir se o menor tem direito a alimentos e de acordo com as respectivas necessidades, atribuir um montante, tendo em consideração os factos provados e com recurso a critérios de equidade. Se o obrigado à prestação tem ou não possibilidade de proceder à prestação alimentar fixada é questão a apurar em execução de sentença e que poderá depois desencadear o recurso ao Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO
O Ministério Público, em representação de C…, intentou ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais contra C… e F…, alegando que a sua representada é filha dos requeridos, que nunca foram casados entre si e que se encontram separados desde Janeiro de 2013, impondo-se regular o exercício das responsabilidades parentais.

Realizada a conferência a que alude o artigo 175.º da OTM, solicitadas as informações consideradas pertinentes e junto o parecer do MP, foi proferida sentença, cujo teor decisório é o seguinte:
“Nestes termos, decide-se:
- A menor é confiada à guarda e cuidados da mãe;
- As responsabilidades parentais serão exercidas conjuntamente por ambos os progenitores;
- O pai da menor poderá conviver com ela sempre que o desejar, mediante acordo prévio com a mãe, respeitando as suas horas de descanso e que-fazeres escolares, quando for caso disso;
- Sem prejuízo, a menor passará quinzenalmente com o pai um fim-de-semana, sendo que para o efeito o progenitor recolhê-la-á em casa da mãe ao sábado, pelas 10H00, e entregá-la-á nesse local ao Domingo, pelas 21H00;
- Quando a C… perfizer 2 anos, passará a jantar com o pai todas as 4.as feiras, que para o efeito a recolhê-la-á ao fim da tarde (em casa se ainda não estiver integrada em equipamento de infância; em creche/ama/jardim-de-infância se já tiver sido integrada nessa estrutura) e entregá-la-á em casa da progenitora pelas 21H00;
- A menor passará com um dos progenitores a noite da consoada e a noite do dia 31.12. e com o outro o dia de Natal bem como o dia 01.01, invertendo-se a ordem, sucessivamente, nos anos subsequentes; Este ano passará com a mãe a noite da consoada e a noite do dia 31.12.;
- O dia de Carnaval e o Domingo de Páscoa será passado alternadamente com cada um dos progenitores; este ano passará a Páscoa com o progenitor;
- Os progenitores têm o direito a estar com a C… no dia dos respectivos aniversários bem como no dia do pai (o requerido) e no dia da mãe (a requerida), ainda que esse dia calhe num dia em que a menor esteja confiada ao outro progenitor;
- A criança no dia do seu aniversário tomará uma refeição com cada um dos progenitores; caso não haja acordo, a menor almoçará com um dos pais e jantará com o outro, invertendo-se a ordem no ano seguinte;
- Caso os períodos de férias dos progenitores não sejam coincidentes, a C…, enquanto não fizer 6 anos, passará com o pai as férias deste; quando ingressar na escolaridade obrigatória, passará metade das férias escolares de verão com um dos pais e a outra metade com o outro. Se se verificar coincidência entre as férias de ambos os progenitores, a menor passará metade com cada um dos progenitores, em período a combinar previamente entre ambos.
Custas pelos requeridos em partes iguais”.

