Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
59/14.3T8BGC-A.G1
Relator: MARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
SOLIDARIEDADE PASSIVA
BENEFÍCIO DO PRAZO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – Na solidariedade passiva, cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera (art. 512º, nº1, do CC). Trata-se de uma garantia concedida ao credor, o qual, assim, assegura maior eficácia ao seu direito, que se pode exercer integralmente contra qualquer um dos devedores. A nível interno, ou seja, nas relações entre os condevedores a situação é diversa. Cada um deles só deve uma quota da prestação (quotas essas que na dúvida se presumem iguais- artº 516º do C. Civil) e, portanto, só por essa quantia (tratando-se de uma obrigação pecuniária) é responsável.
II- A disciplina do artigo 782º do Código Civil, que exclui da perda do benefício do prazo os co-obrigados do devedor e os terceiros garantes do crédito, tem natureza supletiva; e cede em face de convenção em contrário (artigo 405º, nº 1, do Código Civil);
III- Perante uma obrigação solidária na qual cada um dos devedores responde pela prestação integral a insolvência de um deles acarreta o imediato vencimento da obrigação na sua totalidade de acordo com o convencionado no contrato.
Decisão Texto Integral: - Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães –

I.RELATÓRIO
Oponente/recorrentes:
A, P E M, executadas nos autos acima referenciados.

