Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1646/16.0T8VCT.G1
Relator: ANTÓNIO BARROCA PENHA
Descritores: NEGÓCIO USURÁRIO
ANULABILIDADE
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/01/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Para concluirmos que estamos perante um negócio usurário (art. 282º, n.º 1, do C. Civil), devem encontrar-se preenchidos requisitos objetivos (benefícios excessivos ou injustificados), assim como requisitos subjetivos (a exploração consciente de situações de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter).

II- O prazo para requerer a anulabilidade com base em negócio usurário começa a contar desde a cessação da situação de inferioridade e da sua influência na motivação do declarante.

III- Para a verificação do “abuso de direito” (art. 334º, do C. Civil), o legislador optou por uma conceção objetivista, não exigindo que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo; basta que, objetivamente, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito exercido tenham sido exercidos de forma evidente.

IV- Isto não significa, porém, que ao conceito de “abuso do direito” sejam alheios fatores subjetivos, como por exemplo a intenção com que o titular tenha agido.

V- O “abuso de direito tem sido analisado nomeadamente nas modalidades de “venire contra factum proprium”, de “inalegabilidades formais”, de “suppressio”, de “tu quoque” e de “desequilíbrio entre exercício do direito e os efeitos dele derivados”.

VI- O “abuso de direito” na modalidade do “desequilíbrio entre o exercício do direito e os efeitos dele derivados”, abrange subtipos diversificados, nomeadamente: i) o do exercício de direito sem qualquer benefício para o exercente e com dano considerável a outrem; ii) o da atuação dolosa daquele que vem exigir a outrem o que lhe deverá restituir logo a seguir; iii) e o da desproporção entre a vantagem obtida pelo titular do direito exercido e o sacrifício por ele imposto a outrem.

VII- Se o “abuso de direito” se verifica na celebração de um negócio jurídico, em princípio o mesmo deverá ser considerado um contrato de objeto ou fim abusivo e, como tal, nulo (arts. 280º e 281º, do C. Civil).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

A-P …, Lda.; José L.. e mulher Maria P…; Paulo L… e mulher Maria M..; e Hugo L… e mulher Sofia C… vieram propor contra Banco …, S.A. a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, peticionando: (i) a anulação parcial e redução do negócio jurídico celebrado entre as partes em 10.05.2013, considerando o PER aprovado por sentença de 20.05.2013; (ii) a anulação parcial e redução do negócio jurídico celebrado entre as partes em 10.05.2013, considerando as cláusulas ilegais ali contidas, quanto aos juros e spread ou, subsidiariamente, pelos juros e spread serem usurários e ilegais; e (iii) em qualquer dos pedidos anteriores, condenar o Banco réu na restituição e/ou compensação dos montantes indevidamente prestados pelos autores, desde Junho de 2013 e a presente data, bem como na redução da hipoteca prestada; e, ainda, (iv) na condenação do Banco réu na restituição/compensação respetivamente das prestações vincendas que sejam indevidamente prestadas pelos autores.

E, sem prescindir, pedindo ainda a condenação do Banco réu em abuso de direito, por desequilíbrio das prestações; (vi) subsidiariamente, a condenação do Banco réu enriquecimento sem causa; e, em qualquer caso, condenar o Banco réu nos juros devidos até integral cumprimento.

Regularmente citado, o Banco réu deduziu contestação, excecionando a caducidade do direito de ação exercido pelos autores e impugnando os factos alegados por estes, fazendo uma subsunção diferente aos factos alegados, divergindo da interpretação jurídica feita pelos autores, tendo concluído pela improcedência da ação.
Em sede de audiência prévia, foram os autores convidados a aperfeiçoar os factos alegados e o petitório nos termos que melhor constam de fls. 105 v.

Por requerimento apresentado subsequentemente (cfr. fls. 111 a 114), os autores aperfeiçoaram o alegado, complementaram o petitório e requereram a ampliação do pedido, que foi admitida na continuação da audiência prévia (cfr. fls. 123), e na qual se proferiu o despacho saneador, verificando-se a regularidade e a validade da instância, definiu-se o objeto do litígio e se elaboraram os temas de prova.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento.

Na sequência, por sentença de 15 de Setembro de 2017, veio a julgar-se totalmente improcedente a ação e, consequentemente, foi o Banco réu absolvido do pedido.

Inconformados com o assim decidido, vieram os autores interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes

CONCLUSÕES

A. O objecto do presente litígio consubstancia-se em determinar se o acordo celebrado entre Autores e Réu no dia 10 de Maio de 2013 é legalmente válido e, na afirmativa, saber se entre as consequências da invalidade cabem aquelas que são peticionadas pelos Autores e, ainda, e a título subsidiário, se o Réu enriqueceu sem causa com a celebração do dito acordo.
B. Os aqui Recorrentes não se conformam com a Douta sentença que julgou a ação improcedente, por não provada, e, consequentemente, absolveu o Réu do peticionado.
C. O presente recurso tem como objecto a matéria de facto e de direito da Douta Sentença proferida nos presentes autos.

Do recurso da matéria de facto

D. Ora, salvo o devido respeito por diverso entendimento, não podem os aqui Recorrentes deixar de manifestar a sua total discordância perante a decisão que veio a ser proferida na Douta sentença de que ora se recorre, atendendo aos factos que foram dados como provados e não provados.

Dos factos que foram indevidamente dados como provados

E. De facto, consideram os Recorrentes que foi incorrectamente julgada a matéria de facto dada como provada nas alíneas d), g), h), i), j) e n) bem como a matéria dada como não provada nos artigos 21º-F, 21º-H, 21º-I, 21º-K, 21º-L, 21º-M, 21º-N, 21º-Q, 21º-R, 22º-B, 22º-C e 23º-D.
F. Senão vejamos, para a formação da sua convicção relativamente à factualidade dada como provada nesta alínea d), o Tribunal teve em consideração o teor dos elementos documentais.
G. Por sua vez, o Tribunal a quo considerou também provados os factos constantes das alíneas g), h), i), j) e n) da matéria de facto dada como provada na Douta Sentença.
H. A formação da convicção do Tribunal a quo relativamente à factualidade dada como provada nestas alíneas assentou na valoração conjugada dos teores da correspondência trocada entre as partes referida supra na documentação junta aos autos, nas declarações do representante legal do Réu, nas declarações de parte dos Autores Paulo e Hugo L., e no depoimento da testemunha António S.
I. No entanto, o Tribunal a quo andou mal ao dar como provada a matéria de facto constante das alíneas d), g), h), i), j) e n).
J. Com efeito, tal como é possível constatar pela prova documental junta aos autos, designadamente do documento n.º 8 junto com a petição inicial e do documento n.º 3 junto pelo Banco Réu com a contestação (e-mail da 08.08.2013 de geral@.....pt para o Banco Réu na pessoa do seu funcionário António S.), é notório que se afigura extremamente discutível que de facto o Banco Réu tenha concedido um empréstimo aos Autores, ou sequer que estes o quisessem contratar, especialmente nos termos que se vieram a verificar.
K. Tal como resulta do documento n.º 8 junto com a petição inicial o montante alegadamente mutuado nem sequer ficou na disponibilidade dos Autores dado que foi creditado e imediatamente debitado no mesmo dia.
L. Para que se verificasse um empréstimo teria o Banco Réu de efectivamente disponibilizar aos Autores a quantia alegadamente mutuada, o que não se verificou.
M. O que revela manifestamente que não foi concedido um empréstimo no montante de €90.000,00 aos Autores, que estes não pretendiam contratar qualquer empréstimo bem como que quanto muito agiram em erro determinante das suas vontades.
N. A verdade é que o Banco Réu aqui Recorrido se reembolsou da dívida da pessoa colectiva e alargou o prazo do contrato para os Autores pessoas singulares, aumentando substancialmente a taxa de juro e spread num total de 11,98% que mantém – Cfr. Doc. 8 junto com a petição inicial – o que estes apenas mais tarde se vieram a aperceber.
O. Ou seja, o Recorrido alegadamente emprestou aos Recorrentes pessoas singulares 90.000,00€ e retirou imediatamente esse mesmo montante da conta para se encontrar agora a receber as prestações mensais referentes a esse montante acrescidas de avultados juros e spread…
P. Ademais, a redução da dívida em crise no PER para 50% implica que a liquidação da mesma já realizada e que levou os Autores a contratar (em erro) seja considerada no âmbito do PER e do contrato de mútuo realizado.
Q. Ora, o erro de julgamento quanto à matéria de facto dada como provada resulta inequívoco face ao teor dos documentos n.ºs 4 a 12 juntos pelos Autores, dos documentos n.º 1 a 3 juntos pelos Réus, do depoimento de parte do legal representante da Ré, das declarações de parte dos Autores e dos depoimentos das testemunhas.
R. Face a isto, resulta inequivoco que os Autores não pretenderam celebrar qualquer mútuo, muito menos com o agravamento da taxa de juro e spread, tendo quanto muito agido em notório erro determinante das suas vontades, o que o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, incorrectamente não considerou.
S. O Banco Réu aproveitou-se manifestamente dos Autores pessoas singulares uma vez que estes desconheciam que a referida assunção da dívida a título pessoal implicaria um mútuo com as condições descritas e extremamente prejudiciais e não apenas a assunção da dívida da Empresa.
T. Por outro lado, sem prescindir, caso assim não se entenda, sempre se diria que resulta inequívoco o aproveitamento do Banco Réu, ao forçar os Autores a celebrar um negócio usurário (afigurando-se senão até como um verdadeiro pacto leonino ou simulação) com pleno desconhecimento dos seus concretos contornos que só mais tarde vieram a perceber.
U. Pelo que o negócio sempre seria anulável por usura nos termos do disposto no artigo 282.º do CC.
V. Ou ainda, caso assim não se entenda, da conjugação da prova anteriormente referida, designadamente dos documentos n.ºs 4 a 12 juntos pelos Autores, dos documentos n.º 1 a 3 juntos pelos Réus, do depoimento de parte do legal representante da Ré, das declarações de parte dos Autores e dos depoimentos das testemunhas anteriormente referidas cujos excertos com relevância para a decisão foram transcritos e indicados, afigura-se também um manifesto desequilíbrio contratual que configura um caso de abuso de direito.
W. Por último, caso assim não se entenda, sempre se diria ainda que resulta inequivocamente demonstrado da conjugação da prova anteriormente referida, designadamente dos documentos n.ºs 4 a 12 juntos pelos Autores, dos documentos n.º 1 a 3 juntos pelos Réus, do depoimento de parte do legal representante da Ré, das declarações de parte dos Autores e dos depoimentos das testemunhas anteriormente referidas cujos excertos com relevância para a decisão foram transcritos e indicados, que não obstante o integral pagamento da dívida da 1.ª Autora com o alegado financiamento concedido – Cfr. Doc. 8 - e a subsequente aprovação do PER por sentença que determinou a redução para 50% do crédito global sobre a sociedade comercial Autora, a verdade é que não houve qualquer reflexo do referido nas prestações mensais do contrato de mútuo em crise nos presentes autos, bem pelo contrário.
X. A aprovação do PER por sentença determinou a redução para 50% do crédito global da Ré sobre a sociedade comercial Autora.
Y. Atenta a redução para 50% do crédito global da Ré sobre a sociedade comercial Autora, aquela locupletou-se com o montante excedente que já tinha sido pago,
Z. De facto, o Banco Réu ao retirar o montante mutuado da conta – Cfr. Doc. 8 – liquidou integralmente o crédito global que detinha sobre a sociedade comercial Autora e reduziu 50% do mesmo, locupletou-se com o excedente que, injustificadamente se apropriou na totalidade, o que configura um caso manifesto de enriquecimento sem causa.
AA. Assim, nos termos e para os efeitos da alínea a) do número 1 do artigo 640.º do CPC, os Recorrentes consideram que as alíneas d), g), h), i), j) e n) da matéria de facto dada como provada na Douta Sentença não foram correctamente julgadas.
BB. Pelo que, nos termos e para os efeitos previstos nas alíneas a), b) e c) do artigo 640.º do CPC, pela impugnação dos factos dados como provados nas alíneas d), g), h), i), j) e n) da Douta Sentença, com a reapreciação da prova documental e testemunhal produzida e da conjugação da prova anteriormente referida, designadamente dos documentos n.ºs 4 a 12 juntos pelos Autores, dos documentos n.º 1 a 3 juntos pelos Réus, do depoimento de parte do legal representante da Ré, das declarações de parte dos Autores e dos depoimentos das testemunhas anteriormente referidas cujos excertos com relevância para a decisão foram transcritos e indicados – isto é, o depoimento de parte do Legal representante do banco Réu, Dr. José C., realizado no dia 05.06.2017, constante do ficheiro20170605142038_1400109_2871825.wma, 00:04:46 a 00:29:18 e 00:32:33 a 00:33:03; declarações de parte do autor Paulo L… realizado no dia 05.06.2017, constante do ficheiro 20170605145506_1400109_2871825.wma, 00:01:04 a 00:01:45, 00:02:29 a 00:05:14 e 00:05:30 a 00:05:42; declarações de parte do autor Hugo L. realizadas no dia 05.06.2017, constante do ficheiro 20170605150226_1400109_2871825.wma, 00:00:59 a 00:02:27, 00:04:09 a 00:04:26, 00:05:03 a 00:05:04; depoimento da Testemunha, Dr. Miguel R., Administrador Judicial provisório no âmbito do PER, realizada no dia 05.06.2017, constante do ficheiro 20170605150854_1400109_2871825.wma, 00:00:13, 00:00:40 a 00:07:29, depoimento da Testemunha, António S., realizada no dia 05.06.2017, constante do ficheiro 20170605153257_1400109_2871825.wma, 00:01:57 a 00:02:06, 00:04:11 a 00:05:35, 00:06:27 a 00:06:35, 00:15:30 a 00:16:18, 00:16:27 a 00:16:43, 00:18:37 a 00:18:50, 00:19:09, 00:19:35 a 00:20:25, 00:24:11 a 00:24:37; depoimento da Testemunha Luís Q., funcionário do Banco Réu, realizada no dia 07.06.2017, constante do ficheiro 20170607151515_1400109_2871825.wma, 00:10:13 a 00:10:26; 00:12:47 a 00:13:30-, a decisão que deverá recair sobre os referidos factos dados como provados nas alíneas d), g), h), i), j) e n) da Douta Sentença é que deverão ser os mesmos dados como não provados, o que se requer.

