Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4269/21.9T8BRG.G1
Relator: RAQUEL REGO
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
PAGAMENTO
APOIO JUDICIÁRIO
PETIÇÃO INICIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/02/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da relatora):

I –Com a redacção dada ao artigo 560º do Código de Processo Civil pelo DL 97/2019, na falta de apresentação do pagamento da taxa de justiça, ou de concessão de apoio judiciário, com a petição inicial, há a distinguir as causas que não importem a constituição de mandatário, a parte não esteja patrocinada e a petição inicial seja apresentada por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do artigo 144.º, das demais.
II – Nas primeiras o autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 558.º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado.
III – Nas outras, está vedada essa possibilidade e, não tendo a secretaria recusado o recebimento da petição, deve o juiz indeferi-la, declarando extinta a instância.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - RELATÓRIO

M. F. deu entrada, no Juízo Local Cível de Braga, J2, da presente acção comum, em que demanda “X, Ldª, na qualidade de administradora do condomínio do “Edifício Y, sito na Praça …, Braga, pedindo a anulação da deliberação ocorrida em 08.07.2021.
A petição deu entrada a 09.08.2021.
Fê-lo sem juntar aos autos comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça, nem de concessão do benefício de apoio judiciário, nem mesmo requereu a citação urgente com comprovação da formulação de pedido referente àquele apoio.
Apresentou cópia de formulação de pedido de apoio judiciário.
Apesar de tudo isto, a secretaria não recusou o recebimento da petição.
O Sr. Juiz a quo proferiu, então, a decisão ora em crise, onde, depois de enunciar os fundamentos que julgou pertinentes, decidiu estar verificada uma excepção dilatória inominada, consubstanciada na omissão do pagamento da taxa de justiça devida, indeferiu a petição inicial e absolveu a ré da instância
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Com ela não se conformando, veio a autora interpor o presente recurso, onde apresenta o que apelida de “Conclusões”, do seguinte teor:

