Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5873/17.5T8GMRC.G1
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: UNIÃO DE FACTO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

““I. Os requisitos do enriquecimento sem causa são quatro: 1º o enriquecimento de alguém; 2º o consequente empobrecimento de outrem; 3º o nexo causal entre o enriquecimento do primeiro e o empobrecimento do segundo; 4º a falta de causa justificativa do enriquecimento (art. 473º do CC).

II. Como se vem assinalando, em termos doutrinais e jurisprudenciais, este instituto jurídico pode desempenhar, no âmbito da união de facto, um papel importante, no sentido de permitir o enquadramento jurídico de determinadas pretensões do “membro da união de facto” que tenha ficado injustamente empobrecido por via do enriquecimento do outro, ocorrido na constância da união de facto.

III. No entanto, regra geral, não se podem considerar como situações de enriquecimento, as despesas e tarefas realizadas em sede da vida doméstica por um dos membros daquela relação, em nome da união que aqueles pretendiam manter e preservar, em função do afecto e/ou interesse que os unia.

IV. Do que se trata é que estamos no âmbito de uma relação sentimental análoga à dos cônjuges em que cada um contribui com o que quer e/ou pode para o êxito dessa relação, e por isso, a prestação de cada um e a que cada membro da união de facto efectuou é mais do que justificada no âmbito dessa relação, ainda que cada um contribua com prestação diferente ou em medida diferente daquela que o outro prestou.

V. Assim, na constância da união de facto, as prestações patrimoniais espontâneas efectuadas por qualquer um dos membros da união de facto, para satisfazer as necessidades de vida em comum, devem presumir-se feitas em cumprimento de uma obrigação natural de alimentos, pelo que, em regra, o autor da prestação não pode exigir ao companheiro a restituição do que prestou dentro daquele contexto (cfr. art. 403º do CC).

VI. Deve-se entender ainda que a falta de causa justificativa do enriquecimento não se basta com a mera cessação da união de facto; torna-se necessário que o autor alegue e prove que as deslocações patrimoniais se verificaram no pressuposto, entretanto desaparecido, da continuação e subsistência da união de facto, só assim se podendo considerar preenchido o requisito da carência de causa justificativa inerente ao instituto do enriquecimento sem causa”.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.
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R. R. veio intentar contra C. G., a presente acção declarativa de condenação com processo comum.

Para o efeito, formulou os seguintes pedidos:

“… deve a presente acção ser recebida e julgada procedente por provada e, consequentemente, seja o Réu condenado a:

1) Restituir à Autora a quantia global de € 8.266,49 (oito mil, duzentos e sessenta e seis euros e quarenta e nove cêntimos), nos termos do art. 589.º e ss e art. 1142.º e 1143.º ex vi 220.º e 289.º, todos do Código Civil.
SEM PRESCINDIR,
2) Restituir à Aurora a quantia de € 8.266,49 (oito mil, duzentos e sessenta e seis euros e quarenta e nove cêntimos), nos termos do art. 473.º do Código Civil…”.
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O Réu apresentou contestação, onde pugna pela improcedência das pretensões da Autora.
*
Realizou-se Audiência prévia, onde de identificaram o objecto do litígio e os temas da prova.
*
De seguida, com obediência aos trâmites processuais, teve lugar a Audiência Final.
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Na sequência desta, foi proferida a seguinte sentença:

“IV. DECISÃO FINAL

Pelo exposto, o Tribunal julga a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, decide:

a) Absolver o Réu de todos os pedidos; e
b) Condenar a Autora nas custas da acção.”
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É justamente desta decisão que a Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“V – CONCLUINDO

1. Após uma aturada leitura da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo verifica-se que a mesma, para além de não valorar convenientemente a prova produzida, não faz igualmente uma escorreita subsunção ao direito que lhe é aplicável.
2. Atenta a prova produzida nos presentes autos, nomeadamente, a prova documental e testemunhal, verifica-se que há um evidente erro na apreciação da prova produzida.
3. PONTO 1.º DOS FACTOS NÃO PROVADOS
DURANTE AQUELE PERÍODO E FACE À CONFIANÇA QUE A AUTORA MANTINHA NO RÉU, ESTE TINHA PLENO ACESSO ÀS CONTAS BANCÁRIAS TITULADAS PELA AUTORA E CUJOS FUNDOS NELAS CONSTANTES LHE PERTENCIAM E PERTENCEM, MORMENTE OS DA CONTA N.º (...), DE QUE A MESMA ERA TITULAR JUNTO DO BANCO A, ATRAVÉS DO RESPECTIVO CARTÃO DE DÉBITO.
O Tribunal a quo considerou esta questão como NÂO PROVADO, contudo, atenta a prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos, deve ser dado por PROVADO que DURANTE AQUELE PERÍODO, A CONTA BANCÁRIA N.º (...), FOI TITULADA PELA APELANTE JUNTO DO BANCO A, E OS FUNDOS PERTENCIAM E PERTENCEM À APELANTE POR INTEIRO E EXCLUSIVO.
4. PONTO 2.º DOS FACTOS NÃO PROVADOS
ORA, LANÇANDO MÃO DE TAL REGALIA, O RÉU PROCEDEU AO LEVANTAMENTO DE VÁRIAS QUANTIAS EM DINHEIROS E EFECTUOU VÁRIOS PAGAMENTOS DE DÍVIDAS (APENAS) SUAS MORMENTE:
O Tribunal a quo considerou esta questão como NÃO PROVADO, contudo, atenta a prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos, deve ser dado por PROVADO que,
O RÉU PROCEDEU AO LEVANTAMENTO DE VÁRIAS QUANTIAS EM DINHEIROS E EFETUOU VÁRIOS PAGAMENTOS DE DÍVIDAS (APENAS) SUAS MORMENTE:
5. PONTO 3.º DOS FACTOS NÃO PROVADOS
À X, S.A., PAGOU A QUANTIA DE € 852,75 (OITOCENTOS E CINQUENTA E DOIS EUROS E SETENTA E CINCO CÊNTIMOS);
O Tribunal a quo considerou esta questão como NÃO PROVADO, contudo, atenta a prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos, a mesma dever ser dada por PROVADO
6. PONTO 4.º DOS FACTOS NÃO PROVADOS
À FV PORTUGAL, LDA., PAGOU A QUANTIA DE € 841,71 (OITOCENTOS E QUARENTA E UM EUROS E SETENTA E UM CÊNTIMOS);
O Tribunal a quo considerou esta questão como NÃO PROVADO, contudo, atenta a prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos, a mesma dever ser dada por PROVADO
7. PONTO 5.º DOS FACTOS NÃO PROVADOS
AO BANCO C, S.A., PAGOU A QUANTIA DE € 191,63 (CENTO E NOVENTA E UM EUROS E SESSENTA E TRÊS EUROS)
O Tribunal a quo considerou esta questão como NÃO PROVADO, contudo, atenta a prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos, a mesma dever ser dada por PROVADO
8. PONTO 6.º (DOS FACTOS NÃO PROVADOS)
À CREDORA D, S.A., PAGOU A QUANTIA DE QUANTIA DE € 39,08 (TRINTA E NOVE EUROS E OITO CÊNTIMOS);
O Tribunal a quo considerou esta questão como NÃO PROVADO, contudo, atenta a prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos, a mesma dever ser dada por PROVADO
9. PONTO 7.º (DOS FACTOS NÃO PROVADOS)
À TELECOMUNICAÇÕES, S.A., PAGOU A QUANTIA DE € 190,43 (CENTO E NOVENTA EUROS E QUARENTA E TRÊS CÊNTIMOS)
O Tribunal a quo considerou esta questão como NÃO PROVADO,
Contudo, atenta a prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos, a mesma dever ser dada por PROVADO
10. PONTO 9.º DOS FACTOS NÃO PROVADOS
ALÉM DISSO, A AUTORA SACOU, A PEDIDO E INTEIRO CONTENTO DO RÉU QUE RECEBEU, VÁRIOS CHEQUES SACADOS SOBRE A CONTA DE QUE A MESMA É TITULAR, SUPRA IDENTIFICADA, A SABER: CHEQUE 12778619, CHEQUE 13340929, CHEQUE 13340941, CHEQUE 13340930, CHEQUE 13340955, CHEQUE 12778608, CHEQUE 13340918, CHEQUE 13748819, CHEQUE 13748820, CHEQUE 13748831, CHEQUE 13748808, CHEQUE 14134741, CHEQUE 14134755, CHEQUE 14134766, CHEQUE 14134788, CHEQUE 14134777, CHEQUE 14449088, CHEQUE 14449099, CHEQUE 14449125, CHEQUE 1449111, CHEQUE 14449100, CHEQUE 15448095, CHEQUE 15448058, CHEQUE 16197839, CHEQUE 15448070, CHEQUE 16197840 E O CHEQUE 12778597.
O Tribunal a quo considerou esta questão como NÃO PROVADO, contudo, atenta a prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos, a mesma dever ser dada por PROVADO
11. PONTO 10.º DOS FACTOS NÃO PROVADOS
O RÉU USOU TAIS CHEQUES, SEJA PARA PAGAMENTO DIRECTO DE RESPONSABILIDADES SUAS, SEJA PARA DEPÓSITOS EM CONTA BANCÁRIA EXCLUSIVAMENTE SUA, PARA, POSTERIORMENTE LIQUIDAR AS SUAS RESPONSABILIDADES PERANTE OS SEUS CREDORES.
O Tribunal a quo considerou esta questão como NÃO PROVADO, contudo, atenta a prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos, a mesma dever ser dada por PROVADO
12. PONTO 11.º DOS FACTOS NÃO PROVADOS
DESIGNADAMENTE, PAGAMENTO DE PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS DE FILHOS SEUS, DE CUSTAS PROCESSUAIS, DE MULTAS, DE EMPRÉSTIMOS A FAMILIARES OU A INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS, TUDO, NO VALOR GLOBAL DE € 3.250,89 (TRÊS MIL, DUZENTOS CINQUENTA EUROS E OITENTA E NOVE CÊNTIMOS).
O Tribunal a quo considerou esta questão como NÃO PROVADO, contudo, atenta a prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos, a mesma dever ser dada por PROVADO
13. PONTO 13.º DOS FACTOS NÃO PROVADOS
O RÉU SEMPRE ASSUMIU QUE RESTITUIRIA OS MONTANTES ADIANTADOS PELA AUTORA.