Dos factos que foram indevidamente dados como não provados

CC. Nos termos e para os efeitos da alínea a) do número 1 do artigo 640.º do CPC, os Recorrentes consideram que a matéria de facto considerada não provada nos artigos 21º-F, 21º-H, 21º-I, 21º-K, 21º-L, 21º-M, 21º-N, 21º-Q, 21º-R, 22º-B, 22º-C e 23º-D não foi correctamente julgada.
DD. De facto, nos termos e para os efeitos previstos nas alíneas a), b) e c) do artigo 640.º do CPC, da conjugação da prova anteriormente referida, designadamente dos documentos n.ºs 4 a 12 juntos pelos Autores, dos documentos n.º 1 a 3 juntos pelos Réus, do depoimento de parte do legal representante da Ré, das declarações de parte dos Autores e dos depoimentos das testemunhas anteriormente referidas cujos excertos com relevância para a decisão foram transcritos e indicados – isto é, o depoimento de parte do Legal representante do banco Réu, Dr. José C., realizado no dia 05.06.2017, constante do ficheiro 20170605142038_1400109_2871825.wma, 00:04:46 a 00:29:18 e 00:32:33 a 00:33:03; declarações de parte do autor Paulo L… realizado no dia 05.06.2017, constante do ficheiro 20170605145506_1400109_2871825.wma, 00:01:04 a 00:01:45, 00:02:29 a 00:05:14 e 00:05:30 a 00:05:42; declarações de parte do autor Hugo L. realizadas no dia 05.06.2017, constante do ficheiro 20170605150226_1400109_2871825.wma, 00:00:59 a 00:02:27, 00:04:09 a 00:04:26, 00:05:03 a 00:05:04; depoimento da Testemunha, Dr. Miguel R., Administrador Judicial provisório no âmbito do PER, realizada no dia 05.06.2017, constante do ficheiro 20170605150854_1400109_2871825.wma, 00:00:13, 00:00:40 a 00:07:29, depoimento da Testemunha, António S., realizada no dia 05.06.2017, constante do ficheiro 20170605153257_1400109_2871825.wma, 00:01:57 a 00:02:06, 00:04:11 a 00:05:35, 00:06:27 a 00:06:35, 00:15:30 a 00:16:18, 00:16:27 a 00:16:43, 00:18:37 a 00:18:50, 00:19:09, 00:19:35 a 00:20:25, 00:24:11 a 00:24:37; depoimento da Testemunha Luís Q., funcionário do Banco Réu, realizada no dia 07.06.2017, constante do ficheiro 20170607151515_1400109_2871825.wma, 00:10:13 a 00:10:26; 00:12:47 a 00:13:30- , a decisão que deverá recair sobre os factos dados como não provados na Douta Sentença constantes dos artigos 21º-F, 21º-H, 21º-I, 21º-K, 21º-L, 21º-M, 21º-N, 21º-Q, 21º-R, 22º-B, 22º-C e 23º-D é que deverão os mesmos ser considerados provados.
EE. Requer-se, assim, ao Meritíssimo Tribunal “ad quem” que revogue a decisão do Meritíssimo Tribunal “a quo”, dando-se como provada a matéria de facto constante do artigo 19.º da petição inicial e dos artigos 21º-F, 21º-H, 21º-I, 21º-K, 21º-L, 21º-M, 21º-N, 21º-Q, 21º-R, 22º-B, 22º-C e 23º-D do Requerimento com a Ref. 24997845 de 23 de Fevereiro de 2017.
FF. Acresce ainda que, os aqui Recorrentes consideram que reveste especial relevância para a decisão da causa a matéria alegada nos artigos 21.º-A, 21.º-B, 21.º-C, 21.º-D, 21.º-E, 21.º-G, 21.º-J, 21.º-P, 23.º-E do Requerimento com a Ref. 24997845 de 23 de Fevereiro de 2017
GG. De facto, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a matéria alegada nos artigos 21.º-A, 21.º-B, 21.º-C, 21.º-D, 21.º-E, 21.º-G, 21.º-J, 21.º-P, 23.º-E do Requerimento com a Ref. 24997845 de 23 de Fevereiro de 2017, no entanto, nos termos e para os efeitos previstos nas alíneas a), b) e c) do artigo 640.º do CPC, face à conjugação da prova anteriormente referida, designadamente dos documentos n.ºs 4 a 12 juntos pelos Autores, dos documentos n.º 1 a 3 juntos pelo Réu, do depoimento de parte do legal representante do Réu, das declarações de parte dos Autores e dos depoimentos das testemunhas anteriormente referidas cujos excertos com relevância para a decisão foram transcritos e indicados – isto é, o depoimento de parte do Legal representante do banco Réu, Dr. José C., realizado no dia 05.06.2017, constante do ficheiro 20170605142038_1400109_2871825.wma, 00:04:46 a 00:29:18 e 00:32:33 a 00:33:03; declarações de parte do autor Paulo L… realizado no dia 05.06.2017, constante do ficheiro 20170605145506_1400109_2871825.wma, 00:01:04 a 00:01:45, 00:02:29 a 00:05:14 e 00:05:30 a 00:05:42; declarações de parte do autor Hugo L., realizadas no dia 05.06.2017, constante do ficheiro 20170605150226_1400109_2871825.wma, 00:00:59 a 00:02:27, 00:04:09 a 00:04:26, 00:05:03 a 00:05:04; depoimento da Testemunha, Dr. Miguel R., Administrador Judicial provisório no âmbito do PER, realizada no dia 05.06.2017, constante do ficheiro 20170605150854_1400109_2871825.wma, 00:00:13, 00:00:40 a 00:07:29, depoimento da Testemunha, António S., realizada no dia 05.06.2017, constante do ficheiro 20170605153257_1400109_2871825.wma, 00:01:57 a 00:02:06, 00:04:11 a 00:05:35, 00:06:27 a 00:06:35, 00:15:30 a 00:16:18, 00:16:27 a 00:16:43, 00:18:37 a 00:18:50, 00:19:09, 00:19:35 a 00:20:25, 00:24:11 a 00:24:37; depoimento da Testemunha Luís Q., funcionário do Banco Réu, realizada no dia 07.06.2017, constante do ficheiro 20170607151515_1400109_2871825.wma, 00:10:13 a 00:10:26; 00:12:47 a 00:13:30-, entendem os Recorrentes que a matéria em crise não foi correctamente julgada pelo que deverá a mesma ser também julgada como provada, o que se requer, ou, ainda sem prescindir e por mera cautela, caso assim não se entenda, mais se requer que se observe o disposto no artigo 662.º do CPC.
HH. Atenta a alteração da matéria de facto que se julgou incorrectamente julgada e cuja alteração se requer a V. Exas. deverá o Réu ser condenado:

a) Na anulação parcial e na redução do negócio de 10-05-2013, considerando o PER aprovado por sentença de 20-05-2013;
b) E, ainda, condenar o Réu na anulação parcial e na redução do negócio de 10-05-2013, considerando as cláusulas ilegais ali contidas, quanto aos juros e spread ou, subsidiariamente pelos juros e spread serem usurários e ilegais;
c) E, em qualquer das hipóteses em a) e b) condenar o Réu na restituição e/ou na compensação dos montantes indevidamente prestados pelos Autores desde 06-2013 e a presente data, bem como na redução da hipoteca prestada e ainda quanto às prestações vincendas que sejam indevidamente prestadas pelos Autores, com a restituição/compensação respectivamente, bem como na redução da hipoteca prestada;

Sem prescindir, por mera hipótese de patrocínio,

d) Condenar o Réu em abuso de direito por desequilíbrio das prestações e, consequentemente, seja a mesma condenada a restituir o montante com que indevidamente se locupletou referente a 50% da dívida perdoada e compensar os Autores dos montantes indevidamente prestados por estes desde 06-2013 e a presente data, bem como na redução da hipoteca prestada e ainda quanto às prestações vincendas que sejam indevidamente prestadas pelos Autores, com a restituição/compensação respectivamente;
e) Subsidiariamente condenar o Réu em enriquecimento sem causa e, consequentemente, seja a mesma condenada a restituir o montante com que indevidamente se locupletou referente a 50% da dívida perdoada e compensar os Autores dos montantes indevidamente prestados por estes desde 06-2013 e a presente data, bem como na redução da hipoteca prestada e ainda quanto às prestações vincendas que sejam indevidamente prestadas pelos Autores, com a restituição/compensação respectivamente.

Em qualquer caso:
f) Condenar o Réu nos juros devidos desde e até integral cumprimento e em custas;

II. O que se requer a V. Exas. Venerandos Juízes Desembargadores.

Do recurso da matéria de direito

JJ. A Douta Sentença recorrida considerou improcedentes os pedidos de anulação de negócio com fundamento no disposto nos artigos 251.º, 252.º e 282.º do Código Civil, bem como julgou ainda improcedente a invocação de abuso de direito em virtude de desequilíbrio contratual manifesto, nos termos do artigo 334.º do Código Civil e por último julgou ainda improcedente o pedido de condenação do Réu em enriquecimento sem causa nos termos do disposto no artigo 473.º do Código Civil.
KK. Tal como já se referiu anteriormente, salvo o devido respeito, os Autores aqui Recorrentes, discordam da matéria de Direito da Douta Sentença.
LL. Da conjugação da prova anteriormente referida, designadamente dos documentos n.ºs 4 a 12 juntos pelos Autores, dos documentos n.º 1 a 3 juntos pelo Réu, do depoimento de parte do legal representante do Réu, das declarações de parte dos Autores e dos depoimentos das testemunhas anteriormente referidas cujos excertos com relevância para a decisão foram transcritos e indicados supra, salvo o devido respeito, resulta inequivocamente demonstrado que os Autores agiram em erro.

Da anulabilidade

MM. Face ao exposto, deveria o Douto Tribunal ter considerado verificada a existência de erro-vício que atingiu os motivos os motivos determinantes das vontades dos Autores quanto ao objecto do negócio.
NN. Os Autores pessoas singulares agiram em manifesto erro que atingiu os motivos determinantes das suas vontades quanto ao objeto do negócio.
OO. Pelo que o Tribunal a quo deveria ter anulado parcialmente e reduzido o contrato de mútuo com hipoteca e fiança assinado em 10-05-2013, considerando o PER homologado por sentença em 20-05-2013, nos termos dos art.º s 241.º, 242.º, 292.º e 285.º e ss. do Código Civil.
PP. Tudo com efeitos retroactivos.
QQ. E consequentemente declarar anulada parcialmente e reduzida a hipoteca fixada no valor de 134.100,00€, nos termos do art.º 718.º e ss. do Código Civil, com a restituição e/ou compensação do montante mensal que tem sido liquidado pelos Autores 2º. 3º, 4º, 5º, 6º, 7º desde 06-2013 até à presente data (05-2016), no valor de cerca de 850,00€, conforme o art.º 289.º, 290.º e ss. do Código Civil e/ou os art.º s 395.º, 523.º, 592.º, 642.º e 847.º e ss., todos do Código Civil.
RR. De facto, a Douta Sentença recorrida deveria ter condenado a Ré na restituição e/ou na compensação dos montantes indevidamente prestados pelos Autores desde 06-2013 e a presente data, bem como na redução da hipoteca prestada e ainda quanto às prestações vincendas que sejam indevidamente prestadas pelos Autores, com a restituição/compensação respectivamente, bem como na redução da hipoteca prestada.
SS. Deste modo, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 241.º, 242.º, 292.º e 285.º, 289.º, 290.º e ss. do Código Civil e/ou os art.º s 395.º, 523.º, 592.º, 642.º e 847.º e ss., todos do Código Civil.
TT. Por outro lado, a taxa de juros e o spread acordados no alegado contrato de mútuo presentemente em crise são usurários e, portanto, ilegais.
UU. Estamos perante a lesão enorme patrimonial dos Autores porque a taxa e o spread vão além do justo valor de mercado.
VV. Nos termos do disposto no artigo 282.º do Código Civil “É anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental, ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão, de benefícios excessivos ou injustificados”.
WW. O que, salvo o devido respeito, face ao anteriormente explicitado, se conclui que resultou inequivocamente demonstrado in casu.
XX. Aqui há que tomar em conta o art. 292.º, do Código Civil em que há uma parte não determinada e uma parte determinada pelo erro, sendo os juros e o spread usurários conforme os art.º s 282.º, 559.º.A e 1146.º, todos do Código Civil.
YY. Esta parte determinada pelo erro é anulável parcialmente através da redução do negócio, conforme os art.ºs 285.º e ss. e 292.º, todos do Código Civil.
ZZ. Assim, nos termos do disposto no artigo 282.º do Código Civil, o Douto Tribunal a quo deveria ter considerado e declarado o negócio como usurário e ilegal tendo em conta os juros e spread, condenando o Réu na anulação parcial e na redução do negócio de 10-05-2013 e consequentemente condenar este na restituição e/ou na compensação dos montantes indevidamente prestados pelos Autores desde 06-2013 e a presente data, bem como na redução da hipoteca prestada e ainda quanto às prestações vincendas que sejam indevidamente prestadas pelos Autores, com a restituição/compensação respectivamente, bem como na redução da hipoteca prestada, pelo que, ao não proceder assim, a Douta Sentença recorrida violou o disposto no artigo 282.º do Código Civil.

Do abuso do direito

AAA. Sem prescindir e por mera cautela, caso assim não se entenda sempre se diria que não obstante a Douta Sentença não o ter considerado, salvo o devido respeito, resulta manifestamente do exposto que se verifica in casu um desequilíbrio contratual manifesto, consubstanciado na desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo Réu e o sacrifício imposto aos Autores.
BBB. De facto, tal como resulta dos documentos e da prova produzida e dada com provada, o Banco Réu, aqui Recorrido, para viabilizar a Empresa Autora votando favoravelmente no PER colocou como condição aos Autores pessoas singulares que estes assumissem em nome próprio a dívida da Autora Sociedade comercial, dado que até aquele ao momento não eram estes pessoalmente responsáveis por qualquer dívida da Empresa – o que inclusivamente resultada da matéria dada como provada na alínea f).
CCC. Deste modo, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 334.º do Código Civil.
DDD. Assim sendo, o Douto Tribunal deveria ter condenado o Réu em abuso de direito por desequilíbrio das prestações e, consequentemente, condenando este a restituir o montante com que indevidamente se locupletou referente a 50% da dívida perdoada e compensar os Autores dos montantes indevidamente prestados por estes desde 06-2013 e a presente data, bem como na redução da hipoteca prestada e ainda quanto às prestações vincendas que sejam indevidamente prestadas pelos Autores, com a restituição/compensação respectivamente;

