Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1061/15.3T8BRG.G1
Relator: MARIA DE FÁTIMA ANDRADE
Descritores: ALUGUER DE LONGA DURAÇÃO
CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
DEVER DE COMUNICAÇÃO
ALD
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I- Impugnada a decisão da matéria de facto com base em meios de prova sujeitos à livre apreciação, com cumprimento dos requisitos previstos no art. 640º do NCPC, cumpre à Relação proceder à reapreciação desses meios de prova, sobre os mesmos formando a sua própria convicção nos termos do art. 662º.
II- A dúvida sobre a realidade de um facto deve ser resolvida contra a parte onerada com a prova do mesmo (artigo 414º do CPC).

III- É de excluir por violação do dever de comunicação, a cláusula contratual geral que impõe ao seu destinatário a assunção de despesas administrativas, remetendo para documento externo ao contrato os valores em concreto envolvidos.

IV- O contrato atípico de aluguer de longa duração não tem subjacente nenhuma operação de crédito.

V- A dívida relativa a despesas administrativas decorrente de tal contrato não se enquadra no conceito de operação de crédito para efeitos da comunicação à Central de Responsabilidade de Créditos (CRC) de crédito vencido.

VI- Incorre em responsabilidade civil extracontratual a entidade que sem fundamento comunica à CRC a existência de um crédito vencido, ficando obrigada a indemnizar o visado pelos danos que tal atuação lhe causar.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

C, melhor id. a fls. 3, instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra R,igualmente melhor id. a fls. 3, peticionando pela procedência da ação que:

a) Se considere excluída do contrato referido em 1º da p.i. ou declare nula, a cláusula 6ª n.º 4 daquele, condenando a R. a reconhecer tal exclusão ou nulidade;

b) Se condene a ré a comunicar ao Banco de Portugal a retificação da informação relativa à autora constante da Central de Responsabilidades de Crédito, no sentido da inexistência da dívida aí aludida e por aquela previamente comunicada, referente a “crédito automóvel”;

c) Se condene a ré a pagar a quantia de €500,00 por cada dia de atraso na comunicação ao Banco de Portugal daretificação da informação referente à autora constante da Central de Responsabilidades de Crédito, após o trânsito em julgado da sentença que a isso a condene, a título de sanção pecuniária compulsória;

d) Se condene a ré a pagar à autora a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais causados por aquela em consequência da violação dos direitos desta ao bom nome, honra, consideração e saúde.

Para tanto tendo em suma alegado:

- Ter celebrado em 2 de Julho de 2004 com a ré um acordo denominado “Contrato de Aluguer de Veículo Sem Condutor”, o qual teve por objeto o aluguer da viatura de matrícula XQ.

Simultaneamente tendo ainda celebrado um outro acordo, denominado contrato promessa de compra e venda relativo ao mesmo veículo, nos termos do qual a R. se obrigou a vender à A. tal veículo, o mais tardar até à data limite de 02/07/2007.

- Tendo a A. cumprido todas as obrigações emergentes do 1º contrato, solicitou à R. a emissão da declaração de venda do veículo, o que esta não fez, mesmo depois de para tal ter sido interpelada por carta registada com aviso de receção, recebida em 2 de Abril de 2008, invocando para tanto a existência de uma dívida no valor de 60,00€.

- Na sequência de reclamação apresentada pela A. em 29 de Agosto de 2008 no Centro de Informação e Arbitragem do Vale do Cávado (CIAVC), veio a R. a emitir a declaração de venda em falta que enviou à A. em 10.10.2008.

Mais comunicando pela primeira vez por escrito que a origem da alegada dívida de 60,00 € que havia motivado o incumprimento do contrato promessa estava no custo correspondente à prestação de quatro informações à AENOR acerca da identificação do locatário da viatura 62-10-XQ.

- Custos esses ascendentes a 15,00 €/informação, conforme “tabela de preços em vigor na RCI” que então enviou à A. e da qual só então a A. teve conhecimento.

- De acordo ainda com a mesma carta, sendo a A. responsável pelo seu pagamento por via da cláusula 6ª n.ºs 3 e 4 do contrato de ALD entre as partes celebrado.

Nunca tendo a A. sido informada pela R. em momento anterior ao envio de tal carta dos valores que lhe poderiam ser cobrados ao abrigo de tal cláusula, nem tais valores estavam acessíveis ao seu livre conhecimento.

Argumentos que a A. expôs na reclamação apresentada por si no CIAVC e que face ao envio do documento para titular o negócio de venda por parte da R., esta demonstrou aceitar.

Tendo tal processo se extinguido por inutilidade superveniente da lide.

- A referida cláusula foi deficientemente comunicada porque de forma incompleta – por não definição dos valores que poderiam ser cobrados à A. –devendo como tal ser excluída do contrato. Sendo ainda nula por impor à A. a aceitação de custos sem conhecer em concreto os valores.

Nulidade que a A. havia já invocado na reclamação apresentada por si no CIAVC.

- Apesar de nunca ter tentado cobrar judicialmente da autora os valores a que se arrogava ter direito, a ré comunicou ao Banco de Portugal, para registo na Central de Responsabilidades de Crédito, a existência dessa alegada dívida, com a suposta origem no produto financeiro denominado “crédito automóvel”.

Informação falsa por a alegada dívida se não referir a qualquer operação de crédito, fazendo um uso abusivo do CRC.

- Desta comunicação a A. só tomou conhecimento através da sua gestora de conta bancária.

Tendo a R. se recusado a retirar tal informação, apesar de para tal interpelada pela autora.

- Condutaesta geradora para a A. de danos não patrimoniais.

Devidamente citada a R., contestou esta em suma excecionando a prescrição do direito da A..

No mais tendo pugnado: pela improcedência da invocada nulidade e exclusão da cláusula do contrato questionada pela autora; pela licitude da comunicação por si efetuada ao Banco de Portugal e assim pela total improcedência da ação.

Respondeu a A. à invocada exceção de prescrição nos termos de fls. 123 e segs., pugnando pela sua improcedência.

Foi relegado o conhecimento da exceção de prescrição para final, nos termos de fls. 131 a 134.

Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a ação“improcedente, com a consequente absolvição da ré do pedido”.

Do assim decidido apelou aA., oferecendo alegações e formulando as seguintes

Conclusões:

1º Nos presentes autos de ação declarativa comum que a aqui recorrente intentou contra R, foi proferida sentença que julgou improcedente a ação, tendo absolvido a ré/recorrida do pedido.

2º Para o efeito de tal absolvição, deu o Tribunal a quo como provado, entre o mais, que:

“15 – Aquando da subscrição do acordo escrito referido em 1) a autora não recebeu a tabela referida no n.º 4 da cláusula 6.ª, tendo-a disponível para consulta.

(...)

17 – Interpelada para o efeito, a ré prestou informação à AENOR relativa à identificação da condutora do veículo Renault, modelo Megane 2 Break, de matrícula XQ pelo facto de a autora ter utilizado uma via portajada sem proceder ao respetivo pagamento.”

E considerou não provados os demais factos alegados pelas partes, designadamente que “a ré tenha atuado com a intenção de atingir o bom nome, honra e consideração da autora”.

3.º A prova produzida, contudo, salvo melhor opinião e o devido respeito (que é muito) pela Mm.ª Senhora Juíza a quo, interpretada segundo regras de normalidade e experiência comum, aponta no sentido da prova do contrário do referido na parte final do facto 15 e da falta de prova da totalidade do facto 17, ambos referidos na conclusão 2.ª, que, como tal, deverão ser considerados não provados. Aponta igualmente para a prova do facto considerado na sentença como não provado.

4.º Na verdade, com respeito ao ponto 15, parte final, da matéria de facto agora em causa – cuja prova cabia à recorrida, de acordo com as regras de repartição do correspondente ónus probatório - a sentença recorrida baseou-se única e exclusivamente no depoimento de A, que, para além de não ter qualquer conhecimento direto da situação concreta referente à comunicação prévia do tarifário de despesas e custos à recorrente, afirmou ainda que o procedimento habitualmente utilizado pela R na celebração destes contratos passava pela não apresentação da tabela. Nas suas próprias palavras, só apresentavam o preçário se o cliente o pedisse!

5º A argumentação do Tribunal, nesta parte, afigura-se, portanto, vazia e incapaz de justificar uma decisão sobre um dos pontos de facto nucleares da presente ação, sobretudo quando o depoimento da testemunha A (cfr. ficheiro áudio 20160315104345_4886733_2870571.wma: 00:01:46 a 00:01:58 e 00:18:50 a 00:19:54), nesta parte, foi incompatível com o depoimento de uma outra testemunha no processo, J (cfr. ficheiro áudio 20160315095606_4886733_2870571.wma, 00:03:28 a 00:04:49, 00:11:07 a 00:11:22 e 00:16:19 a 00:16:51).

6º Relativamente ao ponto 17, a sentença considerou provado o facto aí vertido, fundamentalmente, por a recorrida referir desde 2008 ter prestado as informações cobradas à recorrente à AENOR e tal circunstância nunca ter sido posta em causa por ninguém. Mais se diz ali não ser crível que estas despesas traduzissem uma invenção.

7º Sucede, porém, que a sentença não esclarece qual o cenário em que se baseou para retirar a mencionada conclusão, isto é, que circunstâncias inequívocas a levaram a concluir pela relevância probatória do silêncio da recorrente. Mas constata-se igualmente que, contrariamente ao afirmado na sentença, nem sequer é verdade que a recorrente nunca tenha posto em causa a prestação das ditas informações.

Na verdade, isso foi feito nomeadamente no art.º 19.º da petição inicial e nareclamação que a recorrente apresentou no Centro de Informação e Arbitragem do Vale do Cávado - CIAB (doc. n.º 4 junto com a petição inicial).

8º Para além do mais, a recorrida não produziu qualquer elemento probatório, fosse documental ou testemunhal, que pudesse abonar em favor da sua tese, ou seja, de que, efetivamente terá prestado as informações que pretendeu cobrar à recorrente, motivo suficiente para considerar não provado o facto 17.