Não se conformando com a sentença, dela interpôs recurso o Ministério Público, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:
1. A sentença ora recorrida, abstém-se de fixar a prestação de alimentos a cargo do progenitor, uma vez que não são conhecidos quaisquer rendimentos.
2. A fixação da prestação de alimentos é uma das três questões essenciais a decidir na sentença que regula o exercício das responsabilidades parentais, não devendo os progenitores ficarem desresponsabilizados do dever de contribuir para o sustento do menor.
3. Assim, na sentença deverá sempre fixar-se a pensão alimentícia e a forma de a prestar, independentemente da precária situação económica do progenitor a quem o menor não fique confiado.
4. O dever de alimentos aos filhos menores é um verdadeiro dever fundamental dos progenitores, diretamente decorrente do artigo 36º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, sendo um dos componentes em que se desdobra o dever de assistência dos pais para com os filhos menores.
5. Verificando-se que a capacidade alimentar dos pais se mostra insuficiente ou relapsa, cabe ao Estado substituir-se-lhes, garantindo aos menores as prestações existenciais que lhe proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna.
6. Tanto mais, que a primeira condição para que se possa acionar o mecanismo de acesso ao Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores é a fixação judicial do "quantum" de alimentos devidos a cada menor.
7. A esta interpretação, de fixar a prestação de alimentos, obriga a defesa do superior interesse da criança, já que nos termos do artigo 3° da Convenção dos Direitos da Criança todas as decisões relativas a crianças terão primacialmente em conta os seus interesses.
8. Acresce que o artigo 180°, nº 1, da Organização Tutelar de Menores, estabelece que na sentença o exercício das responsabilidades parentais será regulado de harmonia com os interesses do menor.
9. A assim se entender, a proteção social devida a menores ficaria dependente da sua situação económica do devedor, o que nos parece ser manifestamente contrário à filosofia que esteve na base do regime instituído pela Lei 75/98, de 19 de Novembro, acrescendo a violação do princípio da igualdade (cfr. artigo 13° da Constituição da República Portuguesa).
10. Deste modo, não se afigura possível a intervenção do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos aos Menores, uma vez que está depende de o devedor ser judicialmente obrigado a prestar alimentos (cfr. artigo 1º da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro).
11. A douta decisão recorrida não defende o superior interesse da criança, interesse este que deve nortear as decisões proferidas no âmbito dos presentes autos, pelo que, dúvidas não se suscitam de que essa defesa impõe que seja fixada prestação de alimentos a cargo do pai.
12. Assim, não poderão ser acionados outros obrigados a prestar alimentos à menor, conforme disposto no artigo 2009º, do Código Civil, enquanto não for fixada a prestação de alimentos a cargo do principal obrigado e o mesmo não cumprir tal obrigação. Entretanto, não poderá a criança ficar desprotegida pelo facto de não ser fixada tal prestação de alimentos a cargo do pai e, dessa forma, impedir-se o acionamento do FGADM.
13. A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 3º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, 13º, 36º e 69º, da Constituição da República Portuguesa, 1878º, nº 1, 1905º, 1909º, 2004º, 2006º do Código Civil e 180º da Organização Tutelar de Menores.
14. A Sentença recorrida deve ser revogada na parte em que se abstém de fixar a prestação de alimentos a cargo do requerido, substituindo-a por outra, que fixe tal prestação em montante não inferior a 100 € (cem euros) mensais, atualizável anualmente de acordo com o índice da taxa de inflação, publicada pelo I.N.E; devendo ainda as despesas médicas, medicamentosas e escolares serem suportadas em partes iguais pelos progenitores.
Nestes termos, deverá ser concedido provimento ao recurso, revogando a Sentença na parte em que se abstém de fixar a prestação de alimentos a cargo do progenitor, e substituindo-a por outra, que fixe tal prestação em montante não inferior a 100 € (cem euros) mensais, atualizável anualmente de acordo com o índice da taxa de inflação, publicada pelo I.N.E., devendo ainda as despesas médicas, medicamentosas e escolares serem suportadas em partes iguais pelos progenitores, assim se fazendo JUSTIÇA.

Também a requerida C… interpôs recurso da sentença, finalizando a sua alegação com as seguintes
Conclusões:
1.ª Os únicos elementos de prova a considerar para regulação são os relatórios sociais juntos ao processo.
2ª. Dela destaca-se que o parecer da técnica é no sentido de que nesta fase inicial de crescimento da C… os contactos com o pai devam ser de curta duração.
3ª. O período de férias, bem como o de visitas ao fim de semana foi regulado de uma forma que contraria o parecer da técnica que frisou que devia ficar salvaguardada, pelo menos numa fase inicial, os contactos da menor com o pai serem de curta duração, sendo que um fim de semana inteiro e um mês e meio (nas férias) não é de forma alguma curta duração.
4ª. É excessivo e ultrapassa o conceito de curta duração o permitir-se que a menor seja levada da mãe entre as 10 horas de sábado e as 21 horas de Domingo.
5ª De igual modo é excessivo que nesta fase inicial se decida que o pai possa ter consigo consecutivamente durante as férias escolares a menor sabendo-se que o pai é estudante e que pode ter férias de cerca de mês e meio.
6ª. Deverá fixar-se regime em que o pai tenha consigo a filha quinzenalmente aos fins de semanas entre as 10 horas e as 19 horas de cada de sábado até aos 24 meses.
7ª. Após os 24 meses o regime de vistas poderá ser alargado, podendo o pai ir buscá-la quinzenalmente aos sábados às 10 horas a casa da mãe e entregá-la no mesmo local às 20:00 horas de Domingo.
8ª. Só após a C… ter completado 24 meses de idade é que poderá passar com o pai oito dias consecutivos nas férias escolares de verão.
9ª. No demais e designadamente quanto à pensão alimentar a fixar a recorrente adere na íntegra ao Douto Recurso do Digno Agente do Ministério Público e às respectivas conclusões.
Termos em que, com o douto suprimento, deve revogar-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que regule nos termos acima propostos as responsabilidades parentais relativas à menor C….