I. Foi a Recorrente notificada da decisão de indeferimento liminar da petição inicial e consequentemente da absolvição a Ré da instância.
II. Para tanto sufragou o douto Tribunal a quo que se verificou uma excepção dilatória insuprível inominada de omissão do pagamento da taxa de justiça devida.
III. Sustentou o referido tribunal que a Autora, aqui Recorrente, não instruiu a petição inicial com os necessários documentos comprovativos do pagamento da taxa de justiça ou da concessão do apoio jurídico na modalidade de dispensa da mesma.
IV. Mais defende que, nos termos conjugados dos artigos 144.º n.º 1 e 552.º, a Autora se encontrava obrigada à junção daqueles documentos comprovativos do pagamento da taxa ou da concessão, não bastando apenas o comprovativo do pedido de apoio.
V. Defendeu também que as únicas excepções a esta previsão legal são o requerimento da citação nos termos do Art.º 561.º e ou quanto a petição inicial é apresentada por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do Art.º 144.º, caso em que beneficia, após a recusa por parte da secretaria, do regime constante do Art.º 560.º CPC.
VI. Não pode, todavia, a Recorrente conformar-se com tal decisão, por manifestamente contrária ao determinado pelo compasso Constitucional e da própria decorrência das leis do processo.
VII. O douto tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação da lei aplicável ao caso em apreço, afastando-se totalmente das suas particularidades.
VIII. Nenhuma das excepções invocadas é aplicável ao caso em apreço, pela simples razão que a secretaria nunca poderia ter recebido a petição inicial.
IX. Embora à data de hoje se tenha por deferido o requerimento de concessão de apoio jurídico, na data da propositura da acção juntou-se apenas o comprovativo do seu requerimento, porquanto era tanto de que se dispunha.
X. Ora, uma vez recebida a petição inicial, era dever da secretaria recusar a petição e notificar a Recorrente.
XI. Nos termos do Art.º 558.º n.º 1 al. f) CPC, a secretaria deve recusar as petições iniciais que não venham instruídas com o comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou com o comprovativo da concessão do apoio jurídico na modalidade da sua dispensa.
XII. Esta não é uma mera faculdade da secretaria, mas um verdadeiro dever de fiscalização, conforme decorre do Art.º 17.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto (doravante, Portaria).
XIII. Acresce que, nos termos do n.º 1 do Art.º 207.º CPC “nenhum acto processual é admitido à distribuição sem que contenha todos os requisitos externos exigidos por lei”.
XIV. Assim, deveria ter a petição inicial sido recusada pela secretaria.
XV. Não o tendo sido, a mesma foi enviada à distribuição, ao arrepio das disposições ora invocadas.
XVI. Destarte, viu-se a Autora impossibilitada de, ao ser notificada da secretaria da recusa da petição inicial, vir, ainda dentro do prazo, a apresentar uma nova petição, desta vez já instruída com os comprovativos em falta.
XVII. Poderia até ter, então, recorrido ao regime previsto no Art.º 561.º CPC.
XVIII. O erro da secretaria resulta num claro prejuízo para a Autora, que não pode agora socorrer-se de nova petição inicial.
XIX. Ora, nos termos do n.º 6 do Art.º 157.º CPC “os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes”.
XX. Neste sentido, vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, com o n.º de processo 273/14.1TTCBR-A.C1 de 16/10/2014, cujo relator foi Jorge Loureiro, e nos termos do qual “perante tal circunstancialismo e continuando a admitir-se que estava em causa uma situação de obrigatória apresentação do documento comprovativo do apoio judiciário concedido, a falta de apresentação desse documento e daquele que comprovasse o pagamento da taxa de justiça, conjugada com o recebimento indevido da petição e com a sua indevida distribuição deveria ter como efeito a prolação de uma decisão judicial do tipo da propugnada pela ré no sentido da sua imediata absolvição e extinção da acção? A resposta a esta questão tem de ser negativa. (...) Ora, o autor não pode ser prejudicado por tais omissões da secretaria (art. 157º, nº6 do NCPC) – neste sentido, acórdão da Relação de Coimbra de 31/5/2005, proferido no âmbito do processo 1601/05, acórdãos da Relação do Porto, de 23/5/2006, proferido no processo 0622181, e de 9/10/2006, proferido no âmbito do processo 0654628, acórdão da Relação de Lisboa de 13/4/2010, proferido no âmbito do processo 2288/09.2TBTVD.L1-1”.
