Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1093/21.2T8GMR.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA PATERNIDADE
INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE
CADUCIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/04/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - O pedido de impugnação de paternidade e o pedido de investigação de paternidade estão ligados entre si por uma relação de prejudicialidade, pois não é admitido o reconhecimento em contrário da filiação que conste do registo de nascimento enquanto este não for retificado, declarado nulo ou cancelado (artigo 1848.º, n.º 1 do CC).
2 - Constitui jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional que o legislador ordinário goza de liberdade para submeter as ações de impugnação e de investigação de paternidade a prazos preclusivos e que os prazos de caducidade constantes, respetivamente, do artigo 1842.º e do artigo 1817º, n.ºs 1 e 3, ex vi artigo 1873º, todos do Código Civil, não ofendem o núcleo essencial dos direitos fundamentais à integridade e identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade e de constituir família, garantidos nos termos dos artigos 16.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, 25º, nº1, 26.º, n.º 1 e 3, e 36.º, n.º 1, da Constituição da República.
3 – Considerando que o Tribunal Constitucional é, nos termos da Constituição da Republica Portuguesa (art.º 221º e seg, da CRP) o órgão jurisdicional supremo em matéria de apreciação da constitucionalidade das normas de direito positivo em vigor no Estado Português, não se vê motivo para discordar de tal orientação.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO
           
AA intentou ação de impugnação de paternidade contra BB, CC e BB, 1.ª ré, ambas na qualidade de herdeiras legitimárias de DD, falecido em .../.../1967 e EE e FF, na qualidade de herdeiras legitimárias de GG, falecido em .../.../2013, pedindo que seja declarado e reconhecido que a autora não é filha do falecido HH, mas sim do, também falecido, GG, ordenando-se que a sentença produza todos os legais efeitos no respetivo assento de nascimento da autora.

Alegou para o efeito que nasceu em .../.../1966, constando do seu assento de nascimento como sua mãe a aqui 1.ª ré que, a essa data, era casada com o falecido DD, tendo a paternidade da autora sido fixada por presunção a favor do marido da mãe, o que não corresponde à verdade, pois a autora é filha do falecido GG, com quem sua mãe manteve uma relação extraconjugal e íntima, no período compreendido entre os anos de 1965 e 1966. Este GG sempre considerou a autora como sua filha – tendo-se até submetido, com a autora, a testes de ADN, nos termos dos quais se concluiu, em .../.../2010, ser ele o pai biológico da autora -, o mesmo sucedendo com a sua família, mas acabou aquele por falecer sem ter sido reposta a verdade biológica.
As rés EE e FF foram citadas editalmente e, em seguida, citado o Ministério Público.
Não foi oferecida qualquer contestação.
Foram as partes notificadas para se pronunciarem quanto à possibilidade de conhecimento da exceção de caducidade.
A autora pronunciou-se pela improcedência da referida exceção, sustentando-se em Acórdão da Relação de Lisboa de 27/11/2019 e em Acórdão do STJ de 05/05/2020.
Foi proferida sentença que julgou verificada a exceção perentória de caducidade e, em consequência, absolveu os réus dos pedidos.

A autora interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:

I. A aqui Autora/Recorrente, intentou, em 23-02-2021, a presente ação declarativa comum, cumulando o pedido de impugnação de paternidade presumida quanto ao falecido R., DD (falecido em .../.../1967), marido da sua mãe, a 1ª R., BB e cujos herdeiros são os RR, CC e BB, com o pedido de investigação da paternidade quanto ao falecido GG ( falecido em .../.../2013), cujos únicos e universais herdeiros são os RR. EE e FF.
II. Alegou, em suma, que consta do registo civil como sendo o seu pai o falecido DD, por ser o marido da sua mãe (BB), quando o seu pai biológico é o falecido GG.
III. Alegou, ainda, que tem conhecimento, desde .../.../2010, que o seu pai biológico é o falecido GG mas, sustenta que o prazo de caducidade previsto no artigo 1842º, nº1, al. c), do Código Civil é inconstitucional.
