Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3960/16.1T8BRG.G1
Relator: PAULA ROBERTO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
LIVRO DE RECLAMAÇÕES
RECUSA NA APRESENTAÇÃO
PESSOA COLECTIVA
INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/03/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: Não é desproporcionado o montante mínimo de €15.000,00 previsto no artº 9º, do DL nº156/2005, de 15/09, no caso de recusa de apresentação do livro de reclamações por parte de uma pessoa coletiva, tendo sido requerida a presença da autoridade para remover tal recusa, o que sucedeu, tendo o livro sido facultado ao requerente.
II) O utente e consumidor para efeitos do citado diploma legal é todo aquele que pretende que lhe seja prestado um serviço ou fornecido um determinado bem.
III) Resultando da matéria de facto provada que o "queixoso" é proprietário da casa habitada pela filha e pretendia insurgir-se contra o facto de na mesma casa o gás ter sido instalado sem a sua autorização e ter implicado, segundo o seu entendimento e sem o seu consentimento, alguns danos ou estragos nas paredes, é manifesto que o mesmo tinha "legitimidade" para pedir o livro de reclamações.
Decisão Texto Integral: Acordam Relatora – Paula Maria Roberto

Adjunto – Fernando Pina na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório
A arguida C…, SA, com sede em Braga, veio impugnar a decisão administrativa que lhe aplicou uma coima de € 15.000,00, pela prática de uma contraordenação, p. e p. pela alínea a), do nº 1, do artigo 9.º e pela alínea a), do n.º 1, do artigo 3.º, ambos do DL n.º 156/2005, de 15/09, alterado pelo DL n.º 371/2007, de 06/11 e pelo DL n.º 118/2009, de 19/05.
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Recebido o recurso, procedeu-se à realização da audiência de julgamento.
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De seguida, foi proferida a sentença de fls. 128 e segs. e cujo dispositivo é o seguinte:
“Pelo exposto, o tribunal decide:
a) Julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela arguida C…, S.A. e, em consequência, confirmar integralmente a decisão administrativa.
b) Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UCs.”
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A arguida, notificada desta decisão, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:
“1-Os art°s 66° e 75°, 1 do DL 433/82 de 27 de Outubro (RGCO), quando interpretados no sentido de não ser obrigatória a documentação da audiência de discussão e julgamento são inconstitucionais por não aplicação ao regime das contra ordenações das regras processuais do art° 363° e 364° do CPP por via do art° 41º do RGCO,
2-Tendo sido violado o direito da arguida a ver a decisão recorrida também sindicada quanto à matéria de facto por uma instância judicial superior, havendo por isso violação do art° 32°, n° 1, 2 e 10 da CRP, que se argui, devendo por isso tais normas serem declaradas por inconstitucionais quando sejam interpretadas no sentido de não ser obrigatório a documentação da audiência de discussão e julgamento, sendo por isso também inconstitucional a decisão recorrida quanto a esta matéria;
3-É inconstitucional a norma prevista no art° 9°, n° 1 al. a) e n° 3, do DL n° 156/05 de 15/9 o que deverá declarar-se, sendo por conseguinte inaplicável a decisão recorrida, porque a norma que serve de condenação à arguida violar os princípios da igualdade e da proporcionalidade previstos nos art° 13° e 18°, n° 2 da Constituição da República Portuguesa e violam igualmente o disposto no art. 15° da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que já exigia na sua versão de 1789 que se observasse a proporcionalidade entre a gravidade do crime praticado e a sanção a ser aplicada. “a lei só deve cominar penas estritamente necessárias e proporcionais ao delito”, já que a lei só pode restringir os direitos liberdades e garantias nos casos expressamente previsto na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguarda outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, o que não sucede na dita norma, contrariamente ao à interpretação dada pelo tribunal de que se recorre;
4- É inconstitucionalidade a norma prevista no n° 3 - do artigo 3° do DL 165/05 de 15/9, quando interpretada no sentido de que a obrigatoriedade da apresentação do livro de reclamações não tem limites, podendo ser legitima a recusa da entrega do livro de reclamações em algumas circunstâncias a avaliar em concreto, como poderia ser o caso dos autos;
5-O direito a ter acesso ao livro de reclamações não é absoluto e ilimitado para o utente/consumidor, sob pena de virarmos tudo ao avesso, e ao crermos salvaguardar os direitos dos consumidores/utentes, por mais importantes que sejam, e são-no, podermos estar a criar no sentido totalmente oposto ao invés, e sem limites e ou sem controlo como alguém já chamou “ditadura do consumidor” ou o “fundamentalismo dos direitos dos consumidores” “passando do oito para o oitenta”, como uso despótico e desmesurado de um livro que pode ser arma de arremesso perfeitamente desvirtuada e descontrolada;
6-Na norma cuja inconstitucionalidade se pede que diz “. . .não pode condicionar a apresentação do livro de reclamações, designadamente à necessidade de identificação do utente.”, daí não poderá resultar o que norma não diz e a norma não diz que em tempo algum e em condições algumas o prestador do serviço jamais poderá fazer essa recusa. Não diz isso. Tanto assim é que exemplifica uma situação em que o livro não pode ser recusado. Não exclui qualquer outra situação, apenas diz que nesse caso não pode ser recusado.
7-Aceitar-se a interpretação da norma corno o foi pelo tribunal recorrido a arguida poderia ser confrontada com a violação de norma criminal, como sejam por ex. os art° 195° CP, pela divulgação e ao cesso a dados confidenciais de seus clientes cfr. Lei 67/08, mormente art° 7°, nº 1, à violação dos direitos de personalidade cfr. disposto no art° 80º, 334º e 335° do CC e do art° 26° da CRP, entre outros.
8-O queixoso Joaquim não tinha legitimidade para exigir o livro de reclamações ao arguido para reclamar sobre um contrato celebrado pela sua filha com a E…, S.A
9-A sentença a quo é nula por terem sido violados os art°s 379°, 1 a) por remissão para o art° 374° n° 2 do CPP por ausência de motivação/fundamentação de forma irreversível, mas com muito interesse relevante para a não valoração da prova testemunhal da arguida o testemunho do guarda da GNR J: P. da Silva, testemunha da acusação que teve um depoimento que contraria o depoimento da testemunhas F. M., seu colega no dia dos factos, mas o tribunal sobre o depoimento desta testemunha nada disse na sua motivação, ignorou-o, omitindo um dos seus deveres insanáveis na elaboração da sentença, impossibilitando a recorrente de reagir quanto à valorização dada pelo tribunal a esta testemunha e ao seu depoimento com os restantes.
10-O Tribunal a quo violou erro na apreciação da prova e verifica-se a existência de insanável contradição da fundamentação e desta coma decisão, em violação manifesta do art° 127°, 355° e 410°, nº 1, 2 a) b) e c) do CPP;
11-O tribunal a quo ateve-se em prova ilegal e nula ao arrepio do art° 357°, n° 7 do CPP, quanto ao depoimento que a testemunha F. M. fez, pois que esta foi precisamente o agente autuante e que declarou sobre factos que tomou em declarações cfr. fls 47 e não poderia fazê-lo, tendo excedido a razão de ciência que lhe é permitida por lei;
12-O tribunal ao referir a fls 12 da sentença que “Levaram-se ainda em conta o auto de contra ordenação...” atesta o seu erro quanto à apreciação e valoração da matéria de facto, face ao que aí consta dos depoimentos das testemunhas da recorrente, porquanto não se confirma a negação do livro de reclamações ao queixoso Joaquim.