XXI. Estamos, claro está, face a uma situação não especialmente prevista na lei e cuja resolução deverá, entre outros, obedecer aos princípios vertidos na normatividade adjectiva já assente, instruída pelos preceitos constitucionais e nas mais elementares regras do bom-senso, ao abrigo também do regime da integração por analogia.
XXII. Vejamos: a petição inicial nunca poderia ter sido alvo de prolação de indeferimento liminar pois nem sequer deveria ter sido aceite pela secretaria.
XXIII. Deste entendimento partilha o acórdão supra invocado: “Com efeito, em primeiro lugar, tal consequência não se encontra legalmente determinada em nenhum dispositivo legal que conheçamos. Na verdade, não recusando a secretaria a petição e não sendo posteriormente rejeitada a sua distribuição, não deve o juiz decidir logo pela extinção da acção, qualquer que seja a forma pela qual a mesma seja determinada – v.g. desentranhamento da petição, absolvição da instância ou outra decisão equivalente”.
XXIV. A questão central é que inexiste qualquer solução legal estatuída que defina, em concreto, quais as consequências para a apresentação de uma petição que não deveria ter sido aceite pela secretaria, dado que esse erro impediu o Autor de corrigir a situação, o que poderia ter feito caso a secretaria não tivesse cometido o erro proibido por lei.
XXV. Ora, deve recorrer-se à aplicação das disposições processuais por analogia para situações similares, pois não havendo norma de direito positivo (como uma lei ou um regulamento) que disponha sobre uma determinada situação que careça de regulação, a disciplina jurídica desta última faz-se com apelo a um princípio geral de Direito que tenha sido aplicado a um caso análogo, a partir do qual se deduzirá uma regra que reja o caso concreto.
XXVI. O princípio jurídico do qual defluirá a construção de uma regra para o caso concreto pode encontrar-se enunciado previamente na Constituição ou na lei, pode deduzir-se de outros princípios (como é o caso da proteção da confiança, extraído pela jurisprudência do princípio da segurança jurídica e este, do princípio do estado de direito democrático) ou ser revelado, por abstração, a partir da conjugação de um conjunto de regras.
XXVII. Dispõe o Art.º 10.º do Código Civil que “os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos”. Como deveria, então ter sido integrado o caso em apreço?
XXVIII. Deveria ter sido integrado pela aplicação analógica das normas que promovam a aplicação do princípio da confiança e da protecção jurídica, orientados pelas directrizes constitucionais enunciadas nos artigos 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa.
XXIX. O Tribunal a quo, ao abrigo dos princípios do dever de gestão processual e da adequação formal previstos nos artigos 6.º e 547.º, respectivamente,
XXX. Deveria ter pugnado pela aplicação analógica do regime estatuído no artigo 560.º do CPC, designadamente o relativo ao benefício concedido ao autor.
XXXI. Esta era a solução legal aplicável ao caso em concreto, uma vez que foi subtraída à Autora qualquer outra opção, de forma ilegítima e ilegal, por parte da secretaria judicial.
XXXII. Deste entendimento perfilha uma vasta posição jurisprudencial, como é o caso dos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão com o n.º de processo 5087/15.9T8LOU-A.P1 de 23/11/2017, cujo relator foi Francisca Mota Vieira, quando defendem que “III - Não recusando a secretaria a petição e não sendo posteriormente rejeitada a sua distribuição, não deve o juiz decidir logo pela extinção da acção, qualquer que seja a forma pela qual a mesma seja determinada – v.g. desentranhamento da petição, absolvição da instância ou outra decisão equivalente. IV - Por aplicação devidamente adaptada do regime do art. 560º do NCPC, o tratamento igualitário de situações semelhantes impõe, que se dê oportunidade para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta”.