Oponido/recorrido:
B, exequente nos autos acima referenciados.
Nos autos supra identificados apresentaram as executadas oposição à execução que lhes foi movida pelo exequente B, pugnando pela extinção da execução, dizendo em síntese que a exequente poderia solicitar aos restantes mutuários a liquidação da quota parte em divida do insolvente mas nunca poderia onerá-los com o vencimento global do crédito que se encontra em dia. Não obstante a insolvência de um dos mutuários nunca os contratos de mútuo estiveram em divida.
Mais alegam que mesmo que tal incumprimento se verificasse sempre deveria ser dado às executadas por um lado um prazo razoável para cumprimento da obrigação ou por outro lado direito de preferência na aquisição da quota parte do mutuário insolvente.
O que não foi feito pelo que existe manifesto Abuso de Direito pela exequente.
Acresce que a exequente não cumpriu com as lides económicas - bancárias diárias uma vez que não lhes assegurou prazo de interpelação para pagamento, não lhes respondeu às várias missivas que enviaram e telefonemas feitos com vista a negociações ou reestruturação do crédito.
Já o Banco sustenta a legitimidade da acção executiva, tal qual foi interposta. Defendendo que a exequente não podia deixar de considerar vencida a divida porque um dos efeitos da insolvência é precisamente o vencimento imediato das dividas, a quota parte do insolvente foi apreendida para a massa insolvente e a conta bancária foi bloqueada.
A exequente interpelou para o pagamento as executadas por cartas que junta, respondeu às executadas por carta de 12.12.2012 e como os pagamentos que fizeram e que foram levados em conta não liquidaram a divida daí que tenha sido intentada a presente execução.
Seguiu-se despacho que designou dia para audiência preliminar com os seguintes objectivos: Considerando o que está em causa nos presentes autos, por um lado, e, por outro, a invocada vontade de cumprir por banda das opoentes, por outro, cremos que se justifica uma tentativa de conciliação. Para o caso de esta se gorar, haverá lugar a audiência prévia, com a finalidade de analisar se os autos contêm todos os elementos necessários à decisão de mérito, ainda que eventualmente parcial, ou se deve prosseguir para fase de julgamento, e nesse caso, com identificação do objecto do litígio e dos temas da prova.
Realizada tal diligência não foi possível a conciliação das partes.
Seguiu-se despacho a fixar o valor da oposição em 94.016,80 €, montante igual ao da execução, posto que a eventual procedência da oposição implicará a extinção de toda a execução.
Após, o Mmº Juiz proferiu o seguinte DESPACHO: Entendo que os autos contêm já os elementos necessários à decisão de mérito, pelo que faculto aos Exs. Mandatários a discussão sobre os aspectos factuais e jurídicos da causa, tendo aqueles reiterado os argumentos já expendidos nos respectivos articulados.
Seguiu-se saneador/sentença que julgou a total improcedência da presente oposição, ordenou o prosseguimento da execução com custas pelas opoentes.
Inconformados com a sentença as oponentes apresentam recurso que encerram com as seguintes conclusões:
1. Após apuramento da factualidade processual e à revelia das normas jurídicas aplicáveis entendeu o Exmo. Juiz a quo absolver a Recorrida.
2. Houve, pois, ofensa de lei pelo tribunal a quo mediante a violação de normas jurídicas, merecendo o douto despacho-sentença em crise censura.
3. Deste modo, conclui-se que, na realidade, o Exmo. Juiz a quo DESPREZOU as razões de facto e direito expressas pelas ora recorrentes, no que diz respeito a três questões essenciais: quanto ao vencimento das obrigações tidas como solidárias, quanto à interpelação admonitória e face ao Abuso de Direito verificado.
4. Acontece que, da leitura da douta decisão ora em crise, denotaram as Recorrentes que existe uma questão prévia que se impõe antes de mais, a qual diz respeito à vontade real das partes na fixação da cláusula 16.ª do contrato de mútuo.
5. Na verdade, face à fundamentação da Recorrida de resolução dos contratos e vencimento de todas as obrigações decorrentes em virtude da insolvência de um dos codevedores, o douto Tribunal a quo entendeu que esta se encontra explicitamente prevista no contrato de mútuo - enquanto contrato que pode ser conformado pelas partes – pois que se encontra estabelecido, na sua cláusula 16.º, que a Recorrida poderia pôr termo ao contrato e exigir o integral reembolso se o mutuário se tornar insolvente; acrescendo na cláusula 17.º que as partes aceitam o contrato de mútuo com as condições nele estabelecidas.
6. Porém, acreditamos que o douto Tribunal recorrido interpretou erradamente o clausulado e as suas consequências legais sobre os restantes codevedores, na medida em que entendeu que a não verificação da solidariedade da dívida levaria a que os restantes codevedores ficariam libertos da sua restituição e que essa limitação colocaria em causa o direito do credor em exigir o reembolso integral da dívida.
7. Acontece que, no que à vontade real das partes diz respeito, refira-se que o clausulado contratual não traduz a vontade real das mesmas, porquanto nunca as Recorrentes tiveram conhecimento integral e informado da cláusula 16.º do contrato de mútuo dado à Execução.
8. Tanto assim é que as Recorrentes, aquando da insolvência do irmão das mesmas – anteriormente também mutuário deste contrato – desde logo encetaram contactos e negociações com a Recorrida no sentido de adquirirem a quota-parte do mesmo e adjudicarem para si mesmas a dívida correspondente, tal como se encontra comprovado nos autos com os documentos relativos às missivas enviadas à Recorrida; tendo sido as Recorrentes a entrar em contacto com a Recorrida para questionar sobre como iriam processar a insolvência do mutuário e como iriam exigir o reembolso da quota-parte do mesmo.
9. De facto, na leitura das Recorrentes, a cláusula 16.º somente refere um mutuário e a exigência daquilo que lhe for devido quanto a esse mutuário, sendo que esta leitura não é de todo despicienda de sentido pois que se refere diretamente «o direito de pôr termo ao contrato e exigir o integral reembolso daquilo que lhe for devido (…) se o mutuário se tornar insolvente».
10. Ora, a própria atuação das Requerentes aponta nesse sentido, desde logo por terem diretamente manifestado a vontade de adquirir a quota-parte do mutuário insolvente e, desse modo, mantendo o integral cumprimento do contrato, pelo que as Recorrentes agiram conforme a interpretação normativa e a perceção que as mesmas fizeram da cláusula contratual em causa o que, verificando-se agora que tinha um sentido diverso daquele que as mesmas acharam ter declarado, mais não podemos concluir de que se trata de um caso de Erro na Declaração, conforme exposto no artigo 247.º do C.C..
11. Na verdade, somente agora as Recorrentes tiveram pleno conhecimento das consequências nefastas que a cláusula contratual em causa trouxe às mesmas – tal como foi interpretada pelo douto Tribunal recorrido.
12. Ora, o erro na declaração existe quando, não intencionalmente –a vontade declarada não corresponde a uma vontade real do autor, existente, mas de sentido diverso, daí derivando um erro que faz faltar no autor do ato a consciência do seu significado objetivo, provocando uma discrepância entre este e a ideia que ele dele faz, tal como exposto no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 15.05.2012.
13. Efetivamente, se as Recorrente tivessem pleno conhecimento de que a cláusula 16.º do contrato de mútuo pressupunha que a insolvência ou outra situação semelhante quanto a um dos mutuários acarretaria a resolução do referido contrato e o direito de exigir o cumprimento integral da obrigação a qualquer um dos restantes mutuários, nunca as Recorrentes tinham assinado o contrato sem mais, nem mantido a cláusula nos termos expostos.
14. Acresce que, aquando das negociações junto da entidade bancária recorrida, as Recorrentes e Insolvente várias vezes salientaram que pretendiam que o contrato fosse mantido em quotas-partes, desde logo porque são irmãos entre si e cada um responsabilizar-se-ia pela respectiva quota-parte, caso houvesse algum contratempo que pusesse em causa o contrato.