Do enriquecimento sem causa

EEE. Ainda sem prescindir e por mera cautela, caso assim não se entenda sempre se diria que,
FFF. Não obstante o integral pagamento da dívida da 1.ª Autora com o financiamento concedido – Cfr. Doc. 8 - e a subsequente aprovação do PER por sentença que determinou a redução para 50% do crédito global sobre a sociedade comercial Autora, a verdade é que não houve qualquer reflexo do referido nas prestações mensais do contrato de mútuo em crise nos presentes autos, bem pelo contrário.
GGG. A Ré locupletou-se com o montante alegadamente mutuado, liquidando integralmente a dívida que a 1.ª Autora tinha para consigo e declarou seguidamente em 01.10.2015 que a mesma dívida se encontrava, novamente, a ser paga no âmbito do PER – Cfr. Doc. 8.
HHH. Os Autores não retiraram assim qualquer benefício do contrato de mútuo, além de que não se gerou para a Ré qualquer obrigação dado que se locupletou imediatamente com montante alegadamente mutuado, aumentado substancialmente a taxa de juro e spread.
III. Não obstante a Ré se ter locupletado do montante alegadamente mutuado – Cfr. Doc. 8 – liquidando integralmente dessa forma a dívida do sociedade comercial Autora e de seguidamente ter sido determinada a redução para 50% do crédito global sobre a sociedade comercial Autora, a verdade é que afinal não fez com que isso se reflectisse no PER nem no alegado mútuo celebrado com os demais Autores.
JJJ. Em suma, a Ré disponibilizou o montante mutuado e logo de seguida retirou-o da conta, liquidando com esse montante a dívida da 1.ª Autora, para de seguida exigir, com piores condições, o pagamento aos demais Autores e ainda assim as prestações de acordo com o plano prestacional no âmbito do PER.
KKK. A liquidação integral da dívida da 1.ª Autora impossibilitou que viesse a ocorrer posteriormente uma redução dessa mesma dívida em 50% sem que o respectivo montante fosse devolvido aos Autores ou ocorresse a respectiva redução no contrato de mútuo em crise, o que foi decisivo para a formação da vontade destes e a consequente celebração do negócio.
LLL. A aprovação do PER por sentença determinou a redução para 50% do crédito global da Ré sobre a sociedade comercial Autora.
MMM. Atenta a redução para 50% do crédito global da Ré sobre a sociedade comercial Autora, aquela locupletou-se com o montante excedente que já tinha sido pago; a Ré ao retirar o montante mutuado da conta – Cfr. Doc. 8 – liquidou integralmente o crédito global que detinha sobre a sociedade comercial Autora e reduziu 50% do mesmo, está a locupletar-se com o excedente que, injustificadamente se apropriou na totalidade.
NNN. A redução da dívida para 50% relativamente à 1.ª A implica que a liquidação da mesma já realizada e que levou os Autores a contratar seja considerada no âmbito do PER e do contrato de mútuo realizado.
OOO. Pelo que estarão, subsidiariamente, preenchidos os requisitos do enriquecimento sem causa, conforme os art.º s 473.º e ss. e 795.º, todos do Código Civil.
PPP. Deste modo, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 473.º e ss. e 795.º do Código Civil.
QQQ. Consequentemente, o Douto Tribunal a quo deveria ter condenado o Réu em enriquecimento sem causa e, consequentemente, ser o mesmo condenado a restituir o montante com que indevidamente se locupletou referente a 50% da dívida perdoada e compensar os Autores dos montantes indevidamente prestados por estes desde 06-2013 e a presente data, bem como na redução da hipoteca prestada e ainda quanto às prestações vincendas que sejam indevidamente prestadas pelos Autores, com a restituição/compensação respectivamente.

Por último, sem prescindir e por mera cautela, caso assim não se entenda, sempre se diria que,

RRR. A verdade é que tal como resulta dos documentos e da prova produzida e dada com provada, o Banco Réu, aqui Recorrido, para viabilizar a Empresa Autora votando favoravelmente no PER colocou como condição aos Autores pessoas singulares que estes assumissem em nome próprio a dívida da Autora Sociedade comercial, dado que até aquele ao momento não eram estes pessoalmente responsáveis por qualquer dívida da Empresa – o que inclusivamente resultada da matéria dada como provada na alínea f).
SSS. O Banco Réu aproveitou-se manifestamente dos Autores pessoas singulares uma vez que estes desconheciam que a referida assunção da dívida a título pessoal - que lhes foi imposta como condição para a viabilização da empresa - implicaria um mútuo com as condições descritas e extremamente prejudiciais e não apenas a assunção da dívida da Empresa.
TTT. Acresce ainda que o perdão de 50% da dívida não se verificou em momento algum quer no PER quer no alegado mútuo celebrado com os demais Autores, o que representa um facto incontornável que deverá ser devidamente valorado pelo Venerando Tribunal ad quem.
UUU. Por mera cautela e dever de patrocínio impõe-se assim referir que ainda que a matéria de facto não sofresse qualquer alteração, deveria o Douto Tribunal ter decidido em sentido diametralmente oposto.
VVV. Senão vejamos, o voto do Banco Réu no PER, perante um Tribunal, tem um efeito declarativo que o vincula.
WWW. Assim, a aprovação do PER por sentença determinou a redução para 50% do crédito global da Ré sobre a sociedade comercial Autora.
XXX. Atenta a redução para 50% do crédito global da Ré sobre a sociedade comercial Autora, aquela locupletou-se com o montante excedente que já tinha sido pago,
YYY. De facto, o Banco Réu locupletou-se com o excedente que, injustificadamente se apropriou na totalidade.
ZZZ. A redução da dívida para 50% relativamente à 1.ª A implica que a liquidação da mesma já realizada e que levou os Autores a contratar seja considerada no âmbito do PER e do contrato de mútuo realizado.
AAAA. Deste modo, face a este enquadramento sempre teria o Douto Tribunal a quo de julgar a ação totalmente procedente por manifesto abuso de direito por desequilibro contratual ou ainda assim que se não entendesse julgar a ação totalmente procedente em virtude de enriquecimento sem causa.
BBBB. Deste modo, o Tribunal a quo na sentença recorrida violou o disposto no artigo 334.º do Código Civil.
CCCC. Assim sendo, o Douto Tribunal deveria ter condenado o Réu em abuso de direito por desequilíbrio das prestações e, consequentemente, condenado este a restituir o montante com que indevidamente se locupletou referente a 50% da dívida perdoada e compensar os Autores dos montantes indevidamente prestados por estes desde 06-2013 e a presente data, bem como na redução da hipoteca prestada e ainda quanto às prestações vincendas que sejam indevidamente prestadas pelos Autores, com a restituição/compensação respectivamente;
DDDD. Ou, caso assim não se entenda, sempre se diria que o Tribunal a quo na sentença recorrida violou o disposto nos artigos 473.º e ss. e 795.º do Código Civil.
EEEE. Consequentemente, o Douto Tribunal a quo deveria ter condenado o Réu em enriquecimento sem causa e, consequentemente, ser o mesmo condenado a restituir o montante com que indevidamente se locupletou referente a 50% da dívida perdoada e compensar os Autores dos montantes indevidamente prestados por estes desde 06-2013 e a presente data, bem como na redução da hipoteca prestada e ainda quanto às prestações vincendas que sejam indevidamente prestadas pelos Autores, com a restituição/compensação respectivamente.
FFFF. Ademais a vinculação do tribunal decorre da matéria de facto alegada e só a esta, mas não ao seu enquadramento jurídico pelo que se o Venerando Tribunal ad quem entender que a solução jurídica do caso, em face dos concretos factos alegados e provados, é diferente da propugnada pelas partes, deve decidir conforme assim entender (cfr. art.ºs 607.º a 609.º do CPC).
GGGG. Em conclusão e atento o exposto, deverá o Venerando Tribunal ad quem revogar a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue a ação totalmente procedente, por provada.
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O Banco réu apresentou contra-alegações, tendo concluído pela improcedência do presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, as questões decidendas traduzem-se nas seguintes:

Ø Saber se cumpre proceder à alteração da factualidade dada como provada e não provada pelo tribunal a quo nos moldes preconizados pelos apelantes.
Ø Na sequência, saber se deverá ser realizada outra nova interpretação e aplicação do Direito à nova factualidade apurada, devendo ser alterada a decisão de mérito proferida, nos moldes preconizados pelos apelantes.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

FACTOS PROVADOS

O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

a) A autora requereu um plano especial de revitalização (PER), que correu termos sob processo especial de revitalização no extinto 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Lima, sob o n.º 1351/12.7TBPTL, conforme se retira de fls. 22 a 35 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
b) No âmbito do referido processo foi votado, aprovado e homologado, em 20.05.2013, um plano de revitalização, nos termos do qual a dívida da primeira autora ao réu Banco – de € 111.605,92 – seria perdoada em 50% de € 89.772,22, com dois anos de carência de capital e juros, inexigibilidade de juros vincendos e pagamento dos restantes 50% em 10 anos em prestações mensais, sendo que a quantia restante, referente a uma locação financeira (contrato de locação n.º ...1), seria paga na integralidade mas com renegociação dos prazos da dívida, conforme se retira de fls. 22 a 35 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
c) Em 10.05.2013, os 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º autores celebraram com o réu Banco um acordo, que apelidaram de mútuo com hipoteca e fiança juntamente com um outro acordo que apelidaram de documento complementar, cujos textos e clausulados constam de fls. 46 a 54 dos presentes autos e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos;
d) De acordo com a cláusula primeira do acordo apelidado de mútuo o Banco réu concedeu aos supra referidos autores um empréstimo no montante de € 90.000,00;
e) De acordo com os pontos 14. a 19. das condições particulares do documento complementar supra referido, os juros vencem-se à taxa anual efetiva de 11,980%, sendo o spread de 8,5%;
f) Uma das condições colocadas aos autores para que o réu viabilizasse o plano de revitalização consubstanciava-se na celebração de um acordo de financiamento no qual os sócios daquela sociedade se responsabilizassem pessoalmente;
g) Sendo que a quantia a mutuar serviria para liquidar integralmente a dívida da 1ª autora ao Banco réu, com exceção das responsabilidades relativas ao contrato de locação financeira n.º ...1;
h) Os autores pretendiam contrair um crédito hipotecário no valor de € 100.000,00 e apresentaram a proposta ao réu;
i) No entanto, e como o imóvel só permitia um empréstimo de € 90.000,00 foi esse o valor da contraproposta do réu;
j) Os autores concordaram com o valor da contraproposta e subscreveram os acordos supra referidos, uma vez que era sua intenção viabilizar a empresa;
k) O réu liquidou contabilisticamente as responsabilidades da 1ª autora com exceção das relativas ao contrato de locação financeira n.º ...1;
l) O acordo referido na alínea c) tem vindo a ser pontualmente cumprido pelos autores, que começaram por pagar uma prestação mensal de € 850,00; e atualmente pagam uma prestação de € 955,00;
m) Aquando da celebração dos acordos referidos na alínea c), aos autores (e não réus corrigindo-se o manifesto lapso de escrita da decisão recorrida) foram lidas por funcionários do réu as respetivas cláusulas;
n) Os valores que foram recebidos pelo réu no âmbito do PER supra referido dizem respeito ao contrato de locação n.º ...1 que não foi abrangido pelo perdão de dívida.