O Tribunal a quo considerou esta questão como NÃO PROVADO, contudo, atenta a prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos, a mesma dever ser dada por PROVADO
14. Em face da factualidade que emerge da prova testemunhal e testemunhal efectivamente produzida, nos exactos termos e com as limitações factuais que supra se enunciou, em sede de reapreciação da matéria de facto, exsuda que, a Apelante adiantou/emprestou quantia de dinheiros, usado para pagamento de responsabilidades do Apelado.
15. Tais adiantamento/empréstimos foram efectivados no pressuposto de que o Apelado restituiria todos aqueles montantes.
16. Aliás, da prova produzida, exsuda não só esse reconhecimento dos adiantamentos de dinheiros, mas também a obrigação de os restituir.
17. Sendo certo que, essa restituição era sempre em singelo, isto é, sobre aqueles montantes não era devido, aquando da sua restituição ou durante o tempo que mediava a mesma, qualquer remuneração, v.g. Juros.
18. Não obstante tal acordo de vontades das partes, o facto é que, as mesmas não reduziram este acordo a escrito.
19. Daqui resulta, pois, ao abrigo do art. 1142.º e art. 1143.º ex vi art. 220.º e art. 289.º, todos do Código Civil, a obrigação do Apelado em restituir à Apelante todas as quantias pagas/adiantadas junto da X, S.A., junto da FV Portugal, Lda., junto do Banco C, S.A., junto da Credora D, S.A. e junto da Telecomunicações, S.A. e, bem assim, os montantes dos cheques supra aduzidos.
20. SUBSIDIARIAMENTE, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, O QUE NÃO SE CONCEBE, NEM CONCEDE, MAS CUJO SILOGISMOS SE FARÁ POR MERA CAUTELA/DEVER DE PATROCÍNIO, sempre se dirá que, os pagamentos descritos supra não demonstram o cumprimento de quaisquer responsabilidades da Apelante,
21. Mas antes e somente do Apelado.
22. Tanto assim é que, este confessa em 9.º do mesmo articulado que, Assim como as demais despesas fixas (telecomunicações, água, gás, electricidade, etc.) e ainda outras que ocasionalmente apreciaram (reparação veículos, etc.).
23. Concluindo, por fim, em 10.º da Contestação que, Ora, nada parece mais razoável que, à Autora coubessem as despesas inerentes à alimentação e vestuário – como em qualquer normal relacionamento entre quem vive em economia comum.
24. Corroborando esta tese, o Apelado, nas suas declarações de parte, confessa especificamente que, durante o tempo em que as partes aqui em litígio coabitaram, os mesmos acordaram que, a Apelante pagava a alimentação do casal e o Apelado suportava tudo o resto, ou seja, a habitação, as despesas do carro, combustível condomínio, roupa, deslocações que faziam, almoços e jantares em restaurantes, tudo o resto, diz o Apelado, era suportado por este.
25. Como tal, tem sempre a Autora direito a exigir a restituição daqueles montantes e o Apelado a obrigação de os restituir, atento o disposto no art. 473.º do Código Civil, ou seja, de acordo com o instituto do enriquecimento sem causa.
26. Destarte, em prol da Verdade, da Justiça e do Direito deve a decisão a quo ser revogada e substituída por uma outra que julgue o Pedido Inicial totalmente procedente, por provado, com todos os legais efeitos, só assim se fazendo inteira e sã Justiça.
27. Tanto mais que, as presentes alegações de recurso encontram conforto legal nos artigos, art. 1142.º, art. 1143.º ex vi art. 220.º e art. 289.º do Código Civil e, subsidiariamente, no art. 473.º do mesmo diploma legal, e ainda em todas as demais disposições legais que V/Exas. considerem aplicáveis in casu.
Nestes termos,
E nos melhores de Direito que V/Exa. proficuamente suprirá, devem as presentes alegações de recurso ser julgadas procedentes, por provadas e, por via disso, alterar-se a decisão a quo nos exactos termos pedidos das Conclusões supra, com todos os legais efeitos…”.
*
O Recorrido apresentou contra-alegações, onde defende a improcedência do Recurso.

Apresenta as seguintes conclusões:

“II – Conclusões:

1.ª – Lidas as alegações a que ora se responde, constata-se que o que a Autora põe em causa é a apreciação que o Tribunal de 1.ª Instância fez da prova produzida, com recurso ao princípio da livre apreciação da prova.
2.ª – Foi atendendo à globalidade da prova produzida, às suas contradições e coincidências, que o julgador reconstruiu os acontecimentos, sobre os quais teve que decidir, fazendo uma conjugação lógica dos elementos probatórios, que mereceram a confiança do Tribunal e que o fizeram chegar à convicção dar como totalmente improcedente a acção interposta pela Autora e assim absolver o Réu de todos os pedidos.
3.ª – Na realidade, in casu, a Recorrente pretendia sindicar a apreciação que o Tribunal a quo fez da prova produzida em sede de audiência de julgamento e aquela contante dos autos, procurando extrair daquele acervo provatório conclusões diferentes das que foram alcançadas na douta sentença.
4.ª – Sendo que, in casu, não podemos concordar com o vertido pela Autora no seu recurso, pois a decisão da matéria de facto realizada pelo Tribunal de 1.º Instância, não tem de qualquer mácula.
5.ª – Quem presenciou a produção da prova em sede de audiência de julgamento, certamente que não ficou com quaisquer dúvidas do acerto da matéria factual dada como provada pelo Tribunal.
6.ª – No seu recurso, a Autora vem sustentar que deve ser dado com provado que emprestou dinheiro ao Réu, e que isso preenche os requisitos de enriquecimento sem causa, todavia, a Autora esquece que durante 25 meses viveu na casa do Réu, em condições análogas às dos cônjuges, em plena comunhão de cama, mesa e habitação, assim como, por inerência, na partilha das respectivas despesas enquanto casal que foram, durante esse hiato temporal – como, aliás, ficou provado e sem qualquer margem de discordância entre as partes.
7.ª – A Autora baseou as suas alegações de recurso, essencialmente, no testemunho de C. S. – filha da Autora, e, por isso, com depoimento tendencioso e muitas fez contraditório.
8.ª – Aliás, como quando foi confrontada pelo tribunal com o facto de que, se o dinheiro era da testemunha e que era esta que tinha na sua posse o ouro, então não haveria qualquer empréstimo entre a autora e o réu, a testemunha alterou a sua versão e passou a afirmar que o dinheiro vinha de uma conta conjunta e que também pertencia à sua mãe, afirmação que não nos mereceu credibilidade uma vez que foi feita com o claro intuito de emendar a mão e conferir sustentação à versão dos factos plasmada na petição inicial.
9.ª – E, que, no mesmo tribunal confirmou a existência da união de facto, da comunhão de vida na casa do Réu e que negou conhecer da existência de qualquer acordo entre Autora e Reu sobre o suposto empréstimo.
10.ª – As declarações de parte prestadas pelo Réu são bem claras e devidamente fundamentadas com a prova documental junta.
11.ª – Pois, no que concerne aos supostos pagamentos à X e a FV, pois, se por um lado os pagamentos à X por parte da Autora apenas diziam respeito ao cartão de crédito da própria e nunca do Réu – pois cada uma tinha o seu cartão, ainda antes do relacionamento, assim como cada um pagava, na sua conta, as respectivas compras com esses cartão – por outro lado os pagamento à FV foram efectuados para pagamento de despesas do carro da própria Autora, assim como do carro do Réu que a Autora também usava no âmbito da economia comum em que viviam.
12.ª – Assim, o Tribunal de 1.ª Instância esteve bem, na douta sentença, nomeadamente, ao considerar que não existiram quaisquer empréstimos entre a Autora e o Réu, assim como os pagamentos efectuados pela Autora enquadram-se nas despesas comuns do casal e nunca numa situação de enriquecimento sem causa.
13. – Pelo que, a douta sentença preferida pelo Tribunal de 1.ª Instância está correta quanto à decisão da matéria de facto, bem como à aplicação do Direito, devendo ser mantida, sendo o recurso apresentado pela Autora considerado totalmente improcedente.
Nestes termos e com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o recurso apresentado pelos Réus ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão do tribunal a quo…”.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, a(o)(s) Recorrente(s) coloca(m) as seguintes questões que importa apreciar:
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1. Determinar se o tribunal a quo incorreu num erro de julgamento, e, consequentemente, se, reponderado esse julgamento, deveriam:
- os factos dados como não provados sob os nºs 1 a 7, 9 a 11 e 13 ser considerados provados.
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2. Saber se, sendo modificada a matéria de facto no sentido propugnado pela Recorrente, a acção deve ser julgada procedente.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

“II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Factos Provados

O Tribunal considera provados os seguintes factos:

1 - Autora e o Réu mantiveram um relacionamento amoroso entre si.
2 - Na vigência de tal relacionamento, instalaram-se na habitação detida por este Réu, sita na Rua …. Guimarães,
3 - Desde 10/01/2015 até 09/02/2017, data em que aquele relacionamento cessou/findou.
4 - Naquela habitação, Autora e Réu coabitavam, faziam as suas refeições e recebiam os seus amigos e familiares.
5 - Em perfeita comunhão de habitação, mesa e leito.
6 - As despesas da habitação – crédito hipotecário – sempre ficaram a cargo do Réu, visto o imóvel ser seu.
7 - Assim como outras despesas fixas (telecomunicações, água, gás, electricidade, etc.) e ainda outras que ocasionalmente apareciam.

Factos Não Provados

Não se provaram os seguintes factos com relevo para a decisão da causa:

1 - Durante aquele período e face à confiança que a Autora mantinha no Réu, este tinha pleno acesso às contas bancárias tituladas pela Autora e cujos fundos nelas constantes lhe pertenciam e pertencem, mormente os da conta n.º (...), de que a mesma era titular junto do Banco A, através do respectivo cartão de débito.
2 - Ora, lançando mão de tal regalia, o Réu procedeu ao levantamento de várias quantias em dinheiros e efectuou vários pagamentos de dívidas (apenas) suas mormente:
3 - À X, S.A., pagou a quantia de € 852,75 (oitocentos e cinquenta e dois euros e setenta e cinco cêntimos);
4 - À FV Portugal, Lda., pagou a quantia de € 841,71 (oitocentos e quarenta e um euros e setenta e um cêntimos);
5 - Ao Banco C, S.A., pagou a quantia de € 191,63 (cento e noventa e um euros e sessenta e três euros)
6 - À Credora D, S.A., pagou a quantia de quantia de € 39,08 (trinta e nove euros e oito cêntimos);
7 - À Telecomunicações, S.A., pagou a quantia de € 190,43 (cento e noventa euros e quarenta e três cêntimos)
8 - Entre muitos outros pagamentos efectuados.
9 - Além disso, a Autora sacou, a pedido e inteiro contento do Réu que recebeu, vários cheques sacados sobre a conta de que a mesma é titular, supra identificada, a saber: Cheque 12778619, Cheque 13340929, Cheque 13340941, Cheque 13340930, Cheque 13340955, cheque 12778608, cheque 13340918, cheque 13748819, cheque 13748820, cheque 13748831, cheque 13748808, cheque 14134741, cheque 14134755, cheque 14134766, cheque 14134788, cheque 14134777, cheque 14449088, cheque 14449099, cheque 14449125, cheque 1449111, cheque 14449100, cheque 15448095, cheque 15448058, cheque 16197839, cheque 15448070, cheque 16197840 e o cheque 12778597.
10 - O Réu usou tais cheques, seja para pagamento directo de responsabilidades suas, seja para depósitos em conta bancária exclusivamente sua, para, posteriormente liquidar as suas responsabilidades perante os seus credores.
11 - Designadamente, pagamento de prestação de alimentos de filhos seus, de custas processuais, de multas, de empréstimos a familiares ou a instituições financeiras, tudo, no valor global de € 3.250,89 (três mil, duzentos cinquenta euros e oitenta e nove cêntimos).
12 - A Autora pagou ainda, a expensas suas, a quantia que o mesmo era devedor junto de uma casa de penhores sita em Braga, na cifra de € 2.900,00 (dois mil e novecentos euros), e na qual, o réu tinha dado de penhor o seu veículo motociclo com a matricula PB de que é proprietário.
13 - O Réu sempre assumiu que restituiria os montantes adiantados pela Autora.
14 - Não cumpriu com a sua palavra, não obstante ter sido interpelado, por diversas vezes, pela Autora.
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A restante alegação deduzida nos articulados, que não consta dos factos provados nem dos factos não provados, não foi tida em conta pelo Tribunal, seja por corresponder a juízos conclusivos ou de natureza jurídica, seja por reportar a factos não relevantes para a decisão da causa em qualquer das soluções de direito plausíveis.
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B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Já se referiram em cima as questões que importa apreciar e decidir.
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I) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

Compulsado o Recurso interposto, pode-se concluir que, como resulta do corpo das alegações e das respectivas conclusões, a Autora/ Recorrente impugnou a decisão da matéria de facto, tendo dado cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c) do CPC, pois que, faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, e a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida.
No entanto, constata-se existir uma divergência entre os factos que a Recorrente indica inicialmente como impugnados, em sede de alegações - que incluía o ponto 8 -, com aqueles que, depois, acaba por concretizar nessas mesmas alegações (ver que a págs. 105 v. e 106 não se menciona a matéria de facto considerada como não provada no ponto 8, “saltando-se” do ponto 7 para o ponto 9).

Da mesma forma, ao especificar nas conclusões os pontos da matéria de facto que pretende impugnar, não indica como objecto daquela, o ponto 8º dos factos não provados.

Nesta conformidade, aferindo-se o objecto do recurso pelas conclusões apresentadas (e parecendo também o conjunto das alegações apontar nesse sentido) conclui-se que a impugnação da matéria de facto não abrange aquela factualidade.

Aqui chegados, e considerando-se cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objecto de recurso nesse segmento, importa verificar, pois, se se pode dar razão à Recorrente, quanto aos questionados pontos da matéria de facto.

Importa, antes de entrar directamente na apreciação das discordâncias alegadas, referir qual deve ser o âmbito de apreciação da matéria de facto que incumbe ao Tribunal da Relação em sede de Recurso.