15. Assim, as Recorrentes entenderam que a cláusula ora em crise exprimia a vontade real das mesmas - sendo que agora verificam que esse não foi o caso – tendo atuado conformemente, em particular pretendendo adquirir a quota-parte do irmão insolvente, quer através de uma reestruturação do crédito integral quer através do aumento das garantias creditícias sobre o referido contrato, pelo que, face ao exposto deve ser o contrato de mútuo em causa declarado anulado na parte que se encontra viciado, nos termos do disposto nos artigos 292.º e 247.º do C.C.
16. Sem prescindir, e no que diz respeito à primeira das questões essenciais trazidas à colação pelas Recorrentes, entendeu o douto Tribunal recorrido que a não verificação da solidariedade da dívida levaria a que os restantes codevedores ficariam libertos da sua restituição e que essa limitação colocaria em causa o direito do credor em exigir o reembolso integral da dívida, aplicando os termos do artigo 237.º, 2.ª parte do C.C., ou seja, em caso de dúvida quanto à declaração negocial, a solução quanto ao equilíbrio das prestações é favorável, sem mais, ao credor.
17. Todavia, o douto Tribunal a quo olvidou outro critério para interpretar a vontade negocial das partes, em especial a boa-fé, tal como se encontra exarado no artigo 239.º C.C., pelo que desde logo o tribunal recorrido devia ter tido em conta esse critério na avaliação das vontades negociais em crise, em especial face à prova efetuada nos autos, nomeadamente a vontade das Recorrentes em manter o cumprimento prestacional – que somente não prosseguiu porque a Recorrida impediu que as Recorrentes continuassem com os pagamentos mensais através do bloqueio da conta bancária associada -, bem como as diversas tentativas de reestruturar o crédito – ainda que através do aumento das garantias a título pessoal – e, por outro lado, a total ausência de resposta por parte da Recorrida às solicitações e soluções apresentadas, a boa-fé levaria, em concreto, a uma solução diferente daquela exarada no despacho-sentença agora em apreço.
18. Na verdade, o sentido da declaração que conduzir ao maior equilíbrio das prestações não pode esbarrar somente porque um dos codevedores não é solvente, pois que ainda restam outros codevedores, que demonstraram poder manter o crédito e a garantias bancárias oferecidas à Recorrida, pelo que é desprovido de sentido jurídico o entendimento exposto de que a não solidariedade da dívida diminui o direito creditício da Recorrida, pois que não somente o crédito encontrava-se garantido por outros codevedores, bem como foi demonstrado à recorrida, não somente a manutenção real do crédito – pela manutenção do pagamento das prestações mensais do mútuo – mas também a possibilidade de aumentar as respetivas garantias bancárias, através de fianças, avais pessoais, adjudicação da quota-parte do insolvente pelas restantes codevedoras, entre outras possibilidades bancárias.
19. Como tal, o maior equilíbrio das prestações deveria ser, antes de mais, aquele que fosse menos oneroso para as partes, com base num princípio de boa-fé, pois que – até ao momento – somente as Recorrentes foram prejudicadas – pessoal, emocional e financeiramente – com a insolvência do codevedor, sendo que a Recorrida mantém todas as garantias bancárias, mantém a plena restituição do seu crédito.
20. Ademais, tal como sempre exposto pelas Recorrentes ao longo da sua Oposição à Execução e nas presentes alegações recursórias, o pretendido era que lhe fossem dadas outras vias de cumprimento desse mútuo menos onerosas que a actual execução, sendo certo que se encontra provado nos autos, pelas cartas enviadas pelas Recorrentes à Recorrida, que estas encetaram diversos contactos junto do balcão da Exequente em Bragança e com o respetivo Departamento de Contencioso, no sentido de renegociar os créditos em causa; as Executadas continuaram a liquidar, via cheque, as prestações mensais contratadas, sabendo que os mesmos eram descontados para liquidação do capital em dívida, pelo que os contratos não se encontravam em dívida na data da Insolvência, como assim se mantiveram durante toda a fase de negociação posterior.
21. Do mesmo modo, foi a Recorrida que impediu que os contratos fossem liquidados através do bloqueio da conta em virtude da insolvência, pelo que o incumprimento é apenas e só imputável à Recorrida credora.
22. Efetivamente, no que à mora creditoris diz respeito, o douto Tribunal recorrido entendeu que a entidade bancária não impossibilitou o cumprimento, pois que o bloqueio da conta bancária é consequência direta e necessária da insolvência.
23. Em contraposição, entendemos que a consequente apreensão dos bens do insolvente tal como exposto no artigo 36.º, n.º 1, alínea g) do CIRE não pode implicar a apreensão dos bens de terceiro, pois que a conta bancária não era titulada única e exclusivamente pelo insolvente, mas também pelas aqui Recorrentes, não tendo a Exequente Recorrida atuado de modo a permitir que as Recorrentes prosseguissem com o cumprimento do contrato, pois que o bloqueio da conta não devia ter sido em pleno.
24. Por consequência, estando em causa a própria mora do credor, um dos seus efeitos é a atenuação da responsabilidade do devedor, sendo um desses efeitos o facto de não se vencerem juros, quer convencionados, quer legais, pelo que também não aceitam as Recorrentes que sejam contados juros e cláusula penal sob uma data em que, efetivamente, o contrato se encontrava em dia e não havia vencido nenhuma das prestações; e, por outro lado, porque o não recebimento das prestações subsequentes se deveu exclusivamente a uma recusa unilateral da Recorrida em receber essas prestações.
25. Deste modo, o que podemos verificar do supra exposto é, nada menos, do que uma atitude manifestamente abusiva por parte da Recorrida, pois não cuidou prosseguir meios bancários alternativos que levassem à distinção entre a insolvência do devedor e a solvências das restantes devedoras.
26. Em boa verdade, denote-se o conteúdo do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 40/14.2T8CTB-A.C1, datado de 18.03.2016, que confirma na íntegra tudo o quanto exposto pelas Recorrentes e sumariza expondo que «Em contrato de mútuo, liquidável em prestações, caso um dos devedores seja declarado insolvente, o mesmo perde o benefício do prazo, com a implicação em relação a si de se vencerem todas as suas dívidas; porém, tal perda do benefício do prazo de um só dos devedores, mesmo que a dívida seja solidária, não se estende ao(s) outro(s) coobrigado(s)», pelo que dúvidas não subsistem em como as ora Recorrentes não deveriam ter sido prejudicadas pela insolvência do codevedor, por quanto verificou-se por um lado a manutenção do cumprimento do contrato pelas mesmas e, por outro lado, a recusa do cumprimento por parte da Recorrida.
27. No que à segunda questão diz respeito, as Recorrentes sempre advogarão que deveria ser-lhes dado, por um lado, prazo razoável para cumprimento da obrigação ou, por outro lado, direito de preferência na aquisição da quota-parte do mutuário insolvente.
28. O certo é que, nenhuma destas duas hipóteses – ou todas as outras apresentadas pelas Recorrentes – foram devidamente apreciadas (ou sequer apreciadas de todo!) pela Recorrida e tidas em conta pelo douto Tribunal a quo, sendo que não entendem as Recorrentes como pôde o douto Tribunal recorrido considerar razoável ou sequer possível que a Recorrida tenha exigido que fossem liquidadas “de imediato” as quantias de €: 61.434,40 relativa a um dos contratos, acrescida de €: 20.479,67 quanto a outro contrato, sem a indicação de qualquer prazo ou forma de pagamento!
29. Na verdade, o douto Tribunal a quo considerou que a dívida se encontra imediatamente exigível com a insolvência do devedor o que importa o vencimento automático de todas as dívidas e que a interpelação ocorreu com o envio das cartas juntas aos autos, sendo que não seria necessária a interpelação admonitória já que está prevista a condição resolutiva do contrato face à situação de insolvência.