FACTOS NÃO PROVADOS

· Da petição inicial: artigo 19º.
· Da contestação: inexistem factos não provados que tivessem de ser respondidos.
· Do articulado aperfeiçoado de fls. 111 a 114: artigos 21º-F, 21º-H, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea m), 21º-I, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea m), 21º-K, 21º-L, 21º-M, 21º-N, 21º-Q, 21º-R, 22º-B, 22º-C e 23º-D.
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IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
B)

A primeira questão que importa dirimir refere-se à impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante da decisão recorrida.
Ora, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está, como é consabido, subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjetiva impõe ao recorrente.
Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, que proceda à delimitação com, toda a precisão, dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, os meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no ver do recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objeto da impugnação.
Neste sentido, preceitua, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe o n.º 1 do art. 640º do C. P. Civil, que: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Por seu turno, ainda, em conformidade com o n.º 2 do mesmo normativo, sempre que “ (…) os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

Deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar ainda o seu recurso através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão diversa da que foi proferida sobre a matéria de facto.
Os aspetos fundamentais que o recorrente deve assegurar neste particular prendem-se com a definição clara do objeto da impugnação (clara enunciação dos pontos de facto em causa); com a seriedade da impugnação (meios de prova indicados ou meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido (indicação da decisão da matéria de facto diversa da decisão recorrida).
Porém, importa que não se sobrevalorizem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com a invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador.
Assim, como salienta Abrantes Geraldes (1), o Supremo Tribunal de Justiça “vem batalhando precisamente no sentido de evitar os efeitos de um excessivo formalismo que ainda marca alguns acórdãos das Relações, promovendo que o esforço que é aplicável na justificação de soluções que exponenciam aspectos de natureza meramente formal sem suficiente tradução na letra da lei, nem no espírito do sistema, seja canalizado para a efectiva apreciação das impugnações de matéria de facto”. (2)

Por outro lado, na fase da admissão formal do recurso de apelação em que é impugnada a decisão da matéria de facto, importa que se estabeleça uma clara separação entre os requisitos formais e os ligados ao mérito ou demérito da pretensão que será avaliado em momento posterior.
Deste modo, havendo “sérios motivos para a rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto, quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afectados, não colidindo com a admissibilidade do recurso quanto aos demais aspectos. (3)

Tendo, assim, presente este enquadramento legal, cumpre decidir.

No caso em apreço, os recorrentes cumprindo, no essencial, os apontados requisitos formais, pretendem a alteração da factualidade dada como assente, de modo que a factualidade aludida nas als. d), g), h), i), j) e n) dos factos provados seja dada como não provada.

Por sua vez, entendem que a factualidade alegada pelos autores sob o art. 19º da petição inicial e sob os arts. 21º-F, 21º-H, 21º-I, 21º-K, 21º-L, 21º-M, 21º-N, 21º-Q, 21º-R, 22º-B, 22º-C e 23º-D do requerimento de aperfeiçoamento, dada como não provada pelo tribunal a quo, deverá considerar-se provada.

Por último, entendem que a factualidade alegada pelos autores sob os arts. 21º-A, 21º-B, 21º-C, 21º-D, 21º-E, 21º-G, 21º-J, 21º-P e 23º-E do requerimento de aperfeiçoamento, que o tribunal a quo não valorizou, deve igualmente ser dada como provada, por revestir especial relevância para a decisão da causa.

Os apelantes defendem, no essencial, que deverá ser atribuído especial credibilidade ao depoimento de parte do legal representante do Banco réu, declarações de parte dos autores Paulo L… e Hugo L., assim como das testemunhas Miguel R., António S., Luís Q., em conjugação com a indicada prova documental.

Tendo presente, assim, a fundamentação convocada pelo tribunal recorrido e a impugnação deduzida pelos recorrentes, importa saber se, procedendo este tribunal superior à reanálise dos meios probatórios convocados, a sua própria e autónoma convicção é coincidente ou não com a convicção evidenciada, em sede de fundamentação, pelo tribunal recorrido e, por inerência, se se impõe uma decisão de facto diversa da proferida por este último, nos concretos pontos de facto postos em crise.
Com efeito, em sede de reapreciação da prova gravada no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto, haverá que ter em consideração, como sublinha Abrantes Geraldes (4), que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa sua reapreciação tem ele autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.
Assim, competirá ao Tribunal da Relação reapreciar de forma crítica as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, sujeito às mesmas regras de direito probatório a que se encontrava sujeito o tribunal recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos, incluindo, naturalmente, os que tenham servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
De facto, o acesso direto do Tribunal da Relação à gravação integral do julgamento antes efetuado, terá de permitir-lhe, na formação da sua própria e autónoma convicção, sustentada numa análise crítica da prova, para além da apreciação dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente, a ponderação e a reanálise de todos os meios probatórios produzidos, sujeitos às mesmas regras de direito probatório material a que se encontra sujeito o tribunal de 1ª instância, enquanto forma, por um lado, de atenuar a inevitável quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, e, por outro, ainda, de evitar julgamentos descontextualizados ou parciais, submetidos apenas à leitura dos meios probatórios convocados pelo recorrente.
Pretende-se, pois, uma visão global, integrada e contextualizada de todos os meios probatórios produzidos, como garantia de uma decisão de facto o mais próxima possível da realidade, sem que tal implique a procura de uma verdade ou de uma certeza naturalística ou absoluta, que é, por princípio, insuscetível de ser alcançada.
Por outro lado, ainda, no que se refere à reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos/declarações prestados pelas partes ou por testemunhas ou, ainda, a reapreciação da prova pericial, é de recordar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova (5), princípio que expressamente se consagra no art. 607º, n.º 5, do C. P. Civil. (6)
De facto, ao contrário do que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, sem pré-fixação legal do mérito de tal julgamento, mas sempre sendo de exigir que esse mérito decorra de uma apreciação crítica e integrada de todo o acervo probatório produzido, ou seja, de uma ponderação da prova produzida à luz das regras da experiência humana, da lógica e, se for esse o caso, das regras da ciência convocáveis ao caso, ponderação essa que deverá ficar plasmada na fundamentação do decidido (art. 607º, n.º 4, do C. P. Civil).
Como refere Miguel Teixeira de Sousa (7), a propósito do sistema de prova livre, o que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique “os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência de motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão.”
Nesta perspetiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência ou da experiência, à partida, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Todavia, face aos atuais poderes da Relação ao nível da reapreciação da decisão de facto, daí não decorre que não possa e não deva o tribunal ad quem analisar, também ele, criticamente, e sujeito às mesmas regras da experiência, da lógica e da ciência, a prova produzida, formando ele próprio, uma nova e autónoma convicção, caso em que, constatando, que ela não é coincidente com a convicção formada pelo Sr. Juiz de 1ª instância, deverá efetuar as correções na matéria de facto que aquela sua convicção lhe imponha.
Quando um Tribunal de 2ª instância, ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que também está sujeito, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, afirmando os reconhecidos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição.
Deste modo, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo. (8)
Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Assim, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”. (9)

Feitas estas considerações prévias, cumpre-nos, pois, conhecer da factualidade impugnada pelo recorrente.

O tribunal a quo considerou como provado designadamente que:

d) De acordo com a cláusula primeira do acordo apelidado de mútuo o Banco réu concedeu aos supra referidos autores um empréstimo no montante de € 90.000,00;
g) Sendo que a quantia a mutuar serviria para liquidar integralmente a dívida da 1ª autora ao Banco réu, com exceção das responsabilidades relativas ao contrato de locação financeira n.º ...1;
h) Os autores pretendiam contrair um crédito hipotecário no valor de € 100.000,00 e apresentaram a proposta ao réu;
i) No entanto, e como o imóvel só permitia um empréstimo de € 90.000,00 foi esse o valor da contraproposta do réu;
j) Os autores concordaram com o valor da contraproposta e subscreveram os acordos supra referidos, uma vez que era sua intenção viabilizar a empresa;
n) Os valores que foram recebidos pelo réu no âmbito do PER supra referido dizem respeito ao contrato de locação n.º ...1 que não foi abrangido pelo perdão de dívida.

Neste circunspecto, a sentença recorrida fez constar designadamente o seguinte:

Fundou o Tribunal a sua convicção na valoração do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente, na valoração do depoimento das testemunhas Clementina A., Miguel F., António S., e Maria O. e nos teores dos documentos juntos aos autos de fls. 20 a 38 e 66 a 73. Valorou ainda o Tribunal, na parte em que o pode fazer livremente, as declarações do representante legal do Réu, José C. e dos Autores, Paulo L… e Hugo L..
(…)
A factualidade dada por provada nas alíneas a) a e), resulta dos elementos documentais referidos nas respectivas alíneas, sendo certo que o respectivo teor não foi posto em causa por nenhuma das partes.
A convicção do Tribunal relativamente à factualidade dada por provada nas alíneas f) a n) assentaram na valoração conjugada dos teores da correspondência trocada entre as partes referida supra na documentação junta aos autos, nas declarações do representante legal do Réu, nas declarações de parte dos Autores Paulo e Hugo L., e no depoimento da testemunha António S. O depoimento desta testemunha, coincidiu, no essencial com as declarações de parte do Réu, tendo ambos explicado o negócio que na altura foi discutido entre as partes, tendo o banco acedido à vontade dos Autores no sentido de tentar viabilizar a empresa.
Explicaram ainda que o banco nunca poderia perdoar 50% da dívida sem contrapartidas que envolvessem garantias maiores e mais seguras relativamente ao dinheiro necessário à viabilização da empresa através do voto favorável ao plano no PER. Assim, segundo o declarante e a testemunha referida, foi combinado entre todas as partes que o banco declararia o perdão de 50% da dívida no PER, com exceção da proveniente da locação, e com o dinheiro do mútuo liquidaria a totalidade da dívida, recebendo apenas, no PER, as quantias relativas à locação. Mais explicaram que os Autores ficaram cientes do combinado e do teor do contrato celebrado, uma vez que as cláusulas foram-lhes explicadas e lidas, o que foi confirmado pelo Autor Hugo L.
No que concerne à matéria de facto dada como não provada, a convicção do Tribunal assentou, para além da valoração dos elementos probatórios já indicados, no facto de as testemunhas que a tal propósito depuseram apresentarem uma versão inverosímil face às regras da experiência comum, não logrando convencer o Tribunal da veracidade do que por si foi afirmado, na falta de prova credível e na total ausência de prova. Neste âmbito, cumpre referir que com excepção das pessoas supra referidas – representante legal do Réu e testemunha António S. – ninguém das testemunhas ouvidas soube relatar, com conhecimento de causa, as negociações que existiram entre as partes e que precederam a celebração dos acordos referidos na alínea c), sendo certo que as declarações dos Autores que as prestaram apresentaram contradições insanáveis e ilogicismos incompatíveis com pessoas que subscreveram os ditos acordos e a quem foram lidas as respectivas cláusulas.
A conjugação dos depoimentos testemunhais com o acervo documental supra referido e com as declarações das partes, depois de uma última e inevitável depuração pelas regras da lógica e da experiência, resultou na convicção final do Tribunal.