9º No que tange à matéria de facto considerada não provada na sentença, elemento central na convicção discordante da recorrente é a compreensão da finalidade subjacente à criação e existência da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal. De acordo com o disposto no art.º 1.º, ns. 1, al. a), e 2, do D.L. n.º 204/2008, de 14 de Outubro (diploma em vigor ao tempo da comunicação efetuada pela recorrida ao Banco de Portugal), a CRC visa centralizar as responsabilidades efetivas ou potenciais de crédito concedido por entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal ou por quaisquer outras entidades que, sob qualquer forma, concedam crédito ou realizem operações análogas e abrange a informação recebida relativa a responsabilidades efetivas ou potenciais decorrentes de operações de crédito, sob qualquer forma ou modalidade, de que sejam beneficiárias pessoas singulares ou coletivas, residentes ou não residentes em território nacional (sublinhados nossos).

10º De acordo com o disposto no D.L. n.º 204/2008, de 14 de Outubro, e na Instrução n.º 21/2008, do Banco de Portugal, a informação que deverá ser comunicada à CRC pelas entidades participantes é apenas a que se refere aos saldos registados, no final de cada mês, das operações de crédito que aquelas entidades celebraram com os seus clientes - isto é, de contratos de empréstimo ou de figuras análogas -, e não de qualquer outro tipo de relação contratual.

11º A informação reportada pela recorrida à CRC do Banco de Portugal, em primeiro lugar, não poderia ter tido lugar, por não estar em causa uma dívida proveniente de uma operação de crédito, e em segundo lugar, padece de evidente incorreção, já que, como a própria recorrida confessa, o montante de 60 € supostamente em dívida não provém de “dívida contratual”, mas de uma “prestação de serviço”.

Destarte, o produto financeiro com que a recorrida classificou a dívida da recorrente e a comunicou à CRC do Banco de Portugal (“crédito automóvel”) não é verdadeiro, de acordo com as próprias palavras da recorrida.

12º Os “erros” ou “incorreções” da recorrida na comunicação do incumprimento da recorrente à CRC do Banco de Portugal, a não se entender que revelam a intenção de a R atingir o bom nome, honra e consideração da recorrente, pelo menos revelam à saciedade uma negligência grosseira daquela nos procedimentos adotados no caso concreto, que permitem concluir que a recorrida agiu sabendo que poderia atingir o bom nome, honra e consideração da recorrente, quando poderia, e deveria, ter atuado de forma diversa.

13º Do teor da sentença recorrida, resulta, desde logo, que o contrato em causa é um contrato de adesão e, nomeadamente a cláusula 6.ª, n.º 4, está sujeita ao regime das cláusulas contratuais gerais, e, bem assim, que a recorrente terá necessariamente de ser considerada como uma “consumidora” para os devidos efeitos legais.

14º A sentença recorrida não se pronuncia acerca da questão colocada pela recorrente relativa à validade ou nulidade da cláusula 6.ª, n.º 4, do contrato de aluguer de veículo sem condutor, limitando-se a tomar posição acerca da justeza dos valores reclamados pela R. Salvo melhor opinião, não é isso que está em causa, importando essencialmente ponderar a validade ou nulidade da cláusula, à luz do disposto no D.L n.º 446/85, de 25 de Outubro. Esse é o themadecidendum.

15º A imposição de uma cláusula não concretizada, isto é, incompleta, cuja compreensão cabal e adequada requer o conhecimento do teor de um documento alheio ao contrato, contende com o disposto no art.º 19.º, al. d), do D.L. n.º 446/85, de 25 de Outubro, aplicável à situação concreta por força do preceituado no art.º 20.º do mesmo diploma. Face à matéria de facto provada – com as alterações provenientes da impugnação constante da primeira parte deste recurso -, dúvidas não haverá de que a cláusula 6.ª, n.º 4 do contrato de aluguer de veículo sem condutor, por si só, não permite a compreensão do seu conteúdo, sendo a sua aceitação uma mera ficção, em virtude de a vontade da recorrente não dispor dos elementos mínimos necessários à sua compreensão cabal.

16º A referida cláusula é, objetivamente, em si própria e em conjugação com as demais disposições do contrato, insuficiente para que o destinatário se aperceba da sua real dimensão e significado. Apenas e só mediante um ato adicional do predisponente - que poderá ou não ocorrer -, isto é, a entrega do tarifário com os valores das “despesas administrativas”, poderá a referida cláusula ficar completa e compreensível para terceiros. Por esse motivo, a cláusula 6.ª, n.º 4, do contrato deverá ser julgada nula, ao abrigo do disposto no art.º 12.º do D.L. n.º 446/85, de 25 de Outubro.

17º A RCI Gest, como predisponente das cláusulas contratuais gerais, não entregou nem disponibilizou à recorrente a tabela aludida na cláusula 6.ª, n.º 4, do contrato de aluguer de veículo sem condutor, pelo que, naturalmente, a recorrente não tomou conhecimento do seu teor, desconhecendo, em absoluto, que montantes lhe poderiam vir a ser cobrados – e que vieram a ser reclamados – pela recorrida.

18º A sentença recorrida trilha um caminho desviante, mormente porque confunde os deveres de comunicação e de informação previstos, respetivamente, nos arts. 5.º e 6.º do D.L. n.º 446/85, de 25 de Outubro. Não pode deixar de se censurar, nesta parte, a sentença recorrida. Não há confusão possível entre os deveres de comunicação e de informação e, sublinha-se, a recorrente jamais invocou ter havido violação deste último dever.

19º Segundo Ana Prata [Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, Anotação ao D.L. n.º 446/85, de 25 de Outubro, Almedina, 2010, 216], citada na sentença recorrida, “(...) a remissão para documentos autonomizados do contrato e não assinados pelos contraentes deve ter o regime da alínea d) do art.º 8.º, isto é, serem consideradas cláusulas fixadas depois (ou independentemente, o que será equivalente) da assinatura de algum dos contraentes e, por isso, excluídas do contrato”.

20º O que sucedeu no caso vertente foi um verdadeiro incumprimento do dever de comunicação. Tal incumprimento é tudo menos inocente, pois, evidentemente, ao não comunicar aos clientes o tarifário das “despesas administrativas” que se propõe cobrar-lhes ao longo da duração do contrato, a RCI Gest estará sempre em condições de o alterar para valores que entenda mais convenientes sem ter que justificar ou sequer informar os clientes dessas alterações, assim escapando, através deste subterfúgio, à proibição do art.º 22.º, n.º 1, al. c), do D.L. n.º 446/85, de 25 de Outubro.

21º A sentença recorrida incorreu em erro, impondo-se a sua revogação na parte supra aludida, considerando violado pela R o dever de comunicação à recorrente da cláusula 6.ª, n.º 4, do contrato de aluguer de veículo sem condutor e, consequentemente, determinando a sua exclusão do dito contrato, de acordo com o preceituado nos arts. 5.º, ns. 1, 2 e 3, e 8.º, al. a), do D.L. n.º 446/85, de 25 de Outubro.

22º Nem todas as dívidas de que forem titulares ativos instituições financeiras sujeitas à supervisão do Banco de Portugal são suscetíveis de ser comunicadas, e inscritas, na CRC. Apenas as dívidas provenientes de operações de crédito (e nem todas) poderão ser objeto de tal comunicação, conforme decorre do disposto no art.º 1.º, ns. 1, al. a), e 2, do D.L. n.º 204/2008, de 14 de Outubro, e nos ns. 1, 2.1 e 3.1 Instrução n.º 21/2008, do Banco de Portugal.

23.º A sentença recorrida confunde o conceito de operação de crédito pressuposto pela legislação atinente à CRC com o conceito de crédito numa relação obrigacional – que, não é central nem relevante no que tange à determinação das comunicações a efetuar à CRC pelas entidades participantes – e incorre ainda num outro lapso, ao omitir a circunstância de a dívida comunicada só poder ser incluída numa das categorias constantes da tabela 4 do Anexo à Instrução n.º 21/2008 do Banco de Portugal.

24º Ora, a recorrida incluiu a suposta dívida numa dessas categorias constantes da tabela 4 do Anexo à Instrução n.º 21/2008 do Banco de Portugal: “crédito automóvel” (cfr. doc. n.º 6, junto com a petição inicial - mapa da CRC do Banco de Portugal referente à recorrente). Todavia, como a própria recorrida confessa e a sentença admite, a totalidade das prestações referentes ao crédito automóvel haviam já sido integralmente pagas!

25º Destarte, a dívida comunicada pela recorrida à CRC não tem cabimento em nenhuma das categorias constantes da tabela 4 do Anexo à Instrução n.º 21/2008 do Banco de Portugal – porque dívidas provenientes de prestações de serviço não têm ali cabimento -, não podendo, portanto, ter sido comunicada. Tal informação é, pelo exposto, falsa ou, no mínimo, incorreta.

26º Consequentemente, seja pela nulidade da cláusula 6.ª, n.º 4, do contrato de aluguer de veículo sem condutor, seja pela sua exclusão do referido contrato ou ainda pela circunstância de a dívida em causa não dever ser legalmente comunicada ao Banco de Portugal para inscrição na CRC, verifica-se um ilícito da recorrida, causador de danos para a imagem e o bom nome da recorrente. Verificando-se, assim, a totalidade dos pressupostos de que depende a responsabilização extracontratual da recorrida, deverá esta ser condenada a indemnizar a recorrente, nos termos impetrados na petição inicial.

27º No âmbito da resposta à contestação da recorrida, veio a recorrente expor que aquela não comunicou previamente a esta que pretendia prestar a informação do suposto incumprimento da recorrente ao Banco de Portugal. Mais se referiu que esse dever de comunicação ao devedor se impunha à recorrida RCI Gest como condição de comunicação à CRC do Banco de Portugal.

28º Pese embora esta questão ter sido suscitada no processo, a mesma não foi objeto de apreciação na sentença sob recurso. Dada a sua relevância para a boa decisão da causa, verifica-se uma omissão relevante de pronúncia, a qual determina a nulidade da sentença, nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. d), do C.P.C., nulidade essa que aqui se invoca para todos os efeitos legais, embora apenas subsidiariamente, para o caso de nenhum dos argumentos previamente expendidos merecer o provimento de V. Exas.