XXXIII. Do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, no processo n.º 309/16.1T8CMN-B.G1, de 28/03/2019, cujo relator foi Margarida Sousa, nos termos do qual “IV – A necessária harmonização da lei processual civil com a Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais exige que, quando a insuficiência económica seja concomitante à propositura da ação, ainda que a concessão do dito apoio só venha a ocorrer em momento ulterior à propositura da ação, o apoio judiciário produza os seus efeitos desde a data do respetivo requerimento (devidamente comprovado nos autos). V – Mesmo para quem assim não entenda, o princípio da proteção da confiança em relação à atividade judicial - consubstanciada na proteção de expectativas criadas por habituais menos rigorosos e menos exigentes procedimentos dos tribunais - sempre demandará que se considere legítima a interpretação de que a junção aos autos do comprovativo do apoio judiciário concedido em cumprimento do solicitado pela secretaria conduz à regularização do processado, sobretudo quando tal interpretação se mostra consolidada pelo ulterior normal prosseguimento dos autos”.
XXXIV. Do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no processo com n.º 0896/10.8BEPRT 0357/17, de 13/03/2019, que defende que "também assim entendemos, e por isso concluímos que, em casos como o dos autos, o tratamento igualitário de situações semelhantes, impõe que, por aplicação devidamente adaptada do regime do art. 560º do CPC, se dê oportunidade ao impugnante para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta".
XXXV. Do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, com o n.º de processo 273/14.1TTCBR-A.C1 de 16/10/2014 (já aqui analisado) que: “I – Nos termos do artº 552º/3 do NCPC, “o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo”. II – A falta de apresentação do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário e do que comprova o pagamento da taxa de justiça tem por consequência, fora dos casos previstos no nº 5 do artº 552º do NCPC, a possibilidade da secretaria recusar a petição inicial (558º/f do NCPC. III – Nas situações em que é obrigatória a apresentação do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário, a falta de apresentação desse documento tem como resultado final, nos casos de recusa da petição pela secretaria ou de subsequente recusa da distribuição, a possibilidade do autor juntar aos autos o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, considerando-se a acção proposta na data da apresentação da petição inicial recusada. IV – Não recusando a secretaria a petição e não sendo posteriormente rejeitada a sua distribuição, não deve o juiz decidir logo pela extinção da acção, qualquer que seja a forma pela qual a mesma seja determinada – v.g. desentranhamento da petição, absolvição da instância ou outra decisão equivalente”.
XXXVI. Perfilhando ainda entendimento de desresponsabilização do Autor face ao erro, grosseiro e injustificado (como o foi) da secretaria, partilham os Venerandos Juízes Desembargadores no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no processo com o n.º 1922/16.2T8PDL.L1-6, de 07/06/2018, cujo relator foi Manuela Gomes, e nos termos do qual “acresce, talvez com maior relevância jurídica, o seguinte. “(…) A lei nada estatui, expressamente, para o caso da secretaria, não obstante o disposto no art. 558, al. f) do CPC e 17º da Portaria nº 280/2013, não recusar, por qualquer motivo o recebimento da petição ou requerimento inicial (…) “Por isso, as consequências jurídicas da referida falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça ou da concessão do benefício do apoio judiciário, quando a omissão é detetada pelo ,juiz durante a tramitação do processo em causa, tem sido objecto de decisões contraditórias. “Com efeito, algumas das referidas decisões têm sido no sentido do desentranhamento da petição inicial e da declaração da extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, outras no sentido da absolvição do réu da instância com fundamento em excepção dilatória inominada” [(como fez o tribunal recorrido)], (…) outras no sentido da prolação de despacho a ordenar que o processo aguarde a junção do documento em falta, sem prejuízo do