Analisámos a prova produzida, em especial as declarações de parte do legal representante do Banco réu e dos autores Paulo L… e Hugo L., assim como das indicadas testemunhas, em conjugação com o teor dos documentos juntos aos autos, designadamente o teor dos docs. nºs 4 a 12 junto pelos autores com a p.i. e doc. n.º 3 junto pelo réu com a contestação, e da mesma não foi possível, de facto, concluir, com a necessária segurança, pela existência de um erro de apreciação relativamente aos pontos de facto impugnados.
Como é fácil de ver, a exposição dos motivos que levaram o tribunal a quo a decidir pela verificação da factualidade incluída sob as mencionadas als. d), g), h), i), j) e n), dos factos provados é adequadamente esclarecedora, para além de seguir sempre um raciocínio consistente e estruturado.
A factualidade dada como assente sob a al. d) resulta claramente do teor do doc. de fls. 46 a 48.
Por seu turno, a factualidade dada como demonstrada sob as als. g), h), i), j) e n), resulta claramente do teor dos documentos de fls. 66 a 71, sendo certo que a mesma também foi confirmada pelo depoimento das testemunhas António S. e Luís Q., cujos depoimentos foram igualmente devidamente valorados pelo tribunal a quo, mormente segundo aqueles princípios de imediação, oralidade e livre apreciação da prova.
Ademais, cumpre dizer que não resulta do teor dos docs. de fls. 36 a 38 e 72 que o Banco réu e os autores não tenham pretendido celebrar o contrato de mútuo com hipoteca, que constitui documento de fls. 46 a 57, junto pelos próprios autores, sendo certo que a utilização efetiva do montante mutuado pelos mutuários e o destino final do mesmo em nada releva para a caraterização efetiva do contrato de mútuo celebrado entre as partes e/ou que os contraentes tenham pretendido celebrar um diferente contrato.
É assim de manter a factualidade dada como assente sob as als. d), g), h), i), j) e n), conforme o decidido pela decisão recorrida.
Na mesma sequência, não vemos qualquer relevância para a decisão da causa a inclusão da factualidade alegada pelos autores sob os arts. 21º-A, 21º-B, 21º-C, 21º-D, 21º-E, 21º-G, 21º-J, 21º-P e 23º-E do requerimento de aperfeiçoamento de fls. 111 a 114, sendo certo que a mesma factualidade se mostra conclusiva e/ou sem especial relevância para a decisão da causa, sobretudo tendo em atenção a factualidade já dada como assente.
De igual modo, por se nos afigurarem claramente conclusivos, não é de admitir a factualidade dada como não provada sob os arts. 21º-F, 21º-I, 21º-K, 21º-M, 21º-N, 21º-Q, 22º-B, 22º-C e 22º-D do mesmo requerimento de aperfeiçoamento, que assim deverão ser retirados dos factos não provados, possibilitando-se a análise das conclusões aí retiradas em sede própria, ou seja, na apreciação do mérito da causa.
No que se refere ao art. 21º-H do citado requerimento de aperfeiçoamento, embora, no essencial, a factualidade contida no mesmo se revele conclusiva, até porque não se nos afigura que tenha sido impugnada pelo próprio Banco réu e resulta já da conjugação dos factos assentes sob as als. b), g), k), l) e n), e resultou igualmente do depoimento de parte do legal representante do Banco réu e da testemunha António S., iremos dar como provada parte da sua factualidade, por se nos afigurar de interesse para a decisão da causa, proporcionando uma adequada configuração do litígio..

Assim, cumpre acrescentar, sob uma nova alínea, a seguinte factualidade:

o) Não obstante o integral pagamento da dívida da 1ª autora, com exceção da dívida referente ao contrato de locação financeira n.º ...1, com o financiamento concedido, o referido em b) não implicou qualquer diminuição do valor das prestações mensais a liquidar pelos mutuários por conta do referido contrato de mútuo.

Por seu turno, consideramos que já é de manter a factualidade dada como não provada sob os arts. 21º-L e 21º-R, que, de facto não resultou minimamente demonstrada pelo depoimento das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento, mormente pelo depoimento da testemunha Luís Q., que, neste particular, se limitou a afirmar que o S. Paulo lhe dissera, designadamente que “se soubesse o que sabia naquela data que nunca tinha com pressa negociado …”, sem que dai possamos retirar, de forma cabal e coerente, que os mutuários só tiveram conhecimento preciso dos contornos do contrato em 01.10.2015.
Daqui resulta, em suma, que este tribunal ad quem não possui qualquer elemento idóneo que, no essencial, possa abalar a livre convicção do tribunal recorrido quanto aos fundamentos da decisão sobre a matéria de facto, face à prova produzida, com exceção da referida alínea o), a ser aditada aos factos provados; assim como da factualidade conclusiva constante dos arts. 21º-F, 21º-I, 21º-K, 21º-M, 21º-N, 21º-Q, 22º-B, 22º-C e 22º-D do referido requerimento de aperfeiçoamento, que deverá ser retirada dos factos não provados.

Termos em que, se julga parcialmente procedente, neste segmento, a pretensão recursiva dos autores e, em consequência, fazendo uso do disposto no art. 662º, n.º 1, do C. P. Civil, decide-se alterar a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, nos termos sobreditos, passando os factos provados e não provados a serem os seguintes:

FACTOS PROVADOS

a) A autora requereu um plano especial de revitalização (PER), que correu termos sob processo especial de revitalização no extinto 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Lima, sob o n.º 1351/12.7TBPTL, conforme se retira de fls. 22 a 35 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
b) No âmbito do referido processo foi votado, aprovado e homologado, em 20.05.2013, um plano de revitalização, nos termos do qual a dívida da primeira autora ao réu Banco – de € 111.605,92 – seria perdoada em 50% de € 89.772,22, com dois anos de carência de capital e juros, inexigibilidade de juros vincendos e pagamento dos restantes 50% em 10 anos em prestações mensais, sendo que a quantia restante, referente a uma locação financeira (contrato de locação n.º ...1), seria paga na integralidade mas com renegociação dos prazos da dívida, conforme se retira de fls. 22 a 35 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
c) Em 10.05.2013, os 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º autores celebraram com o réu Banco um acordo, que apelidaram de mútuo com hipoteca e fiança juntamente com um outro acordo que apelidaram de documento complementar, cujos textos e clausulados constam de fls. 46 a 54 dos presentes autos e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos;
d) De acordo com a cláusula primeira do acordo apelidado de mútuo o Banco réu concedeu aos supra referidos autores um empréstimo no montante de € 90.000,00;
e) De acordo com os pontos 14. a 19. das condições particulares do documento complementar supra referido, os juros vencem-se à taxa anual efetiva de 11,980%, sendo o spread de 8,5%;
f) Uma das condições colocadas aos autores para que o réu viabilizasse o plano de revitalização consubstanciava-se na celebração de um acordo de financiamento no qual os sócios daquela sociedade se responsabilizassem pessoalmente;
g) Sendo que a quantia a mutuar serviria para liquidar integralmente a dívida da 1ª autora ao Banco réu, com exceção das responsabilidades relativas ao contrato de locação financeira n.º ...1;
h) Os autores pretendiam contrair um crédito hipotecário no valor de € 100.000,00 e apresentaram a proposta ao réu;
i) No entanto, e como o imóvel só permitia um empréstimo de € 90.000,00 foi esse o valor da contraproposta do réu;
j) Os autores concordaram com o valor da contraproposta e subscreveram os acordos supra referidos, uma vez que era sua intenção viabilizar a empresa;
k) O réu liquidou contabilisticamente as responsabilidades da 1ª autora com exceção das relativas ao contrato de locação financeira n.º ...1;
l) O acordo referido na alínea c) tem vindo a ser pontualmente cumprido pelos autores, que começaram por pagar uma prestação mensal de € 850,00; e atualmente pagam uma prestação de € 955,00;
m) Aquando da celebração dos acordos referidos na alínea c), aos autores (e não réus corrigindo-se o manifesto lapso de escrita da decisão recorrida) foram lidas por funcionários do réu as respetivas cláusulas;
n) Os valores que foram recebidos pelo réu no âmbito do PER supra referido dizem respeito ao contrato de locação n.º ...1 que não foi abrangido pelo perdão de dívida;
o) Não obstante o integral pagamento da dívida da 1ª autora, com exceção da dívida referente ao contrato de locação financeira n.º ...1, com o financiamento concedido, o referido em b) não implicou qualquer diminuição do valor das prestações mensais a liquidar pelos mutuários por conta do referido contrato de mútuo.