Já após a interposição dos recursos, e na sequência de uma queixa do pai por incumprimento do regime de visitas, teve lugar uma conferência dos pais, onde estes acordaram em alterar, no presente ano, o regime de férias de verão da menor, nos seguintes termos:
“1º - A menor, durante as férias de verão de 2014, passará uma semana seguida alternadamente com cada um dos progenitores.---
2ª - O período de férias de verão terá inicio em 18 de julho de 2014 e terminará em 5 de setembro de 2014 e será cumprido da seguinte forma:
- A primeira semana será passada com o pai e terá inicio em 18 de julho de 2014 e terminará em 25 de julho de 2014; a semana de 25 de Julho a 01 de agosto de 2014 será passada com a progenitora, e assim sucessivamente.
- Durante o período de férias de verão será o pai que irá buscar e entregar a menor a casa da mãe;
- Durante as férias de verão qualquer um dos progenitores poderá visitar a menor às quartas-feiras no período das 14 às 18 horas.
3ª - A menor no fim de semana de 6/7 de setembro estará com a mãe, seguindo-se posteriormente o regime de visitas já estabelecido”.

Ambos os recursos foram admitidos, como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
As questões a resolver traduzem-se em saber se deve ser fixada prestação alimentar a cargo do progenitor e se deve ou não ser alterado o regime de visitas.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença foram considerados os seguintes factos:
1.1.Factos provados:
a) A menor C… nasceu em 09.09.2013 e é filha dos requeridos (CAN a fls. 6);
b) Os requeridos não são casados entre si, tendo mantido uma relação de namoro e a ruptura da relação ocorrido antes de a C… ter nascido (relatórios sociais a fls. 55ss e 63ss);
c) A menor residiu sempre com a mãe (relatório social a fls. 55ss);
d) Actualmente, reside com a mãe e os avós maternos num apartamento de tipologia T3+1 propriedade destes, com adequadas condições de habitabilidade e que se apresentava limpa e confortável aquando da visita (relatório social a fls. 55ss);
e) A avó materna da C… está aposentada e o avô materno é professor, tendo ambos um rendimento mensal conjunto de €3.028 (relatório social a fls. 55ss);
f) A progenitora da C… iniciou há 1 mês um estágio profissional num bar, com um horário de trabalho das 18H00 às 02H00 (relatório social a fls. 55ss);
g) O progenitor da C… reside com os avós paternos da criança em casa propriedade destes, de tipologia T2+1, com adequadas condições de habitabilidade (relatório social a fls. 63ss);
h) O progenitor da C… encontra-se a frequentar o 3.º do ensino superior, sendo sustentado pelos pais (relatório social a fls. 63ss);
i) O avô paterno da C… é pescador e a avó paterna empregada de limpeza, tendo um rendimento global mensal de cerca de €€1.156,70 (relatório social a fls. 63ss e 80ss).
1.2.Factos não provados
Inexistem.
Nos presente autos estão apenas em discussão as questões relativas à não fixação da prestação alimentar a cargo do progenitor, por não lhe serem conhecidas quaisquer fontes de rendimentos (recurso do MP e da requerida) e ao regime de visitas (recurso da requerida).