IV. As RR. EE e FF foram citadas editalmente.
V. Nenhum dos RR. contestou.
VI. Os autos seguiram os seus termos e, em 03-01-2023, foi proferida a Sentença, de que ora se recorre, pronunciando-se a Meritíssima Juíza sobre a caducidade do direito da Autora em instaurar a presente ação de impugnação da paternidade, absolvendo os RR do pedido;
VII. Salvo melhor opinião, e ao contrário do entendimento explanado na sentença recorrida, defende a Autora/Recorrente que a questão que ora se traz a juízo consiste em declarar que o prazo de dez anos de caducidade para a propositura da ação investigatória da paternidade (previsto no art. 1842.º, n.º 1 c), é inconstitucional, devendo, por isso, não ser aplicado.
VIII. A Decisão recorrida determinou a conformidade do dito prazo à nossa Lei Fundamental estribando-se na tendência maioritária das decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional, fazendo apelo, entre outros, aos Acórdãos n.ºs 401/2011, 394/2019 e 445/2021.
IX. Porém, o caráter maioritário não significa unanimidade, e mesmo no âmbito dos Acórdãos exarados pelo Plenário deste Tribunal Constitucional há vozes dissonantes, desde logo as que votaram vencido no Acórdão do Plenário deste Tribunal, n.º 394/2019, de 3 de julho de 2019 (relatado pelos Conselheiros João Pedro Caupers e Maria Clara Sottomayor), a cuja fundamentação se adere e que se subscreve.
X. No modesto entendimento da Autora/Recorrente a Decisão recorrida faz uma errada interpretação da lei e aplicação do direito, denegando à Autora/Recorrente o direito à Verdade Biológica na filiação.
XI. Ainda a este propósito, não deixa de se invocar os, aliás doutos, Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça a 07/07/2009, 05/05/2020 e 26/01/2021, que, no modesto entendimento da Autora/Recorrente, procederam a uma correta interpretação e aplicação das normas acima evocadas.
XII. Não se olvide que foi realizado, nestes autos, exame hematológico (vulgo “exame de ADN”) que determinou, com 99,9999999999999% de certeza que a Autora/recorrente é filha do falecido, GG - Facto Provado na sentença recorrida.
XIII. Donde, a circunstância de ter sido produzida prova insofismável da relação biológica torna injusta qualquer outra decisão que não seja a de reconhecer o vínculo filial.
XIV. O direito fundamental ao “desenvolvimento da personalidade", constante do artigo 26.º, n.º 1, da CRP significa que o pretenso filho tem o direito de investigar e determinar as suas origens, a sua família.
XV. A decisão de avançar para um processo de judicial de estabelecimento da filiação convoca uma reflexão prévia e profunda sobre aspetos pessoalíssimos do impugnante, não se coadunando com a existência de prazos legais para o exercício deste direito.
XVI. A presente ação de impugnação de paternidade contempla interesses indisponíveis do ser humano: o direito a conhecer e a ver reconhecida a sua ascendência biológica, constituindo, aliás, o único meio de a Autora ver reconhecido o seu direito à verdade biológica, direito esse intrinsecamente pessoal, indisponível e imprescritível, e que por isso não esmorece com o tempo.
XVII. O próprio direito fundamental de constituir família (art. 36.º da Lei Fundamental) – que inclui o de descobrir e ver reconhecida as relações de filiação – ao impor ao legislador a previsão de meios para o estabelecimento jurídico dos vínculos de filiação foi denegado pela Decisão Recorrida, que restringiu princípios com dignidade constitucional através de uma lei com valor inferior (no caso, os arts. 1842º, n.º 1 al.c) do Código Civil).
XVIII.   Ademais, o art. 36.º, n.º 4, da Constituição proíbe a discriminação dos filhos nascidos fora do casamento, o seu desfavorecimento ao verem limitadas as possibilidades de estabelecimento da sua filiação mediante prova do vínculo biológico – prova essa que, no caso em apreço foi  feita pelo exame hematológico: A Autora/Recorrente é filho do falecido Réu, GG.