disposto na lei de processo relativamente à extinção da instância”. (cfr. autor e obra citada, p. 437/438) Ora, e como bem discorre o mesmo Autor, “Perante este quadro de omissão legislativa, propendemos a considerar que, detectada, durante a tramitação do processo, a omissão do comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida relativa à petição inicial ou ao requerimento inicial, o juiz deve proferir despacho a ordenar que o processo aguarde que o autor ou requerente o junte, sem prejuízo do disposto no artigo 281º, deste Código [CPC], ou seja, da deserção e extinção da instância” (obra citada, p. 439)”, e ainda o entendimento exarado no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães no processo com o n.º 217-A/1994.G1, de 07/04/2011, cujo relator foi Isabel Rocha, que defende que "parte não pode ser sancionada pelo facto de a secretaria não ter procedido com a diligência necessária, designadamente por não lhe ter dado a oportunidade de sanar a omissão da junção daqueles documentos (…)".
XXXVII. Destarte, inscrevendo-se o caso em apreço num contexto não especialmente determinado na lei, à luz dos princípios constitucionais do acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efectiva do Art.º 20.º e da igualdade do Art.º 13.º, ambos da Constituição da República Portuguesa, assim como da segurança jurídica e da protecção da confiança em relação à actividade judicial, e da igualdade das partes nos termos do Art.º 4.º do CPC, deveria o Tribunal a quo ter promovido a aplicação do benefício concedido ao Autor nos termos do Art.º 560.º do CPC, por analogia, ao abrigo do disposto no Art.º 10.º do Código Civil, do dever da gestão processual do Art.º 6.º do CPC e do principio da adequação formal do Art.º 547.º do CPC.
XXXVIII. Caso contrário, estar-se-ia a promover uma ilegítima e infundada desigualdade, como defende o Acórdão já invocado do Tribunal da Relação de Coimbra, com o n.º de processo 273/14.1TTCBR-A.C1, de 16/10/2014, cujo relator foi Jorge Loureiro, e segundo o qual “a não se entender assim, estaria criado um sistema em que, em idênticas circunstâncias, conforme a actuação/omissão da secretaria, uns teriam a oportunidade de praticar o acto, outros veriam precludida essa faculdade e, como no caso dos autos, de forma irremediável – a proibição de prejuízos para as partes dos erros e omissões da secretaria (art. 157º/6 do NCPC) e as exigências decorrentes do princípio da igualdade (art. 13º da CRP) impedem a adopção de um sistema dualista do tipo acabado de referir”.
XXXIX. Ainda que assim não se entenda, considera-se sempre aplicável o regime previsto nos termos do n.º 3 do Art.º 145.º do CPC, segundo o qual “sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de comprovação do pagamento referido no n.º 1 ou da concessão do apoio judiciário não implica a recusa da peça processual (…)”.
XL. Ora, quer isto dizer que, tratando-se de petição inicial, esta está excluída deste regime ab initio, até por remição ao regime próprio das petições iniciais.
XLI. Todavia, isso sucede porque o regime próprio das petições iniciais prevê que as mesmas não podem ser aceites pela secretaria nem distribuídas, nos termos dos artigos 558.º n.º 1 al.ª f), 207.º n.º 1 do CPC e 17.º da Portaria.
XLII. Ora, as petições iniciais estão privadas deste benefício porquanto devem ser recusadas se lhes faltarem estes documentos.
XLIII. Uma vez não sendo recusadas, por omissão do dever da secretaria com prejuízo para a parte, já não se inscrevendo no regime especial das petições, nada obsta a que seja concedido ao Autor, também por analogia, o benefício a que alude o n.º 3 do Art.º 145.º CPC.
XLIV. Concluindo, o tribunal a quo violou os artigos 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, os Art.º 3.º, 6.º, e 547.º do CPC, ao invés de os ter observado, conjuntamente com o Art.º 10.º do Código Civil, motivadas pela verificação da omissão prevista nos artigos 558.º n.º 1 al.ª f), 207.º n.º 1 e 157.º n.º 6 do CPC, para a aplicação por analogia do regime previsto no Art.º 560.º do CPC.
XLV. Não tendo assim decidido, deveria ter aplicado, o Art.º 145.º n.º 3 do CPC, uma vez afastada a característica da petição que a excluía deste regime.