Comecemos pela questão dos alimentos.
Dispõe o artigo 1878.º, do CC, que “compete aos pais, no interesse dos filhos, …, prover ao seu sustento, …”, sendo responsáveis por todas as despesas ocasionadas com a educação, saúde, alimentação, vestuário e instrução dos seus filhos menores, devendo sustentá-los, satisfazendo as despesas relacionadas com o seu crescimento e desenvolvimento, participando, com iguais direitos e deveres, na sua manutenção, atento o estipulado pelo artigo 36º, nºs 3 e 5, da Constituição da República, ainda que não seja, necessariamente, idêntica a forma do cumprimento desta obrigação.
Como se pode ler no Acórdão do STJ de 22/05/2013, proferido no processo n.º 2485/10.8TBGMR.G1.S1, in www.dgsi.pt, “A obrigação de alimentos dos pais para com os filhos menores representa um exemplar manifesto da catalogação normativa dos deveres reversos dos direitos correspondentes, dos direitos-deveres ou poderes-deveres, com dupla natureza, em que se assiste à elevação deste dever elementar, de ordem social e jurídico, a dever fundamental, no plano constitucional, de modo a “assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança”, como estabelece o artigo 27º, nº 2, da Convenção sobre os Direitos da Criança.
Constituem-se patamares de diversa qualificação e parametrização o dever dos pais e o correlativo direito dos filhos a prestar alimentos e a exigi-los, respectivamente, da quantificação que esse dever deve ou pode ser exigido em cada situação ou em cada momento. Na verdade, a lei estabelece um dever de prestação (alimentar), ou seja uma obrigação legal, que decorre do estabelecimento de uma relação natural e biológica constituída e tutelada pelo direito, a relação paternal. Independentemente do interesse do menor e para além dele, a lei constitui uma obrigação (de prestação de alimentos) que não se compadece com a situação económica ou familiar de cada um dos progenitores mas, outrossim, atina com um dever irremovível e inderrogável de aqueles que deram vida a alguém terem, enquanto durar a incapacidade de eles angariarem sustento pelos seus próprios meios, proverem ao seu sustento, mediante uma prestação alimentar. Apurar ou averiguar qual o montante que essa prestação deve assumir é questão que não colide com o direito em si, mas que importará incorporar no conspecto sócio-familiar e pessoal de cada um dos obrigados á prestação da obrigação e alimentos”.

Acerca da questão aqui em discussão a jurisprudência tem-se dividido, sendo as seguintes as posições em confronto (que recolhemos no Acórdão do STJ já supra citado): “[por] um lado, há os que defendem que a fixação da pensão de alimentos não é obrigatória nas decisões que regulam o poder paternal, sempre que o obrigado não tiver quaisquer meios para cumprir esse dever de prestar alimentos. Entendendo, que não é possível a fixação da prestação de alimentos, com o argumento de que, cabendo ao autor o ónus de provar os elementos constitutivos do seu direito e não se provando o modo de vida do réu, o tribunal encontra-se impossibilitado de apreciar, por forma a dar cumprimento ao critério da proporcionalidade consagrado no n.º 1, do art. 2004.º, devendo abster-se de fixar qualquer pensão de alimentos, ver entre outros neste sentido Acs RL de 18.1.2007, de 4.12.2008 e de 17.09.2009 e AC.RP de 25.3.2010, todos in www.dgsi.pt.
Outra corrente jurisprudencial, tem afirmado a primazia dos princípios constitucionais consagrados nos artigos 35.º, n.º5 e 69.º da CRP, que impõem o dever dos pais de sustentar os filhos e o direito das crianças ao seu desenvolvimento, do que resulta que o dever dos progenitores de prestar alimentos aos filhos menores, previsto nos artigos 1874.º e 1878.º do CC, só é afastado pela total impossibilidade física de providenciarem tal sustento – neste sentido, Acórdãos do STJ de 27/09/2011 e de 12/07/2011” e, acrescentamos nós, desta Relação de Guimarães, de 19/01/2012 e de 12/11/2013, respetivamente, processos 1208/11.9TBGMR.G1 e 3339/12.9TBGMR.G1, ambos em www.dgsi.pt.
Ora, o STJ, em Acórdão já por nós supra citado, de 22/05/2013, proferido na sequência de interposição de recurso de revista excepcional, pronunciou-se, nos termos do art.º 721º-A, nº 1, alínea c) do CPC (atualmente, artigo 672.º, n.º 1, alínea c)), precisamente sobre a contradição entre os Acórdãos deste TRGuimarães de 19/01/2012 (processo n.º 1208/11.9TBGMR.G1) e de 20/11/2012 (processo n.º 2485/10.8TBGMR.G1), sobre a mesma questão fundamental de direito, que é exactamente a que se coloca nos presentes autos.
E sobre tal questão, o STJ decidiu que o “tribunal deve, tal como lhe é pedido, definir se o menor tem direito a alimentos e de acordo com as respectivas necessidades, atribuir um montante, tendo em consideração, com ponderação e recurso a critérios de equidade. Se o obrigado à prestação tem ou não possibilidade de proceder à prestação alimentar fixada é questão a apurar em execução de sentença e que poderá depois desencadear o recurso ao Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.”