29º A sentença recorrida violou, assim, o disposto nos arts. 607.º, n.º 5, e 608.º, n.º 2, do C.P.C., e 5.º, ns. 1, 2 e 3, 8.º, al. a), 12.º, 19.º, al. d), do D.L. n.º 446/85, de 25 de Outubro, e 1.º, ns. 1, al. a), e 2, do D.L. n.º 204/2008, de 14 de Outubro, e ns. 1, 2.1, 3.1 e 4 da Instrução n.º 21/2008 do Banco de Portugal.

Termos em que se entende dever ser concedido provimento ao presente recurso, alterando-se a matéria de facto nos moldes propugnados supra e revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que, de acordo com a prova produzida, condene a recorrida nos termos impetrados na petição inicial.

Subsidiariamente, requer-se a V. Exas. que se dignem decretar a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, determinando-se a remessa dos autos à 1.ª instância, a fim de tal nulidade ser suprida.”


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Contra-alegou a recorrida, requerendo ainda a ampliação do recurso, concluindo nos seguintes termos:

CONCLUSÕES:

A. A douta sentença sob recurso não viola nenhuma das normas elencadas pela Recorrente.

B. No presente recurso são nove as questões que fundamentalmente se discutem.

C. Quanto ao julgamento da matéria de facto constante do ponto 15, parte final, dos factos provados da sentença do Tribunal de 1.ª instância, verificámos que da prova produzida resulta que esteve bem a douta sentença ao considerar a referida matéria de facto como provada.

D. De facto, o depoimento, a este propósito, da testemunha A, responsável dos serviços jurídicos da Ré entre 1995 e 2015, foi, compreensivelmente, considerado decisivo, devido ao seu profundo conhecimento acerca da atividade da Ré/Recorrida e face à menor consistência do depoimento da testemunha J.

E. No que diz respeito ao julgamento da matéria de facto constante do ponto 17 dos factos provados da sentença do Tribunal a quo, deve manter-se a decisão recorrida.

F. Resulta das regras da experiência e do depoimento da testemunha A que, face à utilização por parte da Autora/Recorrente de uma via portajada sem proceder ao respetivo pagamento, o que não foi contestado pela mesma, sempre teria a Ré/Recorrida, como frequentemente acontece, de prestar as informações solicitadas, no caso, pela AENOR, não tendo a Ré/Recorrida qualquer vantagem em inventar a existência de tais comunicações.

G. No que concerne ao julgamento da matéria de facto considerada não provada pela sentença do Tribunal a quo, em concreto, a alegada intenção da Recorrida de atingir o bom nome, honra e consideração da Recorrente, é de aplaudir a decisão do Tribunal de 1.ª Instância.

H. Efetivamente, a Recorrida não tinha qualquer intenção de prejudicar a Recorrente, tendo-se limitado a cumprir as suas obrigações de comunicação à Central de Responsabilidades de Crédito, que lhe são impostas nos termos da legislação em vigor nessa matéria.

I. Relativamente à validade da cláusula 6.ª, n.º 4 do contrato de aluguer de veículo sem condutor, foi com acerto que o Tribunal a quo considerou a referida cláusula válida.

J. A validade resulta da análise do clausulado contratual à luz do princípio da boa fé, sendo o teor da cláusula perfeitamente suficiente para que a Recorrente tivesse ao dispor toda a informação necessária para a compreensão das obrigações a que se vinculava.

K. Deve ser mantida a decisão do Tribunal a quo quanto à não exclusão da cláusula 6.ª, n.º 4 do contrato de aluguer de veículo sem condutor.

L. A Recorrida cumpriu integralmente os seus deveres de comunicação e informação, não se justificando a inserção da tabela de despesas no clausulado contratual. A Recorrente, sobre a qual impendem especiais deveres face à sua profissão, Procuradora Adjunta, pretende furtar-se às consequências da sua falta de diligência, o que não é de admitir.

M. No que diz respeito ao enquadramento da dívida da Recorrente no âmbito de aplicação do dever de comunicação à Central de Responsabilidades de Crédito, esteve bem a sentença do Tribunal a quo, ao considerar que a Recorrida tinha a obrigação de proceder à referida comunicação.

N. A sentença da 1.ª Instância não incorreu em qualquer nulidade, por omissão de pronúncia, ao não se debruçar sobre uma alegada violação do dever de informação aos devedores que recairia sobre a Recorrida.

O. Se a Recorrente pretendia que tal questão fosse apreciada, deveria tê-la alegado oportunamente, o que não fez.

P. A Recorrida requer ainda, ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 2 do CPC, a ampliação do âmbito do recurso, para que seja igualmente reapreciado pelo Tribunal ad quem o ponto 25 da matéria de facto considerada provada, a qual se pretende que seja considerada não provada.

Q. Entende a Recorrida que é esse o correto resultado da apreciação do depoimento da testemunha J (cfr. ficheiro áudio 20160315095606_4886733_2870571.wma, 00:06:12 a 00:07:05), o qual declarou não se recordar da data em que soube que o nome de sua mulher constava da CRC, dada a pouca importância de tal acontecimento na sua vida, o que não é coadunável com os alegados sentimentos de “angústia” e “sofrimento” da Recorrente.

R. A isto acresce o facto de a Recorrente ter tido já a possibilidade de acabar com a causa dos referidos sentimentos com o pagamento de uma mera quantia de € 60,00 e ter optado não o fazer, o que é um forte indício de que “angústia” e “sofrimento” serão termos exagerados para descrever o incómodo sentido pela Recorrente.

S. Mais requer a Recorrida, nos termos do disposto no artigo 636.º, n.º 1 do CPC, a ampliação do âmbito do recurso, para que seja apreciada a questão da ressarcibilidade do dano invocado pela Autora/Recorrente.

T. Para que haja lugar a um dano não patrimonial ressarcível tem que estar preenchido, nos termos do artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil, o requisito da gravidade do dano, o que, na hipótese subjudice, manifestamente não acontece.

U. A informação contida na Central de Responsabilidades de Crédito é confidencial, sendo apenas acessível ao conjunto das entidades participantes da CRC.

V. Como tal, o conhecimento por parte dessas entidades da inscrição do nome da Recorrente na CRC não se reveste, de forma alguma, de gravidade suficiente ao ponto de se consubstanciar num dano ressarcível.

NESTES TERMOS, com o douto suprimento de V. Exªs, deve:

a) Negar-se provimento ao recurso de apelação interposto, mantendo na íntegra a douta sentença do Tribunal a quo;

subsidiariamente,

b) Julgar não provada a matéria de facto constante do ponto 25 dos factos provados da sentença do Tribunal a quo, e julgar improcedente o recurso da Autora, por inexistência de qualquer dano ressarcível;

como é de Lei e de Justiça.”


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Respondeu a apelante à ampliação do recurso, concluindo dever ser “negado provimento às pretensões da recorrida no âmbito da ampliação do objeto do recurso, nomeadamente mantendo a decisão do Tribunal a quo quanto ao ponto 25 da matéria de facto provada e afastando o argumento da inexistência de dano ressarcível, por contrário ao Direito e à Lei, em tudo o mais se concluindo como nas alegações de recurso.”


***
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.


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II- Âmbito do recurso.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC [Código de Processo Civil] – resulta das formuladas pelos apelantes serem as seguintes as questões a apreciar:

1) erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto;

2) erro na aplicação do direito, como consequência da pugnada alteração da decisão da matéria de facto.

3)nulidade da sentença – por não pronúncia na sentença recorrida – invocada a título subsidiário e para o caso de nenhum dos argumentos invocados antes proceder.


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III- Fundamentação

Nota prévia – retificação de manifesto lapso de escrita: sob o nº 20 dos factos provados, o tribunal a quo, por manifesto lapso de escrita, escreveu “A ré tomou conhecimento(…)” quando manifestamente queria escrever “A autora tomou conhecimento(…)”.

Este lapso é evidenciado não só no contexto da alegação das partes, como da própria fundamentação de facto.

Pelo que aqui se declara a sua retificação e no elencar dos factos dados como provados, vai já considerado.


*

Na sentença sob recurso foram dados como provados os seguintes factos:

1 – Por escrito particular datado de 2 de Julho de 2004 a autora celebrou com a ré, no âmbito da atividade de locação de veículos automóveis a que esta profissionalmente e com intuito lucrativo, como Instituição Financeira de Crédito, se dedica, o acordo de vontades junto a fls. 17 ss., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, denominado “Contrato de Aluguer de Veículo Sem Condutor”, nos termos do qual, entre o demais, a ré declarou que “dá de aluguer ao locatário [ora autora] o veículo identificado nas condições especiais”.

2 – Nas referidas condições especiais as partes acordaram que o veículo automóvel em questão seria o Renault, modelo Megane 2 Break, de matrícula XQ, pelo preço total de 22.670,28 €, a pagar em prestações mensais e sucessivas.

3 - As partes acordaram também que o termo do contrato ocorria em 2 de Julho de 2007.

4 - Simultaneamente com o acordo referido em 1), por escrito particular as partes acordaram ainda que, na data referida em 3), mediante o pagamento da quantia de 3.176,47 €, a ré prometia declarar vender, prometendo a autora declarar comprar, o veículo identificado em 2).

5 - As cláusulas impressas nas condições gerais foram elaboradas de antemão pela ré, não tendo sido colocadas à discussão da autora.

6 - O veículo em causa destinava-se a ser usado nas normais deslocações da vida particular da autora.

7 – A autora procedeu ao pagamento das prestações convencionadas até à data referida em 3).

8 – Após a referida data, a ré recusou-se a proceder à entrega da declaração de venda do veículo, mesmo depois de receber da autora, em 2 de Abril de 2008, a carta junta a fls. 25 dos autos, na qual a mesma refere o seguinte: «C, locatária e promitente compradora no contrato melhor identificado em epígrafe, vem, face ao cumprimento integral e pontual do plano de pagamentos contido no mesmo, solicitar a V.ªsEx.as a emissão da declaração de venda referente ao veículo em causa, a qual se encontra em falta desde a data contratualmente fixada para a celebração do contrato prometido: 2 de Julho de 2007».

9 – A recusa referida em 8) foi justificada pela ré com o facto de estar ainda em dívida a quantia de € 60,00.

10 – Por causa do referido em 8) e 9) a autora apresentou contra a ré, em 29 de Agosto de 2008, no Centro de Informação e Arbitragem do Vale do Cávado, uma reclamação, pedindo que a R procedesse à emissão da declaração de venda.