XIX. Assim, o estabelecimento da articulação entre o prazo de 10 anos e o prazo de 3 previstos no art. 1842º, n.º 1 al. c) do CC para a propositura da ação de impugnação da paternidade e, e bem assim de qualquer outro, constitui uma restrição desproporcionada ao direito à identidade pessoal, à verdade biológica e ao direito a constituir família.
XX. Daí que, no humilde entendimento da Autora/Recorrente, o art. 1842.º, n.º 1 al. c) do Código Civil ao determinar um prazo de caducidade de dez anos da ação de paternidade, contados da maioridade do impugnante, é materialmente inconstitucional por violar o disposto nos arts. 16.º, 18.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1, da nossa Constituição.
XXI. O principal argumento que milita no sentido da conformidade constitucional do prazo do art. 1842.º, n.º 1 al. c), CC é o da segurança jurídica, quer do impugnado, quer dos respetivos herdeiros (já reconhecidos).
XXII. Porém, como acima se mencionou, o art. 18.º, n.º 2, da Constituição estatui que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (…).
XXIII. Ora, a segurança jurídica não é um direito constitucionalmente protegido, ao passo que o já citado direito à verdade biológica na filiação tem acolhimento constitucional, no art. 26.º, n.º 1, da CRP.
XXIV. O reconhecimento jurídico da relação de filiação entre impugnante e impugnado é aliás a única forma – justa – de terminar com essa insegurança.
XXV. Em face do que antecede, deveria, pois, a Decisão recorrida ter julgado a ação tempestiva e procedente., já que o art. 1842.º, n.º 1 al. c), do Código Civil, padece de inconstitucionalidade material, devendo ser desaplicado.
XXVI.  Ao não o fazer, violou as normas ínsitas nos arts. 16.º, 18.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 1, e 36.º, n.ºs 1 e 4, todos da Constituição da República Portuguesa, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que, reconhecendo a inconstitucionalidade da norma resultante dos arts. 1842.º, n.º 1 al.c) do C.C., considere não precludido o direito de ação da aqui Autora/Recorrente, com as legais consequências.
Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, dando provimento ao presente recurso, com a consequente revogação da Decisão Recorrida, substituindo-a por outra que julgue o art. 1842º, n.º 1 al. c), do Código Civil, materialmente inconstitucional, farão V.Exas a habitual Justiça.

O MP contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo.
Foram colhidos os vistos legais.

A questão a resolver prende-se com a inconstitucionalidade das normas dos artigos 1842.º, n.º 1, c) e 1817.º (aplicável por força do artigo 1873.º), todos do Código Civil, no que diz respeito aos prazos para propor as ações de impugnação e investigação da paternidade.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Para além do constante do relatório supra, importa esclarecer que esta ação foi instaurada em 23/02/2021.
Importa, também, esclarecer que, ao contrário do que consta das alegações de recurso e respetivas conclusões, não foi realizado nos autos qualquer exame hematológico que tenha determinado, com 99,9999999% de certeza que a autora/recorrente é filha do falecido GG, apenas constando, com a petição inicial, uma cópia de parte de um documento, do qual não constam os nomes das partes e que, alegadamente, será o relatório final de análise comparativa de amostras biológicas, realizado em ..., em 8 de setembro de 2010, com aquele indicado resultado.
Isto posto e estando assente que a autora nasceu em .../.../1966 e que alegou que tem conhecimento desde 08/10/2010 que o seu pai biológico é GG (falecido em .../.../2013), cabe conhecer da questão da constitucionalidade dos prazos fixados para impugnação e averiguação da paternidade.
Como decorre do que já ficou supra descrito, o presente recurso é interposto no âmbito de uma ação que compreende dois pedidos: o pedido de impugnação de paternidade e o pedido de investigação de paternidade. Os dois pedidos estão ligados entre si por uma relação de prejudicialidade. Adquire especial relevo o disposto no artigo 1848.º, n.º 1, do CC: “não é admitido o reconhecimento em contrário da filiação que conste do registo de nascimento enquanto este não for retificado, declarado nulo ou cancelado”.