30. Porém, o douto Tribunal recorrido não entendeu o facto essencial que as Recorrentes expuseram: o cerne da questão não tem que ver com a interpelação propriamente dita, mas antes com a fixação de um prazo razoável para o cumprimento.
31. Ora, admitindo-se por mera cautela de patrocínio, que a Recorrida podia exigir o pagamento integral da dívida, o que se colocou em causa foi o facto de que não foi dado um prazo para esse pagamento, mas antes exigindo-se imediatamente o montante global de €: 81.914,07!, questionando-se as Recorrentes quais são as possibilidade de, em Portugal, uma pessoa singular ter na disponibilidade direta e imediata a quantia solicitada!.
32. De facto, que o que as Recorrentes sempre advogaram foi, nada mais, de que deveria ter sido apresentado um prazo razoável para o cumprimento da interpelação efetuada, o que não é de todo despiciendo, pois conforme bem explica Antunes Varela, “o dever de prestar, não se impondo em termos cegos e indiscriminados ao obrigado, teria como limite, o sacrifício razoavelmente exigido do devedor, à luz dos princípios da boa-fé, para satisfazer o interesse do credor”, sendo que, no caso em concreto o sacrifício exigido pela Recorrida às Recorrentes foi, na verdade, cego e indiscriminado, atentando contra o princípio da boa-fé, tornando impossível o pagamento por parte das Recorrentes nos termos assumidos pela Recorrida.
33. Aliás, a Recorrida não cumpriu com as lides económico-bancárias diárias, pois para além de não lhes ter sido assegurado qualquer prazo para pagamento, não lhes foram respondidas as suas missivas e devolvidos telefonemas, não foram encetadas quaisquer negociações ou reestruturação do crédito, bem como desrespeitou o seu próprio Código de Conduta na Relação com os Clientes, (Disponível em: https://www.santandertotta.pt/pt_PT/pdf/Codigocondutarelacaoclientes_vf.pdf)especificamente o ponto 15, n.º 2, alínea c), no que diz respeito ao dever de informação e resposta às dúvidas e questões solicitadas.
34. Assim, o douto Tribunal a quo foi totalmente omisso no que diz respeito à falta de resposta por parte da Recorrida às diversas missivas enviadas pelas Recorrentes que tentarem procurar uma solução que mantivesse o cumprimento do contrato, pelo que acreditamos que a atitude da Recorrida foi de pleno desprezo para com a situação em que as Recorrentes se encontravam e para com os seus reais esforços de cumprimento.
35. Por fim, no que ao Abuso de Direito, por mera economia processual devem ser dados por transitados para esta questão todos os argumentos esgrimidos supra, em especial a exigência imediata do pagamento global dos contratos de mútuo - independentemente, até, de estes estarem em dia ou não – sem a fixação de um prazo razoável ou indicação de outra forma de pagamento, conglomerada a uma atitude de desprezo pelos esforços envidados pelas Recorrentes em assegurar o cumprimento do contrato de mútuo estamos perante um consubstancial caso de abuso de direito.
36. O certo é que, o douto Tribunal a quo considerou que a importância paga pelas Recorrentes é pequena em relação ao montante em dívida, pelo que não se configura qualquer abuso de direito, ainda que se considerasse que a Recorrida recusou recebê-la, porém denote-se que as quantias entregues pelas Recorrentes correspondem ao valor mensal prestacional que se encontravam fixadas pelo contrato de mútuo, pelo que o seu montante não deve ser tido em conta para verificar da aplicação do instituto do abuso de direito, tendo andado mal o douto tribunal recorrido quando se bastou com esse facto.
37. Na realidade, existe um manifesto Abuso de Direito pela Exequente, nos termos do artigo 334.º do C.C na medida em que a Recorrida está a fazer um uso manifestamente reprovável do seu direito de exigir o vencimento integral da dívida, mas igualmente porque se recusou a receber os pagamentos prestacionais relativos ao contrato de mútuo e silenciou-se perante as missivas enviadas pelas Recorrentes, impondo às Recorrentes a via mais onerosa no âmbito da exigência do cumprimento contratual.
38. Ora, o que se verificou foi que nunca as Recorrentes foram contactadas pela Recorrida, mas também nunca receberam quaisquer soluções ou planos de renegociação para liquidar o montante em dívida, apesar das diversas tentativas e propostas efetuadas até à presente data, pelo que não entendem as Recorrentes como pôde o douto Tribunal a quo compadecer-se com o silêncio e omissão da Recorrida!
39. Assim, questionam-se as Recorrentes qual deverá ser o tratamento dado pelas entidades bancárias para com os seus clientes cumpridores, não insolventes e dispostos a manter o cumprimento do contrato, ainda que em prejuízo próprio através da prestação de garantias pessoais?! Questionam-se sobre quais os princípios de boa-fé e boas práticas comerciais que devem ser impostos às entidades bancárias?!
Ou se, por outro lado, estas entidades bancárias estão isentas de urbanidade, dever de informação e esclarecimento e de boa-fé comercial a partir do momento em que se encontram na postura de credora?!
40. O certo é que a existência de confiança entre as partes nos negócios jurídicos é um requisito essencial para a saudável utilização e predominância do sistema jurídico negocial e, in casu, estamos perante um uso manifestamente reprovável do direito de executar, não somente face à boa-fé contratual estabelecida, mas igualmente quanto ao fim puramente económico desse direito, denotando-se, desde logo, a direta correlação entre a atuação da Recorrida com a atitude de se recusar expressamente a continuação do cumprimento do contrato por parte das Recorrentes – quer impossibilitando a manutenção dos pagamentos prestacionais do crédito, bem como recusando-se a reestruturar e renegociar a dívida – e, por outro lado, o facto de ter levianamente executado as Recorrentes sem se encontrar legalmente admissível a fazê-lo.
41. Assim, a manutenção da situação em crise leva a um grosseiro caso de desequilíbrio no exercício das posições jurídicas das partes, entre o benefício de executar da Recorrida e o sacrifício excecional imposto às Recorrentes com essa execução ilegal, tanto mais porque as Recorrentes viram-se confrontadas com a pendência de uma ação judicial, trazendo o nome das mesmas para a praça dos devedores, pairando a possibilidade de verem os seus bens pessoais serem arrastados para este processo, não obstante o cumprimento irrepreensível que as mesmas sempre tiveram para com a Recorrida… existe uma clamorosa ofensa da Justiça, através da imposição à Recorrente de uma posição prejudicial, em detrimento da manutenção do benefício à Recorrida, apesar do seu comprovado cumprimento.
42. Como tal, pelo facto das Recorrentes estarem a ser sobrecarregadas com a imposição de uma execução de um contrato que nunca se encontrou incumprido e – a existir esse incumprimento, o mesmo é plenamente imputado à atuação da Credora Recorrida - dúvidas não subsistem em como a conduta da Recorrida excede manifestamente os limites da boa-fé comercial e dos bons costumes, sendo que este desequilíbrio de posições jurídicas somente poderá ser corrigido através da boa-fé.
43. Por conclusão, deveria a Recorrida ter-se abstido de executar as Recorrentes na medida em que, por um lado, os efeitos da insolvência do codevedor não lhes são aplicáveis e, por outro lado, em virtude da existência da possibilidade de manutenção do contrato, o qual sempre se encontrou cumprido e liquidado sem qualquer falha, pelo que ao se ter pronunciado da forma que vem exarada no douto Saneador- Sentença, ora em crise, o Mmo. Juiz a quo fez uma errónea interpretação da lei, violando determinados dispositivos legais, pelo que a sua decisão deverá ser revogada, ordenando-se a sua substituição por outra que vise aplicar os fundamentos aqui expressa, fundada e exaustivamente alegados.
Nestes termos,
Deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão ora impugnada e ordenando-se a substituição por outra que dê por não provados os factos constantes da douta sentença em crise, bem assim como advogue por outra interpretação normativa, condenando a Recorrida, fazendo V. Ex.ªs a acostumada JUSTIÇA.