11 – Notificada da reclamação referida em 10), a ré enviou a autora a carta junta a fls. 109 e 110 dos autos, datada de 10 de Outubro de 2008, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual refere, entre o demais, o seguinte: «No seguimento da reclamação (…) cumpre-nos informar o seguinte: [u]ma das atividades desta sociedade é a locação de veículos automóveis, sendo portanto necessária a existência de registos informáticos que permitam, em caso de existência de infrações ou multas o desencadear de processamentos automáticos para identificação do condutor perante os organismos oficiais. Assim, as impugnações/contestações que são processadas, com identificação do locatário como responsável da infração tem como consequência o débito dos respetivos custos administrativos, os quais, de acordo com as condições gerais do contrato celebrado, são da responsabilidade do locatário (v. cláusula 6ª, nºs 3 e 4). No caso em análise fomos notificados pela AENOR (anexo I) para identificação do locatário da viatura XQ, notificação à qual se deu cumprimento nos termos gerais (…). Em consequência, processamos a débito na sua conta corrente os custos (…) de acordo com a tabela de preços em vigor na R (…). Pelo facto de se encontrarem em mora valores emergentes da execução do contrato, a respetiva declaração de venda não foi processada. No entanto e, dado que a dívida existente emerge de uma prestação de serviço e não de dívida contratual, em anexo remetemos Mod. 2 da Conservatória, devidamente assinada e autenticada pelo vendedor, tendo, V. Exa. registada como comprador. Contudo, reiteramos a necessidade de regularização do débito de V. Exa. a esta entidade no montante de 60 €, que agradecemos. A Direção de Serviços a clientes está disponível para prestar a V. Exa. os esclarecimentos que entenda[] necessários».

12 – Em nota final, na carta referida em 11), a ré informou a autora que “a morada constante dos nossos registos diverge da indicada por V. Exa. na reclamação supra mencionada, pelo que iremos processar a respetiva alteração no sistema”.

13 – Com a carta referida em 11) a ré enviou a “tabela de preços em vigor na R”.

14 – Sob a epígrafe “Multas/Coimas, Despesas e Encargos” a cláusula 6ª do escrito referido em 1) consigna que «1 – O montante devido pelos impostos incidentes sobre a utilização do veículo locado (…) serão liquidados diretamente pela locadora (…) mas acrescem ao preço (…) sendo debitados ao locatário conjuntamente com o primeiro pagamento que, sendo por este devido, se vencer imediatamente a seguir àquela liquidação. 2 – A locadora tem direito de regresso sobre o locatário pelo valor das coimas e/ou multas que lhe sejam aplicadas pela autoridade competente em virtude de infrações ou contraordenações relativas ao estado, utilização e condução do veículo locado, sem prejuízo do direito a ser ressarcida de quaisquer outros prejuízos que daí advenham. 3 – O valor das coimas ou multas pagas pela locadora acrescerá ao primeiro pagamento que se vencer imediatamente a seguir à sua liquidação às autoridades emitentes. 4 – A locadora reserva-se ainda o direito de cobrar do locatário os custos inerentes às despesas administrativas a que este der causa, tais como as decorrentes da contestação de contraordenações, à emissão de segundas vias, a alterações de domiciliações bancárias ou outras, de acordo com a tabela em vigor na locadora para esses atos. 5 – São igualmente da responsabilidade do locatáriotodas asdespesas de natureza administrativa, judicial ou extrajudicial, em que a locadora vier a incorrer para garantia e cobrança dos seus créditos, incluindo honorários de advogados (…)».

15 – Aquando da subscrição do acordo escrito referido em 1) a autora não recebeu a tabela referida no nº 4 da cláusula 6ª, tendo-a disponível para consulta.

16 – A autora não solicitou à ré a tabela referida no nº 4 da cláusula 6ª, referida no artigo 14).

17 – Interpelada para o efeito, a ré prestou informação à AENOR relativa à identificação da condutora do veículo Renault, modelo Megane 2 Break, de matrícula XQ pelo facto de a autora ter utilizado uma via portajada sem proceder ao respetivo pagamento.

18 - Nos dias 14.06.2007 e 09.07.2007 a autora procedeu ao pagamento de valores relativos a despesas cobradas pela ré pela prestação de informações relativas à identificação do condutor do veículo objeto do contrato referido em 1), a solicitação da concessionária.

19 – Em Janeiro de 2009 a ré comunicou ao Banco de Portugal, para registo na Central de Responsabilidades de Crédito, a existência da dívida mencionada em 11).

20 – A Autora tomou conhecimento do referido em 19) no ano de 2013.

21 – Em data não concretamente apurada do ano de 2013 a autora, através de mandatário, enviou à ré uma carta solicitando a retirada do seu nome da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.

22– Na sequência da missiva mencionada em 21), em 22.11.2013 a ré respondeu com o envio da carta junta a fls. 27 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, referindo, entre o demais, o seguinte: «[e]ntre Junho e Julho de 2007 a R foi notificada para proceder à identificação do locatário da viatura 62-10-XQ relativamente a 6 infrações/multas – notificações às quais deu integral cumprimento; Como tal, foram gerados 6 movimentos de 15€ cada, correspondentes aos respetivos custos administrativos; Acontece porém que apenas 2 movimentos foram liquidados nas respetivas datas de vencimento. Os restantes 4 movimentos ficaram por liquidar, tendo sido devolvidos pelo Banco com a indicação de conta sem saldo ou saldo insuficiente. Estes factos são do conhecimento da V/ Constituinte; Aliás, na N/ carta de 10/10/2008 foi reiterada a necessidade de regularização do valor em mora de 60 €; Não obstante, tal montante permanece por liquidar até à presente data (…). Porquanto, somos a informar que só após a liquidação do valor em mora de 60€ é que será retirado o reporte junto da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal».

23 - A autora é Procuradora-Adjunta em funções, nunca tendo tido qualquer situação de incumprimento bancário.

24 - É pessoa considerada e respeitada no seu meio familiar e social.

25 - A inclusão do seu nome na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal provocou-lhe preocupação, angústia e sofrimento, por tal facto ter passado a ser do conhecimento dos funcionários da entidade bancária onde se encontra sedeada a sua conta.


Foram ainda dados como não provados os seguintes factos:

“Com pertinência para o mérito da causa não se provaram os demais factos alegados, designadamente que a ré tenha atuado com a intenção de atingir o bom nome, honra e consideração da autora.”


***
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Conhecendo.

1)Em função do supra decidido, cumpre apreciar a decisão da matéria de facto.

Na reapreciação da matéria de facto – vide nº 1 do artigo 662ºdo CPC - a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão.

Tendo presente que o princípio da livre apreciação das provas continua a ser a base, nomeadamente quando em causa estão documentos sem valor probatório pleno; relatórios periciais; depoimentos das testemunhas e declarações de parte [vide art.os 341º. a 396º. do Código Civil (C.C.) e 607.º, n.os 4 e 5 e ainda 466.º, n.º 3 (quanto às declarações de parte) do C.P.C.], cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis. Fazendo ainda [vide António S. Geraldes in “Recursos no Novo Código do Processo Civil, 2ª ed. 2014, anotação ao artigo 662º do CPC, págs. 229 e segs. que aqui seguimos como referência]:

-uso de presunções judiciais – “ilações que a lei ou julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido” (vide artigo 349º do CC), sem prejuízo do disposto no artigo 351º do CC, enquanto mecanismo valorativo de outros meios de prova;

-ou extraindo de factos apurados presunções legais impostas pelas regras da experiência em conformidade com o disposto no artigo 607º n.º 4 última parte (aqui sem que possa contrariar outros factos não objeto de impugnação e considerados como provados pela 1ª instância);

-levando em consideração, sem dependência da iniciativa da parte, os factos admitidos por acordo, os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito por força do disposto no artigo 607º n.º 4 do CPC (norma que define as regras de elaboração da sentença) ex vi artigo 663º do CPC (norma que define as regras de elaboração do Acórdão e que para o disposto nos artigos 607º a 612º do CPC remete, na parte aplicável).

Importa ainda ter presente que é ónus dos recorrentes apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pedem a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que estas têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC.

Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição devem os recorrentes especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):

“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

Ora analisadas as conclusões formuladas pelo recorrente e recorrida – na sua ampliação de recurso - conclui-se que ambos cumpriram o seu ónus, tendo de forma clara pugnado:

- a recorrente A. pela alteração dos factos provados, por forma a os elencados sob os n.ºs 15 (último segmento) e 17 passarem a não provados.

E pela alteração do facto não provado, que deverá passar a provado;

- a recorrida R. (em sede de ampliação de recurso) pela alteração da resposta dada ao facto 25, pugnando pela sua introdução nos factos não provados.


*

Tendo presentes os considerandos acima expendidos quanto aos poderes do tribunal na reapreciação da matéria de facto, importa analisar a prova produzida com relevo para os factos em questão.

Como fundamento da pretendida alteração do ponto 15 dos factos provados – no que respeita ao segmento em apreciação: “tendo-a disponível para consulta” – invocou a A. a insuficiência da prova testemunhal produzida, na medida em que do depoimento da testemunha da R. A, de que o tribunal a quo se socorreu, resultou a testemunha sobre tal facto não ter conhecimento direto. Tendo-se pronunciado apenas por referência ao que era procedimento habitual da R. Para além de ser incompatível com o depoimento da testemunha Jorge Gonçalves.

Em sentido contrário, tendo a R. invocado a menor consistência do depoimento desta última testemunha, contra o profundo conhecimento da atividade da R. demonstrado pela testemunha A.

No que a este ponto da matéria de facto respeita, apenas foi produzida prova testemunhal.

Ouvidos os depoimentos prestados é certo que sobre esta matéria apenas se pronunciaram as testemunhas J e A.

A primeira referiu, em termos genéricos nunca “terem” [a testemunha é casada com a A.] tido conhecimento da tabela antes da carta de 2008 com a qual é enviada a declaração de venda. Tabela que igualmente referiu não acompanhar o contrato nem estar disponível nomeadamente no "site" da R.. E que igualmente reconheceu, não foi pedida.