O pedido de impugnação de paternidade tem como causa de pedir a não procriação biológica do autor pela pessoa que figura no registo como pai.
No caso dos autos, alega a autora que o nome do pai ficou a constar do seu assento de nascimento em virtude da presunção consagrada no artigo 1826.º, n.º 1 do Código Civil, de que se presume que o filho nascido ou concebido na constância do matrimónio da mãe tem como pai o marido da mãe.
Trata-se de uma presunção relativa ou juris tantum, o que significa que é suscetível de ser ilidida, nos termos do artigo 1838.º e 1839.º do CC, destacando-se o ónus que impende sobre o autor de alegar e provar que, de acordo com as circunstâncias, a paternidade do marido da mãe é manifestamente impossível (cfr. artigo 1839.º, n.º 2, do CC).
A ação de impugnação da paternidade está, porém, subordinada a prazo de caducidade.
Nos termos do disposto no artigo 1842.º, n.º 1, al. c), do Código Civil, a ação de impugnação de paternidade pode ser intentada “pelo filho, até 10 anos depois de haver atingido a maioridade ou de ter sido emancipado, ou posteriormente, dentro de três anos a contar da data em que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe”.
Por sua vez, o pedido de investigação de paternidade tem como causa de pedir a procriação biológica do autor pelo pretenso pai.
Fora do casamento, a paternidade é estabelecida por reconhecimento do filho e efetua-se por perfilhação ou decisão judicial em ação de investigação (cfr. artigos 1796.º, n.º 2, e 1847.º do CC). Esta ação pode ser especialmente intentada pelo filho se a maternidade já se achar estabelecida ou se for pedido conjuntamente o reconhecimento de uma e de outra (cfr. artigo 1869.º do CC).

Também a ação de investigação da paternidade está subordinada a prazo de caducidade. Por força do artigo 1873.º do CC, é aplicável o artigo 1817.º do CC, onde se dispõe, na parte relevante para os presentes autos, que:

“1 - A acção de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.
(…)
3 - A acção pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos:
(…)
b) Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe”.

A única questão que se põe neste recurso relaciona-se com a (alegada) inconstitucionalidade destes prazos de caducidade.
Aceite, como está, que a ação deu entrada em 23/02/2021, que, à data da entrada da ação a autora tinha 54 anos de idade e que desde outubro de 2010, alegadamente, sabia que DD não era seu pai biológico, não resultam dúvidas que todos os prazos para intentar, quer a ação de impugnação de paternidade, quer a ação de investigação de paternidade, estavam já ultrapassados.
Cabe, portanto, averiguar – e é esse o sentido do recurso – se tais artigos ofendem algum princípio ou norma da lei fundamental.
Sobre a questão de saber se os prazos de caducidade previstos nos atuais artigos 1842º nº1 alínea c), primeira parte, e 1817º nº1 do CC devem ou não ser considerados inconstitucionais por violação dos artigos 26º, 36.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, o Tribunal Constitucional, em Plenário, no seu acórdão nº 394/2019, de 3 de Julho de 2019, publicado no Diário da República n.º 190/2019, Série II de 2019-10-0 decidiu: “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante”.
Ora, como comprovam as numerosas referências bibliográficas e jurisprudenciais contidas nos vários Acórdãos constantes de várias bases de dados, a questão é amplamente debatida na doutrina e na jurisprudência portuguesas.