13-O tribunal violou o art° 9°, n° 1 al. a) e n° 3. do DL n° 156/05 de 15/9 e o disposto nos art° 127° e 355°, 374º, n 2 e 379° n° 1 a), 410°, n° 1. 2 a) b) e c) do CPP e 13°, 32°, 203° e 205° da CRP, ou seja, os princípios da livre apreciação da prova, da incorrecta apreciação da valoração da prova, da igualdade, da fundamentação da sentença e ainda os princípio da presunção da inocência e do in dúbio pró reo.
14-O tribunal errou ao não ter aplicado a sanção de admoestação, tendo optado pela condenação, porquanto estão preenchidos os requisitos exigíveis para a aplicação da sanção de admoestação prevista no art° art° 51° do DL n° 433/82, de 27 de Outubro, já que ao invés do entendimento da sentença recorrida, a culpa é diminuta, a arguida é primária, não retirou do facto qualquer benefício económico ou outro (nada resulta da sentença), e o queixoso fez a sua reclamação não tendo ficado privado do exercício de qualquer direito e a admoestação, ao invés do sentenciado cumprirá sempre todas as legais exigências da prevenção, quer geral quer especial. Não devendo, por isso, considerar-se abstractamente excluída a viabilidade de ponderação de admoestação pois o tipo contra ordenacional previsto não classifica a contra ordenação como leve nem como grave ou muito grave, não faz qualificações a este respeito
15-Sofre de nulidade a sentença por ausência de fundamentação a esse respeito por violação do art° 379°, n° 1 a) do CPP por remissão do art° 32° do RGCO e art° 18º, n° 1 e 58, nº 1 c) e 51°, já que a sentença recorrida a este propósito basta-se pelo preenchimento do tipo contra ordenacional imputado à arguida se encontre preenchido para considerar insuficiente a mera admoestação como sanção adequada o que consubstancia uma interpretação contra legem do art° 51 do RGCO, esvaziando assim o normativo em causa de qualquer sentido útil.
16-De acordo com os princípios da tipicidade e da legalidade que vigoram no direito contra ordenacional (art° 1, 2° e 3° do RGCO e art° 29° da CRP) aquele que possa ter ido efectivamente violado pela arguida admite também o sancionamento como admoestação face a tudo quanto antes se motivou.
Nestes termos e nos melhores de direito que V.Exas suprirão, dignem-se dar como provado e por procedente o presente recurso e em consequência:
ser revogar a decisão recorrida, ou ser substituí-la por outra que absolva a arguida da contra ordenação em que foi condenada.
Assim não sendo entendido, se declare nula a sentença com as legais consequências.
Ainda assim não se entenda, seja aplicada a sanção de admoestação em substituição da que foi sentenciada.
E assim farão a já habitual JUSTIÇA.”
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O Ministério Público contra alegou e formulou as seguintes conclusões:
“1- A decisão recorrida não violou nenhum artigo legal nem fez errada interpretação dos mesmos, encontrando-se fundamentada de facto e de direito.
2 — Não se mostram preenchidos os pressupostos legais para aplicação da sanção da admoestação.
3 — A sentença recorrida deve ser mantida nos seus precisos termos.
No entanto, V.EXªs farão a habitual Justiça!”
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O Exm.º Procuradora-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 171 e 172, no sentido de que “o recurso da arguida não merecerá provimento, devendo confirmar-se o seu sancionamento na coima aplicada”.
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Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.
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II – Saneamento
A instância mantém inteira regularidade por nada ter entretanto sobrevindo que a invalidasse.
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III – Fundamentação
Matéria de facto provada constante da sentença recorrida:
1. No dia 6 de Setembro de 2012, nas instalações da arguida C…, S. A, sitas no Parque Industrial de P…, J. R. solicitou o livro de reclamações a M. A., funcionário da arguida, tendo este recusado a sua disponibilização.
2. J. R. advertiu-o que se o livro de reclamações não lhe fosse facultado, solicitaria a presença da autoridade policial para exercer o seu direito de queixa.
3. Apesar disso, o livro de reclamações não foi facultado a J. R. por decisão de M: A..
4. O livro de reclamações só foi disponibilizado ao reclamante após intervenção da autoridade policial, que se deslocou ao estabelecimento da sociedade arguida mediante solicitação de J. R. .
5. J. R. acabou por registar no livro de reclamações a sua reclamação.
6. M. A. agiu sempre na qualidade de funcionário da arguida e por causa dessas funções, isto é, em seu nome e interesse.
7. A arguida C…, S.A., através daquele seu funcionário, atuou livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida.
Mais se provou:
8. J. R. é proprietário de três casas, uma delas habitada por ele, outra pela filha e a terceira arrendada a uma inquilina.
9. Pretendia insurgir-se contra o facto de, na casa habitada pela sua filha, o gás ter sido instalado sem a sua autorização e ter implicado, segundo o seu entendimento e sem o seu consentimento, alguns pequenos danos ou estragos nas paredes.
10. Muito embora os contratos de infraestruturação para gás natural subscritos pelo reclamante e pela sua filha tivessem sido celebrados com a empresa E…, foi e é a arguida C…, S. A que diligencia pela instalação das infraestruturas de gás, preparando as habitações para receber o gás natural.
11. Não são conhecidos à arguida antecedentes contraordenacionais.
12. O seu capital social ascende a € 904 000,00.
13. Emprega cerca de 50 trabalhadores.
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Factos Não Provados:
Não se provou que M. A. tivesse recusado o livro de reclamações por pensar que não tinha de o disponibilizar em virtude de o reclamante não ser cliente da empresa.
Não se provou que M. A. tivesse actuado contra ordens ou instruções expressas da arguida ou contra a formação que pela mesma lhe foi ministrada.
Não se provou que quando a GNR chegou às instalações da arguida, o livro de reclamações se encontrasse em cima da mesa, na receção.
Não se provou que a arguida tivesse dado formação e instruções aos seus funcionários para disponibilizarem o livro de reclamações, sob pena de, não o fazendo, incorrerem em responsabilidade disciplinar.
Não se provou que a arguida participe frequentemente nas campanhas de recolhas de sangue e de alimentos.
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Motivação da decisão de facto:
“A convicção do tribunal quanto aos factos provados e não provados baseou-se, antes de mais e sobretudo, no depoimento do reclamante J. R. .
Num depoimento que se afigurou seguro e preciso, pese embora se trate de uma pessoa com bastante idade, explicou, além do mais, os motivos da sua insatisfação para com a sociedade arguida e evidenciou que teve que deslocar-se às suas instalações por três vezes.
No primeiro dia, não solicitou o livro de reclamações.
No segundo dia, pediu o livro e não lho deram, razão pela qual foi à GNR informar-se sobre os seus direitos, tendo sido aconselhado a dirigir-se novamente às instalações da arguida e, caso a recusa se mantivesse, solicitar a intervenção da GNR.