Por sua vez a testemunha A referiu que à data da celebração do contrato a tabela estava disponível em todos os concessionários Renault onde eram celebrados os contratos e de livre acesso ao locatário, “para quem a quisesse ver”.

Embora o depoimento desta testemunha tenha sido assertivo e efetivamente tenha demonstrado conhecimento sobre o modo de procedimento habitual da aqui R., facto é que em concreto nenhum conhecimento demonstrou ter sobre o circunstancialismo que rodeou a celebração do contrato em causa nos autos.

A referência ao procedimento genérico, habitual ou definido por parte da R. sobre a disponibilização da tabela referida no n.º 4 do artigo 6º da cláusula do contrato aos locatários por parte dos concessionários aquando da celebração dos contratos, não permite a conclusão de, no caso em concreto, tal tabela ter sido disponibilizada ou “estar disponível” para consulta por parte da A.

Note-se que e para que se pudesse concluir nestes termos impunha-se em concreto saber se no momento da celebração do contrato, no concessionário onde o contrato foi outorgado, a tabela em questão estava efetivamente acessível à A..

De tal não foi feita prova cabal. Não só sobre o caso concreto a testemunha não se pronunciou, como a testemunha J se pronunciou em sentido contrário.

O que impõe a alteração à resposta dada ao facto 15º - eliminando, conforme pugnado pela A., o segmento “tendo-a disponível para consulta” que assim passará para os factos não provados.

Quanto ao facto 17º, defende a A. que o mesmo deveria ter sido dado como não provado na totalidade.

O tribunal a quo fundou a resposta a este facto nos seguintes termos:

“Resta dizer que a convicção de que a ré efetivamente prestou a informações que alega à AENOR resultam fundamentalmente do facto de a mesma desde 2008 o referir, designadamente na correspondência trocada e já mencionada, sem que alguma vez tal tenha sido posto em causa por alguém, não sendo minimamente crível, à luz do que é normal, que estas despesas traduzissem uma invenção daí para a frente mantida, pois não há qualquer dúvida de que o pleito já originou para a parte prejuízos que em muito sobrelevam hipotéticas vantagens.”

Invoca a recorrente não ser verdade a afirmação que nunca tenha questionado a prestação das ditas informações, porquanto não só no artigo 19º da p.i. o impugnou, como igualmente o fez na reclamação apresentada junto do CIAVC, conforme doc. 4 junto aos autos.

Igualmente alega não ter a recorrida produzido prova documental ou testemunhal nesse sentido.

Contrapôs a recorrida que resulta das regras da experiência e do depoimento da testemunha A que face à utilização da A. de via portajada sem pagar – o que pela mesma não foi contestado – sempre a R. teria de prestar a informação em causa à AENOR.

Para apreciação desta questão, importa considerar não só a prova testemunhal produzida – nomeadamente o depoimento da testemunha A e J, como a prova documental oferecida aos autos e posição processual assumida pela A..

O tribunal a quo fundou-se em suma na não impugnação desde 2008 da efetiva prestação das informações em causa, associado ao comportamento expectável, “normal” da R..

Analisados os autos, verifica-se assistir razão à A. quando invoca que nestes autos impugnou a prestação das informações em causa – expressamente o afirmou no artigo 19º da p.i. onde se pode ler “ainda que a Ré tivesse prestado as informações que alega, o que não se aceita (…)”.

A declaração de não aceitação é uma forma de impugnação válida, tal como decorre do disposto no artigo 574º do CPC.

Sendo esta afirmação quanto baste para que se tenha de considerar controvertida esta factualidade nos autos e por tanto carecida de prova, nomeadamente documental.

Embora a A. tenha ainda invocado para prova da mencionada impugnação o “doc. 4 junto com a petição inicial” facto é que tal documento não chegou a ser junto aos autos.

Não obstante e analisada a prova documental junta aos autos extrai-se igualmente do doc.de fls. 20 (carta enviada à R sob o assunto “Retirada de ex-cliente da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal”) posição da A. consonante com a referida impugnação, pois aí é afirmado, sobre o alegado crédito de 60 € reportado às comunicações em causa “ que o crédito mencionado não existe nem nunca existiu”, impugnada se devendo considerar também a causa do mesmo – ou seja as informações ora em questão.

Com relevo para esta questão importa ainda referir que a fls. 103 a 106 dos autos foi junto extrato de conta corrente pela R., do qual consta o registo das operações em causa (vide fls. 106 em concreto): na verdade foram lançados a débito 6 movimentos de € 15,00 cada descriminados como “identificações C/C”. A final constando como saldo devedor € 60,00.

Este extrato é contudo da exclusiva autoria da R., não tendo sido feita prova, nem sequer alegado foi, que tal extrato foi notificado à A. em momento anterior à sua junção aos autos, pelo que do mesmo se não pode extrair sem mais a correção dos movimentos nele apostos nem a sua aceitação por parte da A.. Ou seja do mesmo não se pode extrair que as informações foram efetivamente prestadas.

Conjugando esta prova documental com a prova testemunhal, temos o depoimento da testemunha A, a qual afirmou estarem em causa 4 pedidos de informação e respostas da R. que assim pretendeu afirmar tiveram lugar – tendo ainda dado nota de terem ocorrido despesas relativas a duas outras informações, pagas pela A..

Esta afirmação da testemunha carecia contudo de ser sustentada em prova documental que evidenciasse quer o efetivo pedido da AENOR quer a resposta da R.. Prova documental que diga-se ainda, a testemunha não referiu em concreto ter visto - quer os pedidos de informação quer as respostas enviadas em concreto; tão pouco tendo referido ter sobre as mesmas tido qualquer intervenção.

A credibilidade que a R. enquanto instituição a operar no mercado em termos genéricos merece e que no fundo serviu de fundamentação para a convicção do tribunal a quo – associada à não impugnação anterior, que como vimos nesta parte não encontra correspondência nos autos – não obvia, para além do mais, o juízo igualmente válido de e desde logo ser possível o cometimento de erros no processamento de dados. Por tal e não esquecendo ainda que a testemunha J não confirmou o conhecimento de qualquer pedido de pagamento relativo à AENOR, entende-se que a prova produzida não é suficiente para formar a convicção do tribunal com a segurança que lhe é exigida sobre a factualidade constante deste ponto 17 dos factos provados. Devendo a dúvida ser resolvida contra a parte onerada com a prova destes mesmos factos (artigo 414º do CPC), consequentemente passando para os factos não provados a factualidade constante deste ponto 17 dos factos provados.

Finalmente – e no que à impugnação da A. concerne – pugnou ainda a mesma pela introdução nos factos provados do facto não provado.

Fundou esta sua pretensão no juízo prévio que faz sobre os pressupostos da comunicação à CRC do Banco de Portugal e na natureza da dívida em causa que igualmente enquadra de modo diferente da R..

Concluindo não haver fundamento para a mencionada comunicação e daí inferindo a “intenção de atingir o bom nome, honra e consideração” da sua pessoa.

Do mesmo modo a recorrida secunda o entendimento do tribunal, invocando a verificação dos pressupostos para o envio da comunicação em questão.

A intenção/vontade da R. teria de ser aferida em função de acontecimentos/factos reais para além da interpretação que a A. fez da sua atuação junto da CRC.

Embora a mesma possa ser e será ponderada na apreciação dos pressupostos da responsabilidade civil, não é por si só suficiente para permitir a conclusão da intenção que a A. lhe imputa.

Improcede assim neste ponto a reclamação da A..

Resta por último apreciar, em sede de reapreciação da matéria de facto, o ponto 25 dos factos provados que a R. [no âmbito da ampliação do recurso por si deduzida] pugna deveria ter sido dado como não provado.

Funda a sua pretensão:

-no depoimento da testemunha J, atento o facto de este ter referido não se recordar da data em que soube que o nome da sua mulher constava da CRC, “dada a pouca importância de tal acontecimento na sua vida”;

- não coadunável esta afirmação com os sentimentos de angústia e sofrimento da recorrente;

- para além de que a recorrente já poderia ter acabado com a causa do sofrimento com o pagamento da referida quantia de € 60,00.

Ouvido o depoimento da testemunha em causa, verifica-se que o mesmo afirmou de forma espontânea que em 2013 sabem (entende-se testemunha e A.) da dívida pelo banco, pela gestora da CGD.

Na insistência sobre uma data mais precisa, referiu então não ter memória do dia exato, por não ter sido “momento especialmente marcante”, realça-se, para a testemunha, não para a A., conforme se deduz do seu discurso.

Mais resulta da audição de tal depoimento a afirmação de que a A. ao tomar conhecimento da inclusão do seu nome na CRC, fica preocupada com a situação, angustiada, sentindo que é injusto e que a atuação da R. não tem razão.

Neste contexto, afastados ficam os dois primeiros argumentos invocados pela recorrida quanto a este ponto.

Certo sendo que o terceiro argumento não é válido – se a A. questiona a dívida e a sua obrigação de pagamento; mais, se questiona a correção do comportamento da R., não é legítimo concluir da sua não opção de pagamento da quantia em questão pela inexistência do invocado sofrimento e respetiva causa.

Resta dizer que também a testemunha F confirmou o sofrimento da A..

Nesta medida, improcede o neste ponto requerido pela R., mantendo-se o ponto 25 dos factos provados.

Em função do assim decidido, impõe-se:

- considerar eliminado o último segmento do facto 15º dos factos provados, cuja redação passa a ser – “Aquando da subscrição do acordo escrito referido em 1) a autora não recebeu a tabela referida no nº 4 da cláusula 6ª”;

Passando para os factos não provados o segmento eliminado – “tendo-a disponível para consulta” [entenda-se a tabela referida em 15) dos factos provados];

- considerar eliminado dos factos provados o constante em 17) dos mesmos;

-no mais manter nos factos não provados a matéria ali mencionada sobre a intenção da R..

Procede assim parcialmente a pretensão da A. em sede de reapreciação da matéria de facto e improcede a pretensão da R., nesta mesma sede.


*

Do direito.

Em função do acima decidido e da alteração operada na matéria de facto, cumpre apreciar de direito, sendo certo que o tribunal não está vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito [vide artigo 5º nº 3 do CPC], sem prejuízo do limite imposto pelo artigo 609º quanto ao objeto e quantidade do pedido.