FACTOS NÃO PROVADOS

· Da petição inicial: artigo 19º.
· Da contestação: inexistem factos não provados que tivessem de ser respondidos.
· Do articulado aperfeiçoado de fls. 111 a 114: artigos 21º-L, 21º-R.
*
B) Da nova fundamentação de direito

B.1. Da anulabilidade do contrato com base em “erro-vício

Em face da factualidade dada como assente, cumpre desde já afirmar que a sentença recorrida avaliou corretamente a mesma, efetuando adequada subsunção jurídica no que se refere à pretendida anulabilidade do negócio em causa, com fundamento em erro-vício.

De acordo com o disposto no art. 247º, do C. Civil, “quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro”.
Assim, por força deste normativo legal, nem todo o erro na declaração é juridicamente relevante.
Na verdade, face ao disposto no art. 247º, do C. Civil, são requisitos de relevância do erro na declaração: i) a essencialidade para o declarante, do elemento sobre o qual o erro incidiu; ii) e a cognoscibilidade daquela essencialidade pelo declaratário.
A essencialidade do erro, ou a essencialidade do elemento sobre que incidiu, não significa outra coisa senão que o declarante não teria emitido a declaração de vontade negocial com o sentido que veio a ser exteriorizada.
Por assim dizer, a declaração negocial, para ser válida e eficaz, pressupõe que os sujeitos contratantes representem corretamente, ou seja, de harmonia com a sua vontade livre e esclarecida, a realidade determinante e decisiva para a celebração do contrato.
A declaração de vontade, para ser válida, não deve assim ter sido provocada por “erro”, entendido este como a “ignorância ou falsa representação de uma realidade que poderia ter intervindo ou interveio entre os motivos da declaração negocial”. (10)
O erro como vício da vontade “traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio. Se estivesse esclarecido dessa circunstância – se tivesse exacto conhecimento da realidade – o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não teria realizado o negócio nos termos em que o celebrou”. (11)
Por sua vez, o art. 251º, do C. Civil, estipula que “o erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, torne este anulável nos termos do artigo 247º”.
Como afirmam Pires de Lima e Antunes Varela (12), “o erro-motivo ou erro-vício distingue-se do erro na declaração. No caso do erro-motivo ou erro-vício há conformidade entre a vontade real e a vontade declarada. Somente, a vontade real formou-se em consequência do erro sofrido pelo declarante”.
Reafirmando, o erro só é essencial se, sem ele, se não celebraria qualquer negócio ou se celebraria um negócio com outro objeto ou de outro tipo ou com outra pessoa.
Destarte, o erro que recaia sobre os motivos determinantes da vontade, neste caso quando reportado ao objecto do negócio, torna este anulável, desde que o declaratário conheça, ou não deva ignorar, a essencialidade, para o declarante, do objeto que haja incidido o erro, sendo que “a qualidade de um objecto se reporta a todos os factores determinantes do valor ou da utilização pretendida”. (13)
No caso em apreço, porém, não temos demonstrada qualquer factualidade que nos permita concluir que os autores celebraram o contrato de mútuo em causa portadores daquele erro-vício da vontade, tal como se conclui na sentença recorrida.
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B.2. Do negócio usurário

Porém, contrariamente à sentença recorrida, já consideramos que estamos perante um “negócio usurário”.

Vejamos.
Nos termos do disposto no art. 282º, n.º 1, do C. Civil, “é anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de caráter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados”.
Como salienta Carlos Mota Pinto (14), “o legislador concede sob a designação de usura, alguma relevância ao velho instituto da lesão, não sancionando um critério puramente objectivo, mas exigindo, em conformidade com a fisionomia moderna do instituto (§ 138 do Cód. alemão; art. 1448.°do Cód. italiano), a verificação de requisitos objectivos (benefícios excessivos ou injustificados) e requisitos subjectivos (exploração de uma situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem). Entre estes requisitos subjectivos figura, pois, ao lado de outras situações, o estado de necessidade.
Devem, portanto, verificar-se requisitos objectivos: benefícios excessivos ou injustificados. Tem de haver uma desproporção manifesta entre as prestações. Só haverá benefícios excessivos ou injustificados, quando, segundo todas as circunstâncias, a desproporção ultrapassa os limites do que pode ter alguma justificação. O legislador recusou-se a estabelecer uma relação de valor determinada (p. ex., o critério “ultra dimidium”). Apesar da superação do critério da “laesio enormes” do direito comum e do nosso antigo direito, o critério do dobro do valor parece ser o limiar, a partir de cuja ultrapassagem se vai averiguar a existência das demais circunstâncias objetivas e dos requisitos subjectivos da usura. (15)

Devem, igualmente, verificar-se requisitos subjectivos, a saber:

1.° A exploração de situações tipificadas, que não é excluída pelo facto de a iniciativa do negócio provir do lesado;
2.° Uma situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter.
Este requisito “exploração” pressupõe necessariamente momentos subjetivos, a saber: “a consciência das situações tipificadas no artigo e a consciência da causalidade entre essas situações e os benefícios recebidos, embora, na prática, este segundo momento (causalidade) resulte, muitas vezes, de uma prova por presunções.(16)

De igual modo, conforme ensinam Pires de Lima e Antunes Varela (ainda que se referindo à redação do art. 282º, anterior à que lhe foi dada pelo D.L. n.º 262/83, de 16.06) (17), “exige-se, como requisito da anulabilidade ou modificação do negócio, a consciência da situação de necessidade, inexperiência, dependência, ou deficiência psíquica de alguém, mas não basta a verificação dum daqueles estados, sendo necessário que haja a consciência de que se está a tirar proveito da inferioridade de outrem para alcançar um benefício manifestamente excessivo ou injustificado, em proveito próprio ou de terceiro, ficando esta determinação entregue ao prudente arbítrio do julgador e só verificados todos estes requisitos pode o negócio ser havido como usurário.
Neste particular, Menezes Cordeiro (18) salienta que “as proposições do artigo 282.º devem ser interpretadas e aplicadas em conjunto, dentro da mecânica dum sistema móvel: quando a lesão seja muito grande, a “exploração” e a fraqueza do prejudicado poderão estar menos caracterizadas. E quando a dependência do prejudicado seja escandalosa – por exemplo – não será de exigir um tão grande desequilíbrio”.

Adianta ainda Carlos Mota Pinto (19), que “a anulabilidade prescrita no artigo 282.º, pode, porém, a requerimento do necessitado ou da parte contrária, ser substituída (art.283.º) pela modificação do negócio, segundo juízos de equidade (redutibilidade).
O prazo para requerer a anulabilidade começa a contar desde a cessação da situação de inferioridade.
Também João de Castro Mendes defende que o prazo de anulação conta-se “desde a cessação da situação de inferioridade e da sua influência na motivação do declarante”. (20)
No mesmo sentido, Luís Carvalho Fernandes considera que o início da contagem do prazo de um ano para arguir a anulabilidade ocorre logo que se verifique o “termo da influência da situação de inferioridade”, pois nesse momento o declarante está em condições de exercer o seu direito de anulação, segundo o regime geral da caducidade estatuído no art. 329º, do C. Civil., de que o art. 287º, em rigor, é uma explicitação. (21)

Ora, no caso em apreço, afigura-se-nos que, na realidade, verificaram-se os pressupostos objetivos e subjetivos acima mencionados contidos no art. 282º, n.º 1, do C. Civil.
É patente a situação de inferioridade dos autores (de necessidade e de dependência), aquando a celebração do contrato de mútuo com hipoteca em causa, disso tendo-se aproveitado o Banco réu, alcançando para si um benefício excessivo.
Com efeito, encontrava-se a decorrer um PER da sociedade autora, sendo certo que, o Banco réu, explorando conscientemente esta situação de inferioridade, impôs aos autores, que pretendiam viabilizar a empresa, como uma das condições para que ele Banco, principal credor num montante global de cerca de € 111.605,00, viabilizasse o plano de revitalização, a celebração de um acordo de financiamento, no qual os sócios daquela sociedade se responsabilizassem pessoalmente, sendo que a quantia a mutuar serviria para liquidar integralmente a dívida da 1ª autora sociedade ao Banco réu, com exceção das responsabilidades relativas ao contrato de locação financeira n.º ...1, sendo certo que bem sabia o Banco réu que o PER que estava para ser aprovado e necessitava do seu assentimento, como forma de viabilização da empresa, previa o perdão de 50% da dívida da sociedade autora para com o Banco réu, com exceção do valor devido pelo referido contrato de locação financeira; o que, em termos práticos, conduziu a que o Banco réu recebesse, de imediato, o valor integral de € 89.772,22, quando, de acordo com aquele PER, que aprovou dias após a celebração do contrato de mútuo, apenas teria direito a receber metade daquele valor (cfr. als. a) a d), f) e g) dos factos provados).
Acontece, porém, que o Banco réu na sua contestação veio desde logo arguir a exceção de caducidade do direito de anulação do contrato em causa por parte dos autores, considerando que os autores, senão aquando a celebração do contrato, pelo menos após a sentença homologatória do PER, de 20.05.2013, conheciam os factos donde emerge a presente ação.
Consideramos que, de facto, neste particular, assiste razão ao Banco réu.
Como já vimos, o prazo de um ano para ação de anulação conta-se a partir do momento em que cessa a situação de inferioridade e da sua influência na motivação do declarante.
E tal sucede, independentemente da permanência dos efeitos do negócio jurídico na esfera patrimonial dos contraentes (mais concretamente da manutenção da desproporção de prestações). (22)
Ora, in casu, com a homologação do PER, os autores ficaram pois a conhecer integralmente os contornos em que haviam negociado com o Banco réu, em conjugação com o que resultou do PER aprovado, deixando assim de estar em situação de inferioridade, já que haviam obtido a aprovação do PER para a empresa autora, podendo, desde então, lançar mão dos meios de defesa que estavam ao seu alcance, designadamente de anulação do contrato celebrado, com base em usura (art. 282º, n.º 1, do C. Civil).
Não o tendo feito no prazo legal de um ano (art. 287º, n.º 1, do C. Civil), atenta à data da propositura da presente ação (05.05.2016), forçoso é concluir pela procedência da invocada exceção de caducidade.
Tal procedência desta exceção é extensível claro está à pretendida anulabilidade do negócio como usurário e ilegal tendo em conta os juros e o spread fixados no aludido contrato de mútuo; sendo certo igualmente que, neste âmbito, não consideramos que existe qualquer negócio usurário, aderindo-se aqui aos fundamentos constantes da sentença recorrida no que à mesma matéria dizem respeito, sobretudo atento ao facto de a lei admitir atualmente que os limites contemplados no art. 1146º, do C. Civil, sejam afastados, quando estamos perante operações de crédito celebradas por instituições de crédito ou parabancárias (cfr. arts. 5.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 344/78, de 17.11, alterado pelos D.L. nºs 83/86, de 06.05 e 204/87, de 16.05, em conjugação com o Aviso do Banco de Portugal n.º 3/93).
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B.3. Do abuso de direito