Uns, dando prevalência à tutela do interesse público e dos interesses privados associados aos valores da segurança e da estabilidade jurídicas, sustentam a razoabilidade e a proporcionalidade dos prazos e a inexistência de qualquer desconformidade constitucional das disposições legais que os fixam (em favor da não inconstitucionalidade da atual redação do artigo 1817.º do CC, pronunciaram-se, entre tantos outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional (Plenário) n.º 401/2011, de 22.09.2011, n.º 604/2015 de 26.11.2015, n.º 309/2016, 18.05.2016, n.º 89/2019 de 6.02.2019, n.º 394/2019 (Plenário) de 3.07.2019, n.º 499/2019 de 26.09.2019, ou n.º 173/2019 de 21.10.2019 (todos disponíveis em tribunalconstitucional.pt), e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28.05.2015, Proc. 2615/11.2TBBCL.G2.S1, de 22.10.2015, Proc. 1292/09.5TBVVD.G1.S1, de 17.11.2015, Proc. 30/14.5TBVCD.P1.S1, de 23.06.2016, Proc. 1937/15.8T8BCL.S1, de 8.11.2016, Proc. 4704/14.2T8VIS.C1.S1, de 2.02.2017, Proc. 200/11.8TBFVN.C2.S1, de 9.03.2017, Proc. 759/14.8TBSTB.E1.S1, de 4.05.2017, Proc. 2886/12.7TBBCL.G1.S1, de 3.10.2017, Proc. 737/13.4TBMDL.G1.S1, de 13.03.2018 Proc. 2947/12.2TBVLG.P1.S1, de 3.05.2018. Proc. 158/15.4T8TMR.E1.S1, de 3.05.2018 Proc. 454/13.5TVPRT.P1.S3, de 5.06.2018, Proc. 65/14.8T8FAF.G1.S1, de 12.09.2019, Proc. 503/18.0T8VNF.G1.S1, de 7.11.2019, Proc. 317/17.5T8GDM.P1.S2, e de 10.12.2019, Proc. 211/17.0T8VLN.G1.S2 (todos disponíveis em dgsi.pt); outros, entendendo que aqueles prazos põem em causa direitos fundamentais como o direito à identidade pessoal ou o direito à família, defendem a inconveniência de limitações temporais neste tipo de ações e a ofensa às normas constitucionais, designadamente às normas dos artigos 18.º, n.º 2, 26.º, n.º 1, ou 36.º, n.º 1, da CRP (em favor da inconstitucionalidade da atual redação do artigo 1817.º do CC, pronunciaram-se, por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 488/2018 de 4.10.2018 (disponível em tribunalconstitucional.pt), e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14.01.2014, Proc. 155/12.1TBVLC-A.P1.S1, de 15.02.2018, Proc. 2344/15.8T8BCL.G1.S2, de 31.03.2017, Proc. 440/12.2TBBCL.G1.S1, de 6.11.2018, Proc. 1885/16.4T8MTR.E1.S2, e de 14.05.2019, Proc. 1731/16.9T8CSC.L1.S1 (todos disponíveis em dgsi.pt).” – recolha jurisprudencial obtida no Acórdão do STJ de 16/12/2020, processo n.º 389/14.4T8VFR.P2.S1 (Catarina Serra), in www.dgsi.pt.
Contudo, conforme se pode ler, ainda, neste Acórdão do STJ de 16/12/2020, cumprindo tomar posição nesta controvérsia, “valoriza-se, em particular no que respeita ao artigo 1842.º, n.º 1, al. c), do CC, a pronúncia do Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 309/2016 de 18.05.2016 (disponível em tribunalconstitucional.pt), em que se decidiu “não julgar inconstitucional a norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil, na redação dada pela Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, no segmento que estabelece que a ação da impugnação da paternidade pode ser intentada pelo filho, no prazo de três anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe”.
E valoriza-se ainda o Acórdão do STJ de 3.05.2018, Proc. 158/15.4T8TMR.E1.S1, in www.dgsi.pt, em cujo sumário se afirma, eloquentemente:
“I. Constitui entendimento pacífico do Tribunal Constitucional que o legislador ordinário goza de liberdade para submeter as ações de impugnação da paternidade a um prazo preclusivo, desde que acautelado o conteúdo essencial dos direitos fundamentais em causa, cabendo-lhe fixar, dentro dos limites constitucionais admitidos pelo respeito pelo princípio da proporcionalidade, o concreto limite temporal de duração desse prazo.