No terceiro dia, como a recusa se manteve, seguiu o conselho que lhe foi dado, acrescentando que o livro de reclamações só lhe foi facultado na presença da GNR.
Em segundo lugar, baseou-se o tribunal no depoimento da testemunha F. M., agente da GNR que se deslocou ao local dos factos, mediante solicitação do reclamante, o qual, de forma categórica e bastante assertiva, adiantou que, quando chegou às instalações da arguida, o livro de reclamações não se encontrava na recepção, tendo alguém se ausentado do hall de entrada para o ir buscar.
Acrescentou que, tanto quanto conseguiu perceber, o reclamante estava insatisfeito com o trabalho desenvolvido pela sociedade arguida, por ser o proprietário da casa onde habitava a sua filha e o gás ter sido instalado sem a sua autorização, tendo, aquando da instalação, sido causados alguns pequenos estragos. A empresa, por sua vez, não considerava o arguido como sendo seu cliente.
A testemunha M. A. , empregado da sociedade arguida, foi a pessoa com quem o reclamante contactou no dia a que se reportam os autos. Adiantou que, por várias vezes, tentou explicar-lhe que o contrato de instalação de gás tinha sido celebrado entre a sua filha e a E…, que a C… não tinha poderes para anular o contrato e que, por conseguinte, ele não tinha razão para reclamar. Como não o conseguiu convencer, perguntou-lhe se queria mesmo reclamar e, perante a resposta afirmativa, foi buscar o livro de reclamações. Quando regressou, já não viu J. R. .
As declarações desta testemunha não mereceram credibilidade, quer porque não se afiguraram isentas e imparciais, quer sobretudo porque não estão de acordo com as mais elementares regras de experiência comum, já que não é normal que alguém que manifesta tanto interesse e persistência em reclamar, desista de fazê-lo quando finalmente lhe é dada essa oportunidade.
De resto, as declarações desta testemunha, para além de contrariarem o depoimento do reclamante, contrariam também o depoimento do agente da GNR F. M., que esclareceu que houve necessidade de alguém ir buscar o livro de reclamações, pois este não estava disponível na recepção.
No que particularmente diz respeito ao elemento subjectivo da contra-ordenação de que a arguida se encontra acusada, por diversas vezes, o tribunal questionou o mencionado funcionário sobre se a razão para a não entrega do livro não teria sido afinal o facto de ele pensar que não estava obrigado a fazê-lo em virtude de o reclamante não ser cliente da empresa (o que poderia, eventualmente, consubstanciar um erro excludente do dolo, permanecendo a negligência).
A resposta que sempre obteve foi a de que ele sabia que tinha que disponibilizar-lhe o livro, que tinha plena consciência que o deveria fazer e que acabou por fazê-lo.
A ser assim, nada mais resta do que concluir que a sociedade arguida, através do seu funcionário, actuou livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida.
Na verdade, os depoimentos das testemunhas C. C. e M. C. (empregadas da arguida) também não foram suficientes para infirmar a forte convicção deixada pelos depoimentos das testemunhas de acusação.
Para além de terem sido parciais, tentando ilibar a arguida a todo o custo, não demonstraram um conhecimento sustentado sobre o que de facto aconteceu, limitando-se a dizer que chegaram a ver M. A. com o livro de reclamações na mão (caso da testemunha C.) ou ouvi-lo dizer ao reclamante “Aguarde um bocadinho, que eu vou buscá-lo!”, tendo ele respondido “Já não quero nada!” (caso da testemunha M. C.).
Como é salientado na decisão administrativa, não se percebe, então, por que razão se foi buscar o livro de reclamações depois de, alegadamente, o reclamante ter-se mostrado desinteressado.
Por último, a testemunha J. M., Director-Geral da sociedade C…, S.A. nem sequer se encontrava na empresa no dia a que se reportam os autos, pelo que o seu depoimento foi totalmente irrelevante.
Levaram-se ainda em conta o auto de contra-ordenação de fls. 6, as cópias dos contratos de fls. 81 e 82 e as cópias da reclamação e da resposta à reclamação juntas pela arguida em sede de audiência de julgamento.
A conjugação de todos os meios de prova supra referidos com as mais elementares regras de experiência comum inculca a ideia de que os factos ocorreram da forma como foram dados como provados, não tendo o tribunal qualquer dúvida a esse respeito.
No que concerne à situação da sociedade arguida, ao seu objecto e às relações entre ela e a sociedade E…., a certidão da Conservatória do Registo Comercial de fls. 13 e ss e as declarações da testemunha M. A., à falta de outros elementos.
Relativamente aos restantes factos não provados, cumpre dizer que nenhuma outra prova se produziu em audiência que permitisse dar como provados outros factos para além dos que, nessa qualidade, se demonstraram.”
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b) - Discussão
A arguida suscita as seguintes questões:
1ª – Inconstitucionalidade dos artigos 66.º e 75.º do RGCC quando interpretados no sentido de não ser obrigatória a documentação da audiência de discussão e julgamento.
2ª – Inconstitucionalidade da norma prevista no artigo 9.º, n.º 1, a) e n.º 3, do DL n.º 156/2005 de 15/09.
3ª – O queixoso não tinha legitimidade para exigir o livro de reclamações para reclamar.
4ª – A sentença é nula por ausência de motivação/fundamentação.
5ª – Existência de erro na apreciação da prova e de contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão.
6ª – O Tribunal a quo baseou-se em prova ilegal e nula.
7ª – O tribunal a quo errou ao não aplicar à arguida a sanção de admoestação.
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1ª questão
Inconstitucionalidade dos artigos 66.º e 75.º do RGCC quando interpretados no sentido de não ser obrigatória a documentação da audiência de discussão e julgamento.
Alega a recorrente que estes normativos são inconstitucionais quando interpretados no sentido de não ser obrigatória a documentação da audiência de discussão e julgamento, tendo sido violado o direito da arguida a ver a decisão recorrida também sindicada quanto à matéria de facto por uma instância judicial superior, havendo por isso violação do artigo 32.º, nºs 1, 2 e 10 da CRP.
Vejamos:
<<Salvo disposição em contrário, a audiência em 1ª instância obedece às normas relativas ao processamento das transgressões e contravenções, não havendo lugar à redução da prova a escrito>> - artigo 66.º, do RGCC.
Acresce que, <<se o contrário não resultar deste diploma, a 2ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões>> - n.º 1, do artigo 75.º do RGCC.
Resulta destes normativos que não é aplicável ao processo de contraordenação o disposto no artigo 363.º, do CPP, ou seja, não há lugar a documentação das declarações prestadas oralmente na audiência.
Ora, ao contrário do alegado pela arguida, não vislumbramos nestes normativos a violação de qualquer garantia de defesa do arguido constitucionalmente consagrada, nomeadamente, no artigo 32.º, n.ºs 1, 2 e 10, da CRP.
Como já foi decidido pelo Tribunal Constitucional, <<não se vê como o não registo da prova produzida em audiência, no processo de contra-ordenação, viole qualquer garantia de defesa do arguido constitucionalmente tutelada (…). Trata-se, na verdade, de uma opção legítima do legislador ordinário ajustada ao princípio da celeridade e à natureza do ilícito em causa, sem quebra dos direitos de defesa do arguido. Registar ou não a prova produzida é, em si mesmo e no confronto com os direitos de defesa do arguido em audiência, irrelevante; o juízo que o julgador de 1ª instância faça, em matéria de facto, sobre essa prova não se determina por princípios diversos consoante a prova é ou não registada>> Acórdão do TC n.º 50/99, de 19/01/1999, disponível em www.dgsi.pt.