Na verdade, o âmbito dessa apreciação não contende com a ideia de que o Tribunal da Relação deve realizar, em sede de recurso, um novo julgamento na 2ª Instância, prescrevendo-se tão só “ … a reapreciação dos concretos meios probatórios relativamente a determinados pontos de facto impugnados… “ (1).

Assim, o legislador, no art. 662º, nº1 do CPC, “ … ao afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios… pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise… “ (2).

Destas considerações, resulta, de uma forma clara, que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros:

a) o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente;
b) sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c) nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes) (3).

Dentro destes parâmetros, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição (4), está em posição de proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que neste âmbito a sua actuação é praticamente idêntica à do Tribunal de primeira Instância, apenas cedendo nos factores da imediação e da oralidade.

Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.

“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (5).

De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPC).

Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância (6).

Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada” (7).

Importa, porém, não esquecer porque, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada- quando nessa prova se funde o recurso-, conclua, com a necessária segurança (8), no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância.
*
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão à Autora apelante, neste segmento do recurso da impugnação da matéria de facto, nos termos por ela pretendidos.
Importa, então, que o presente Tribunal se pronuncie sobre a impugnação da matéria de facto, fundada no alegado erro na apreciação da prova, entendendo a Recorrente/ Autora que, em face da prova produzida, deveriam:

- os factos dados como não provados sob os nºs 1 a 7, 9 a 11 e 13 ser considerados provados.

Para tanto alega que, atenta a prova produzida nos presentes autos, nomeadamente, as declarações de parte do Réu (e a posição por ele assumida na contestação), a prova documental e testemunhal (depoimento da testemunha C. S., filha da Autora), verifica-se que há um evidente erro na apreciação da prova produzida.
*
Vejamos se assim é.

Conforme resulta do exposto, a Recorrente pretende impugnar os seguintes factos que foram considerados como não provados pelo Tribunal Recorrido:

1 - Durante aquele período e face à confiança que a Autora mantinha no Réu, este tinha pleno acesso às contas bancárias tituladas pela Autora e cujos fundos nelas constantes lhe pertenciam e pertencem, mormente os da conta n.º (...), de que a mesma era titular junto do Banco A, através do respectivo cartão de débito.
2 - Ora, lançando mão de tal regalia, o Réu procedeu ao levantamento de várias quantias em dinheiros e efectuou vários pagamentos de dívidas (apenas) suas mormente:
3 - À X, S.A., pagou a quantia de € 852,75 (oitocentos e cinquenta e dois euros e setenta e cinco cêntimos);
4 - À FV Portugal, Lda., pagou a quantia de € 841,71 (oitocentos e quarenta e um euros e setenta e um cêntimos);
5 - Ao Banco C, S.A., pagou a quantia de € 191,63 (cento e noventa e um euros e sessenta e três euros)
6 - À Credora D, S.A., pagou a quantia de quantia de € 39,08 (trinta e nove euros e oito cêntimos);
7 - À Telecomunicações, S.A., pagou a quantia de € 190,43 (cento e noventa euros e quarenta e três cêntimos)
(…)
9 - Além disso, a Autora sacou, a pedido e inteiro contento do Réu que recebeu, vários cheques sacados sobre a conta de que a mesma é titular, supra identificada, a saber: Cheque 12778619, Cheque 13340929, Cheque 13340941, Cheque 13340930, Cheque 13340955, cheque 12778608, cheque 13340918, cheque 13748819, cheque 13748820, cheque 13748831, cheque 13748808, cheque 14134741, cheque 14134755, cheque 14134766, cheque 14134788, cheque 14134777, cheque 14449088, cheque 14449099, cheque 14449125, cheque 1449111, cheque 14449100, cheque 15448095, cheque 15448058, cheque 16197839, cheque 15448070, cheque 16197840 e o cheque 12778597.
10 - O Réu usou tais cheques, seja para pagamento directo de responsabilidades suas, seja para depósitos em conta bancária exclusivamente sua, para, posteriormente liquidar as suas responsabilidades perante os seus credores.
11 - Designadamente, pagamento de prestação de alimentos de filhos seus, de custas processuais, de multas, de empréstimos a familiares ou a instituições financeiras, tudo, no valor global de € 3.250,89 (três mil, duzentos cinquenta euros e oitenta e nove cêntimos).
(…)
13 - O Réu sempre assumiu que restituiria os montantes adiantados pela Autora.”
*
Quanto a esta matéria de facto questionada, o Tribunal fundamentou a decisão sobre esta matéria de facto da seguinte forma:

“Fundamentação da Decisão de Facto

A convicção do Tribunal formou-se a partir da análise conjugada de toda a prova produzida no processo e em audiência de julgamento.
A nível de prova documental o tribunal analisou e valorou os seguintes documentos:

- Extractos bancários de fls. 7 e seguintes correspondentes aos movimentos efectuados na conta bancária no banco A, no período temporal que medeia entre o dia 06.01.2015 e o dia 18.03.2016.
- Extractos bancários de fls. 34 verso a 46 relativos à conta do réu.
- Cópia dos cheques alegados na petição inicial, juntos a fls. 57 e seguintes.

A nível de prova testemunhal ouviu-se a testemunha, C. S., bancária, funcionária do Banco A. Filha da autora. Referiu que no caso concreto está em causa o uso abusivo de dinheiros pelo réu, dinheiros que eram da mãe da testemunha. Confirmou a relação amo entre as partes e a união de facto desde Janeiro de 2015 até Fevereiro de 2017. Esclareceu que a sua mãe foi viver para casa do réu.

Mencionou que o réu tinha algumas dívidas e que começou a utilizar valores da sua mãe para pagamento dessas dívidas. Esclareceu que a sua mãe começou a utilizar valores exagerados nas suas contas em termos de despesas quando passou a ir viver com o réu. A testemunha referiu que dos extractos bancários resulta pagamentos a entidades relativamente às quais a sua mãe não tinha dívidas.

“A partir do momento em que eu descubro que existem movimentos que não são adequadas à conduta dela, eu acho isso mal, fui sempre eu que geri a conta da minha mãe, quando me apercebi que havia movimentos estranhos confrontei-a e percebi que existia um interesse do Sr. C. G. em liquidar obrigações que não eram da minha mãe.”

A testemunha esclareceu que tinha acesso aos movimentos bancários da sua mãe e que numa determinada altura soube que havia um cheque da sua mãe com uma assinatura que não era a dela, em Setembro de 2015. Nessa altura a mãe da testemunha disse que não sabia que os cheques estavam a ser usados pelo réu. Não sabe explicar por que motivo a sua mãe continuou a viver com o réu, clarificando contudo que a sua mãe nunca tinha utilizado cheques anteriormente.

A testemunha disse igualmente que “a minha mãe praticamente não disse nada, para ela estar com ele era suficiente, ele dava-lhe carinho e ela não usava de racionalidade”.

“Ele usou da boa vontade, do amor e da paixão que a minha mãe estava por ele para arrumar um bocadinho a sua vida.” “Do meu ponto de vista ela foi influenciada para fazer desta forma mas acreditando que ele lhe ia devolver o dinheiro”.

Não tem conhecimento da existência de qualquer acordo para empréstimo das quantias entre o autor e a ré.

A testemunha esclareceu ainda que tudo o que era alimentação entre o casal era pago pela sua mãe; excepto no que concerne ao X que era do cartão Jumbo e que admite que pudesse ser utilizado na economia comum do casal.
A sua mãe não pagava casa; admite que pagou luz em determinadas ocasiões; quanto à água não sabe; desconhece quem pagava a Serviços televisivos.
A prestação mensal ao banco relativamente à casa era paga pelo réu.
A testemunha esclarece que muitas vezes ia às compras com a sua mãe e que era ela quem suportava essas contas.
Confirmou que a sua mãe encontra-se reformada e aufere mensalmente uma quantia de aproximadamente € 400,00.
Por fim, a testemunha disse em audiência que a sua mãe chegou a perguntar ao réu quando é que este lhe pagava as quantias que tinha emprestado.
A testemunha esclareceu ainda que a sua mãe pagou a dívida do réu numa casa de penhores em Braga de modo a que o mesmo recebesse a motorizada que ali estava dada em penhor, sendo certo que o prazo para levantar o penhor estava a terminar. Nesse momento, a testemunha esclareceu que a sua mãe entregou parte do ouro que tinha para levantar a mota do réu. Quando a testemunha soube desse facto conseguiu uma autorização da sua mãe e do réu para ir levantar a ouro, tendo entregue a quantia de € 2.900,00 do seu dinheiro e ficado com o ouro.
A testemunha verbalizou ainda que a caderneta de cheques foi peticionada no banco pela sua mãe, “disso não tenho a menor dúvida”.
Posteriormente, quando foi confrontada pelo tribunal com o facto de que, se o dinheiro era da testemunha e que era esta que tinha na sua posse o ouro, então não haveria qualquer empréstimo entre a autora e o réu, a testemunha alterou a sua versão e passou a afirmar que o dinheiro vinha de uma conta conjunta e que também pertencia à sua mãe, afirmação que não nos mereceu credibilidade uma vez que foi feita com o claro intuito de emendar a mão e conferir sustentação à versão dos factos plasmada na petição inicial.
Resulta igualmente do depoimento da testemunha que a quantia de € 2.900,00 dada à casa de penhores não teve origem em qualquer empréstimo da autora ao réu mas antes em dinheiro da testemunha, filha da autora, para garantir que ficava com ouro que a sua mãe tinha entregue na casa de penhor e que serviu para levantamento da motorizada do réu.
Ouviu-se igualmente a testemunha, Maria, reformada, mãe da autora. Costumava privar com o réu quando o mesmo começou a viver com a sua filha.
A testemunha esclareceu que a sua filha vinha constantemente pedir dinheiro e dizia que o réu tinha dívidas e que não tinha os cartões de crédito e que tinha pena dele e que a testemunha, por essa razão, foi emprestando dinheiro à sua filha.

Verbalizou ainda que desconhece se a sua filha fez algum acordo com o réu para emprestar dinheiro; posteriormente rectificou as suas declarações e disse que a autora apontava o dinheiro que lhe dava no momento em que começou a perceber que a relação entre eles ia terminar e que, por isso, pensa que a sua filha lhe emprestou dinheiro, “ele próprio me disse a mim que ia devolver o dinheiro”.

A testemunha disse ainda que no final da relação a autora pediu ao réu o dinheiro, “não me vou embora se não me deres o dinheiro, dá-me ao menos metade”, o que nunca veio a suceder, acrescentou.
A testemunha esclareceu ainda que o réu lhe mandou uma mensagem por telemóvel a dizer que tinha muita pena de ter terminado a relação com a sua filha e que iria pagar todo o dinheiro, à testemunha, o que se afigura como uma afirmação altamente contraditória, atendendo a que a testemunha tinha afirmado que o empréstimo tinha sido feito à sua filha.
Em resumo, o depoimento encontra-se eivado de contradições para além de contaminado por uma nítida hostilidade para com o réu. De resto trata-se de um depoimento confuso e hesitante. Tudo sopesado, pensamos que as declarações da testemunha não mereceram credibilidade.
A testemunha Manuel, tio materno da autora, só esteve com o réu duas vezes. A autora pediu emprestados € 400,00 à testemunha. A testemunha esclareceu que entregou esse dinheiro à sua sobrinha, “vinham os dois no carro”, esclarecendo contudo que esse dinheiro foi posteriormente devolvido pela autora e pelo réu passados cerca de um mês.
Depois disso, cerca de um mês emprestou novamente €300,00 à sua sobrinha.
Passados cerca de um mês, a autora e o réu devolveram o dinheiro à testemunha.
Finalmente, ouviu-se o réu C. G., em declarações de parte. Pelo réu foi dito que as quantias em causa na petição inicial nunca foram empréstimos, foram despesas comuns ao agregado, “da mesma forma que ela apresenta esses valores eu poderia apresentar outros. Aquilo que tínhamos acordado era que ela pagava a alimentação dos dois e tudo o resto era eu que pagava, desde habitação, a vestuário, restaurantes, etc.”