Baseia-se o pedido da A. – elencado sobre várias alíneas – desde logo na pressuposta e peticionada exclusão ou declaração de nulidade da cláusula 6ª n.º 4 do contrato denominado de “Aluguer de veículo sem condutor” entre as partes celebrado, por violadora dos normativos legais do DL 446/85 de 25/10.

Dispõe esta cláusula “A locadora reserva-se ainda o direito de cobrar do locatário os custos inerentes às despesas administrativas, a que este der causa, tais como as decorrentes da contestação de contraordenações, à emissão de segundas vias, a alterações de domiciliações bancárias ou outras, de acordo com a tabela em vigor na locadora para esses atos”.

Exclusão esta que funda na sua deficiente comunicação, por a sua formulação não permitir aos destinatários, in casuà A., uma ponderação sobre os valores que eventualmente poderá ser chamada a pagar à R., por não minimamente indicados nem indicada a forma de os determinar, em violação do disposto nos artigos 5º n.ºs 1 e 2 e 8º al. d) do DL 446/85.

Nulidade que funda na imposição de aceitação de custos sem se conhecer em concreto os valores – em violação portanto do disposto no artigo 19º al. d) do DL 446/85.

A aplicação do invocado diploma às cláusulas do contrato entre as partes celebrado, está dependente de as mesmas terem sido elaboradas sem prévia negociação individual, limitando-se os proponentes ou destinatários indeterminados a respetivamente as subscrever ou aceitar.

Assim o dispõe o artigo 1º do citado DL, definindo a sua aplicabilidade a cláusulas contratuais gerais [com exceção das situações indicadas no artigo 3º do mesmo DL, manifestamente sem aplicação ao caso dos autos], definidas estas como aquelas que são “elaboradas sem prévia negociação individual que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem respetivamente a subscrever ou aceitar” – art.º 1º n.º 1 do cit. DL.

Sendo que o ónus da prova de que uma cláusula contratual geral resultou de negociação prévia entre as partes – assim afastando a aplicação do disposto neste DL - recai sobre quem pretende prevalecer-se do seu conteúdo, conforme decorre do art.º 1 º n.º 3 do cit. DL.

Nos termos do preceituado no art.º 8.º do cit. DL, consideram-se excluídas dos contratos singulares: “a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º”.

Dispondo o dito art.º 5º que as cláusulas contratuais gerais, devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las. Comunicação essa a realizar de modo adequado e com a antecedência necessária para que o conhecimento de tais cláusulas, atendendo à sua extensão e complexidade se torne completo e efetivo para quem use de comum diligência (n.º 1 e 2 do cit. art.º 5º).

Sendo que o ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe ao contratante determinado que submete a outrem as cláusulas contratuais gerais, in casu a aqui R..

Da factualidade apurada resulta claro que a cláusula em questão nos autos é geral e não resultou de prévia negociação entre as partes, porquanto está inserida nas condições gerais de tal contrato – vide 5) dos factos provados e contrato junto a fls. 16/17 dos autos.
Analisada a cláusula em questão, verifica-se que a mesma impõe aos aderentes, in casu à aqui A., a obrigação de assumir despesas administrativas, sem que seja especificado/clarificado quais os valores em questão.
Antes remete para um documento/tabela externo ao contrato, que o não acompanha e não foi entregue à A. aquando da assinatura do contrato – vide 15) dos factos provados - como era ónus da R..
Só através da entrega de tal tabela seria possível à A. tomar conhecimento das efetivas obrigações por si assumidas, do seu total âmbito e conteúdo, extensão e complexidade.
O mesmo é dizer que sem a entrega de tal tabela em simultâneo com a assinatura do contrato, único meio de suprir a falta de especificação dos valores mencionados em abstrato na cláusula em questão, se impõe a conclusão de que esta cláusula não foi devidamente comunicada à A. nos termos impostos pelo artigo 5º do DL 446/85.
Consequentemente considera-se o n.º 4 da cláusula 6ª em análise excluída do contrato entre A. e R. celebrado, em respeito pelo artigo 8º al. a) do mesmo DL – neste mesmo sentido, em situação idêntica, se pronunciou já o STJ no Ac. de 15/05/2008, Relator Mota Miranda, in http://www.dgsi.pt/jstj .
Mantendo-se no mais o contrato entre as partes celebrado, conforme o dispõe o artigo 9º n.º 1 do DL em menção [não sendo in casu aplicável a sanção de nulidade prevista no n.º 2 por em causa não estarem aspetos essenciais do contrato, nem desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé].

Assente a exclusão do n.º 4 da cláusula 6ª em questão, importa daí retirar as necessárias consequências, no âmbito do objeto do processo.

Alegou a A. que a R. indevidamente comunicou ao BP – para registo na CRC - a existência da dívida de € 60,00 que da A. reclamava ao abrigo da cláusula ora declarada excluída do contrato.

A consequência da exclusão da cláusula em questão do contrato, é a necessária inexistência da dívida ao abrigo da cláusula contratual, a implicar por esta via e sem mais a necessária eliminação do registo da CRC do BP da mesma.

A esta conclusão se chegaria de igual modo, por outra via.

O contrato entre as partes celebrado é um contrato atípico de aluguer de viatura de longa duração, associado a uma promessa de venda a final, do qual se extrai ser o fim indireto do contratoo da venda a prestações com reserva de propriedade. “Qualificar este contrato simplesmente como contrato de aluguer de automóveis ou como contrato de venda a prestações com reserva de propriedade resulta, em qualquer dos casos, no desrespeito pela vontade contratual” Pedro Pais de Vasconcelos, Contrato Atípicos, ed. 1995, p. 245 cit. in Ac.RP de 19/04/99 in CJ Ano 99, TII, p. 204 e segs..

Enquanto contrato de ALD e atendendo ao princípio da liberdade contratual consagrado no art.º 405º do C.C. há que recorrer às cláusulas do contrato entre as partes celebrado, em tudo o que não seja contrário a disposições legais imperativas e na sua ausência ao regime do contrato de aluguer de veículo sem condutor regulamentado no DL 354/86, ao contrato de locação previsto nos art.ºs 1022º e segs. do C.C., ou ainda ao contrato de Locação financeira regulado pelo DL 149/95 consoante o que resultar mais conforme ao acordo de vontades manifestado pelos contratantes (vide neste sentido Ac. RG de 25/01/2011, Relatora Teresa Pardal in http://www.dgsi.pt/jtrg).

Estabelecida uma relação contratual entre as partes, para as mesmas derivam deveres principais ou típicos; secundários e ainda deveres acessórios de conduta.

Os deveres principais definem o tipo da relação estabelecida, no caso do aluguer – a obrigação de entregar o bem cedido para gozo do locatário pelo prazo previamente estabelecido e da parte desteo pagamento da contraprestação acordada; nos deveres secundários, por seu turno incluem-se aqueles que se destinam a preparar o cumprimento ou a assegurar a perfeita execução da obrigação principal, ou ainda e de forma complementar a indemnizar danos moratórios ou por cumprimento defeituoso, ou a permitir operações de liquidação [vide Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 6ª ed., p. 123/124].

Por seu turno os deveres acessórios de conduta que tanto recaem sobre o credor como sobre o devedor, não “interessando diretamente à prestação principal, nem dando origem a qualquer ação autónoma de cumprimento (cf. arts. 817º e segs.) são todavia essenciais ao correto processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra”(vide p. 124/125 mesmo autor in ob. cit.), contendendo com o dever geral de agir de boa-fé. Podendo a sua violação obrigar, nomeadamente, à indemnização dos danos causados à outra parte (p. 129, mesmo autor in ob. cit.).

Na mesma linha, Mota Pinto in “Cessão da Posição Contratual”, ed. 1982, distingue numa relação contratual deveres principais de prestação (e direitos correspetivos) dos deveres secundários com prestação autónoma [prestações sucedâneas do dever primário de prestação] e dos deveres acessórios da prestação principal e que se caraterizam “por uma função auxiliar da realização positiva do fim contratual e de proteção à pessoa ou aos bens da outra contra os riscos de danos concomitantes” (…) “não implicando a sua violação o inadimplemento ou a mora no cumprimento do dever de prestação, mas importando uma violação contratual positiva.” (vide p. 337, 339 e 342 in ob. cit.).

Analisado o contrato entre as partes celebrado, temos como obrigação principal a cedência da gozo do veículo locado pelo prazo acordado e respetiva contrapartida de pagamento das rendas mensais estipuladas. Associada ainda à obrigação de emissão de declaração de venda nos termos do contrato promessa celebrado entre as partes, conforme referido em 4) dos factos provados.

Como deveres secundários – que asseguram a perfeita execução da obrigação principal - podemos realçar entre outros, os deveres de restituição do veículo findo o contrato [salvaguardada a hipótese de transmissão da propriedade do veículo que na mesma altura fora acordada entre as partes] e a este associado os deveres de manutenção, conservação e utilização do veículo consagrados nas cláusulas 13ª, 8ª e 7ª do contrato respetivamente.

A obrigação da cláusula 6ª n.º 4 do contrato entre as partes celebrada [não fora a exclusão já determinada] manifestamente se não enquadra no cumprimento da obrigação principal de cedência do gozo do bem locado e correspetiva obrigação de pagamento da contrapartida mensal acordada. Nem na final obrigação de transmissão da propriedade.

Tão pouco visando assegurar a perfeita execução daquelas obrigações principais.

É seu único fito transferir para a locatária os custos inerentes a despesas administrativas pela locadora suportadas, como consequência de atuação daquela pela utilização do bem locado.

Tendo presente este enquadramento jurídico da relação contratual entre as partes estabelecida, resta aferir perante o mesmo da legitimidade da comunicação à CRC - Central de Responsabilidades de Crédito - efetuada pela R..