Não se atribuindo aos recursos de revista excepcional, de forma tão vincada, o escopo de uniformização de jurisprudência que a lei defere aos recursos a isso exclusivamente destinados (artº 688º do CPC), nem por isso tal fim está ausente daqueles recursos - neste sentido, vide António Santos Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3ª edição, Almedina, 2010, página 411.
Assim, muito embora o acórdão proferido em recurso de revista excepcional (tal como o acórdão uniformizador de jurisprudência, como é entendimento pacífico) não tenha um valor vinculativo para os tribunais, entendemos que não poderá deixar de se lhe assinalar uma força persuasiva indiscutível.
Entendemos que, neste contexto e nesta área, a fixação de uma prestação alimentícia nos moldes pretendidos pelo requerente é a solução substancialmente mais justa, sabendo-se, para mais, que nos encontramos no domínio da jurisdição voluntária onde vigora o princípio do predomínio da equidade sobre a legalidade, que subtrai o julgador aos critérios puros e rigorosos normativamente fixados, por vezes indutores de soluções social e éticamente indiferentes (cfr. art. 987º do CPC).
Em face dos argumentos fundamentadores do decidido no citado ASTJ (para os quais, com a devida vénia, se remete), como também ao conteúdo dos ASTJ no mesmo mencionados (de 08.05.2008, de 05.11.2009 - www.dgsi.pt - de 28.10.2010, proferido no processo 272/06.7TBMTR.P1.S1 - www.dgsi.pt - de 12.07.2011, de 27.09.2011, de 22.05.2012, proferido no processo 5168/08.5TBAMD.L1.S1, de 15.05.2012, proferido no processo 2792/08.0TBAMD.L1.S1 e de 08.05.2013 - www.dgsi.pt), que dão corpo a uma corrente claramente maioritária na jurisprudência, no sentido decidido, é de adoptar tal entendimento, o que determina a procedência do recurso, nesta parte, e a consequente revogação da decisão recorrida, com a fixação de uma prestação mensal de alimentos a favor da menor e a pagar pelo seu progenitor, no valor de € 100,00, (conforme peticionado e em valor que se afigura ajustado face aos factos provados e tendo em conta, também, o necessário juízo de equidade).

Cabe, ainda, analisar a questão do regime de visitas, colocada no recurso da requerida.
Tal questão acabou por ficar simplificada com o acordo posterior dos progenitores quanto ao regime a vigorar nas férias de verão do ano de 2014.
Com efeito, os pais estiveram de acordo em que a menor passasse uma semana seguida, alternadamente, com cada um deles, pelo que está ultrapassado o receio expresso pela mãe, no seu recurso, de que a menor – nessa altura com apenas 6 meses, mas, agora, já com um ano – ficasse afastada de si por um período superior a um dia, não se vendo qualquer necessidade de alterar o que ficou decidido quanto ao regime de visitas nos fins de semana e em datas festivas, bem como quanto ao jantar de 4.ª feira.
Já quanto ao regime relativo às férias, parece excessivo que a menor passe com o pai todo o período das suas férias, alterando-se a decisão nesta matéria, de forma a que a menor passe 15 dias das férias escolares de verão (quando estiver integrada na escolaridade e, até lá, em período correspondente às férias de verão do pai) com o progenitor.
Assim procedendo, parcialmente, o recurso da requerida.

Sumário:
1 - Compete aos pais, no interesse dos filhos, prover ao seu sustento, sendo responsáveis por todas as despesas ocasionadas com a educação, saúde, alimentação, vestuário e instrução dos seus filhos menores, satisfazendo as despesas relacionadas com o seu crescimento e desenvolvimento, participando, com iguais direitos e deveres, na sua manutenção, ainda que não seja, necessariamente, idêntica a forma do cumprimento desta obrigação.
2 - O tribunal deve, tal como lhe é pedido, definir se o menor tem direito a alimentos e de acordo com as respectivas necessidades, atribuir um montante, tendo em consideração os factos provados e com recurso a critérios de equidade. Se o obrigado à prestação tem ou não possibilidade de proceder à prestação alimentar fixada é questão a apurar em execução de sentença e que poderá depois desencadear o recurso ao Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e parcialmente procedente o recurso interposto pela requerida, revogando-se a decisão recorrida, na parte em que não fixou uma prestação mensal de alimentos a favor da menor e a pagar pelo progenitor, o que, agora, se fixa, no valor de € 100,00/mensais, atualizável, anualmente de acordo com o índice da taxa de inflação publicado pelo I.N.E. e, relativamente ao regime de visitas em férias, alterando-se o decidido, de forma a que a menor passe 15 dias das férias de verão com o progenitor.
Quanto ao mais, mantém-se a sentença recorrida.
Sem custas.
Guimarães, 29 de setembro de 2014
Ana Cristina Duarte
Fernando F. Freitas
Purificação Carvalho