No que concerne à divida à X, confirma que era uma dívida de produtos de supermercado e combustível que na altura pagava e continua a pagar. Resulta dos seus extractos essas cobranças e a testemunha clarifica que os pagamentos constantes dos extractos da autora eram do cartão da autora.
A dívida à FV, o autor confirma que fez várias revisões do carro e admite que possa ter sido a autora a pagar mas sublinha que a autora também tinha um carro e que as revisões também eram feitas lá.
Confirma a dívida à C e admite que a quantia possa ter sido paga pela autora.
Confirma igualmente a dívida à C e que possa ter sido paga pela autora durante um mês unicamente.
No que concerne à Telecomunicações, esclareceu que tinha Telecomunicações e admite como possível que a autora tenha pago essa quantia.
No que respeita ao montante da casa de penhora, refere que chegou dar a mota como penhor no valor de €700,00 mas que foi o autor que pagou essa quantia. O autor esclareceu que foi à casa de penhor fazer uma permuta da mota por ouro uma vez que tinha uma taxa de juro elevada e pagava € 50,00 mensal por ter lá a mota.
Esclareceu que a taxa de juro era de 28% ao ano.
Não sabe dizer que montante é que a autora pediu e em que é que o gastou. Disse ainda que depois pagou esses €700,00 à autora.
Quanto aos cheques em causa nos autos, recorda-se de ter recebido cheques da autora para pagamento de despesas comuns da economia do casal mas nunca para proveito pessoal do réu.
Quanto à casa de habitação referiu que paga cerca de € 80,00 mensais ao banco uma vez que apenas pediu €20.000,00 ao banco. O resto do apartamento já tinha sido pago pelo réu no seguimento de partilhas subsequentes a divórcio. Avaliou o seu aparamento em cerca de € 90.000,00.
As restantes quantias mensais, água, luz e serviços televisivos era o réu que pagava directamente.
Confirmou igualmente o valor da sua pensão, de cerca de € 1300,00.

Em síntese, cotejada toda a prova produzida em audiência, o tribunal ficou convencido de que a autora estava efectivamente apaixonada pelo réu e que no âmbito dessa relação foi pagando diversos montantes ao réu, nomeadamente, para liquidação de algumas dívidas deste (nas quais se inclui a dívida à casa de penhor).

No entanto, ficou por demonstrar que tivesse existido algum acordo entre as partes no sentido de que as quantias tenham sido entregues pela autora com base num empréstimo. A mera existência desse acordo contraria frontalmente a própria personalidade da autora, como relatada e descrita pela sua filha em audiência. Efectivamente, o tribunal ficou amplamente convencido de que a autora foi entregando esses montantes ao autor (Réu) uma vez que gostava do mesmo e vivia com ele, nunca com o intuito de fazer um empréstimo e exigir a respectiva devolução.

Por outro lado, não podemos olvidar que no caso concreto temos duas pessoas que viviam em economia comum, como marido e mulher, em partilha de cama, mesa e habitação. Ora, é matéria assente no caso concreto que a autora nunca pagou qualquer quantia a título de habitação e residiu na casa do réu. Também se apurou que era o réu quem pagava a Serviços televisivos a luz e a água. Só por aqui se vê que as quantias alegadas pela autora na petição inicial cabem perfeitamente dentro de um orçamento familiar suportado em partes iguais.

Repare-se que o réu auferia mais do dobro da quantia mensal auferida pela autora. Outrossim, também ficou por demonstrar que as quantias alegadas na petição inicial tenham sido utilizadas para pagar dívidas do réu. Vejamos:

No que concerne à quantia descrita no artigo 19º a prova produzida em audiência demonstra que a quantia em causa foi efectivamente paga pela filha da autora e que aquela ficou com o ouro dado em penhor. Ou seja, ficou muito longe de se demonstrar a existência de uma dívida do réu e de um empréstimo da autora quanto a essa quantia.

Já no que respeita aos cheques, também não se demonstrou de modo algum que esses cheques tenham sigo utilizados para pagamento de dívidas pessoais do réu. Repare-se que, quanto a este aspecto, é o próprio réu quem admite que pode ter utilizado algum desses cheques para pagamento de despesas comuns do casal embora tenha afirmado que nunca para pagamento de despesas pessoais.

Finalmente, no que respeita às quantias descritas no artigo 11º, é o réu quem admite que as mesmas podem ter sido pagas com dinheiro da autora. Acontece porém que, dessas quantias, apenas as relativas ao Banco C (€ 191,63), à Credora D (€ 39,08) e à Telecomunicações SA., (€ 190,43) dizem respeito a dívidas exclusivas do réu. Ora, numa baliza temporal de dois anos não nos parece verosímil acreditar que a autora emprestou estes montantes ao réu e que este se obrigou a devolvê-los. Parece-nos, pelo contrário, que se trata de contas que foram sendo pagas no contexto específico de uma economia comum e conforme as disponibilidades financeiras pontuais de cada um.

Como bem frisou o réu em audiência, também ele poderia exigir da autora várias despesas que foi tendo ao longo do relacionamento amoroso entre os dois (dois anos). E a verdade, diga-se, é que ao analisarmos o extracto bancário do réu resulta que o mesmo foi tendo ao longo desses dois anos diversas despesas com produtos e bens adquiridos em proveito comum do casal (desde supermercados, combustível, loja de bricolage, farmácia, etc.). Por fim, se analisarmos atentamente esse extracto bancário do réu resulta que o mesmo também liquidava diversos montantes relativos a prestações relacionados com mútuos onerosos. No entanto, também aqui ficou por demonstrar inteiramente o valor desses créditos e a finalidade dos mesmos.”
(…) ”
*
Aqui chegados, importa, pois, que o presente Tribunal, tendo em consideração o que já ficou dito em cima, se pronuncie sobre a argumentação da Recorrente, no sentido de apurar se, conforme esta defende, os meios de prova produzidos nomeadamente, a prova indicada (e a argumentação lógica apresentada) permitirá alterar a decisão no sentido propugnado.

Como se disse, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

A Recorrente fundamenta a sua posição nos seguintes meios de prova:

-declarações de parte do Réu (e posição por ele assumida na contestação);
-depoimento da testemunha C. S. (filha da Autora);
-e prova documental junta aos autos.

Importa, pois, verificar se estes meios de prova indicados pela Recorrente impõem a alteração da matéria de facto no sentido pretendido.

Como questão prévia, convém, no entanto, esclarecer, em termos gerais, que tipo de relacionamento, Autora e Réu estabeleceram no caso concreto, e quais os efeitos patrimoniais que, hoje em dia, o legislador passou a reconhecer a estas situações.

Importa, assim, caracterizar, um pouco, a relação estabelecida entre Autora e Réu – relação de união de facto (Lei nº 7/2001) – por contraponto com outras relações susceptíveis de serem estabelecidas entre duas pessoas (do sexo diferente) – relações de namoro, relações de concubinato (art. 1871º, al. b) do CC), de vida em economia comum (Lei nº 6/2001), promessa de casamento (arts. 1591º e ss do CC) e casamento (arts. 1587º e ss. do CC) (9).

Ora, como é sabido, uma relação de união de facto, em princípio, não produz qualquer efeito jurídico patrimonial entre os sujeitos que nela intervêm (distinguindo-se assim das últimas situações atrás mencionadas).

Com efeito, por ora, a união de facto apenas tem alguns efeitos jurídicos expressamente previstos na lei, situando-se estes no âmbito da assistência social, do direito a alimentos, após o falecimento do companheiro/a, e na garantia de habitação (cf. Arts. 3º, 4º e 6º da Lei nº 7/2001).

No que respeita aos efeitos patrimoniais, relativamente às pessoas que vivem em união de facto, não existe “um regime de bens”, não tendo aqui, em princípio, aplicação as regras que disciplinam os efeitos patrimoniais do casamento independentemente do regime de bens (cf. arts 1678º e 1679º do CC), nomeadamente, a administração dos bens dos cônjuges, as dívidas dos cônjuges e bens que respondem por elas, bem como a partilha dos bens do casal (10).

“Casamento e União de facto são situações materialmente diferentes: os casados assumem o compromisso de vida em comum; os membros da união de facto não assumem, não querem ou não podem assumir esse compromisso.
O desfavor ou desprotecção da união de facto relativamente ao casamento é assim objectivamente fundado, justificando-se até onde seja um meio proporcionado de favorecer o estabelecimento de uniões estáveis ou potencialmente estáveis, no interesse geral.

Um tratamento diferente das duas situações, em que as pessoas que vivam em união de facto, não tendo os mesmos deveres, não tenham em contrapartida os mesmos direitos das pessoas casadas, mostra-se assim conforme ao princípio da igualdade que só quer tratar como igual o que é igual e não o que é diferente, não havendo base legal para estender à união de facto as disposições que ao casamento se referem … “ (11).

Na verdade, e como, em certa medida, a Autora parece ter intuído, a questão que colocou ao Tribunal não deve ser decidida no âmbito do Direito da Família, mas sim no âmbito do Direito Obrigacional (por ex. contrato de mútuo; contrato de doação/ liberalidades; responsabilidade civil; enriquecimento sem causa; etc.).

Com efeito, os membros da união de facto devem ser tratados “ … como quaisquer outros sujeitos de direito, com defesa da sua liberdade contratual, podendo outorgar acordos ou contratos dentro dos mais amplos termos … “ (12).

Assim, do ponto de vista do direito obrigacional, os membros de uma relação de união de facto são estranhos, em termos jurídicos, um ao outro, ficando as suas relações patrimoniais sujeitas ao regime geral das relações obrigacionais e reais (13).

Assim, os membros da união de facto, por exemplo, podem, entre si, celebrar contratos de compra e venda, de mútuo, dar ou tomar de arrendamento, contrair dividas, etc., nada na lei impedindo esses negócios jurídicos, não se aplicando as proibições legais, nem as regras legais estabelecidas para o casamento.

Por outro lado, afastada como está a aplicação das regras jurídicas correspondentes do direito da família, torna-se evidente que a união de facto não tem, nem pode, ter o mesmo tratamento do que o casamento, e, evidentemente, também a sua dissolução não pode, nem deve, ser equiparada ao divórcio (com todos os efeitos a ele inerentes).

Assim, se de acordo com o disposto no art. 1576º do CC, o casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão plena de vida nos termos das disposições deste código, no que diz respeito à união de facto, dispõe o art. 1º, nº 1 da Lei nº 7/2001 de 11 de Maio que a união de facto consiste na “… situação jurídica de duas pessoas, independentemente do sexo, que vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos… “.

Ou seja, pese embora a legislação que recentemente vem sendo publicada, máxime, a Lei nº 7/2001 de 11 de Maio, a Lei nº 9/2010 de 31de Maio (e a Lei nº 23/2010 de 30 de Agosto), o facto é que o legislador mantém o regime da união de facto como realidade autónoma e distinta do casamento.

Na verdade, a união de facto distingue-se essencialmente do casamento pela ausência de qualquer vínculo contratual, com os correlativos direitos e deveres.

Os unidos livremente juntam-se e separam-se sem consequências no domínio do direito (14).

Com efeito, a união de facto, porque é de facto, materializa-se num viver em comunhão de vida sem qualquer vínculo legal (15).

É verdade que a norma do nº 2 do art. 1º da Lei nº 7/2001, na sua anterior redacção, dispunha: nenhuma norma da presente lei prejudica a aplicação de qualquer outra disposição legal ou regulamentar em vigor tendente à protecção jurídica de uniões de facto ou de situações de economia comum, mas daqui não resulta, de modo nenhum, conforme já se referiu, que possam ser aplicadas, sem lei expressa, às uniões de factos as normas específicas do casamento.

Em conclusão: à união de facto e à sua dissolução não é aplicável o regime do casamento e do divórcio.

Assim, não estando, como não está, o unido vinculado juridicamente ao cumprimento dos deveres conjugais previstos nos artigos 1672º e ss. do CC, e porque o regime da união de facto nada prevê nesse sentido, necessariamente não existe o direito a indemnização pela ruptura da união de facto (artigo 483º do CC) (16).

Nessa medida, finda a união de facto, seja por acordo, seja por ruptura unilateral de um dos seus membros (art. 8º, nº 1, al. b) da Lei 7/2001), tudo se passa, conforme já se referiu, em termos jurídicos (e com excepção dos já referidos efeitos específicos expressamente consagrados na lei) como se os membros da união de facto fossem estranhos, um em relação ao outro, em termos jurídicos.

O que significa que quaisquer actos jurídicos que tenham sido praticados na vigência da União de facto tenham que ser analisados a essa luz.