II. Os interesses subjacentes à ação de impugnação da paternidade presumida, diferem consoante estamos perante uma ação negatória da paternidade proposta pela mãe ou pelo presumido pai – em que o direito tutelado é o direito de personalidade de cada um destes - ou uma ação proposta pelo filho - em que o direito protegido é o direito à sua identidade pessoal e ao desenvolvimento da sua personalidade – , sendo, por isso, a necessidade de ponderação e a harmonização de todos estes valores com o interesse público ligado à segurança jurídica e à estabilidade social e familiar que legitima o legislador a fixar prazos razoáveis de caducidade.
III. É que a relação paterno-familiar estabelecida, a confiança e a paz familiar seriam necessariamente postas em crise, se colocadas numa situação de permanente precariedade e incerteza, por sujeita a ser abolida por ação, exercitável a todo o tempo, sem qualquer preclusão, do filho.
IV. Do mesmo modo, tornando-se imprescritível a ação proposta por algum dos progenitores contra o filho, os cônjuges acabariam, de forma manifestamente injustificada, por afetar a confiança que o filho, porventura, tinha depositado, ao longo de muitos anos, na consistência da filiação resultante do registo civil e/ou por poder inviabilizar, na prática, a ulterior propositura pelo filho da ação de reconhecimento judicial da paternidade.
V. A fixação legal de prazos de caducidade para a propositura de ações de impugnação da paternidade presumida, diferenciados por categorias de interessados legitimados, como se prescreve nos artigos 1842.º a 1844.º do CC, desde que tais prazos se mostrem proporcionados ou razoáveis, não ofende o núcleo essencial dos direitos fundamentais à identidade e ao desenvolvimento da personalidade e de constituir família, por via da verdade biológica da geração paterna, quer do dito filho quer do suposto progenitor, garantidos nos termos dos artigos 16.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, 26.º, n.º 1 e 3, e 36.º, n.º 1, da Constituição da República.
VI. O prazo geral estabelecido no art. 1842º, nº 1, al. c), 1ª parte, do C. Civil – ou seja, nos 10 anos subsequentes à maioridade ou emancipação – é um prazo razoável e proporcional que não coarta o direito à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade do filho impugnante, no confronto com o princípio da confiança na relação de filiação estabelecida e da tutela da estabilidade e paz familiar, tanto mais que, o mesmo pode ainda beneficiar do prazo especial de 3 anos fixado na 2ª parte desta mesma alínea c)”.
Por fim – pode, ainda, ler-se no Acórdão que vimos seguindo -, não é de todo – não pode ser – irrelevante que a corrente dominante neste Supremo Tribunal de Justiça seja a que defende a não inconstitucionalidade da fixação de prazos para as ações deste tipo”.
Como se decide no Ac. STJ de 7/11/2019, processo n.º 317/17.5T8GDM.P1.S2, in www.dgsi.pt, “sempre razões de prudência e pragmatismo, determinariam o acatamento do entendimento que fez vencimento no citado acórdão. Na verdade o Tribunal Constitucional é, nos termos da Constituição da Republica Portuguesa (art.º 221º e seg, da CRP) o órgão jurisdicional supremo em matéria de apreciação da constitucionalidade das normas de direito positivo em vigor no Estado Português. Ora tendo, recentemente, tal órgão decidido em Plenário que a norma constante do nº 1 do Art.º 1817º do CC, não é inconstitucional seria dificilmente compreensível continuar a defender o contrário, quando a última palavra sobre a matéria pertence àquele Tribunal…!”.
No mesmo sentido de decisão, de conformação da jurisprudência ao entendimento uniforme e consolidado do Tribunal Constitucional, tem vindo a decidir o STJ, em vários arestos jurisprudenciais, e no que se reporta à matéria dos autos, designadamente, ainda, Ac. STJ de 10/9/2020, processo n.º 1731/16....: “I. Constitui jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional que o legislador ordinário goza de liberdade para submeter as ações de impugnação e de investigação de paternidade a prazos preclusivos e que os prazos de caducidade constantes, respetivamente, do artigo 1842 e do artigo 1817º, n.ºs 1 e 3, ex vi artigo 1873º, todos do Código Civil, não ofendem o núcleo essencial dos direitos fundamentais à integridade e identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade e de constituir família, garantidos nos termos dos artigos 16.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, 25º, nº1, 26.º, n.º 1 e 3, e 36.º, n.º 1, da Constituição da República”; Ac. STJ de 12/9/2019; no mesmo sentido Acórdão deste TRG de 24/9/2020, P. 2151/18.6T8VCT.G1, todos in www.dgsi.pt.