Cfr., ainda, o Ac. do mesmo Tribunal n.º 6/2013, de 09/01/2013, disponível no mesmo sítio..
Neste sentido, também o acórdão da RC de 25/01/2012, disponível em www.dgsi.pt.
Assim sendo, improcede esta inconstitucionalidade invocada pela arguida.

2ª questão
Inconstitucionalidade das normas previstas no artigo 9.º, n.º 1, a) e n.º 3 e artigo 3.º, n.º 3, ambos do DL n.º 156/2005 de 15/09.
Alega a recorrente que estas normas são inconstitucionais por violarem os princípios da igualdade e da proporcionalidade previstos nos artigos 13.º, 18.º, n.º 2 e 26.º, todos da CRP e no artigo 15.º da DDHC.
A decisão recorrida pronunciou-se sobre esta questão, tendo julgado a mesma improcedente.
E, desde já avançamos que acompanhamos a decisão recorrida.
Na verdade, o Tribunal Constitucional já se pronunciou várias vezes sobre esta questão nos acórdãos n.ºs 62/2011, 67/2011 e 97/2014 (este último em Plenário), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Neste acórdão n.º 67/2011, o Tribunal Constitucional considerou que:
<<Quanto ao princípio da proporcionalidade das sanções, tem, antes de mais, que advertir-se que o tribunal só deve censurar as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, pois tal o proíbe o artigo 18º, nº 2, da Constituição. Se o tribunal fosse além disso, estaria a julgar a bondade da própria solução legislativa, invadindo indevidamente a esfera do legislador que, aí, há-de gozar de uma razoável liberdade de conformação [cf., identicamente, os acórdãos nºs 13/95 (Diário da República, II série, de 9 de Fevereiro de 1995) e 83/95 (Diário da República, II série, de 16 de Junho de 1995)], até porque a necessidade que, no tocante às penas criminais é - no dizer de FIGUEIREDO DIAS (Direito Penal II, 1988, policopiado, página 271) - "uma conditio iuris sine qua non de legitimação da pena nos quadros de um Estado de Direito democrático e social", aqui, não faz exigências tão fortes.
De facto, no ilícito de mera ordenação social, as sanções não têm a mesma carga de desvalor ético que as penas criminais - para além de que, para a punição, assumem particular relevo razões de pura utilidade e estratégia social. (…)>>.
E, no Acórdão do Pleno n.º 97/2014, de 06.02.2014, o mesmo Tribunal decidiu <<não julgar inconstitucional a norma extraída do n.º 3 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 156/2005, quando interpretada no sentido de que, requerida a presença da autoridade para remover a recusa referida no número anterior, essa recusa é removida sendo o livro de reclamações facultado ao utente>>
Pelo exposto, entendemos que não é desproporcionado o montante mínimo de € 15.000,00 previsto no citado artigo 9.º, do DL n.º 156/2005, no caso de recusa de apresentação do livro de reclamações por parte de uma pessoa coletiva, tendo sido requerida a presença da autoridade para remover tal recusa, o que sucedeu, tendo o livro sido facultado ao requerente (n.º 3, do artigo 3.º, do mesmo DL) Neste sentido, cfr. os acórdãos desta Relação de 11/01/2016; da RP de 13/05/2015 r da RE de 11/10/2016 e de 07/04/2015..
Resta dizer que não vislumbramos que a interpretação dada ao n.º 3, do artigo 3.º do DL n.º 156/2005, pelo tribunal recorrido, no sentido de que “a apresentação do livro de reclamações deve ser imediata, não podendo ser condicionada (não se compadece, por exemplo, com considerações sobre os motivos das reclamações ou a legitimidade de quem as apresenta)”, possa implicar a violação de normas do CP ou a violação de direitos de personalidade.
Concluímos, por isso, que os artigos 9.º, n.º 1, a) e 3.º, n.º 3, ambos do DL n.º 156/2005 de 15/09, não violam os princípios da igualdade e da proporcionalidade consagrados, respetivamente, no artigo 13,º e no n.º 2, do artigo 18.º da CRP nem o disposto no artigo 15.º da Declaração U. dos Direitos do Homem e, consequentemente, improcede a inconstitucionalidade invocada pela recorrente.

3ª questão
Se o queixoso não tinha legitimidade para exigir o livro de reclamações para reclamar.
Alega a recorrente que o queixoso não tinha legitimidade para exigir o livro de reclamações para reclamar sobre um contrato celebrado pela sua filha com a EDP.
A este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:
“Na tentativa de excluir a sua responsabilidade, a arguida alega que nunca teve qualquer relação contratual e/ou outra com o queixoso ou com a sua filha, os quais não eram nem são seus clientes ou utentes.
Assim, verificar-se-ia a ilegitimidade de J. R. para reclamar, não tendo o direito de pedir o livro de reclamações.
É manifesto que não lhe assiste razão.
Decorre da lei, que a apresentação do livro de reclamações deve ser imediata, não podendo ser condicionada (não se compadece, por exemplo, com considerações sobre os motivos das reclamações ou a legitimidade de quem as apresenta).
Isso mesmo estatui o art. 3º nº3 do DL nº 156/2005, de 15/09, nos termos do qual, “Sem prejuízo da regra relativa ao preenchimento da folha de reclamação a que se refere o artigo 4º, o fornecedor de bens ou prestador de serviços ou o funcionário do estabelecimento não pode condicionar a apresentação do livro de reclamações, designadamente à necessidade de identificação do utente.”
No Ac. da RE de 7/04/2015, in www.dgsi.pt, a recorrente sustentava que o disposto no art. 3º nº1 al. b) do DL nº 156/2005 só podia ser interpretado no sentido de fazer impender aquela obrigação sobre o fornecedor de bens ou prestador de serviços que contratou com o utente e, no âmbito desse contrato, o lesou de alguma forma, não impendendo o dever de facultar imediata e gratuitamente o livro de reclamações para o utente reclamar sobre a prestação de um serviço ou sobre um fornecimento de um bem que não é fornecido ou prestado pelo detentor do livro de reclamações.
Ora, de forma particularmente impressiva, a Relação de Évora, no aresto mencionado, considerou que a recorrente confundia a obrigação de apresentar o livro de reclamações ao utente com o merecimento ou não da aludida reclamação e que o princípio que sustenta a exigência do livro de reclamações, praticamente em todas as entidades públicas e privadas que prestam serviços ao consumidor, vai muito além da mera possibilidade de ver o seu caso resolvido, pretendendo-se garantir uma boa prestação de serviços ao consumidor em geral e fiscalizar efectivamente como tais serviços são prestados.
De resto, como decorre do preâmbulo do DL nº 156/2005, de 15/09, a criação do livro de reclamações teve por base a preocupação com um melhor exercício de cidadania através da exigência do respeito dos direitos dos consumidores e utentes, de forma a alcançar a igualdade material dos intervenientes
Facilmente se compreende que a lei não pode condicionar a apresentação imediata do livro ao que quer que seja, sob pena de se frustrar o objectivo do legislador.