O objeto desta CRC, antes Serviço de Centralização de Riscos de Créditos consagrado já pelo DL 29/96 de 11/04 cujo objetivo é o de permitir às instituições de crédito e sociedades financeiras avaliarem corretamente os riscos das suas operações, foi definido pelo DL 204/2008 de 14/10 que revogou o anterior nos seguintes termos:

“1 - A Central de Responsabilidades de Crédito (CRC), assegurada pelo Banco de Portugal, nos termos da sua Lei Orgânica, aprovada pela Lei nº 5/98, de 31 de Janeiro, tem por objeto:

a) Centralizar as responsabilidades efetivas ou potenciais de crédito concedido por entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal ou por quaisquer outras entidades que, sob qualquer forma, concedam crédito ou realizem operações análogas;

b) Divulgar a informação centralizada às entidades participantes;

c) Reunir informação necessária à avaliação dos riscos envolvidos na aceitação de empréstimos bancários como garantia no âmbito de operações de política monetária e de crédito intradiário.

2 - A Central de Responsabilidades de Crédito abrange a informação recebida relativa a responsabilidades efetivas ou potenciais decorrentes de operações de crédito, sob qualquer forma ou modalidade, de que sejam beneficiárias pessoas singulares ou coletivas, residentes ou não residentes em território nacional.

3 - O disposto nos números anteriores não prejudica as obrigações de tratamento ou de divulgação de informação previstas noutros diplomas legais.”.

Sendo entidades participantes “as entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal que concedam crédito, sucursais de instituições de crédito com sede no estrangeiro e atividade em Portugal e outras entidades designadas pelo Banco de Portugal que, de algum modo, exerçam funções de crédito ou atividade com este diretamente relacionada.” (artigo 2º n.º 1 do mesmo DL), resulta do nº 4 deste mesmo artigo ser “A informação divulgada pelo Banco de Portugal, constante da Central de Responsabilidades de Crédito, (…) da responsabilidade das entidades que a tenham transmitido, cabendo exclusivamente a estas proceder à sua alteração ou retificação, por sua iniciativa ou a solicitação dos seus clientes, sempre que ocorram erros ou omissões.”.

Sobre o dever de informação a que as entidades participantes estão sujeitas, regula ainda o artigo 3º deste mesmo DL “As entidades participantes ficam obrigadas a fornecer ao Banco de Portugal, nos termos da regulamentação aprovada, todos os elementos de informação respeitantes a responsabilidades efetivas ou potenciais decorrentes de operações de crédito concedido em Portugal, referidos no número seguinte, e, quando requeridos pelo Banco de Portugal, todos os elementos de informação relativos a responsabilidades efetivas ou potenciais decorrentes de operações de crédito concedido no estrangeiro pelas suas sucursais no exterior.”.

Constituindo contraordenação não só a violação do dever de comunicação, como a comunicação de informação incompleta ou inexata (vide artigo 9º do mesmo DL).

Analisados todos estes normativos dos mesmos emerge, como nota identificadora subjacente à aplicação das obrigações previstas neste DL a existência de uma “operação de crédito”.

Ora atenta a natureza do contrato entre as partes celebrado, é claro que à A. não foi concedido qualquer crédito, nem celebrado qualquer contrato de crédito e muito menos “crédito automóvel” ao contrário do que foi comunicado à CRC – tal como se evidencia no doc. da CRC de fls. 147 dos autos (consulta de Responsabilidades Individuais).

Desta consulta (doc. oferecido aos autos pela R. a fls. 143 e segs., para prova das comunicações por si dirigidas ao BP) resulta que ali foi o valor dos € 60,00 relativo a despesas administrativas identificado como:

-produto financeiro “012 - crédito automóvel”;

-situação de crédito “003-cred vencido”;

-classedo crédito vencido “009 + 18 a 24 m”.

Tendo estes códigos correspondência com as tabelas: 4- produto financeiro (código 012); tabela 2-situação do crédito (código 003); tabela 5-classe do crédito vencido (código 009) da Instrução 21/2008 do BP que publicou o Regulamento da CRC.

E para afastar dúvidas sobre as operações abrangidas pelo dever de comunicação de cada uma das entidades participantes, foram estas elencadas no ponto 3.2 do mencionado Regulamento.

Em nenhuma das operações elencadas nas alíneas a) a j) deste ponto 3.2 se pode enquadrar o montante reclamado pela R. da autora, proveniente de despesas administrativas.

Relembra-se que em causa está uma reclamada dívida por despesas administrativas e não a concessão de qualquer operação de crédito para os efeitos do referido Regulamento [utilização de linhas de crédito; cartões; operações com ativos financeiros; utilização total ou parcial de empréstimos de poupança-emigrante;montantes de garantias prestadas pelas entidades participantes para assegurar o cumprimento de operações de crédito concedido por outras entidades participantes; montantes das fianças e avales prestados a favor da entidade participante, a comunicar em nome dos fiadores e avalistas, a partir do início do contrato de mútuo, até ao limite da garantia prestada; créditos tomados com recurso, a comunicar em nome dos aderentes, a partir do momento da realização da operação, devendo ser reclassificados em situação de incumprimento os créditos em que tenham decorrido 90 dias após o vencimento das faturas ou dos títulos cambiários; créditos tomados sem recurso, a comunicar em nome dos devedores e com conhecimento destes, decorridos 90 dias após o vencimento das faturas ou dos títulos cambiários (…); créditos cedidos em operações de titularização, a comunicar pela entidade cedente, em nome do devedor (…); créditos afetos a obrigações hipotecárias ou obrigações sobre o sector público, a comunicar pela instituição de crédito emitente das obrigações, em nome do devedor; créditos concedidos pelo Estado ao abrigo do Decreto-Lei n.º 103/2009, de 12 de maio].

Impõe-se pois a conclusão de que mesmo que a referida cláusula 6ª nº 4 não tivesse sido considerada excluída do contrato, sempre a comunicação efetuada pela aqui R. à CRC sobre uma alegada dívida de crédito sobre a A. constitui uma atuaçãoilícita por não preencher os pressupostos que não só a determinam, mas igualmente a permitem.

A impor a sua eliminação da mencionada CRC, conforme peticionado pela autora.

Cumpre agora apreciar o pedido indemnizatório formulado pela autora.

Peticionou a A. a condenação da R. ao pagamento de uma indemnização a título de danos não patrimoniais, derivado dos padecimentos e incómodos que esta indevida comunicação lhe causou.

A R. excecionou a prescrição deste direito indemnizatório, para tanto alegando:

- que a A. teve conhecimento da inscrição na CRC logo em 2008, quando teve lugar tal inscrição.

Pois que logo em 2008 apresentou junto do BP uma reclamação contra a R..

- Tendo desde 2008 a 2015 passado mais de 7 anos e prescrevendo tal direito em 3 anos, nos termos do 498º do CC.

Relegado o conhecimento desta exceção para final, e não tendo a mesma sido apreciada, por prejudicada, nos termos do decidido pelo tribunal a quo, cumpre ora conhecer da mesma.

Dos factos provados resulta que a comunicação da informação à CRC ocorreu em janeiro de 2009 [vide 19) dos factos provados]. Contudo a A. tomou conhecimento da mesma apenas em 2013 [vide 20) dos factos provados, com a retificação já supra assinalada].

A ação foi instaurada em fevereiro de 2015, menos de 3 anos após o conhecimento do facto em questão.

Consequentemente é manifesta a improcedência da invocada exceção de prescrição [vide artigo 498º n.º 1 do CC].

O que assim se declara.

Conforme já analisámos a atuação da aqui R. foi ilícita, porquanto comunicou à CRC a existência de uma dívida vencida e não paga proveniente de um crédito automóvel concedido à A.. Crédito este que não existiu.

Quando a A. tomou conhecimento desta situação, solicitou a mesma à aqui R. em 2013 (em data não concretamente apurada) que retirasse o seu nome da CRC - vide 21) dos factos provados e doc. de fls. 20/21.

Em tal carta a A. realçou o integral cumprimento do contrato de ALD; a inexistência da reportada dívida e mesmo a existir, a nulidade da cláusula em que se poderia estribar

Ao que a R. respondeu negativamente, reiterando a sua posição nos termos da carta mencionada em 22) dos factos provados, onde dá nota de que o valor comunicado à CRC corresponde a “custos administrativos” e que só após a regularização de tal valor, retirará a “reporte” junto da CRC.

Conforme já acima se deixou mencionado – artigo 2º n.º 4 do DL 204/2008, é a entidade participanteque cabe toda a responsabilidade pelas comunicações efetuadas e a quem igualmente compete proceder à sua alteração e retificação, sempre que ocorram erros ou omissões.

Tendo a R. sido interpelada a efetuar a eliminação da informação pela A. que reputou de inadequada, incumbia-lhe verificar o preenchimento dos seus pressupostos, caso da sua parte tivesse ocorrido algum lapso e em conformidade proceder.

Note-se que a A. em tal missiva realçou o total cumprimento do contrato de ALD.

E em resposta a R. reitera a sua posição por referência a “custos administrativos”, não obstante na comunicação para a CRC ter feito constar como origem do crédito por si comunicado como vencido: “produto financeiro – crédito automóvel”. Ora entre A. e R. não foi celebrada qualquer operação de crédito para aquisição de automóvel. O que a A. celebrou foi o já referido contrato de ALD e ao mesmo associado um contrato promessa de compra e venda, entretanto tornado definitivo.

Impunha assim à R. ter verificado a sua comunicação e eliminado a mesma, por desde logo se não integrar em nenhuma das situações que habilitam tal comunicação [vide artigo 3º do DL 204/2008 e ponto 3.2 do Regulamento constante da Instrução 21/2008 do BP.

Neste contexto a atuação da R. é não só ilícita – por não resultar do regular exercício de um direito ou do cumprimento de um dever, mas culposa por e apesar de alertada para o erro, ter mantido a sua posição.

Nos termos do preceituado no artigo 483° do C.C., “1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.”.

Dispondo ainda o artigo 484° do mesmo C.C., com interesse para os autos que “Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados.”

Para que a uma pessoa possa ser imputada responsabilidade civil, ao abrigo destes dois preceitos legais, necessário é que se verifiquem os pressupostos referidos no artigo 483°, dos quais foram já analisados o facto, a ilicitude e a imputação do facto ao lesante (culpa).

Importa agora analisar o dano (e o nexo de causalidade entre o facto e o dano).