Os alargados prazos contidos nestes artigos permitem aos investigantes o exercício efetivo e atempado dos direitos de impugnação de paternidade e da sua investigação consentâneos com razões de necessidade de segurança jurídica, que, face àquela efetiva possibilidade de realização do direito, se julgam prevalecentes; “A consideração do direito à verdade biológica e ao estabelecimento do respetivo vínculo jurídico, como direitos fundamentais, não impede que o legislador possa harmonizar ou até mesmo restringir o exercício de tais direitos em função de outros interesses ou valores igualmente tutelados, na medida em que não estamos perante direitos absolutos” – Ac. STJ, processo n.º 503/18.0T8VNF.G1.S1, supra citado.
Refere-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 401/2011 de 22/09/2011, pensamos que com bastante interesse, que “é do interesse público que se estabeleça o mais breve que seja possível a correspondência entre a paternidade biológica e a paternidade jurídica, fazendo funcionar o estatuto jurídico da filiação com todos os seus efeitos, duma forma estável e que acompanhe durante o maior tempo possível a vida dos seus sujeitos” e o meio para tutelar estes interesses atendíveis, públicos e privados (segurança para o investigado e sua família) ligados à segurança jurídica “é precisamente a consagração de prazos de caducidade para o exercício do direito em causa. Esses prazos funcionam como um meio de induzir o titular do direito inerte ou relutante a exercê-lo com brevidade, não permitindo um prolongamento injustificado duma situação de indefinição, tendo desta forma uma função compulsória, pelo que são adequados à proteção dos apontados interesses, os quais também se fazem sentir nas relações de conteúdo pessoal, as quais, aliás, têm muitas vezes, como sucede na relação de filiação, importantes efeitos patrimoniais”.
Esta tese da não inconstitucionalidade que aqui se propugna assenta, assim, em síntese, nos seguintes fundamentos:
- o direito ao estabelecimento da paternidade biológica não é um direito absoluto, podendo e devendo ser harmonizado adequadamente com outros valores conflituantes;
- um regime de imprescritibilidade conduziria necessariamente a situações indesejáveis de incerteza;
- ao fixar prazos de caducidade para a propositura da ação, o legislador evita que o interesse da segurança jurídica seja posto em causa pelo mero desinteresse do autor;
- não é injustificado nem excessivo onerar o titular do direito com a necessidade de uma iniciativa processual diligente.
Concluindo-se pela não inconstitucionalidade da norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea c) do Código Civil, não há razão para desaplicar a norma, pelo que mais não resta que concluir, como na sentença recorrida, que, no que toca ao pedido de impugnação da paternidade, a ação foi proposta fora de prazo, verificando-se a exceção perentória de caducidade que conduz à absolvição do pedido das duas primeiras rés.
Quanto ao pedido de investigação da paternidade, dado que, como se disse de início, a procedência depende da prévia procedência do pedido de impugnação da paternidade (cfr. artigo 1848.º, n.º 1, do CC), o seu conhecimento fica prejudicado, sendo certo que, com o mesmo tipo de raciocínio, se teria que concluir que o prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação, consagrado no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, é suficiente para o exercício maduro e ponderado do direito de propor ação de investigação de paternidade, não exigindo o princípio constitucional de proteção do direito fundamental à identidade pessoal, a imprescritibilidade deste tipo de ação.
Razão pela qual improcede a apelação, sendo de confirmar a sentença recorrida.

III. DECISÃO

Em face do exposto decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
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Guimarães, 4 de maio de 2023

Ana Cristina Duarte
Alexandra Rolim Mendes
Maria dos Anjos Melo Nogueira