Se assim não fosse, estaria aberto o caminho ao recurso a expedientes tendentes a desincentivar o consumidor ou utente de exercer o seu direito de reclamar ou forçá-lo, no caso de ele persistir nos seus intuitos, a aguardar longos períodos para o fazer”. fim de citação.
Apreciando:
Resulta do artigo 9.º do DL 156/2005, de 15/09, na redação do DL nº 242/2012, de 07/11) que:
“1 - Constituem contra-ordenações puníveis com a aplicação das seguintes coimas:
a) De (euro) 250 a (euro) 3500 e de (euro) 3500 a (euro) 30 000, consoante o infractor seja pessoa singular ou pessoa coletiva, a violação do disposto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 3.º, nos n.os 1, 2 e 4 do artigo 5.º e no artigo 8.º;
(…)
2 - A negligência é punível sendo os limites mínimos e máximos das coimas aplicáveis reduzidos a metade.
3 - Em caso de violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º, acrescida da ocorrência da situação prevista no n.º 4 do mesmo artigo, o montante da coima a aplicar não pode ser inferior a metade do montante máximo da coima prevista.
4 - A violação do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 3.º dá lugar, para além da aplicação da respectiva coima, à publicidade da condenação por contraordenação num jornal de expansão local ou nacional, a expensas do infrator”.
Por sua vez, o artigo 3.º do mesmo DL estabelece que:
“1 - O fornecedor de bens ou prestador de serviços é obrigado a:
a) Possuir o livro de reclamações nos estabelecimentos a que respeita a actividade;
b) Facultar imediata e gratuitamente ao utente o livro de reclamações sempre que por este tal lhe seja solicitado;
3. Sem prejuízo da regra relativa ao preenchimento da folha de reclamação a que se refere o artigo 4.º, o fornecedor de bens ou prestador de serviços ou o funcionário do estabelecimento não pode condicionar a apresentação do livro de reclamações, designadamente à necessidade de identificação do utente.
4 - Quando o livro de reclamações não for imediatamente facultado ao utente, este pode requerer a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa ou de que essa autoridade tome nota da ocorrência e a faça chegar à entidade competente para fiscalizar o sector em causa”.
Face ao disposto nestes normativos e tendo em conta que, como consta do preâmbulo do citado DL, <<o livro de reclamações constitui um dos instrumentos que tornam mais acessível o exercício do direito de queixa, ao proporcionar ao consumidor a possibilidade de reclamar no local onde o conflito ocorreu>>, acompanhamos a sentença recorrida, pouco mais se impondo dizer.
Na verdade, o utente e consumidor para efeitos do DL n.º 156/2005, de 15/09, é todo aquele que pretende que lhe seja prestado um serviço ou fornecido um determinado bem, sendo certo que, resultando da matéria de facto provada que o “queixoso” é proprietário da casa habitada pela filha e pretendia insurgir-se contra o facto de na mesma casa o gás ter sido instalado sem a sua autorização e ter implicado, segundo o seu entendimento e sem o seu consentimento, alguns danos ou estragos nas paredes, é manifesto que o mesmo tinha “legitimidade” para pedir o livro de reclamações.
Como se refere na decisão recorrida, resulta do n.º 3, do citado artigo 3.º do DL 156/2005, que a apresentação do livro de reclamações não pode ser condicionada e não se compadece com considerações sobre os motivos das reclamações ou a legitimidade de quem as apresenta.
É que, como bem se escreveu no acórdão da RC de 10/03/2010, disponível em www.dgsi.pt, <<o princípio base que sustenta a exigência do livro de reclamações, praticamente em todas as entidades públicas e privadas que prestam serviços ao consumidor, vai muito além da mera possibilidade de em concreto ser dado ao utente/cliente a possibilidade de ver o seu caso resolvido. De facto, está subjacente em toda a evolução legislativa a garantia de uma boa prestação de serviços ao consumidor em geral, nomeadamente na possibilidade de fiscalização efectiva do modo como se prestam os serviços>>.
Improcede, assim, esta questão.

4ª questão
A sentença é nula por ausência de motivação/fundamentação.
A recorrente alega que a sentença é nula por violação do artigo 374.º, n.º 2, do CPP, por ausência de motivação/fundamentação, apelando ao depoimento da testemunha S., GNR que foi ignorado pelo tribunal a quo.
Vejamos:
Conforme resulta do artigo 374.º, do CPP, sob a epígrafe, requisitos da sentença:
<<(…)
2. Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.>>
Por outro lado, como já referimos, a sentença é nula se não contiver as menções referidas no n.º 2, do artigo 374.º.
Na verdade, o princípio da fundamentação encontra-se consagrado, desde logo, no artigo 205.º, da CRP, bem como no n.º 5, do artigo 97.º, do CPP.
“Tal princípio, relativamente à sentença penal concretiza-se, porém, mediante uma fundamentação reforçada, que visa, por um lado, a total transparência da decisão, para que os seu destinatários (aqui se incluindo a própria comunidade) possam apreender e compreender claramente os juízos de valoração e de apreciação da prova, bem como a actividade interpretativa da lei e sua aplicação e, por outro lado, possibilitar ao tribunal superior a fiscalização e o controlo da actividade decisória, fiscalização e controlo que se concretizam através do recurso, o que consubstancia, desde a Revisão de 1997, um direito do arguido constitucionalmente consagrado, expressamente incluído nas garantias de defesa – artigo 32º, nº1, da Constituição da República” Oliveira Mendes, CPP comentado, 2016, 2ª edição, Almedina, pág. 1120..
Pois bem, resulta da fundamentação supra transcrita o seguinte:
“A convicção do tribunal quanto aos factos provados e não provados baseou-se, antes de mais e sobretudo, no depoimento do reclamante J. R. .
Num depoimento que se afigurou seguro e preciso, pese embora se trate de uma pessoa com bastante idade, explicou, além do mais, os motivos da sua insatisfação para com a sociedade arguida e evidenciou que teve que deslocar-se às suas instalações por três vezes.
No primeiro dia, não solicitou o livro de reclamações.
No segundo dia, pediu o livro e não lho deram, razão pela qual foi à GNR informar-se sobre os seus direitos, tendo sido aconselhado a dirigir-se novamente às instalações da arguida e, caso a recusa se mantivesse, solicitar a intervenção da GNR.
No terceiro dia, como a recusa se manteve, seguiu o conselho que lhe foi dado, acrescentando que o livro de reclamações só lhe foi facultado na presença da GNR.
Em segundo lugar, baseou-se o tribunal no depoimento da testemunha F. M., agente da GNR que se deslocou ao local dos factos, mediante solicitação do reclamante, o qual, de forma categórica e bastante assertiva, adiantou que, quando chegou às instalações da arguida, o livro de reclamações não se encontrava na recepção, tendo alguém se ausentado do hall de entrada para o ir buscar.
Acrescentou que, tanto quanto conseguiu perceber, o reclamante estava insatisfeito com o trabalho desenvolvido pela sociedade arguida, por ser o proprietário da casa onde habitava a sua filha e o gás ter sido instalado sem a sua autorização, tendo, aquando da instalação, sido causados alguns pequenos estragos. A empresa, por sua vez, não considerava o arguido como sendo seu cliente.