Conclui pela procedência da apelação, substituindo-se a sentença recorrida por decisão que promova o prosseguimento do processo.
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II – FUNDAMENTAÇÃO

A matéria a considerar é a que consta do relatório supra, que aqui se dá por reproduzida e integrada.
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Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.
Há que ter presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do C. P. Civil).
Nos recursos apreciam-se questões e não razões.
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Cura-se, no presente recurso, de saber que consequência jurídica advém da apresentação de petição a juízo sem comprovação do pagamento da taxa de justiça, nem de concessão de apoio judiciário.
O pagamento da primeira ou única prestação da taxa de justiça faz-se, em regra, até ao momento da prática do ato processual a ela sujeito, isto é, da intervenção do autor quando apresenta a petição, num sistema de autoliquidação.

Tal decorre do estatuído no artigo 14.º do Regulamento das Custas Processuais, que assim estatui, quanto à oportunidade do pagamento:

1 – O pagamento da primeira ou única prestação da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do ato processual a ela sujeito, devendo:
a) Nas entregas eletrónicas, ser comprovado por verificação eletrónica, nos termos da portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º do Código de Processo Civil;
b) Nas entregas em suporte de papel, o interessado proceder à entrega do documento comprovativo do pagamento.

Nas palavras de Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais Anotado, 2013, 5.ª edição, Almedina, pág. 138, as custas pressupõem “a existência de um processo e o consequente dispêndio necessário à obtenção em juízo de um direito ou da verificação de determinada situação fáctico jurídica”,

Ora, em articulação com a exigência desse pagamento, manda o artigo 145.º, nº1, do CPC que quando a prática de um ato processual exija o pagamento de taxa de justiça, nos termos fixados pelo Regulamento das Custas Processuais, deve ser demonstrado o seu prévio pagamento ou a concessão do benefício do apoio judiciário, salvo se, neste último caso, essa concessão já se encontrar comprovada nos autos.

Atente-se, agora, no que se contém no mesmo diploma legal, desta vez no seu artigo, 552º, especificamente para a apresentação da petição inicial:

«7- O autor deve, com a apresentação da petição inicial, comprovar o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º
8 - Quando, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 144.º, a petição inicial seja apresentada por mandatário judiciário por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do mesmo artigo, o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo.
9 - Sendo requerida a citação nos termos do artigo 561.º, e faltando, à data da apresentação da petição em juízo, menos de cinco dias para o termo do prazo de caducidade ou ocorrendo outra razão de urgência, deve o autor comprovar que requereu o pedido de apoio judiciário mas este ainda não foi concedido, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º ou, sendo a petição inicial apresentada por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do artigo 144.º, através da junção do respetivo documento comprovativo.
10 - No caso previsto no número anterior, o autor deve efetuar o pagamento da taxa de justiça no prazo de 10 dias a contar da data da notificação da decisão definitiva que indefira o pedido de apoio judiciário, sob pena de desentranhamento da petição inicial apresentada, salvo se o indeferimento do pedido de apoio judiciário só for notificado depois de efetuada a citação do réu.

De articulação destes normativos, decorre que, na apresentação em juízo de uma petição, podem configurar-se as seguintes situações:
O autor comprova o pagamento da taxa de justiça, juntando o respectivo comprovativo de autoliquidação;
O autor junta decisão de concessão de benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça;
O autor requer a citação urgente, ao abrigo do artº 561º, bastando-lhe, neste caso, comprovar a mera formulação desse pedido, não se exigindo a comprovação sobre decisão favorável.

Pois bem: no caso em apreciação, a autora deu entrada com a petição inicial, mas não juntou comprovativo da taxa de justiça; e também não demonstrou que lhe havia sido concedido o benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça.
Acompanhou a petição com cópia da formulação de tal pedido, mas não pediu a citação urgente do réu, pelo que não preenche a terceira situação normativamente prevista.

No quadro assim delineado, cabia à secretaria observar o disposto no artigo 558º, onde se prevêem os casos de recusa da petição por ela, dizendo ser fundamento de rejeição da petição inicial a situação em que não tenha sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário, exceto no caso previsto no n.º 9 do artigo 552.º - cf. alínea f).

Pode, todavia, acontecer – como foi o caso – de a secretaria não ter cumprido o que se lhe impunha e ter procedido à distribuição da acção.
E nesta, como em situações cada vez mais frequentes, o legislador não estabeleceu a consequência jurídica daí advinda, cabendo, agora, ao tribunal adequar e encontrar a que mais se coadune com o regime processual que, no seu todo, rege a matéria.

Apesar de se encontrarem arestos com já largos anos, a indiciar, portanto, que a questão não é recente, certo é que permanece sem expressa consagração jurídica no quadro das várias alterações legislativas que vão sendo feitas.

Em traços gerais, colhem-se duas linhas de entendimento:
Uma, que considera que se deve ordenar-se o desentranhamento da petição inicial, sem precedência de qualquer convite, tendo subjacente o pensamento que ocorre identidade com o preceituado no artigo 552º, nº 10, do CPC, e sendo certo que a petição inicial deveria ter sido recusada, declarando extinta a instância com base na ocorrência de uma excepção dilatória inominada.
Outra, que não adopta esta solução mais radical e não dispensa a concessão de uma nova oportunidade ao relapso autor, divergindo, depois disso, na concreta solução jurídica a dar ao caso.