Como se referiu em cima, os membros da união de facto devem ser tratados como quaisquer outros sujeitos de direito, com defesa da sua liberdade contratual, podendo outorgar acordos ou contratos dentro dos mais amplos termos, ficando as suas relações, que tenham assumido efeitos patrimoniais, sujeitas ao regime geral das relações obrigacionais (o mesmo sucedendo com quaisquer actos jurídicos que possam ter relevância no âmbito dos direitos reais).
Ora, no caso concreto, julga-se que a Autora, efectivamente, teve em consideração este enquadramento jurídico que aqui efectuamos.
Na verdade, aceitando o que ficou dito, veio deduzir a sua pretensão, fundando-a na alegada celebração de contratos de mútuo e, subsidiariamente, alegando a existência de uma situação de enriquecimento sem causa (ou seja, enquadrando juridicamente a sua pretensão sem apelo ao direito da família).
Quanto aos contratos de mútuo, tinha demonstrar que, tendo entregado determinadas quantias ao Réu, este se tinha obrigado a restituí-las num prazo acordado (cfr. art 1148º do CC).
Com efeito, uma das vias possíveis, no âmbito do regime geral das relações obrigacionais, era fundamentar a sua pretensão na alegada celebração de um ou mais contratos de mútuo (empréstimo) nas situações alegadas, contrato esse previsto nos arts. 1142º e ss. do CC (17).
Neste circunstancialismo, tinha, pois, a Autora que alegar e provar que as aludidas quantias foram entregues a título de empréstimo, tendo o Réu ficado obrigado a restituir as mesmas – art. 1142º do CC.
Ora, o que é certo é que, compulsada a Petição Inicial, constata-se que a Autora alegou que “o Réu sempre assumiu que restituiria os montantes adiantados” (item 21º da p. i.).
Outra questão é a de saber se depois logrou cumprir o ónus que sobre ela recaía (art. 342º, nº 1 do CC), no sentido de provar que ficou acordada essa obrigação de restituição nos alegados contratos (verbais) celebrados.

Invocou, além disso, subsidiariamente, o instituto do enriquecimento sem causa previsto nos arts. 473º e ss. do CC, no sentido de, por essa via, ver reconhecida a sua pretensão de ver restituído o alegado beneficio que o Réu teria obtido como decorrência do alegado contributo económico que ela própria teria trazido para a união de facto estabelecida entre ambos.

Vejamos em que consiste o instituto do enriquecimento sem causa neste âmbito.

Dispõe o art. 473º do C que"...aquele que sem causa justificativa enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo que injustamente se locupletou... " (nº 1), acrescentando o nº 2 que"...a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido... ".
O enriquecimento, aqui previsto, pode assumir várias formas, podendo significar desde um aumento de um activo patrimonial até à intromissão em bens alheios ou bens jurídicos alheios (18).
Resulta do dispositivo legal citado, de uma forma clara, que os requisitos do enriquecimento sem causa são quatro: 1º o enriquecimento de alguém; 2º o consequente empobrecimento de outrem; 3º o nexo causal entre o enriquecimento do primeiro e o empobrecimento do segundo; 4º a falta de causa justificativa do enriquecimento (19).
É pacífico, em termos doutrinais e jurisprudenciais, que incumbe à Autora o ónus da prova destes requisitos (20).

Como se vem assinalando, em termos doutrinais e jurisprudenciais, este instituto jurídico pode, efectivamente, desempenhar, neste âmbito, um papel importante, no sentido de permitir o enquadramento jurídico de determinadas pretensões do “membro da união de facto” que tenha ficado injustamente empobrecido por via do enriquecimento do outro, ocorrido na constância da união de facto.

Na verdade, têm vindo a ter acolhimento, nomeadamente, jurisprudencial, certas situações respeitantes a quantias atribuídas por um dos membros da união de facto ao outro, ou de aquisição de bens com dinheiro de apenas um dos membros da união de facto.
Nessas situações poder-se-á justificar o recurso ao instituto do enriquecimento sem causa, nomeadamente, se se tiver em consideração que “a falta de causa justificativa do enriquecimento” pode surgir de uma forma superveniente.

No entanto, como aliás assinala o Tribunal Recorrido, nem sempre isso sucederá, pois que não se pode esquecer que essas deslocações patrimoniais têm por causa, em princípio, a participação livre para a economia comum baseada na entreajuda ou partilha de recursos que, também, é inerente à união de facto constituída.

Ou seja, os membros da união de facto, enquanto durou a relação, constituíram um casal, em tudo semelhante ao casamento, onde, aliás, diga-se, também muitas vezes há discussões sobre as respectivas contribuições para as despesas e tarefas domésticas.

Mas é inequívoco que ambos queriam viver juntos, contribuir em conjunto para as despesas da vida doméstica e partilhar tarefas. Um e outro fizeram-no em nome de uma união que pretendiam manter e preservar, em função do afecto e/ou interesse que os unia.

Ora, geralmente, não se pode, perante este quadro fáctico, concluir que qualquer um deles ficou mais ou menos empobrecido, nem que qualquer um deles ficou mais ou menos enriquecido quanto às despesas e tarefas da vida doméstica.

Do que se trata é que estamos no âmbito de uma relação sentimental análoga à dos cônjuges em que cada um contribui com o que quer e/ou pode para o êxito dessa relação, e por isso, a prestação de cada um e a que cada membro da união de facto efectuou é mais do que justificada no âmbito dessa relação sentimental, ainda que cada um contribua com prestação diferente ou em medida diferente daquela que o outro prestou.

Por isso, como refere Jorge Duarte Pinheiro (21), “na constância da união de facto as prestações patrimoniais espontâneas efectuadas por qualquer uma das partes para satisfazer as necessidades de vida em comum presumem-se feitas em cumprimento de uma obrigação natural de alimentos, pelo que, em regra, o autor da prestação não pode exigir ao companheiro a restituição do que prestou (cfr. art. 403º do CC) … “.

Ou seja, presume-se que essas prestações mais não são, afinal, que o cumprimento de uma obrigação natural, que tem por fim contribuir para a comunhão de vida (comunhão de cama, mesa e habitação) e para a economia comum baseada na entreajuda ou partilha de recursos inerente à constituição de uma situação de União de facto.
Nos termos do art. 402º CC, a obrigação diz-se natural quando se funda num mero dever de ordem moral e social cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça.
É o caso da contribuição para a economia comum na união de facto, desde que assente, como já se referiu atrás, que inexiste qualquer vínculo jurídico entre os membros da união de facto (não sendo a sua situação equiparável à do casamento).

Pelo que neste âmbito, conforme já se disse, não existe nada mais do que uma obrigação natural (que não jurídica) de cumprir eventualmente de uma forma aproximada os vínculos jurídicos a que se vinculam (aqui já em termos jurídicos) os casados.

Ora, decorre dos princípios da obrigação natural que não pode ser repetido o que foi prestado espontaneamente – isto é, livre de toda a coacção (art. 403º, nº 2 CC) - no cumprimento de uma obrigação natural (art. 403º, nº 1 CC).

Assim, como se disse, presume-se que qualquer contribuição económica no âmbito da união de facto, configura-se como o cumprimento espontâneo de uma obrigação natural, insusceptível de ser repetido, pelo que o membro da união de facto, em princípio, não teria o direito à restituição do respectivo valor, ainda que invocando o instituto do enriquecimento sem causa (22).

Aqui chegados, e ainda neste âmbito do enquadramento jurídico, importa ter em atenção que, além do que se acaba de dizer, a dificuldade da verificação dos requisitos do enriquecimento sem causa nestas situações também surge quanto ao último dos requisitos enunciados (a verificação da “falta de causa justificativa do enriquecimento”).

Como decorre do exposto, além da verificação dos requisitos enriquecimento/empobrecimento, é necessário ainda que, na expressão da lei (art. 473º, nº 2 do CC, 2ª parte do CC), que o recebimento indevido de qualquer quantia por parte do alegadamente enriquecido, o tenha sido“… por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou… “ ou seja, que o enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa.

Ora, estes casos, nas palavras de Antunes Varela/ P. Lima (23), traduzem-se “… na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios aceites no sistema, o legitimem … “.

O enriquecimento é assim injusto, não apresentando causa justificativa, quando, segundo a própria lei, deve pertencer a outrem, o que não acontece, tendo, então, causa justificativa, se o enriquecimento criado está de harmonia com a correcta ordenação jurídica dos bens aceite pelo sistema (24).

Com efeito, o que suscita a reacção da lei é a circunstância de determinado valor se achar no património do enriquecido, quando o seu lugar não é aí, mas antes no património do empobrecido, em função da ordem de atribuição ou destinação dos bens (25).

Entre os casos especiais da obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, exemplificativamente enumerados pelo artigo 473º, nº 2 do CC, destaca-se a situação de alguém receber uma prestação, em virtude de uma causa que deixou de existir, como acontece quando a entidade patronal faz adiantamentos ao empregado, por conta de ordenados futuros, vindo, entretanto, a cessar a relação de trabalho (26).

Estas situações de enriquecimento sem causa não existem, assim, só em casos de carência ab initio de causa justificativa.

Na verdade, como diz Antunes Varela (27), para que haja obrigação de restituir é necessário, nos termos do art. 473º, nº 1 do CC, que o enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa – ou porque nunca a tenha tido, ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido … “.

No entanto, como se refere no ac. do STJ de 20.3.3014 já citado “porque a união de facto é uma forma de estar em família que em si mesma implica o contributo de cada um dos seus elementos, deve entender-se que tudo o que sejam as despesas normais e correntes próprias de quem vive, embora “informalmente”, a “plena comunhão de vida” de que fala o artº 1577º do CC não é repetível, finda a relação, mediante a aplicação do regime do art. 476º deste mesmo diploma; e isto porque se considera que houve então uma causa justificativa para tais atribuições patrimoniais impeditiva da conclusão de que o prestado foi indevido; essa causa justificativa reside, precisamente, na subsistência da união de facto, para a qual cada um dos membros contribuiu em termos materiais pela forma tacitamente acordada pelo casal enquanto a relação se manteve” (28).
*
Aqui chegados, julga-se que a tarefa que nos é solicitada, de apreciação da Impugnação da matéria de facto, poderá ser realizada de uma forma mais cuidada, uma vez que, ao realizá-la, teremos que ponderar as circunstâncias específicas que decorrem do facto de a Autora e o Réu terem constituído uma relação de união de facto e de ser, no âmbito desta, que as deslocações patrimoniais aqui em apreciação devem ser enquadradas (interpretadas).
Entende-se, aliás, que o Tribunal Recorrido teve justamente em consideração, tudo o que se acaba de salientar.

Na verdade, e conforme resulta da fundamentação da matéria de facto, o Tribunal Recorrido salientou precisamente o seguinte:

Em síntese, cotejada toda a prova produzida, em audiência, o tribunal ficou convencido de que a autora estava efectivamente apaixonada pelo réu e que no âmbito dessa relação foi pagando diversos montantes ao réu, nomeadamente, para liquidação de algumas dívidas deste (nas quais se inclui a dívida à casa de penhor).
(…)
Efectivamente, o tribunal ficou amplamente convencido de que a autora foi entregando esses montantes ao autor (Réu) uma vez que gostava do mesmo e vivia com ele, nunca com o intuito de fazer um empréstimo e exigir a respectiva devolução.

Por outro lado, não podemos olvidar que no caso concreto temos duas pessoas que viviam em economia comum, como marido e mulher, em partilha de cama, mesa e habitação. Ora, é matéria assente no caso concreto que a autora nunca pagou qualquer quantia a título de habitação e residiu na casa do réu. Também se apurou que era o réu quem pagava a Serviços televisivos a luz e a água. Só por aqui se vê que as quantias alegadas pela autora na petição inicial cabem perfeitamente dentro de um orçamento familiar suportado em partes iguais.

Repare-se que o réu auferia mais do dobro da quantia mensal auferida pela autora. Outrossim, também ficou por demonstrar que as quantias alegadas na petição inicial tenham sido utilizadas para pagar dívidas do réu. (…)

Ora, numa baliza temporal de dois anos não nos parece verosímil acreditar que a autora emprestou estes montantes ao réu e que este se obrigou a devolvê-los. Parece-nos, pelo contrário, que se trata de contas que foram sendo pagas no contexto específico de uma economia comum e conforme as disponibilidades financeiras pontuais de cada um.