A testemunha M. A. , empregado da sociedade arguida, foi a pessoa com quem o reclamante contactou no dia a que se reportam os autos. Adiantou que, por várias vezes, tentou explicar-lhe que o contrato de instalação de gás tinha sido celebrado entre a sua filha e a E…, que a C… não tinha poderes para anular o contrato e que, por conseguinte, ele não tinha razão para reclamar. Como não o conseguiu convencer, perguntou-lhe se queria mesmo reclamar e, perante a resposta afirmativa, foi buscar o livro de reclamações. Quando regressou, já não viu J. R. .
As declarações desta testemunha não mereceram credibilidade, quer porque não se afiguraram isentas e imparciais, quer sobretudo porque não estão de acordo com as mais elementares regras de experiência comum, já que não é normal que alguém que manifesta tanto interesse e persistência em reclamar, desista de fazê-lo quando finalmente lhe é dada essa oportunidade.
De resto, as declarações desta testemunha, para além de contrariarem o depoimento do reclamante, contrariam também o depoimento do agente da GNR F. M., que esclareceu que houve necessidade de alguém ir buscar o livro de reclamações, pois este não estava disponível na recepção.
No que particularmente diz respeito ao elemento subjectivo da contra-ordenação de que a arguida se encontra acusada, por diversas vezes, o tribunal questionou o mencionado funcionário sobre se a razão para a não entrega do livro não teria sido afinal o facto de ele pensar que não estava obrigado a fazê-lo em virtude de o reclamante não ser cliente da empresa (o que poderia, eventualmente, consubstanciar um erro excludente do dolo, permanecendo a negligência).
A resposta que sempre obteve foi a de que ele sabia que tinha que disponibilizar-lhe o livro, que tinha plena consciência que o deveria fazer e que acabou por fazê-lo.
A ser assim, nada mais resta do que concluir que a sociedade arguida, através do seu funcionário, actuou livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida.
Na verdade, os depoimentos das testemunhas C. C. e M. C. (empregadas da arguida) também não foram suficientes para infirmar a forte convicção deixada pelos depoimentos das testemunhas de acusação.
Para além de terem sido parciais, tentando ilibar a arguida a todo o custo, não demonstraram um conhecimento sustentado sobre o que de facto aconteceu, limitando-se a dizer que chegaram a ver M. A. com o livro de reclamações na mão (caso da testemunha C. . ) ou ouvi-lo dizer ao reclamante “Aguarde um bocadinho, que eu vou buscá-lo!”, tendo ele respondido “Já não quero nada!” (caso da testemunha Maria da Conceição).
Como é salientado na decisão administrativa, não se percebe, então, por que razão se foi buscar o livro de reclamações depois de, alegadamente, o reclamante ter-se mostrado desinteressado.
Por último, a testemunha J. P., Director-Geral da sociedade C…, S.A. nem sequer se encontrava na empresa no dia a que se reportam os autos, pelo que o seu depoimento foi totalmente irrelevante.
Levaram-se ainda em conta o auto de contra-ordenação de fls. 6, as cópias dos contratos de fls. 81 e 82 e as cópias da reclamação e da resposta à reclamação juntas pela arguida em sede de audiência de julgamento.
A conjugação de todos os meios de prova supra referidos com as mais elementares regras de experiência comum inculca a ideia de que os factos ocorreram da forma como foram dados como provados, não tendo o tribunal qualquer dúvida a esse respeito.
No que concerne à situação da sociedade arguida, ao seu objecto e às relações entre ela e a sociedade E…. A. S.A., a certidão da Conservatória do Registo Comercial de fls. 13 e ss e as declarações da testemunha M. A., à falta de outros elementos.
Relativamente aos restantes factos não provados, cumpre dizer que nenhuma outra prova se produziu em audiência que permitisse dar como provados outros factos para além dos que, nessa qualidade, se demonstraram”.
Face ao que consta da motivação ora transcrita, facilmente se conclui que não assiste qualquer razão à recorrente.
Na verdade, constam da citada motivação os fundamentos que levaram o tribunal a quo a considerar provados e não provados os factos supra descritos.
É certo que não foi feita qualquer referência ao depoimento da testemunha GNR S. que, conforme resulta dos autos, se deslocou ao local com o guarda S. D.. No entanto, na impossibilidade de reapreciação da matéria de facto e tendo em conta que da fundamentação em análise consta um exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, que o tribunal a quo “explicitou expressamente o porquê da opção (decisão) tomada, o que se alcança através da indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, isto é, dando a conhecer as razões pelas quais valorou ou não valorou as provas e a forma como as interpretou (…)” Oliveira Mendes, obra citada, pág. 1121., a sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada.
Aliás, a arguida recorrente, como resulta do recurso interposto, discorda é da apreciação da prova feita pelo tribunal a quo, no entanto, como já referimos, está vedada a este tribunal a reapreciação da matéria de facto, sendo que, tal questão não se confunde com a nulidade ora em apreciação A este propósito cfr. os acórdãos da RC de 14/01/2015 e de 18/05/2016, disponíveis em www.dgsi.pt..
Pelo exposto, a sentença recorrida contém todos os requisitos a que alude o n.º 2, do artigo 374.º, do CPP e, consequentemente, não sofre de falta de fundamentação quer de facto quer de direito, ou seja, da nulidade invocada pela arguida prevista no artigo 379.º, n.º 1, a), do CPP.

5ª questão
Existência de erro na apreciação da prova e de contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão.
Alega a recorrente a existência destes vícios da matéria de facto.
Apreciando:
Conforme resulta do artigo 410.º, do CPP:
<<1. Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2. Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
(…);
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
(…)>>.
Na verdade, este normativo enuncia os chamados <<vícios da matéria de facto>> que resultam apenas e só do texto da sentença recorrida e que podem ser apreciados oficiosamente por parte do tribunal ad quem, como resulta da jurisprudência, ao que julgamos, praticamente unânime.
A propósito destes vícios da matéria de facto, refere o Conselheiro Pereira Madeira Código de Processo Penal comentado, 2016, 2ª edição revista, pág. 1275. que <<a contradição tanto pode emergir de factos contraditoriamente provados entre si, como entre estres e os não provados (…), como finalmente entre a fundamentação (em sentido amplo, abrangendo a fundamentação de facto e também a de direito) e a decisão. (…)
Por vezes a contradição surpreende-se até no modo como se apresenta a fundamentação da matéria de facto, quando essa fundamentação resulta contraditória com a solução de facto encontrada>>.
E, a propósito do erro notório na apreciação da prova, <<estão incluídas, evidentemente, as hipóteses de erro evidente, escancarado, escandaloso, de que qualquer homem médio se dá conta (…) e estão aqui também previstas todas as situações de erro clamoroso, e, que, numa visão consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista, e, naturalmente ao tribunal de recurso, assegurar, sem margem para dúvidas, comprovar que, nelas, a prova foi erroneamente apreciada.
Certo que o erro tem que ser <<notório>>. Importa, pois, para assegurar essa notoriedade, que ela ressalte do texto da decisão recorrida, ainda que, para tanto tenha que ser devidamente escrutinada e sopesado à luz de regras da experiência, não necessariamente só do homem comum. Ponto é que, no fim, não reste qualquer dúvida sobre a existência do vício e que essa existência fique devidamente demonstrada pelo tribunal ad quem, demonstração esta que, naturalmente, deve ser acessível a toda a gente, enfim, agora sim, ao homem comum.