Neste segundo ramo, verifica-se a existência daqueles que:
- Consideram dever proceder-se à aplicação analógica do artigo 560º do CPC e, por isso, poder o autor efetuar a apresentação do documento em falta, no prazo de 10 dias a contar da notificação do despacho que ordenou o desentranhamento, considerando-se a ação proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo;
- Entendem que o juiz deve convidar o autor/requerente a juntar o documento em falta (comprovativo da concessão do apoio judiciário ou do pagamento da taxa de justiça), no prazo de 10 dias;
- Concluem que o autor deve ser notificado para, em 10 dias, efetuar o pagamento da taxa de justiça omitido, com acréscimo de multa de igual montante, aqui também por aplicação analógica, mas do nº3 do artigo 570º do CPC.

A recorrente citou abundante jurisprudência, nomeadamente desta Relação de Guimarães, que arreda a posição mais rígida e que se integra, portanto, nas várias variantes que enunciamos como fazendo parte do segundo ramo.
Como bem sabe, todas elas se reportam a data anterior à publicação do DL 97/2019, ou seja, 26 de Julho de 2019.
No nosso caso, é importante fazer uma comparação entre o que se estatuía ao tempo dos arestos citados e no que hoje se contém no artigo 560º do CPC.

Assim, até à publicação deste diploma de Julho de 2019, era a seguinte a redação do preceito em causa:
«Benefício concedido ao autor
O autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 558.º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a ação proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo».