Contra-alegou o oponido concluindo que deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida, e, desta forma, ser feita inteira e sã JUSTIÇA!

O recurso foi recebido como de apelação, a subir de imediato, nestes próprios autos apensos, e com efeito meramente devolutivo (artºs. 629º/1, 638º/1, 639º, 644º/1-b), 645º/1-a), 647º/1 e 853º/1, todos CPC).

Foram colhidos os vistos legais.

II- ÂMBITO DO RECURSO
As questões que se suscitam são as de saber:
- se deve ser proferida declaração de anulação do contrato apresentado como titulo executivo na parte alegadamente viciada (clausulas 16ºe 17º dos respectivos contratos);
- qual a interpretação do titulo executivo e respectivas consequências na solução jurídica.

*

III.FUNDAMENTAÇÃO
OS Factos:

Na sentença foi considerado estarem assentes, por documento, acordo ou confissão, os seguintes factos, com relevo para a decisão, face à forma como foi configurada a presente oposição:

1.O banco exequente deu à execução os documentos juntos com o requerimento executivo sob os nosº 1 e 2, que se dão por totalmente reproduzidos, e dos quais consta, designadamente, o primeiro, datado de 12.11.2004, que as executadas e ainda J «obtiveram» daquele «um empréstimo de 75.000 €», «quantia de que se confessam devedores», e o segundo, da mesma data, que as executadas e ainda J «obtiveram» daquele «um empréstimo de 25.000 €», «quantia de que se confessam devedores».
Mais deles consta que «para garantia de todas as responsabilidades assumidas (…) constituíam hipoteca» sobre os imóveis aí descritos, sendo os devedores comproprietários dos mesmos.
2. Desses documentos consta, ainda, e designadamente, que «o capital mutuado será amortizado e os respectivos juros serão pagos em 360 prestações mensais, constantes e sucessivas».
3. Consta, ainda, que «o não pagamento de uma prestação do empréstimo na data do seu vencimento confere logo á “IC” [banco] o direito de considerar vencidas todas as outras, independentemente de qualquer prazo contratualmente fixado, por termo ao contrato e exigir o reembolso integral daquilo que lhe for devido por força do mesmo, promovendo a sua imediata execução judicial», bem como consta, e ainda, que «assiste ainda á “IC” o direito de por termo ao contrato e exigir o integral reembolso daquilo que lhe for devido por força do mesmo, se o mutuário deixar de cumprir qualquer outa obrigação contratual, ou se se verificar qualquer das situações previstas no art. 780º CC, designadamente se o mutuário se tornar insolvente ou se, por causa que lhe seja imputável, diminuírem as garantias do crédito ora concedido».
Em ambos os contratos, os devedores e segundos outorgantes, são «designados por mutuário».
4. O co-devedor J foi declarado insolvente por sentença proferida pelo Tribunal de Faro, no dia 20/4/2012.
5. Nessa sequência, o Banco, por via postal, a 19/11/2012, comunicou aos devedores que «face a essa decisão judicial (…) venceram-se as obrigações emergentes dos contratos (…) as quais são imediatamente exigíveis», e «bloqueou» a conta à ordem, co-titulada pelo devedor insolvente.
Também a quota ideal do insolvente foi apreendida para a massa insolvente.
6. As executadas, através de comunicação escrita, datada de 22/11/2012, que constitui o doc. nº 2 junto com a pi, responderam nos termos que dele constam e se dão por reproduzidos, e, designadamente, referiram que «não entendemos e não aceitamos o que nos é exigido nesta carta…».
7. Por missiva datada de 29/11/2012, que constitui o doc. nº 3 junto com a pi, e cujo teor se dá por reproduzido, as executadas remeteram um cheque no valor de 480 € para pagamento da prestação relativa a Novembro de 2012.
8. Em resposta, o banco exequente, comunicou, através da missiva datada de 12/12/2012 que constitui o doc. nº 1 junto com a contestação à oposição, que «as responsabilidades encontram-se totalmente vencidas, pelo que o valor entregue será aplicado por conta das obrigações emergentes dos contratos…».
9. As executadas fizeram ainda mais três pagamentos, que, somados ao referido em 7) destes factos assentes, ascenderam á quantia total de 2.400 €, imputada pelo banco na quantia em dívida.