Assim sendo, e regressando ao caso dos autos, desde já avançamos que não resulta do texto da decisão recorrida qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão que, aliás, a recorrente não concretiza, nem estamos perante qualquer erro notório na apreciação da prova.
Na verdade, lida a motivação de facto supra transcrita, facilmente se conclui que o tribunal a quo fundamentou devidamente a decisão tendo formado a sua convicção de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e as regras da experiência comum, conforme resulta do artigo 127.º, do CPP.
<<O Juiz, na ponderação a efectuar, deverá pautar-se por regras lógicas e de racionalidade de forma a que, perante os sujeitos judiciários confrontados com a decisão, exista a possibilidade de adesão ou repúdio, também racional, da valoração feita.
A livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permitam ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão>> Conselheiro Santos Cabral, CPP citado, pág. 427. Cfr. no mesmo sentido Professor Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Volume I, Coimbra Editora, 1984, pág. 202 e segs.. .
Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1165/96, publicado no DR, série II, de 06/02/1997, <<o julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância a regras da experiência comum utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e controlo.
Quando no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, se prescreve que a fundamentação da sentença consta da <<enumeração dos factos prova dos e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal>> exige-se, claramente, não só a motivação e o controlo da prova – podendo embora discutir-se qual grau e a dimensão em que estes se traduzem – como também se acentua o carácter racional que esta há-de revestir>>.
Ora, basta ler a decisão em apreciação para se concluir que o tribunal expôs de forma lógica, racional e crítica as razões pelas quais formou a sua convicção considerando os depoimentos do reclamante e da testemunha GNR S. D., seguro e preciso e categórico e assertivo, respetivamente e de acordo com as regras da experiência comum e os depoimentos das testemunhas funcionárias da arguida, parciais e insuficientes para infirmar a convicção deixada pelos depoimentos daquelas primeiras.
Do texto desta decisão, repetimos, não resulta qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão nem qualquer erro notório na apreciação da prova.
O que acontece é que a recorrente não concorda com a apreciação da prova feita pelo tribunal a quo, no entanto, este tribunal está impedido de proceder à sua reapreciação.
Por fim, resta dizer que, ao contrário do alegado pelo recorrente, o tribunal a quo não violou os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo.
Na verdade, este princípio impõe-se ao julgador que na apreciação da prova se depara com alguma dúvida sobre os factos imputados, o que, conforme resulta do que ficou dito não ocorreu no caso dos autos.
É que, <<à luz do princípio da investigação bem se compreende, efectivamente, que todos os factos relevantes para a decisão (quer respeitem ao facto criminoso, quer à pena) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos à <<dúvida razoável>> do tribunal, também não possam considerar-se como <<provados>>. E se, por outro lado, aquele mesmo princípio obriga em último termo o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, logo se compreende que a falta delas não possa, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido: um non liquet na questão da prova – não permitindo nunca ao juiz, como se sabe, que omita a decisão (…), – tem de ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo>> Professor Figueiredo Dias, obra citada, pág. 213..
Pelo exposto, improcedem mais estas conclusões da recorrente.

6ª questão
O Tribunal a quo baseou-se em prova ilegal e nula.
A recorrente alega que o tribunal a quo se ateve em prova ilegal e nula ao arrepio do artigo 357.º, n.º 7, do CPP, quanto ao depoimento da testemunha S. D., pois que esta foi precisamente o agente autuante e que declarou sobre factos que tomou em declarações a fls. 47 e não poderia fazê-lo, tendo excedido a razão de ciência que lhe é permitida por lei.
Apreciando:
Conforme resulta do artigo 125.º, do CPP, são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei, nomeadamente, as obtidas nos termos descritos no artigo 126.º, do CPP.
Por outro lado, a testemunha é inquirida sobre os factos de que possua conhecimento direto e que constituam objeto da prova – artigo 128.º, do CPP, levanta
E, sempre que um órgão de polícia criminal presenciar uma infração de denúncia obrigatória, levanta ou manda levantar auto de notícia (artigo 243.º, do CPP e artigos 48.º, n.º 1 e 54.º, n.º 1, ambos do RGCC.
Por fim, <<os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, (…), não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.
Ora, como já referimos, é impossível sindicar os depoimentos prestados pelas testemunhas. No entanto, sempre diremos que da fundamentação da sentença recorrida não consta que tenha sido valorado o depoimento da citada testemunha sobre o conteúdo de declarações que recebeu mas apenas aquele que prestou sobre factos de que tinha conhecimento direto por se ter deslocado ao local.
Aliás, do auto de notícia não constam quaisquer declarações tomadas mas sim os factos que o autuante constatou no local (fls. 6).
Resta dizer que, salvo o devido respeito, não se percebe a alegação da recorrente, no sentido de que o tribunal a quo ao referir que levou em conta o auto de contraordenação, “atesta o seu erro quanto à apreciação e valoração da matéria de facto, face ao que aí consta dos depoimentos das testemunhas da recorrente, porquanto não se confirma a negação do livro de reclamações ao queixoso”.
Na verdade, na fundamentação da sentença recorrida refere-se, além do mais, que se levou ainda em conta o auto de contraordenação de fls. 6. Ora, como já referimos, deste auto consta o relato do que o autuante constatou/presenciou no local e não quaisquer depoimentos de testemunhas e, ao contrário do alegado pela recorrente, aí se dá conta que “contactado o engenheiro administrador, tendo este informado que não facultaram o livro, visto estarem cientes que apenas deveriam facultar o mesmo a clientes, não sendo o Sr. Joaquim cliente não facultaram”.
Pelo exposto, o tribunal a quo não valorou qualquer prova ilegal ou nula.
Improcede, assim, esta conclusão da recorrente.

7ª questão
O tribunal a quo errou ao não aplicar à arguida a sanção de admoestação.
A recorrente alega que o tribunal a quo errou ao não ter aplicado a sanção de admoestação porque estão preenchidos os requisitos exigíveis para a sua aplicação, pois a culpa é diminuta, a arguida é primária, não retirou do facto qualquer benefício económico e o queixoso fez a sua reclamação e tal sanção cumprirá todas as legais exigências de prevenção geral e especial.
Mais alega que a sentença sofre de nulidade por ausência de fundamentação a este respeito (artigo 379.º, n.º 1, a), do CPP e artigos 51.º e 58.º, n.º 1, c), do RGCC).
A este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:
“A arguida pretende que lhe seja aplicada apenas uma admoestação.
Julgamos que, no caso vertente, não estão reunidos os pressupostos para tal.
Na verdade, dispõe o artº 51º/1 do DL nº 433/82 de 27/10 que “Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.”
Tais requisitos (reduzida gravidade da infracção e culpa reduzida do agente) são cumulativos.