Com a publicação daquele diploma legal, foi conferida nova redacção, passando dele a constar:
« Benefício concedido ao autor
Quando se trate de causa que não importe a constituição de mandatário, a parte não esteja patrocinada e a petição inicial seja apresentada por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do artigo 144.º, o autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 558.º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a ação proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo».
Assim, até à vigência da nova redacção do preceito, recusada que fosse a petição pela secretaria e dentro dos 10 dias subsequentes, podia o autor juntar o documento em falta e a acção considerava-se proposta na data em que a primeira petição tinha sido apresentada em juízo.
Entendia-se que não faria sentido que a parte fosse impedida de tirar proveito de uma faculdade que lhe assistia, apenas porque a secretaria não usou da diligência que lhe era exigida.
E, como se vê, o preceito não fazia distinção entre causas de patrocínio judiciário obrigatório e causas onde essa obrigatoriedade não ocorria.
Numa alteração legislativa que, concordando-se ou não, não pode ser deitada por terra, o legislador veio restringir essa faculdade de apresentar o documento comprovativo da taxa de justiça inicial às causas que não importem a constituição de mandatário, a parte não esteja patrocinada e a petição inicial seja apresentada por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do nº 7 do artigo 144º.
São elas:: a) Entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva entrega; b) Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do ato processual a da efetivação do respetivo registo postal; c) Envio através de telecópia, valendo como data da prática do ato processual a da expedição.
Exclui, pois, da sua aplicação a situação da alínea d), ou seja, a entrega por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, a que estão obrigados os mandatários na apresentação de peças processuais, por força do artº 5º da Portaria 280/2013, de 26 de Agosto e subsequentes alterações.
Aqui chegados, feita esta resenha e, sobretudo, tendo presente a alteração legislativa ocorrida no artº 560º, não podemos deixar de retirar uma clara opção do legislador de excluir a possibilidade de o autor poder oferecer em dez dias o documento comprovativo da taxa de justiça nos casos em que as causas obrigam à constituição de advogado, quando, erradamente, a petição foi recebida sem ele.
Se também nós entendíamos que, não tendo havido recusa pela secretaria e a acção seguido para distribuição, deveria o juiz conceder, à parte faltosa, a faculdade de suprir com a apresentação do pagamento no prazo de 10 dias, com a nova redacção do artº 560º, passamos a entender que essa possibilidade foi arredada pelo legislador.
Aliás, o artº 145º, no seu nº3, faz questão de consignar que não é aplicável à petição inicial o seu regime, isto é, a possibilidade de a parte proceder à do pagamento ou da concessão do benefício do apoio judiciário, nos 10 dias subsequentes à prática do ato processual.
Sobre a bondade da alteração, ou o seu acerto, já escreveu o Prof. Teixeira de Sousa, em artigo aliás citado pela apelante, mas a ausência daquelas qualidades não legitima, no nosso modesto entendimento, interpretações que esvaziem a nova opção legislativa tomada.
É, aliás, claro quando afirma que «Em relação à redacção anterior do art. 560.o CPC, a alteração é patente: agora, depois da rejeição da petição inicial pela secretaria ou do indeferimento dessa petição pelo juiz, só pode ser apresentada uma nova petição, com salvaguarda dos efeitos que a petição rejeitada ou indeferida produziria, se esta não tiver sido apresentada por mandatário judicial. Dito pela positiva: sempre que a petição inicial seja subscrita por mandatário judicial, o disposto no art. 560.o CPC exclui que a apresentação de uma nova petição inicial possa retroagir à data da apresentação da petição rejeitada ou indeferida» - sublinhado nosso – consultável in Blog do IPPC, https://drive.google.com/file/d/17VPaVk9OZlK30h8cd8nTWWxCcBwmmclQ/view, acrescentando que tal alteração necessita de uma urgente alteração.
Dir-se-á que, deste modo, há uma clara posição de desfavorecimento relativamente à situação do réu, contemplada no artº 570º, nº3, ainda do CPC (a questão da desigualdade das partes é, também ali, objecto de apreciação pelo mesmo professor).
Preceitua, então, o artº 570º, n3, que «Na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou de comprovação desse pagamento, no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC».
Era, aliás, a posição da jurisprudência que usava o preceito para o autor, por interpretação analógica.
Ora, para além de, pelo seu uso, voltarmos a esvaziar a opção que subjaz à nova redacção do preceito que temos vindo a analisar – 560º - o que reputamos como inadequado, não concluímos que se verifica disparidade inadmissível de soluções, porque entendemos que as situações a que se reportam são, também elas, diferentes.
Ao réu é concedido prazo para contestar, sendo que o não exercício desse direito no prazo fixado, tem natureza preclusiva, com as nefastas e importantes consequências que para ele decorem dessa preclusão.
Não está na sua disponibilidade escolher o tempo, ou momento, da sua intervenção em juízo, entrando, por assim dizer, num comboio em andamento, num processo que por ele não espera se se votar a inércia.
Ao réu não está dada a possibilidade de, claudicando na apresentação da sua oposição ao petitório por questões procedimentais, apresentar nova contestação.
Ao invés, o autor pode escolher sozinho o momento em que pretende dar entrada à acção, não tendo limitado, a escassos dias, o tempo de preparação da sua petição.
E, do mesmo modo, no caso de não ter pago a taxa de justiça e ser confrontado com uma decisão de extinção da instância, não está coarctado no seu direito de propor nova acção, com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, contra o mesmo réu.
Tudo isto para concluir, salvo melhor opinião, que a opção legislativa relativamente ao réu, decorre da constatação que a ausência da previsão constante do nº3 do artº 570º equivaleria a resultados gritantemente gravosos por mera preterição da obrigação de demonstração do pagamento da taxa de justiça.
Se, neste caso, importantes consequências materiais poderiam daí advir, nomeadamente por ocorrência de efeitos cominatórios, o mesmo, como vimos já, não se passa com o autor.
Daí que, não nos cabendo sancionar opções legislativas e entendendo que, mesmo que com elas não nos identifiquemos, não se nos depara solução jurídica violadora de preceitos ou princípios de igualdade de partes, aplicando o regime constante da nova redacção dada ao artigo 560º do Código de Processo Civil, pelo DL 97/2019, não se impõe censura sobre a decisão em crise.

III – DECISÃO

Nestes termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.