Como bem frisou o réu em audiência, também ele poderia exigir da autora várias despesas que foi tendo ao longo do relacionamento amoroso entre os dois (dois anos). E a verdade, diga-se, é que ao analisarmos o extracto bancário do réu resulta que o mesmo foi tendo ao longo desses dois anos diversas despesas com produtos e bens adquiridos em proveito comum do casal (desde supermercados, combustível, loja de bricolage, farmácia, etc). Por fim, se analisarmos atentamente esse extracto bancário do réu resulta que o mesmo também liquidava diversos montantes relativos a prestações relacionados com mútuos onerosos. No entanto, também aqui ficou por demonstrar inteiramente o valor desses créditos e a finalidade dos mesmos.”
*
Aqui chegados, julga-se que não será difícil perceber qual era o esforço probatório que era exigido à Autora no caso concreto.

Com efeito, sabendo-se que as partes integraram uma união de facto (relação sentimental análoga à dos cônjuges que se estabeleceu durante mais de dois anos), quaisquer quantias que tivessem sido entregues reciprocamente ter-se-iam de presumir feitas em cumprimento de uma obrigação natural de alimentos, pelo que, como se referiu, o autor da prestação não poderá, em princípio, exigir ao companheiro a restituição do que prestou.

Na verdade, na constância da união de facto, as prestações patrimoniais espontâneas efectuadas, por qualquer uma dos seus membros, para satisfazer as necessidades de vida em comum beneficiam de tal presunção.

Nessa medida, além de incumbir à Autora o ónus da prova dos factos constitutivos da sua pretensão, tinha ainda que ilidir esta presunção de que especialmente beneficiava o Réu quanto às quantias que por ele foram utilizadas (o mesmo sucedendo, aliás, com as correspondentes quantias de que a Autora terá beneficiado no âmbito da relação estabelecida, e que foram pagas pelo Réu).
No cumprimento dessa tarefa não era, pois, suficiente para a Autora alegar e provar a mera existência das entregas (ou a utilização) do (seu) dinheiro por parte do Réu.

Com efeito, o que se lhe exigia era alegar e provar que essas entregas extravasavam a satisfação das necessidades de vida em comum, destinando-se apenas à satisfação dos interesses pessoais do Réu e, nessa medida, que extravasavam o âmbito das prestações espontâneas inerentes à união de facto que havia sido constituída.

Ora, foi justamente essa falta de prova que o Tribunal Recorrido concluiu existir.

Isto é, admitindo que a Autora efectuou a prova do pagamento de diversos montantes ao Réu, nomeadamente, para liquidação de algumas dívidas deste, concluiu que tais entregas de dinheiro “cabem perfeitamente dentro de um orçamento familiar suportado em partes iguais” e “que se trata de contas que foram sendo pagas no contexto específico de uma economia comum e conforme as disponibilidades financeiras pontuais de cada um”.

Isto significa que a questão que se coloca, no caso concreto, em sede de recurso (e de Impugnação da matéria de facto) não se reconduz à discussão da entrega de quantias por parte da Autora ao Réu (e vice-versa), mas sim à questão de saber se a Autora logrou ilidir a identificada presunção de que tais quantias entregues tinham como causa “a satisfação das necessidades de vida em comum”.

É isto que verdadeiramente está em causa e que conduziu, na perspectiva do Tribunal Recorrido, à improcedência das pretensões da Autora.

Aqui chegados, e colocada a questão no seu local certo, importa verificar se, com base nos meios de prova indicados pela Recorrente (e com os demais elementos probatórios produzidos), se pode concluir que a Autora logrou ilidir a referida presunção.

Ou seja, se com base nesses elementos probatórios se pode concluir que as quantias entregues pela Autora ao Réu não tiveram como causa a vida em comum inerente à situação de união de facto - como entendeu o Tribunal Recorrido.

Não esquecendo, obviamente, a questão, que também é colocada, de saber se, em qualquer um dos actos materiais de entrega ou utilização de dinheiro, se pode entender que a Autora e Réu celebraram um ou mais contratos de mútuo.

Começando por esta questão – que constitui o ponto 13 dos factos não provados – compulsados os elementos probatórios produzidos, em especial, os invocados pela Recorrente, pode-se facilmente concluir que o Tribunal Recorrido ponderou devidamente aquela prova, no julgamento fáctico negativo que efectuou sobre esta matéria de facto.

Na verdade, não decorre da prova documental junta qualquer indício de que Autora e Réu tenham celebrado, em qualquer uma das deslocações patrimoniais ocorridas, um qualquer contrato de mútuo, e onde o Réu tivesse, alguma vez, declarado que se obrigava a restituir as quantias que alegadamente lhe teriam sido emprestadas pela Autora.

Também o Réu, nas declarações de parte que prestou, negou peremptoriamente que a realidade subjacente às referidas deslocações patrimoniais coincidisse com a alegada concessão de empréstimos por parte da Autora.

Da mesma forma, nenhum das testemunhas - C. S., filha da Autora, Maria, mãe da Autora, e Manuel, tio materno da Autora – revelou ter conhecimento desta factualidade.

A primeira testemunha, aliás, apresentou um depoimento que, quanto a esta factualidade se mostrou com pouca credibilidade, conclusão que decorre da tentativa de forçar a demonstração da existência de um empréstimo na situação da casa de penhores, tentativa essa que foi devidamente infirmada pelos esclarecimentos solicitados pelo Tribunal e que desmontaram claramente a tese da testemunha (e da Autora) quanto essa factualidade (veja-se que a própria Recorrente, em sede de Recurso, já não insistiu nessa sua tese, não impugnando a matéria de facto constante do ponto 12 da matéria de facto não provada).

Improcede, pois, esta parte da Impugnação da matéria de facto (ponto 13).
Avancemos, agora, para a outra questão já enunciada e que se encontra subjacente à matéria de facto considerada não provada nos pontos 1 a 7 e 9 a 11.
Como já se referiu, a questão que se coloca não se reconduz à questão de saber se houve deslocações patrimoniais entre a Autora e o Réu, enquanto a união de facto estabelecida se manteve vigente, mas sim a de saber se a Autora logrou ilidir a identificada presunção de que tais quantias, mutuamente entregues, tinham como causa “a satisfação das necessidades de vida em comum” inerentes àquela relação de união de facto.

Na verdade, e como está assente (por falta de impugnação, em sede de Recurso), o Réu, enquanto aquela relação sentimental não cessou, também procedeu ao pagamento de “despesas da habitação – crédito hipotecário – que sempre ficaram a cargo do Réu, visto o imóvel ser seu” (ponto 6), assim como outras despesas fixas (telecomunicações, água, gás, electricidade, etc.) e ainda outras que ocasionalmente apareciam (ponto 7).

O Tribunal Recorrido, no entanto, no que concerne às deslocações patrimoniais que haviam sido alegadas pela Autora, optou por efectuar um julgamento totalmente negativo, embora, em sede de fundamentação da decisão, acabasse por reconhecer que tais deslocações patrimoniais ocorreram (algumas) em favor do Réu – sem prejuízo de concluir também que nalgumas das dívidas não foi efectuada prova de que se destinasse em exclusivo ao pagamento de dívidas do Réu.

Ora, no essencial, em face da prova produzida, não se pode deixar de concordar com as conclusões a que o Tribunal Recorrido chegou em sede de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
No entanto, julgamos que a metodologia seguida – de julgar como totalmente não provados os factos em causa – não merece aqui acolhimento.

Na verdade, e salvo o devido respeito pela opinião contrária, o Tribunal Recorrido devia ter dado como provado a factualidade que, em sede de fundamentação, admitiu ter logrado ser provada, em face da prova produzida que menciona de uma forma especificada.

Com efeito, ponderando a prova documental junta aos autos, o depoimento da testemunha C. S. e as próprias declarações de parte do Réu, não se pode deixar de concluir que a Autora - tal como o Réu -, enquanto a união de facto se manteve em vigor, disponibilizou o seu património (a sua conta bancária) e outros recursos (por ex. solicitação de empréstimos a familiares), em favor da vida comum de ambos, admitindo a liquidação, inclusivamente, em certos casos, de dívidas pessoais do Réu.

Essa situação é patente no que concerne ao acesso à conta bancária da Autora e às dívidas a que se referem os pontos 2 a 7 da matéria de facto considerada não provada, pois que é o próprio Réu que admite nas suas declarações que assim era e que o pagamento das despesas aí mencionadas foi efectuado com dinheiro disponibilizado pela Autora.

No entanto, importa ter em atenção que, contrariamente ao que havia sido alegado pela Autora, esta não logrou provar que as despesas aludidas nos pontos 3 e 4 respeitassem a dívidas exclusivas do Réu (como refere, por exemplo, o Réu quanto à “FV” as revisões respeitaram também ao carro da Autora; e quanto à X, trata-se de despesas que não ficaram demonstradas como sendo dívida exclusiva do Réu pelas razões explanadas nas suas declarações - além de qualquer uma delas poderem resultar em benefício comum dos membros da união de facto).

O mesmo sucede com os cheques sacados mencionados no ponto 9, cuja utilização em dívidas pessoais do Réu, também não foi objecto de qualquer prova credível por parte da Autora, pelo que bem andou o Tribunal Recorrido em julgar como não provada a factualidade mencionada nos ponto 10 e 11 por falta de corroboração dos meios de prova juntos aos autos (nomeadamente, prova documental, já que a prova testemunhal produzida nenhum conhecimento denotou ter sobre esta matéria de facto. A testemunha C. S. pronunciou-se sobre esta matéria, mas no seu depoimento revelou não ter conhecimento directo dos factos e ainda manifestou patente falta de isenção – v. por exemplo, a parte em que se pronuncia sobre o alegado empréstimo relativo à situação da casa de penhores).

Nessa medida, em face da prova produzida, apenas se pode dar como provado que as únicas quantias disponibilizadas pela Autora que foram utilizadas para o pagamento de dívidas pessoais do Réu foram as relativas ao Banco C (191,63 €), à Credora D (39,08 €) e à Telecomunicações S. A., (190,43 €).
Quanto às demais quantias não logrou a Autora efectuar essa prova, já que, contrariamente ao que continua a defender em sede de recurso, nenhuma prova credível foi apresentada e produzida nos autos no sentido de se poder dar como provado que assim sucedeu.
Aqui chegados, importa concluir que a Recorrente tem parcialmente razão quando defende a alteração da decisão sobre a matéria de facto.