“Para haver obrigação de indemnizar é condição essencial que haja dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém”, A. Varela in: “Das Obrigações em Geral” vol.1º, 5ª ed., p. 557.-

Existindo o dano, aquele que estiver obrigado a repará-lo, deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art.° 562° do C.C.). A lei manda “reconstituir, não a situação anterior à lesão, mas a situação (hipotética) que existiria, se não fora o facto determinante da responsabilidade.” Ant. Varela in ob. cit. p. 862.

Nos termos do disposto no art.° 566° n° 1 do C.C. “A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.

2- Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa e data se não existissem danos.”.

Importa pois agora saber quais os danos indemnizáveis, isto é, quais os danos que a A. sofreu em virtude da atuação da R., assim e simultaneamente se apreciando a segunda questão indicada pela R. em sede de ampliação do recurso, mas que na verdade se integra na apreciação dos pressupostos do direito pela A. invocado – quanto à ressarcibilidade do dano invocado pela autora (vide conclusões S a V das contra alegações).

No apuramento do “quantum respondeatur” funciona a teoria da diferença, segundo a qual importa calcular a diferença entre a situação real e a situação hipotética atual do património do lesado ou seja, a diferença entre a situação patrimonial atual do lesado (no momento em que se efetua a operação diferencial) e a situação em que o seu património se encontraria no mesmo momento se a conduta que obriga a reparar não tivesse sido praticada.

Como diz Pereira Coelho in “O problema da causa virtual na responsabilidade civil,” p. 250 «por dano, pode entender-se por um lado o prejuízo real que o lesado sofreu in natura, em forma de destruição, subtração ou deterioração de um certo bem corpóreo ou ideal». «Dano será por exemplo a perda ou deterioração de uma certa coisa, o dispêndio de uma certa coisa, o dispêndio de certa soma em dinheiro para fazer face a uma despesa tornada necessária, o impedimento da aquisição de um determinado bem, a dor sofrida».

O dano pode assim distinguir-se, de acordo com a natureza dos bens jurídicos violados em:

1) Dano patrimonial- aquele que é suscetível de avaliação pecuniária;

2) Dano não patrimonial, aquele que afeta bens não patrimoniais (bens da personalidade) insuscetível de avaliação pecuniária ou medida monetária e cuja reparação só pode alcançar-se por mera compensação.

In casu a A. invocou apenas danos não patrimoniais.

Nesta sede a A. peticionou a quantia de € 5.000,00 por ofensa do seu bom nome, honra e consideração, desde logo por ter passado a ser do conhecimento dos funcionários bancários a mencionada inclusão do seu nome junto da CRC.

Agravado pelo facto de tal situação resultar de uma dívida inexistente.

O que lhe provocou preocupação, angústia e sofrimento.

Por este tipo de danos entendem-se os que resultam da ofensa de interesses insuscetíveis de avaliação pecuniária.

Nos termos do artigo 496° n.° 1 do CC. só são indemnizáveis os danos não patrimoniais “(...) que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito”, o que não é inovador relativamente aos prejuízos patrimoniais, pois já o n.° 2 do art.° 398° do mesmo código, exige que a prestação a que o devedor está adstrito, “deve corresponder a um interesse do credor, digno de proteção legal”.

Com o art.° 496°, n.° 1 do C.C. o legislador terá querido reforçar, num campo tão fluido, como o das lesões não patrimoniais, a imperiosidade de se não aceitarem de ânimo leve, como compensáveis, prejuízos de pequeno relevo ou de anómala motivação.

“A indemnização reveste para o caso dos danos não patrimoniais uma natureza acentuadamente mista:

a) Sancionatória no sentido de mandar atender à conduta do agente, isto é no sentido de reprovar ou castigar no plano civilístico através dos meios próprios do direito provado e por outro

b) Reparadora, visando mais do que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada.”.

“O montante da indemnização será assim fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art.° 494º, devendo de qualquer modo este montante ser proporcionado à gravidade do dano, tendo-se “em conta na sua determinação todas as regras de boa prudência, bom senso prático de justa medida das coisas de criteriosa ponderação das realidades da vida” e sempre considerando que “na fixação da indemnização por danos não patrimoniais há que, recorrendo à equidade e atendendo aos critérios do artigo 494.° do Código Civil, encontrar um quantum que, de alguma forma, possa proporcionar ao lesado momentos de prazer que contribuam para atenuar a dor sofrida” (cfr. Ac. RP de 08/10/02 in http://www.dgsi.pt/jtrp e Ac. STJ de 07/07/09 in http://www.dgsi.pt/jstj).

Com relevo para a aferição dos danos em causa, logrou a A. provar o que consta em 23) a 25) dos factos provados, dos quais se evidencia que a A., nunca teve qualquer situação de incumprimento bancário; é pessoa considerada e respeitada no seu meio familiar e social; tendo a inclusão do seu nome na CRC provocado preocupação, angústia e sofrimento, por tal facto ter passado a ser do conhecimento dos funcionários da entidade bancária onde se encontra sedeada a sua conta.

Relevante sendo ainda a prévia interpelação que à R. foi feita, anterior à instauração desta ação para eliminação de tal informação que já vimos é ilícita pois não baseada em situação que à R. lhe conferisse tal direito, o que esta se recusou.

O sofrimento e incómodos apurados tiveram pois origem em 2013 (data do conhecimento por parte da A. dos factos em questão) e são merecedores da tutela do direito, atenta a sua gravidade.

Note-se que o argumento apresentado pela R. para afastar a gravidade do dano, por referência à limitada acessibilidade das informações reportadas à CRC não obvia em nada ao dano em apreciação. Tanto mais quando a informação comunicada não correspondia à realidade (para além da exclusão da cláusula no início apreciada e que sempre excluiria o fundamento da reclamada dívida).

Tendo assim presente a preocupação, angústia e sofrimento apurados e o período em que perduram, entende o tribunal, segundo juízos de equidade (art.° 494° “ex vi” 496°, n.° 3 ambos do C.C.) computar como justo grau de compensação por tais danos não patrimoniais o valor de € 3.500,00.

Danosestes que a A. não teria sofrido, não fora a atuação da R..

E que assim a R. está obrigada a indemnizar a A..

Igualmente estando a R. obrigada a comunicar ao Banco de Portugal – CRC que a dívida de crédito, referente a “crédito automóvel” por si comunicada relativamente à A. é inexistente, nesta medida retificando a informação por si prestada com vista à efetiva remoção do nome da Autora da referida CRC por referência à R..

Finalmente cumpre apreciar o pedido de condenação ao pagamento da quantia de €500,00 por cada dia de atraso no cumprimento da condenação de comunicação ao BP / CRC nos termos supra determinados, contados a partir do trânsito em julgado da sentença.

Em causa está uma sanção pecuniária compulsória nos termos do artigo 829°A n°1 do C.C..

Esta sanção visa, em suma “uma dupla finalidade de moralidade e eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis” -cfr. C. C. Anot. Abílio Neto nota 1 ao art ° 829°A- e ainda em anot. ao mesmo artigo, uma citação de J Calvão da Silva, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, 395 — nota 4, onde se pode ler “A sanção pecuniária compulsória é a ameaça para o devedor de uma sanção pecuniária, ordenada pelo juiz, para a hipótese de ele não obedecer à condenação principal. (...). Só pode ser imposta e só é devida se o cumprimento a que constrange ainda for possível e na medida em que for possível” (ob. cit. P. 397).

Ao abrigo do citado artigo e tendo presente que a R. é uma Instituição Financeira de Crédito, devendo o valor a fixar ser dissuasor do incumprimento, entende-se adequado condenar a R., por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações supra analisadas junto do Banco de Portugal, após 15 dias do trânsito desta decisão - sendo este um prazo mais do que razoável para observar tais obrigações - a pagar a título de sanção pecuniária compulsória a quantia de € 500,00.

Em face do decidido fica prejudicado o conhecimento da nulidade invocada (a título subsidiário) nas conclusões 27º e 28º da recorrente A..

Do exposto resulta a improcedência do recurso ampliado da R..
Eparcial procedência do recurso da A..

Sumário (artigo 663º n.º 7 do CPC).

I- Impugnada a decisão da matéria de facto com base em meios de prova sujeitos à livre apreciação, com cumprimento dos requisitos previstos no art. 640º do NCPC, cumpre à Relação proceder à reapreciação desses meios de prova, sobre os mesmos formando a sua própria convicção nos termos do art. 662º.

II- A dúvida sobre a realidade de um facto deve ser resolvida contra a parte onerada com a prova do mesmo (artigo 414º do CPC).

III-É de excluir por violação do dever de comunicação, a cláusula contratual geral que impõe ao seu destinatário a assunção de despesas administrativas, remetendo para documento externo ao contrato os valores em concreto envolvidos.

IV-O contrato atípico de aluguer de longa duração não tem subjacente nenhuma operação de crédito.

V- A dívida relativa a despesas administrativas decorrente de tal contrato não se enquadra no conceito de operação de crédito para efeitos da comunicação à Central de Responsabilidade de Créditos (CRC) de crédito vencido.

VI- Incorre em responsabilidade civil extracontratual a entidade que sem fundamento comunica à CRC a existência de um crédito vencido, ficando obrigada a indemnizar o visado pelos danos que tal atuação lhe causar.

IV- Decisão.

Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmenteprocedente a apelação.

Em consequência erevogando adecisão sob recurso decidem:

a) Declarar excluída do contrato referido em 1) dos factos provados a cláusula 6ª, n.º 4 daquele, condenando a R. a reconhecer tal exclusão;

b) Condenar a ré a comunicar ao Banco de Portugal a retificação da informação relativa à autora constante da Central de Responsabilidades de Crédito, no sentido da inexistência da dívida aí aludida e por aquela previamente comunicada, referente a “crédito automóvel”, com a consequente remoção do nome da A. da referida CRC por referência à R.;

c) Condenar a R. a pagar a quantia de €500,00 por cada dia de atraso na comunicação ao Banco de Portugal ordenada em b), após 15 dias do trânsito em julgado desta decisão, a título de sanção pecuniária compulsória;

d) Condenar a R. a pagar à A. a título de indemnização por danos não patrimoniais a quantia de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros).

e) Custas pelaA. e R. recorrida, na proporção do vencimento e decaimento.





Guimarães, 2017-02-09


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(Maria de Fátima Almeida Andrade)

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(Alexandra Maria Rolim Mendes)

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(Maria Purificação Carvalho)