Conforme escreve Simas Santos, “Contra-ordenações, Anotações ao Regime Geral”, pág. 304, “ Esta possibilidade de proferir admoestação está, assim, reservada para as contra-ordenações de reduzido grau de ilicitude (…)
A referência à culpa tem como objectivo aludir aos casos em que o grau de culpa seja reduzido, designadamente aqueles em que há actuação por negligência e outros em que haja circunstâncias que atenuem a culpa, particularmente a existência de circunstâncias externas que tenham constituído um incentivo para a prática dos factos ou que, à face da lei, permitam uma atenuação especial.”
No mesmo sentido, Sérgio Passos, “Contra-ordenações, Anotações ao Regime Geral”, pág. 358.
Ora, basta olhar para a moldura legal (que vai de €15 000,00 a €30 000,00) para facilmente se constatar que a infracção em causa não é de reduzida gravidade.
No caso concreto, é grave o comportamento da arguida, uma vez que a recusa só foi removida pela intervenção da autoridade policial.
Tanto basta para se excluir, desde logo, a aplicação da admoestação no caso vertente.
Em segundo lugar, também não se pode dizer que a culpa da arguida seja reduzida.
Como já se salientou, o livro de reclamações é, por vezes, o único instrumento de defesa dos consumidores, geralmente tidos como a parte mais fraca, sendo a sua não disponibilização altamente censurável.
Por último, a aplicação de uma mera admoestação, no caso vertente, não seria de todo compatível com as exigências de prevenção geral, face à frequência com que ocorre a prática deste tipo de contra-ordenação e o sentimento de impunidade que, por vezes, se gera.
Decidiu-se no Ac. RG de 11/01/2016, in www.dgsi.pt que, quando está em causa esta infracção, isto é, a não disponibilização do livro de reclamações ao utente, “as intensas exigências de prevenção e de protecção dos consumidores afastam liminarmente a viabilidade de aplicação de uma simples admoestação.”
No sentido da não aplicação da admoestação quando está em causa uma infracção desta natureza, podem ainda ver-se o Ac. RE de 11/10/2016, in www.dgsi.pt e o Ac. RP de 13/05/2015, in www.dgsi.pt.”
Apreciando:
Antes de mais, cumpre dizer que é manifesto que, ao contrário do alegado pela recorrente, a sentença recorrida encontra-se fundamentada quanto à não aplicação da admoestação à arguida.
Quanto ao mais:
<<Quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação>> - n.º 1, do artigo 51.º, do RGCC.
São pressupostos da aplicação desta sanção, a reduzida gravidade da infração e da culpa, o que se verifica no caso de infrações qualificadas de leves e em que o grau de culpa seja reduzido, como é o caso daquelas “em que há atuação por negligência ou em que ocorrem circunstâncias que atenuem a culpa” Ac. da RE de 03/03/2015, disponível em www.dgsi.pt..
Pois bem, no caso em apreciação estamos perante uma atuação dolosa e a infração cometida não pode ser qualificada como leve ou de reduzida gravidade o que decorre, desde logo, do montante da coima aplicável e do disposto no n.º 4, do citado artigo 9.º, no qual se estipula que a violação do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 3.º do DL. n.º 156/2005 dá lugar, para além da aplicação da respetiva coima, à publicidade por contraordenação num jornal de expansão local ou nacional.
Na verdade, <<a gravidade da contraordenação depende, por um lado, do bem ou interesse jurídico que a mesma visa tutelar e, por outro lado, do eventual benefício retirado pelo agente da prática daquela e do resultado ou prejuízo causado. A gravidade da contraordenação pode ainda depender ou aferir-se a partir diretamente da lei nos casos em que o legislador as qualifica em função da sua gravidade como simples, graves e muito graves.
(…)
No caso, o tipo contraordenacional em causa não classifica a contraordenação como leve. Mas também não o faz como grave ou como muito grave. Não deve, por isso, considerar-se abstratamente excluída a viabilidade de ponderação da “admoestação”.
A igual resultado se chega pela via da culpa (da culpa contraordenacional), já que a lei manda atender “à gravidade da infracção e da culpa do agente”, sendo a negligência punida, no caso, com a coima abstrata reduzida a metade.
(…)
Refere a este propósito Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, in Contraordenações, Anotações ao Regime Geral, 2ª ed., Vislis Editores 2002, pág. 316 que “A referência à culpa tem como objetivo aludir aos casos em que o grau de culpa seja reduzido, designadamente aqueles em que há atuação por negligência e outros em que haja circunstâncias que atenuem a culpa, particularmente a existência de circunstâncias externas que tenham constituído um incentivo para a prática dos factos ou que, à face da lei, permitam uma atenuação especial”.
(…)
Com efeito, o que está aqui em causa é o cumprimento de uma formalidade legal que existe para proteção dos clientes e consumidores dos abusos dos fornecedores de bens e serviços, pelo que o mero desrespeito pela norma em causa merece censura que não se compadece com a mera advertência, apesar da Recorrente não possuir antecedentes contraordenacionais e de não se ter apurado que tenha auferido benefício económico com a prática da contraordenação em causa.
(…)
Aliás, impõe-se que com o pagamento da coima, a recorrente reconheça que procedeu em violação de normas legais em vigor, pelo que a potencial eficácia de uma mera repreensão não se mostra merecedora de confiança, não representando uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada, mostrando-se insuficiente para que a arguida não volte a violar disposições legais nesta área>> Acórdão da RP de 13/05/2015, disponível em www.dgsi.pt..
Conforme resulta do acórdão desta Relação de 11/01/2016, disponível em www.dgsi.pt., <<as intensas exigências de prevenção e de proteção dos interesses dos consumidores afastam liminarmente a viabilidade de aplicação de uma simples admoestação>>.
E, por fim, como refere Paulo Pinto de Albuquerque Obra citada, págs. 222 e 223,, “a admoestação é uma “sanção”, no dizer expresso da al.ª n) do artigo 3.º da Lei n.º 13/95. Trata-se de uma medida alternativa para os casos de pouca relevância do ilícito contra-ordenacional e da culpa do agente, isto é, para contraordenações leves ou simples (…). Portanto, quer a gravidade do ilícito quer o grau da culpa devem ser reduzidos”.
Em suma, pese embora a arguida seja primária, não se tenha apurado que retirou do facto qualquer benefício económico e o queixoso tenha feito a sua reclamação, como já ficou dito, a infração em causa não é de reduzida gravidade nem o grau de culpa é diminuto.
Como se decidiu no acórdão da RC de 10/03/2010, disponível em www.dgsi.pt, <<a admoestação a que se alude no artigo 51º do RGCC, não trata apenas de uma sanção/acto susceptível de ser aplicado na fase administrativa do processo mas, independentemente de o ser, é também uma verdadeira sanção de substituição da coima, traduzida na sua dispensa, aplicada na fase judicial, desde que verificados determinados pressupostos, pressupostos que decorrem da constatação da reduzida gravidade da infracção (ilicitude) e da diminuição da culpa do agente>>.
Pelo exposto, não se encontram preenchidos os pressupostos supra enunciados que justifiquem a aplicação de uma admoestação à arguida, razão pela qual, improcede esta sua pretensão.
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Improcedem, assim, todas as conclusões da recorrente.
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IV – DECISÃO
Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se, em conferência, na total improcedência do recurso, em manter a sentença recorrida.
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Custas a cargo da arguida recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC`s.
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Guimarães, 2017/04/03

(Paula Maria Roberto
(Fernando Pina)