Nesta conformidade, em face do exposto e da prova produzida, decide-se alterar a decisão sobre a matéria de facto no seguinte sentido:

Quanto ao ponto 1 da matéria de facto não provado, considerar como provada a seguinte factualidade que passa a constar da decisão sobre a matéria de facto como ponto 8 dos factos provados:

-“Durante aquele período e face à confiança que a Autora mantinha no Réu, este tinha pleno acesso às contas bancárias tituladas pela Autora e cujos fundos nelas constantes lhe pertenciam e pertencem, mormente os da conta n.º (...), de que a mesma era titular junto do Banco A, através do respectivo cartão de débito”.
*
Quanto aos pontos 2 a 7 da matéria de facto não provada, considerar como provada a seguinte factualidade que passa a constar da decisão sobre a matéria de facto como ponto 9 dos factos provados:

“O Réu procedeu ao levantamento de várias quantias em dinheiros e efectuou vários pagamentos mormente:
a. À X, S.A., pagou a quantia de € 852,75 (oitocentos e cinquenta e dois euros e setenta e cinco cêntimos);
b. - À FV Portugal, Lda., pagou a quantia de € 841,71 (oitocentos e quarenta e um euros e setenta e um cêntimos);
c. - Ao Banco C, S.A., pagou a quantia de € 191,63 (cento e noventa e um euros e sessenta e três euros) que constituía uma dívida apenas sua;
d. - À Credora D, S.A., pagou a quantia de quantia de € 39,08 (trinta e nove euros e oito cêntimos) que constituía uma dívida apenas sua;
e. - À Telecomunicações, S.A., pagou a quantia de € 190,43 (cento e noventa euros e quarenta e três cêntimos) que constituía uma dívida apenas sua”.
*
Quanto aos pontos 9 a 11 da matéria de facto não provada, considerar como provada a seguinte factualidade que passa a constar da decisão sobre a matéria de facto como ponto 10 dos factos provados:

“Além disso, a Autora sacou, a pedido e inteiro contento do Réu que recebeu, vários cheques sacados sobre a conta de que a mesma é titular, supra identificada, a saber: Cheque 12778619, Cheque 13340929, Cheque 13340941, Cheque 13340930, Cheque 13340955, cheque 12778608, cheque 13340918, cheque 13748819, cheque 13748820, cheque 13748831, cheque 13748808, cheque 14134741, cheque 14134755, cheque 14134766, cheque 14134788, cheque 14134777, cheque 14449088, cheque 14449099, cheque 14449125, cheque 1449111, cheque 14449100, cheque 15448095, cheque 15448058, cheque 16197839, cheque 15448070, cheque 16197840 e o cheque 12778597.
(Mantendo-se como não provada a factualidade constante dos pontos 10 e 11 dos factos não provados)
*
Na sequência das alterações aqui introduzidas, temos, então, que a matéria de facto que se considera provada é a seguinte:

1 - Autora e o Réu mantiveram um relacionamento amoroso entre si.
2 - Na vigência de tal relacionamento, instalaram-se na habitação detida por este Réu, sita na Rua … Guimarães,
3 - Desde 10/01/2015 até 09/02/2017, data em que aquele relacionamento cessou/findou.
4 - Naquela habitação, Autora e Réu coabitavam, faziam as suas refeições e recebiam os seus amigos e familiares.
5 - Em perfeita comunhão de habitação, mesa e leito.
6 - As despesas da habitação – crédito hipotecário – sempre ficaram a cargo do Réu, visto o imóvel ser seu.
7- Assim como outras despesas fixas (telecomunicações, água, gás, electricidade, etc.) e ainda outras que ocasionalmente apareciam.
8- Durante aquele período e face à confiança que a Autora mantinha no Réu, este tinha pleno acesso às contas bancárias tituladas pela Autora e cujos fundos nelas constantes lhe pertenciam e pertencem, mormente os da conta n.º (...), de que a mesma era titular junto do Banco A, através do respectivo cartão de débito;
9- O Réu procedeu ao levantamento de várias quantias em dinheiros e efectuou vários pagamentos mormente:

a. À X, S.A., pagou a quantia de € 852,75 (oitocentos e cinquenta e dois euros e setenta e cinco cêntimos);
b. - À FV Portugal, Lda., pagou a quantia de € 841,71 (oitocentos e quarenta e um euros e setenta e um cêntimos);
c. - Ao Banco C, S.A., pagou a quantia de € 191,63 (cento e noventa e um euros e sessenta e três euros), que constituía uma dívida apenas sua;
d. - À Credora D, S.A., pagou a quantia de quantia de € 39,08 (trinta e nove euros e oito cêntimos), que constituía uma dívida apenas sua;
e. - À Telecomunicações, S.A., pagou a quantia de € 190,43 (cento e noventa euros e quarenta e três cêntimos), que constituía uma dívida apenas sua;
10- Além disso, a Autora sacou, a pedido e inteiro contento do Réu que recebeu, vários cheques sacados sobre a conta de que a mesma é titular, supra identificada, a saber: Cheque 12778619, Cheque 13340929, Cheque 13340941, Cheque 13340930, Cheque 13340955, cheque 12778608, cheque 13340918, cheque 13748819, cheque 13748820, cheque 13748831, cheque 13748808, cheque 14134741, cheque 14134755, cheque 14134766, cheque 14134788, cheque 14134777, cheque 14449088, cheque 14449099, cheque 14449125, cheque 1449111, cheque 14449100, cheque 15448095, cheque 15448058, cheque 16197839, cheque 15448070, cheque 16197840 e o cheque 12778597.
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Como decorre do exposto, a divergência que aqui assinalamos, quanto à decisão sobre a matéria de facto, mais do que quanto ao sentido do julgamento de facto efectuado, diz antes respeito à “metodologia” utilizada pelo Tribunal Recorrido, quando elaborou a decisão sobre a matéria de facto, de uma forma que, em certa medida, não tem correspondência com a acertada fundamentação que produziu, na sequência da análise crítica que efectuou dos meios de prova produzidos.

Com efeito, a nossa convicção, efectuada aquela mesma análise, coincide integralmente com a que o Tribunal Recorrido chegou no segmento da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto (mas já não com o teor da decisão sobre a matéria de facto que se julga não estar em conformidade com aquela fundamentação).

Nessa medida, a alteração introduzida na matéria de facto teve apenas como objectivo conformar a fundamentação aduzida pelo Tribunal Recorrido – que aqui se subscreve integralmente – com as “respostas” que haviam sido dadas à matéria de facto que se mostrava em discussão nos autos.

Na verdade, e não obstante as críticas que lhe são dirigidas pela ora Recorrente, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados, um qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida por parte do Tribunal Recorrido – juízo que se formula, como decorre do exposto, em função do segmento da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.

No entanto, como esta fundamentação não ficou vertida na decisão sobre a matéria de facto (não tem correspondência nesta), tem que se reconhecer parcialmente razão à Recorrente quando impugnou a factualidade dada como não provada.

Conclui-se, pois, que compulsada a prova produzida, e apesar de se concordar com a aludida fundamentação do Tribunal Recorrido, tem a decisão de matéria de facto ser parcialmente alterada no sentido atrás referido.
Em consequência, procede a Impugnação da matéria de factos nesta parte.
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Aqui chegados, importa verificar se, apesar de se ter procedido à alteração da matéria de facto no sentido atrás explanado, deve manter-se a apreciação de mérito efectuada pela Decisão Recorrida.

No que concerne ao pedido principal, que se mostrava fundamentado na alegada celebração de contratos de mútuo, é patente que, em face da factualidade, que continuou a ser considerada como não provada – ponto 13 dos factos não provados –, a pretensão da Autora tem que se considerar improcedente.

Na verdade, conforme resulta do relatório elaborado, a Autora fundamentava, a título principal, a sua pretensão na celebração de diversos contratos de mútuo com o Réu, alegando que ao longo do período de união de facto estabelecido com aquele, lhe emprestou em diversas situações, a seu pedido, diversas quantias, que aquele alegadamente se tinha obrigado a restituir.

Produzida a prova, no entanto, a Autora não logrou provar essa factualidade, incumbindo-lhe o respectivo ónus de prova (art. 342º, nº 1 do CC), nomeadamente que a disponibilização do seu dinheiro ao Réu, ou a sua utilização por parte deste, tivesse sido efectuada no âmbito da celebração de contratos de mútuo (art. 1142º do CC).

Sucede que a Autora, conforme já se referiu, além daquele fundamento, veio ainda invocar, a título subsidiário, o instituto do enriquecimento sem causa previsto nos arts. 473º e ss. do CC, no sentido de, por essa via, ver reconhecida a sua pretensão de ver restituídas as quantias que foi disponibilizando ao Réu ao longo do período de vigência da relação de união de facto que estabeleceu com aquele.

A Autora formula um pedido subsidiário fundado no enriquecimento sem causa, mas além do pedido ser subsidiário (art. 554º do CPC), o próprio instituto do enriquecimento sem causa é subsidiário – art. 474º do CC – só podendo socorrer-se dele, quando a lei não faculte ao empobrecido, outros meios de reacção.

Assim, o instituto do enriquecimento sem causa não será aplicável se o enriquecimento puder e dever ser destruído mediante simples acção (contratual) destinada a exigir o cumprimento do contrato (29) – como, aliás, em primeira linha, a Autora procurou efectuar, recorrendo à acção contratual (ou à nulidade do contrato), alegando a celebração de contratos de mútuo, e pedindo a restituição das quantias disponibilizadas com fundamento nesses contratos, que não lograram ser provados.

Aqui chegados, vejamos, então, se se pode considerar que a pretensão da Autora pode ser acolhida no âmbito do referido instituto.

Como é sabido, subjacente a uma qualquer deslocação patrimonial está sempre a proeminência de uma causa com um fim imediato, directo e próximo das partes, que pode ter justificado ou não o enriquecimento de uma delas com o correlativo empobrecimento da outra.

Nessa medida, tal averiguação, sobre a existência de uma causa justificativa dessa deslocação patrimonial, terá de ser efectuada no concreto de cada caso, uma vez que só procedendo a essa análise, caso a caso, é que se poderá aferir da eventual falta de justa causa.

Assim, é na análise do que foi o relacionamento directo ou imediato ocorrido entre as partes que se poderá encontrar a existência ou a ausência de uma causa justificativa do enriquecimento, já que, como se disse, abstracta ou remotamente toda a deslocação patrimonial tem uma causa ou razão de ser.

Assim, não existindo a causa justificativa que fundamentava o pedido principal – os contratos de mútuo que a Autora não logrou provar - há que reconhecer a esta o direito de deduzir, a título subsidiário, um pedido no sentido de se reconhecer que a entrega dos montantes aqui em discussão não teve causa justificativa (nem aquela que a Autora sustentava a título principal, nem qualquer outra).

Sucede que, conforme resulta da matéria de facto provada (e não provada), a verdade é que a Autora, apesar das alterações introduzidas na matéria de facto, também não logrou provar os requisitos de afirmação do enriquecimento sem causa.

Como se referiu esses requisitos são quatro: 1º o enriquecimento de alguém; 2º o consequente empobrecimento de outrem; 3º o nexo causal entre o enriquecimento do primeiro e o empobrecimento do segundo; 4º e a falta de causa justificativa do enriquecimento.
É pacífico, em termos doutrinais e jurisprudenciais, que incumbe à Autora o ónus da prova destes requisitos.
Sucede que, no caso concreto, em face da matéria de facto provada, tem que se considerar que tais pressupostos não estão preenchidos.

Na verdade, procedendo-se à análise concreta da relação estabelecida entre as partes, no período em que as deslocações patrimoniais aqui em discussão ocorreram, pode-se facilmente constatar que a causa dessas deslocações contende com a situação de união de facto que havia sido constituída entre a Autora e o Réu (e que se manteve durante mais de dois anos).

Ora, como já ficou referido, inerente a essa situação de união de facto está, tal como sucede em outras situações (máxime, o casamento), a ideia de que aquela união – que tem o reconhecimento legal já referido - implica a participação de ambos os membros na economia comum baseada na entreajuda ou partilha dos recursos que cada um detenha.

Ou seja, nestas situações, tem-se que partir da ideia de que a aqui Autora e o Réu, enquanto membros da união de facto, e enquanto se mantiveram a viver juntos, contribuíram, em conjunto, para as despesas da vida doméstica, partilhando as tarefas inerentes a essa situação fáctica.

Nessa medida, as despesas que um e outro tenham feito na vigência da união de facto foram efectuadas em nome dessa união, que pretendiam manter e preservar, e em função do afecto e/ou interesse que os unia.

Ora, como já se referiu, em geral, não se pode, perante este quadro fáctico, concluir que qualquer um deles ficou mais ou menos empobrecido, nem que qualquer um deles ficou mais ou menos enriquecido quanto às despesas e tarefas da vida doméstica.

Do que se trata é que estamos no âmbito de uma relação sentimental análoga à dos cônjuges em que cada um contribui com o que quer e/ou pode para o êxito dessa relação, e por isso, a prestação de cada um e que cada membro da união de facto efectuou, é mais do que justificada no âmbito dessa relação fáctica, ainda que cada um contribua com prestação diferente ou em medida diferente daquela que o outro prestou.

Por isso é que, regra geral, se deve entender que, na constância da união de facto, as prestações patrimoniais efectuadas pelos membros daquela união, e que sejam destinadas a satisfazer as necessidades de vida em comum, devem-se presumir feitas em cumprimento de uma obrigação natural de alimentos.

Nessa medida, tendo essa causa justificativa, não atribuem, em regra, ao autor da prestação (ao membro da união de facto que tenha pago determinada despesa inerente à vida comum estabelecida), o direito de exigir ao companheiro a restituição do que foi prestado.

Ora, é por isso que, revertendo para a verificação do preenchimento dos requisitos do enriquecimento sem causa, se pode concluir que os mesmos não se mostram preenchidos no caso concreto.