O Direito:
Antes de mais uma nota quanto ao modo como se encontra formulado o recurso.
Nos termos do n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, o recorrente deve terminar as alegações com as respectivas conclusões, que são a indicação de forma sintética dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão.
A formulação das conclusões do recurso tem como objectivo sintetizar os argumentos do recurso e precisar as questões a decidir e os motivos pelos quais as decisões devem ser no sentido pretendido. Com isso pretende-se alertar a parte contrária – com vista ao pleno exercício do contraditório – e o tribunal para as questões que devem ser decididas e os argumentos em que o recurso se baseia, evitando que alguma escape na leitura da voragem da alegação, necessariamente mais extensa, mais pormenorizada, mais dialéctica, mais rica em aspectos instrumentais, secundários, puramente acessórios ou complementares.
Esse objectivo da boa administração da justiça é, ou devia ser, um fim em si. O não cumprimento dessa exigência constitui não apenas uma violação da lei processual como um menosprezo pelo trabalho da parte contrária e do próprio tribunal. Daí que o artigo 641.º, n.º 2, do Código de Processo Civil comine a falta de conclusões com a sanção da rejeição do requerimento de interposição de recurso, funcionando essa sanção de forma automática, sem qualquer convite prévio ao aperfeiçoamento, como sucede quando as conclusões sejam deficientes, obscuras ou complexas (artigo 639.º, n.º 3).
Ora, no caso, como infelizmente se vai tornando norma, verifica-se que as recorrentes redigiram as suas alegações repetindo na quase totalidade a motivação nas intituladas “conclusões”.
Do ponto de vista substancial, as recorrentes não formularam conclusões do recurso como deviam, limitaram-se (no relevante) a repetir a alegação duas vezes seguidas, intitulando a “segunda alegação” como “conclusões”, o que manifestamente não constitui uma forma válida de cumprimento da exigência legal.
Por conseguinte do ponto de vista substancial, a consequência devia ser a pura e simples rejeição do recurso por falta de conclusões. Com efeito, se essa sanção se aplica mesmo nas situações em que a falta se deve a mera desatenção ou até lapso informático, deve aplicar-se por maioria de razão às situações em que consciente e deliberadamente o mandatário se limita a repetir o texto das alegações, não podendo deixar de saber que não está, como devia, a formular conclusões.
Com muito boa vontade e atendendo apenas ao aspecto formal, poder-se-ia convidar as recorrentes a aperfeiçoar (melhor dizendo, a formular) as “conclusões”. Considerando, no entanto, a simplicidade do recurso em apreciação decidimos, no entanto, prosseguir e apreciar a questão.
Apreciemos, pois.
Relatado que está o desenvolvimento sequencial do processo até à presente instância de recurso, cumpre apreciar os fundamentos da apelação, tendo presente que as conclusões formuladas pelas Apelantes, a cuja transcrição procedemos acima operaram a delimitação temática do objecto do recurso, como decorre da conjugação dos artigos 635º, nº 4 e 639º nº 1 do CPC.
Ainda num quadro de considerações preliminares referidas à definição do objecto do recurso, importa deixar nota de um outro aspecto que, neste caso concreto, apresentará relevância relativamente a essa definição.
Tenha-se presente que o nosso sistema de recursos se caracteriza por uma lógica de reponderação e de reexame de decisões proferidas por uma instância precedente, pressupondo, portanto, a existência de decisões sobre a matéria cuja apreciação é pretendida no recurso.
Assim, descontada a apreciação de questões que se prefigurem como de conhecimento oficioso (pois vale aqui, na fase de recurso, também, o disposto no trecho final do nº 2 do artigo 608º do CPC), não constituem objecto legítimo de um recurso questões que, tendo sido introduzidas por quem recorre apenas na respectiva motivação recursória, poderiam/deveriam ter sido abordadas na instância precedente por suscitação das partes, só não o tendo sido, pela circunstância da parte interessada nessa questão, ter omitido, na conformação dada à lide e na condução desta, essa suscitação, isto não obstante ter (essa parte) disposto de oportunidade para esse efeito e de se tratar de uma questão “latente” – chamemos-lhe assim – em função do objecto temático da acção.
Nestes casos (em que a motivação recursória pretende introduzir questões novas, na acepção aqui indicada) o recurso reduz-se no seu objecto temático às questões efectivamente suscitadas perante o Tribunal a quo e por este resolvidas e, paralelamente, a não apreciação dessas questões (novas) na decisão impugnada, não consubstancia o desvalor previsto no artigo 615º, nº 1, alínea d) do CPC, não traduzindo – como aqui não traduz, desde já se adianta – qualquer nulidade correspondente a algo aparentado a uma omissão de pronúncia.
Estas considerações apresentam relevância relativamente a questões pretendidas introduzir pelas Apelantes no objecto do recurso. Referimo-nos aos argumentos apresentados na motivação e expressos nas conclusões 4ª a15ª.
Essas questões careceriam, todavia, de suscitação e de discussão na primeira instância, sendo que só assim se poderia configurar como questões submetidas à apreciação do Tribunal e, como tal, abrangidas pela obrigação de pronúncia decorrente do trecho inicial do nº 2 do artigo 608º do CPC. Então – mas só então, diga-se –, das duas uma: existiria uma decisão sobre as questões, e poderíamos aqui controlá-la, na medida em que fosse desfavorável a quem recorresse; ou, tendo faltado tal decisão (na primeira instância), ocorreria a nulidade de omissão de pronúncia, que aqui seria declarada mediante suscitação da parte interessada (artigo 615º, nº 4, do CPC).
Sendo certo que as Apelantes não desencadearam essas questões e que o Tribunal a quo, por isso mesmo, não as resolveu, não se verifica perante esta segunda instância o condicionalismo que tornaria essas questões objecto legitimo deste recurso: torná-la-iam, como antes se disse e ora mais uma vez se repete, a circunstância de ser matéria efectivamente suscitada, mas não o foi pelo que consigna-se que delas se não conhecerá.
De salientar que na oposição apresentada e depois na possibilidade que o tribunal concedeu às partes para se pronunciarem acerca dos termos do litígio nunca as apelantes suscitaram a questão do não entendimento das citadas clausulas, o que podiam ter feito pois a interpelação que o recorrido lhes fez - carta registada com a/r em 19/11/2012 na qual de forma clara declara vencidas as obrigações emergentes do contrato do empréstimo nos termos do artº 91 do CIRE em consequência da sentença que declarou um dos mutuários insolvente- era clara e efectuada no sentido da interpretação que agora contestam. Pelo contrário tanto entenderam o que lhes era pedido e aceitaram que até procuraram uma solução (ou várias como alegam) para o problema.
Posto isto facilmente se apreende que terá necessariamente de improceder o recurso das oponentes na parte em que assenta no desconhecimento e não aceitação do conteúdo da clausula décima sexta e décima sétima dos contratos dados à execução.
Mas também terá de improceder no demais.
De facto, ocorre, singularmente, que o crédito exigido pelo oponido/recorrido encontra-se a coberto do regime da denominada solidariedade passiva, abarcando neste todos os devedores de acordo com o contrato entre todas celebrado e mencionado em 1 a 3 dos F.P: trata-se de um dado adquirido e não controvertido nos autos.
Em tal regime, cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera (art. 512º, nº1, do CC). Trata-se de uma garantia concedida ao credor, o qual, assim, assegura maior eficácia ao seu direito, que se pode exercer integralmente contra qualquer um dos devedores. A nível interno, ou seja, nas relações entre os condevedores a situação é diversa. Cada um deles só deve uma quota da prestação (quotas essas que na dúvida se presumem iguais- artº 516º) e, portanto, só por essa quantia (tratando-se de uma obrigação pecuniária) é responsável. (citado art. 512º, nº1, 516º e art. 519º, nº1, também do CC - Cf., a propósito, Prof. Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, Vol. I, 6ª Ed., págs. 169; Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª Ed., págs. 765 e sgs; Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in “CC Anotado”, Vol. I, 4ª Ed., págs. 534 Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, 2013-2ªedição pp 183).
O que, conjugado com a ponderação que segue e dando acolhimento ao propugnado pelo recorrido, nos encaminha para a total rejeição dos argumentos “ex adverso” invocados pelas recorrentes:
Com efeito:
--- Face aos termos em que os devedores se vincularam perante o recorrido e constantes de 1 a 3 dos FP, irreleva o facto de apenas um dos devedores ser declarado em estado de insolvência pois estando perante uma obrigação solidária na qual cada um dos devedores responde pela prestação integral a insolvência de um deles acarreta o imediato vencimento da obrigação na sua totalidade (artº 91 do CIRE e 780º do C. Civil); Não sendo a obrigação parciária ( a nível externo como acima se expôs) não era possível que as executadas continuassem a cumprir a sua quota parte; para o credor não existem “quotas partes”; a prestação não é divisível antes vencida em relação a um dos condevedores vence-se relativamente aos demais.
--- No que se refere à perda do benefício do prazo prevista no artº 782º do C. Civil não tem qualquer cabimento a defesa apresentada pelas recorrentes nem a invocação da decisão proferida no acórdão da Relação de Coimbra citado pelas mesmas- datado de 18.03.2016 proferido no processo nº 40/14.2/8CTB-A.C1. A situação em causa é diferente como se refere na decisão recorrida pois as partes por acordo que assumiram (artº 405 do C. Civil) afastaram a disposição que é supletiva- artº 782º do C. Civil - e dessa maneira, ter-se-á por excluída a aplicação da citada disposição legal. Afastamento este admitido pela doutrina. De efeito, diz-nos A. Varela (ob. cit no acórdão supra aludido 2ª Ed., pág. 553/54) que a perda do benefício do prazo pode resultar da insolvência de um só dos devedores, mas quando assim for, mesmo que a dívida seja solidária, a sanção aplicável ao devedor directamente em causa não se estende aos outros co-obrigados, desde que, entenda-se, não se verifique também quanto a eles causa determinante dessa perda – o sublinhado é nosso (no mesmo caminho vão G. Telles, ob. Cit no mesmo acórdão pág. 220 e A. Costa, ob. cit., pág. 890).
No caso todos os devedores aceitaram que «assiste ainda á “IC” o direito de por termo ao contrato e exigir o integral reembolso daquilo que lhe for devido por força do mesmo, se o mutuário deixar de cumprir qualquer outra obrigação contratual, ou se se verificar qualquer das situações previstas no art. 780º CC, designadamente se o mutuário se tornar insolvente ou se, por causa que lhe seja imputável, diminuírem as garantias do crédito ora concedido».
Sabemos que a liberdade de estipulação ou modelação do conteúdo negocial consiste na faculdade concedida aos contraentes de fixarem livremente o conteúdo dos contratos, celebrando contratos do tipo previsto no Código Civil, com ou sem aditamentos, ou estipulando contratos de conteúdo diverso dos que a lei disciplina.
A liberdade contratual vigora em maior medida nos contratos obrigacionais, ou seja, naquela cuja eficácia constitutiva, modificativa ou extintiva se situa no domínio das obrigações em sentido técnico ou direitos de crédito- neste sentido Fernando Baptista de Oliveira, “Contratos Privados, Das Noções à prática judicial Vol. III, Coimbra Editora págs. 249 e 253.
--- De igual forma não tem cabimento citar o preceituado no artº 239 do C. Civil, porquanto como bem salienta o recorrido este tem apenas aplicação em caso de omissão e, no presente caso, falamos de um alegado dissenso de vontades negociais e não numa omissão.
---- A recorrida é, nos mencionados termos, titular indiscutível, do exigido direito de crédito sobre todos e cada um dos devedores, não se vislumbrando, pois, qualquer razão atendível para o mesmo não lhe ser como tal reconhecido. Sendo, por outro lado, certo que tal direito seria meramente “platónico” e desprovido da vantagem e utilidade, assim, prosseguidas pelo credor, caso este não pudesse exercer as correspondentes faculdades no âmbito de um processo executivo relativo a qualquer dos devedores solidários. Equivaleria a negar ao credor os poderes de que, genericamente, disfruta em sede de conservação da respectiva garantia patrimonial e que pelas partes foi acordado.
--- E se a quota parte do imóvel dado de garantia pertença do devedor insolvente foi apreendida para a massa insolvente é claro que a garantia que o credor tinha ficou diminuída pois ficando o prédio “fracionado” a respectiva venda será mais difícil e menos rentável, sendo certo que conforme resulta do documento proveniente da Conservatória de registo predial existem outros credores com ónus registados sobre a mesma quota parte;
--- Acresce que os contratos não foram imediatamente executados logo a seguir á declaração de insolvência (20 de Abril de 2012); ocorreu interpelação para pagamento como resulta do facto provado em 5º aceitando as devedoras que estavam não sómente preparadas para liquidar toda a quantia em divida bem como para reestruturar todo o crédito (ver artº 18 da oposição). Não obstante o vencimento do valor em divida ter ocorrido no ano de 2012, ter sido pedido o pagamento imediato do valor total na carta de 19/1172012 os contratos só foram executados em 16 de Setembro de 2014, pelo que as oponentes tiveram anos para procederem à liquidação da divida e não o fizeram.
--- Como nos parece óbvio o recorrido só aceitará a proposta de resolução do litigio por acordo que salvaguarde devidamente os seus interesses não estando vinculado a aceitar qualquer proposta que lhe seja feita. Aliás o mesmo acontece com as recorrentes. Acresce que no que ao tribunal diz respeito bem sabem as recorrentes que não existe previsão legal que imponha às partes acordos ou que os obriguem a tal.
--- Não é verdade que as oponentes ficaram impedidas de efectuar pagamentos. Fizeram pagamentos apesar do bloqueio da conta cujos valores foram descontados no valor em débito pelo recorrido – ver F.P 7 a 9.
--- E que o recorrido lhes respondeu resulta do F.P nº8.
--- Nas regras da interpretação das declarações negociais é corrente a referência ao critério da impressão do destinatário; nos termos do qual o sentido do declarado há-de ser, em princípio, aquele que um declaratário normal, colocado na situação do real, inferiria do comportamento do declarante; não valendo aquele sentido que não tenha o mínimo de correspondência no texto respectivo ainda que imperfeitamente expresso, na hipótese de instrumento escrito (artigos 236º, nº 1, e 238º, nº 1, do código civil), sendo, aliás, certo que nem a expressividade completa é exigência de eficácia, neste assunto, da declaração negocial (artigo 217º do Código Civil).
--- No caso em apreço, convém não esquecer que as apelantes é que assinaram os títulos executivos com as cláusulas concretas que contêm; pelo que vinculadas se mostram a ter de aceitar- considerando a defesa que apresentaram em sede própria, ao menos por princípio, os procedimentos realizados pelo apelado a coberto delas. Aliás declararam nos contratos terem conhecimento de todas as condições inerentes ao pagamento do presente contrato de empréstimo, as quais lhe(s) foram explicadas (apesar de estes documentos não terem instruídos este apenso foram por nós solicitados para consulta ao tribunal recorrido).
-- Não podendo compreender-se, se não com base em falta de argumentos, que as devedoras dessem o seu acordo à utilização do termo “mutuário” para os empréstimos e entregas das quantias mutuadas e demais clausulado, mas questionem a interpretação do contrato nessa parte em caso de ocorrência de uma situação com um dos mutuários que determinou o vencimento da divida. Resulta dos mencionados documentos a utilização uniforme da referida expressão ao longo dos contratos, pelo que não faz qualquer sentido que a expressão mutuário fosse utilizada ao longo de todo o contrato para se referir a todos os mutuários e às obrigações por estes contraídas e, especificamente nesta cláusula se referisse apenas a um mutuário e às obrigações desse mutuário. Anote-se que os verbos nas diversas clausulas apesar de conjugados no singular têm entre parênteses o plural introduzindo a possibilidade de o vocábulo mutuário se referir ao número de mutuários intervenientes – como bem anotam o recorrido e a decisão recorrida.
--- Perante o exposto não tem cabimento vir invocar que existe por parte do recorrido abuso de direito, violação da boa fé e dos códigos de conduta.
Julgou, então, bem o despacho saneador interlocutório, que pôs termo ao processo. Nenhuma das questões, argumentadas como geradoras da extinção da execução, merece ser acolhida.
Improcede, portanto, e no seu todo, o recurso de apelação.
É critério para atribuição do encargo das custas o da sucumbência e na respectiva proporção (artigo 527º, nºs 1 e 2, do código de processo).
Na hipótese, o recurso de apelação é integralmente improcedente; o encargo das custas é, no total, vínculo das apelantes que o interpuseram.

Síntese conclusiva.
I – Na solidariedade passiva, cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera (art. 512º, nº1, do CC). Trata-se de uma garantia concedida ao credor, o qual, assim, assegura maior eficácia ao seu direito, que se pode exercer integralmente contra qualquer um dos devedores. A nível interno, ou seja, nas relações entre os condevedores a situação é diversa. Cada um deles só deve uma quota da prestação (quotas essas que na dúvida se presumem iguais- artº 516º do C. Civil) e, portanto, só por essa quantia (tratando-se de uma obrigação pecuniária) é responsável.
II- A disciplina do artigo 782º do Código Civil, que exclui da perda do benefício do prazo os co-obrigados do devedor e os terceiros garantes do crédito, tem natureza supletiva; e cede em face de convenção em contrário (artigo 405º, nº 1, do Código Civil);
III- Perante uma obrigação solidária na qual cada um dos devedores responde pela prestação integral a insolvência de um deles acarreta o imediato vencimento da obrigação na sua totalidade de acordo com o convencionado no contrato.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente e em confirmar o despacho saneador interlocutório nos segmentos que, dele, foram impugnados.
As custas são, na íntegra, encargo das apelantes.
Notifique

Guimarães, 09 de Fevereiro de 2017
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)


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(Maria Purificação Carvalho)

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(Maria dos Anjos Melo Nogueira)

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(José Cravo)