É que, como decorre do exposto, além da verificação dos requisitos enriquecimento/empobrecimento, é necessário ainda, neste âmbito, que, na expressão da lei (art. 473º, nº 2 do CC, 2ª parte do CC), o recebimento indevido de qualquer quantia por parte do alegadamente enriquecido, contra o qual se reage, careça de causa justificativa.

Ora, conforme resulta do que se acaba de expor, a Autora não logrou provar, conforme lhe incumbia, que tenha havido um enriquecimento do Réu, que carecesse de causa justificativa.

Com efeito, no caso concreto, não logrou provar que as deslocações patrimoniais provadas tivessem uma causa justificativa diferente daquela que estava subjacente à vigência da união de facto estabelecida com o Réu.

Na verdade, decorre da prova produzida (e da matéria de facto provada) que a causa justificativa de tais deslocações patrimoniais foi justamente a existência da relação de união de facto que se mostrava estabelecida entre a Autora e o Réu.
Foi essa a justificação das mesmas, tal como também foi essa a causa justificativa das despesas realizadas pelo Réu em benefício do proveito comum de ambos os membros da união de facto.
O facto de, entretanto, a união de facto ter cessado não implica automaticamente que as prestações efectuadas espontaneamente pela Autora, na constância daquela relação, tenham deixado de ter aquela causa justificativa.

Na verdade, a falta de causa justificativa do enriquecimento não se basta com a mera cessação da união de facto; tornava-se necessário que a Autora tivesse alegado e provado que as deslocações patrimoniais (nomeadamente, as relacionadas com o pagamento de pequenas dívidas pessoais do Réu) se verificaram no pressuposto, entretanto desaparecido, da continuação e subsistência da união de facto, só assim se podendo considerar preenchido o requisito da carência de causa justificativa inerente ao instituto do enriquecimento sem causa.

Ora, conforme resulta da matéria de facto provada, a Autora não logrou provar tal factualidade, até porque se limitou a alegar os pagamentos efectuados na constância da união de facto e a cessação da relação fáctica constituída, sem invocar que tais pagamentos foram efectuados dentro daquele pressuposto.

Nesta conformidade, porque, como se vê, se concorda, além do mais, com a fundamentação de direito aduzida pelo Tribunal de Primeira Instância (vertida na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto), decide-se manter integralmente a decisão proferida nos seus exactos termos (embora com fundamentos diferentes).
Improcede o Recurso interposto.
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III- DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:

- Alterar a decisão da matéria de facto nos termos que resultam do exposto;
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- E julgar o Recurso interposto pela Autora/Recorrente totalmente improcedente e, em consequência, decide-se manter integralmente a sentença recorrida.
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Custas pela Recorrente (artigo 527º, nº 1 do CPC);
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Guimarães, 15 de Novembro de 2018

Pedro Damião e Cunha
Maria João Matos
José Alberto Moreira Dias


1. Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 133;
2. v. Ac. do STJ de 24.9.2013 (relator: Azevedo Ramos) publicado na DGSI e comentado por Teixeira de Sousa, in “Cadernos de Direito Privado”, nº 44, págs. 29 e ss.;
3. Pode inclusivamente, verificados determinados requisitos, ordenar a renovação da prova (art. 662º, nº2, al a) do CPC) e ordenar a produção de novos meios de prova (al b));
4. Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 266 “ A Relação actua como Tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal de primeira Instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova. Confrontada com os mesmos elementos com que o Tribunal a quo se defrontou, ainda que em circunstâncias não totalmente coincidentes, está em posição de formular sobre os mesmos um juízo valorativo de confirmação ou alteração da decisão recorrida… “;
5. Miguel Teixeira de Sousa in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, p. 348.
6. Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, disponível em www.dgsi.pt.
7. Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, disponível em www.dgsi.pt.
8. Segundo Ana Luísa Geraldes, in “ Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto” (nos Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas) Vol. I, pág. 609 “ Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte… “; no mesmo sentido, v. Miguel Teixeira de Sousa, in “Blog IPPC” (jurisprudência 623- anotação ao ac. da RC de 7/2/2017) onde refere: “É verdade que os elementos de que a Relação dispõe não coincidem -- nomeadamente, em termos de imediação -- com aqueles que a 1.ª instância tinha ao dispor para formar a convicção sobre a prova do facto. No entanto, isso não significa que, como, aliás, o STJ tem unanimemente entendido, nem que a Relação esteja dispensada de formar uma convicção própria sobre a prova do facto, nem que funcione uma presunção de correcção da decisão recorrida. Importa, pois, verificar quais os elementos que devem ser considerados pela Relação para a formação da sua convicção sobre a prova produzida. Quanto a estes elementos, há uma diferença entre a 1.ª instância e a Relação: a 1.ª instância apenas dispõe dos meios de prova; a Relação dispõe daqueles meios e ainda da decisão da 1.ª instância. Como é claro, esta decisão, cuja correcção incumbe à Relação controlar, não pode ser ignorada por esta 2.ª instância. É neste sentido que se pode afirmar que, no juízo sobre a confirmação ou a revogação da decisão da 1.ª instância, a Relação pode utilizar um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão. Este critério conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que a mesma é correcta, mas também quando aquela se situar numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade reconhecida pela Relação. Correspondentemente, a decisão deve ser revogada se a mesma se situar fora desta margem.”;
9. Sobre a distinção entre casamento e união de facto, v. França Pitão, in “ Os novos casamentos ou a crise do casamento tradicional no direito português “ e Telma Carvalho, “ A união de facto: a sua eficácia jurídica, estudos publicados no livro “ Comemorações dos 35 anos do CC … “, págs. 175 e ss e 221 e ss., respectivamente.
10. “…Não fica, porém excluída a possibilidade de aplicação analógica à união de facto de algumas normas próprias da união conjugal… “, Jorge Duarte Pinheiro, in “O direito da família contemporâneo”, pág. 724 nomeadamente quando estejam em causa “…a confiança de terceiros…” (v. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in “ Curso de direito da família “, Vol. I- Introdução / Direito Matrimonial pág. 75/6).
11. V. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in “ Curso de direito da família “, Vol. I- Introdução / Direito Matrimonial pág. 57.
12. J.A. França, in “ Uniões de facto e economia comum “, pág. 174/5. No mesmo sentido, a Jurisprudência: v. por ex. o ac. do STJ de 12.3.2002 “… no que toca ao regime de bens entre os unidos de facto, dependerá a vontade deles regular o uso e fruição desses bens. Na falta de regulamentação voluntária, temos sempre que, sobre os patrimónios de cada um o outro é um estranho … “, in Dgsi.pt.
13. V. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in “ Curso de direito da família “, Vol. I- Introdução / Direito Matrimonial pág. 72. No mesmo sentido, Jorge Duarte Pinheiro, in “O direito da família contemporâneo”, pág. 724 “… a união de facto está tendencialmente sujeita ao regime geral, v.g. de direito das obrigações, direitos reais e direito de personalidade… “
14. Ac. do STJ de 6.7.2011, in dgsi.pt (relator Sérgio Poças).
15. Escrevem Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira in Curso de Direito de Família, pág. 118: “Não assumindo compromissos, os membros da união de facto não estão vinculados por qualquer dos deveres pessoais que o artigo 1672º do C. Civil impõe aos cônjuges…”.
16. V. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, ob. cit. pág. 80: “Vimos já que os membros da união de facto não assumem qualquer compromisso; cada um pode romper a relação quando quiser, livremente e sem formalidades, sem que o outro possa pedir uma indemnização pela ruptura. É a solução que resulta dos princípios gerais, pois nenhum deles tem o direito de exigir do outro que mantenha a relação e o seu interesse na manutenção da união de facto não está protegido por qualquer disposição legal destinada a proteger esse interesse….”;
17. Não esquecendo aqui que o contrato de mútuo deve obediência a forma legal consoante os montantes que se encontrarem envolvidos (assim actualmente o contrato de mútuo de montante superior a 25.000€- art. 1143 do CC só será válido se tive sido celebrado por escritura pública, estabelecendo aqui o legislador, como é sabido, uma excepção ao princípio da liberdade de forma previsto nos termos do art. 219º do CC; da mesma forma, se o mútuo for de valor superior a 2500 € e não superior a 25.000 € exige-se que o contrato seja assinado pelo mutuário. As consequências da não obediência à forma legal são, como é sabido, a nulidade (art. 220º do CC).
18. V. Antunes Varela, “Das obrigações em geral”, Vol. I, págs. 432 e ss.
19. V. “CC Anotado”, Vol. I, págs. 454 e ss. de A. Varela e P. Lima; “Das Obrigações em geral “, daquele mesmo Autor
20. V. Antunes Varela, in “Das obrigações em geral“, Vol. I, pág. 482, nota 1; acs. do STJ 25.11.2008; 16.09.2008 e de, 29.05.2007, in Dgsi.pt.
21. In “O direito da família contemporâneo”, pág. 724.
22. V. o Ac. do STJ de 6.7.2011 in dgsi.pt (relator: Sérgio Poças), recusando a hipótese de ser restituído o valor do “trabalho doméstico” realizado pelo membro da União de facto. No mesmo sentido, v. também o ac. do STJ de 20.3.2014 (relator: Nuno Cameira), in dgsi.pt onde se concluiu que: “I - São pressupostos constitutivos do enriquecimento sem causa: (i) a existência de um enriquecimento; (ii) a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem; e (iii) a falta de causa justificativa para ele. II - No âmbito de uma união de facto, as despesas normais e correntes (água, electricidade, gás e televisão), sendo próprias de quem vive, ainda que “informalmente”, a plena comunhão de vida de que fala o art.º 1577.º do CC, não são restituíveis, à luz do instituto do enriquecimento sem causa. III - Deve entender-se que não ocorreu uma efectiva deslocação patrimonial geradora do enriquecimento da ré à custa do autor, se durante os sete anos da união de facto mantida, o autor tiver pago várias quantias relacionadas com o imóvel, pertencente à ré, onde o casal residiu, mas beneficiado do trabalho doméstico por ela sempre prestado. IV - A falta de causa do enriquecimento não se basta com a cessação da união de facto; torna-se necessário que o autor alegue e prove que as deslocações patrimoniais se verificaram no pressuposto, entretanto desaparecido, da continuação e subsistência da união de facto”.
23. In “CC anotado”, Vol. I, pág. 456.
24. Autores citados, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, págs. 455 e 456.
25. Pereira Coelho, O Enriquecimento e o Dano, 1970, 56 citado no ac. da RC de 11.5.2004, in Dgsi.pt.
26. Autores citados, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, pág. 458.
27. In “Das obrigações em geral“, Vol. I, pág. 482.
28. V., para casos em que se reconheceram as pretensões de restituição com fundamento em enriquecimento sem causa, por exemplo, o ac. do STJ de 3.11.2016 (relator: Olindo Geraldes), com o seguinte sumário: “I - A contribuição monetária de um dos membros da união de facto, para a construção de uma casa e a aquisição de um veículo automóvel, não se enquadra no âmbito da satisfação dos encargos da vida familiar. II - Com a dissolução da união de facto extingue-se a causa jurídica da contribuição monetária, deixando de ter justificação a privação da contribuição monetária prestada. III - A restituição opera, nomeadamente, por efeito do instituto do enriquecimento sem causa”; ac. da RC de 11.5.2004 (relator: Hélder Roque) com o seguinte sumário: “1.Pagando com o seu dinheiro metade do preço da casa onde a autora vivia com o réu e os respectivos actos notariais e de registo, agindo na convicção de que a união de facto entre ambos se manteria e de que, assim, contribuía para a formação de um património comum, ocorreu uma causa de deslocação patrimonial constitutiva do pressuposto do enriquecimento sem causa. 2.O enriquecimento é injusto, não apresentando causa justificativa, quando não está de harmonia com a correcta ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema, em virtude de determinado valor se achar no património do beneficiado, quando o seu lugar era no património do prejudicado. 3.A ruptura da união de facto, motivada por vontade unilateral de um dos seus membros, que expulsando o outro, continua a viver, sozinho, no apartamento, após aquele, com vista a adquirir a sua co-titularidade para servir como casa de morada de família de ambos, lhe ter entregue dinheiro para pagar metade do preço da compra e respectivas despesas de escritura e registo, determinou o desaparecimento subsequente da causa da deslocação patrimonial, constituindo um caso especial da obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa”.
29. Antunes Varela / P. Lima, in “CC anotado”, vol. I, pág 459 e 460.