Entendem igualmente os recorrentes que se verifica in casu um desequilíbrio contratual manifesto, consubstanciado na desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo réu e o sacrifício imposto aos autores, decorrente da celebração do referido contrato de mútuo, sendo que o Banco réu, para viabilizar a empresa autora votando favoravelmente no PER, colocou como condição aos autores que estes assumissem em nome próprio a dívida da sociedade autora, dado que até aquele momento não eram responsáveis pessoalmente por qualquer dívida da empresa.
Nesta medida, defendem que a sentença recorrida violou o disposto no art. 334º, do C. Civil.
O abuso do direito – art. 334º, do C. Civil – traduz-se no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Para Manuel de Andrade “há abuso do direito quando o direito, legitimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante; e a consequência é a de o titular do direito ser tratado como se não tivesse tal direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito extracontratual”. (23)
Para Vaz Serra, o ato abusivo é, em regra, o exercício de um direito que, intencionalmente, causa danos a outrem, por forma contrária à consciência jurídica dominante na coletividade social. Só excecionalmente se prescindindo da intenção de prejudicar terceiros quando a contraditoriedade àquela consciência, isto é, à boa fé e aos bons costumes, for clamorosa ou quando o direito for exercido para fim diverso daquele para que a lei o concede. (24)
Noutra perspetiva, para Antunes Varela, “para que haja lugar ao abuso de direito, é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito.(25)
Daí que o exercício de um direito só poderá haver-se por abusivo quando exceda manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, ou seja, quando esse direito seja exercido em termos gritantemente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante. (26)

No entanto, aceitamos que para a verificação do abuso de direito não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo; basta que, objetivamente, esses limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito exercido tenham sido exercidos de forma evidente, sendo esta a conceção objetivista do abuso do direito adotada pelo legislador. (27)

Isto não significa, porém, que ao conceito de abuso do direito sejam alheios fatores subjetivos, como por exemplo a intenção com que o titular tenha agido. A consideração destes fatores pode relevar, quer para determinar se houve ofensa da boa fé ou dos bons costumes, quer para decidir se se exorbitou do fim social ou económico do direito. (28)
O abuso de direito tem sido analisado nas modalidades de “venire contra factum proprium”, de “inalegabilidades formais”, de “suppressio”, de “tu quoque” e de “desequilíbrio entre exercício do direito e os efeitos dele derivados.(29)
O abuso de direito na modalidade do “desequilíbrio entre o exercício do direito e os efeitos dele derivados”, abrange subtipos diversificados, nomeadamente: i) o do exercício de direito sem qualquer benefício para o exercente e com dano considerável a outrem; ii) o da atuação dolosa daquele que vem exigir a outrem o que lhe deverá restituir logo a seguir; iii) e o da desproporção entre a vantagem obtida pelo titular do direito exercido e o sacrifício por ele imposto a outrem. (30)

No caso em apreço, é patente o abuso de direito com que o Banco réu atuou, designadamente se atentarmos que a viabilidade da empresa autora estava dependente da aprovação do respetivo PER, tendo o Banco credor imposto aos autores, que pretendiam viabilizar a empresa, para o seu voto favorável a celebração do referido acordo de financiamento, no qual os sócios daquela sociedade se responsabilizassem pessoalmente; obtendo, por essa via, o pagamento integral de toda a dívida da sociedade autora ao Banco réu (no montante de € 89.772,22), com exceção do valor em dívida por conta do identificado contrato de locação financeira (cerca de € 21.800,00); quando é certo que bem sabia o Banco réu que o PER que estava para ser aprovado e necessitava do seu assentimento, como forma de viabilização da empresa, previa o perdão de 50% da dívida da sociedade autora para com o Banco réu, com exceção do valor devido pelo referido contrato de locação financeira; o que, em termos práticos, conduziu a que o Banco réu recebesse de imediato o valor integral de € 89.772,22, quando de acordo com aquele PER, que aprovou dias após a celebração do contrato de mútuo, apenas teria direito a receber metade daquele valor (cfr. als. a) a d), f), g) e o) dos factos provados).
Em resultado da celebração de tal contrato, o Banco réu obteve, imediata e diretamente, para si uma vantagem patrimonial, que bem sabia não ter direito no âmbito do PER que se propôs aprovar, e que necessariamente o vinculou após a sua homologação judicial, impondo concomitantemente aos autores, em clamorosa violação dos limites impostos pela boa fé, um prejuízo manifesto, que assim terão que continuar a cumprir aquele contrato de mútuo para satisfação de uma dívida da sociedade autora equivalente ao dobro daquilo que a mesma sociedade teria de pagar no âmbito do referido PER, aprovado pelo Banco réu, em clara violação igualmente pelo Banco réu da boa fé contratual (cfr. art. 227º, do C. Civil).
Na sequência, conclui-se que o Banco réu na celebração do referido contrato de mútuo agiu em abuso de direito (art. 334º, do C. Civil) e, como tal, o negócio jurídico assim celebrado deverá ser considerado nulo (arts. 280º e 281º e 286º, do C. Civil), (31) com as consequências legais daí advenientes, designadamente na restituição aos mutuários de todas as prestações prestadas por conta daquele negócio (cfr. art. 289º, n.º 1, do C. Civil), bem como no cancelamento da hipoteca respetiva registada sobre o imóvel identificado na cláusula Segunda daquele contrato (cfr. art. 730º, al. a), do C. Civil).

Sobre o montante global a restituir aos autores, acrescem os peticionados juros de mora, contados, à taxa legal (4% ao ano), desde a data da citação do réu e até efetivo e integral pagamento (cfr. arts. 559º, n.º 1, 804º, n.º 1, 805º, n.º 1 e 806º, nºs 1 e 2, do C. Civil).

Por último, em face da procedência do invocado abuso de direito, fica prejudicada a apreciação da questão decidenda referente ao enriquecimento em causa (cfr. art. 608º, n.º 2, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, ambos do C. P. Civil), sendo certo igualmente que tal instituto jurídico tem natureza subsidiária (cfr. art. 474º, do C. Civil).

Cumpre, assim, em julgar procedente a apelação, neste segmento, impondo-se a revogação da sentença recorrida.
*
V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em conceder provimento à apelação em presença, revogando-se a sentença recorrida e, consequentemente, decide-se:

Ø Declarar nulo, por verificação de abuso de direito por parte do Banco réu, o negócio jurídico identificado na al. c) dos factos provados (contrato de mútuo com hipoteca), com todas as consequências legais daí advenientes, designadamente com a consequente restituição aos autores mutuários de todas as quantias por estes pagas por conta do mesmo negócio, assim como se ordenando o cancelamento da hipoteca incidente sobre o bem imóvel identificado no respetivo contrato.
Ø Condenar o Banco réu no pagamento dos respetivos juros de mora, contados à configurada taxa legal, sobre o valor global a restituir aos autores, desde a data da citação do Banco réu e até efetivo e integral pagamento.

Custas de ambas as instâncias pelo Banco réu (art. 527º, n.ºs 1 e 2, do C. P. Civil).
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Guimarães, 01.02.2018

António José Saúde Barroca Penha
Des. Eugénia Marinho da Cunha
Des. José Manuel Alves Flores

1. In Recursos no Novo Código Processo Civil, Almedina, 4ª edição, pág. 164.
2. Cfr. ainda diversos Acs. do STJ, aludidos na ob. citada, págs. 161 a 165.
3. Abrantes Geraldes, ob. citada, págs. 165-166.
4. Ob. citada, págs. 274 e 277.
5. Segundo Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, pág. 569, prova livre “quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais pré-estabelecidos, isto é, ditados pela lei.”
6. O princípio da livre apreciação dos meios probatórios resulta, ainda, em sede de direito probatório material, no que se refere à prova por declarações de parte (não confessórias), à prova testemunhal, à prova por inspeção e à prova pericial, do estipulado nos arts. 361º, 389º, 391º e 396º, todos do C. Civil.
7. Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348.
8. Vide, neste sentido, por todos, Acs. do STJ de 03.11.2009, proc. n.º 3931/03.2TVPRT.S1, relator Moreira Alves; e Ac. do STJ de 01.07.2010, proc. n.º 4740/04.7TBVFX-A.L1.S1, relator Bettencourt de Faria, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
9. Cfr. Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol. I, pág. 609.
10. Cfr. Castro Mendes, Teoria Geral, 1979, Vol. III, pág. 60.
11. Cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, pág. 504.
12. Cfr. Código Civil Anotado, 4ª Edição, Vol. I, pág. 235.
13. Cfr. Manuel de Andrade, Teoria Geral, Vol. II, págs. 235 e 248.
14. Cfr. Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 3ª edição, págs. 533-534.
15. Em sentido algo diverso, Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, II Parte Geral, Negócio Jurídico, Almedina, 4ª edição, 2017, pág. 499, defende que “a lesão ultra dimidium – portanto equivalente a mais de metade do valor em jogo é – até por razões históricas – sempre excessiva. Uma lesão que se comporte dentro do equivalente à taxa máxima de juros nunca será excessiva. Entre estes limites o intérprete-aplicador decidirá”.
16. Cfr. Carlos Mota Pinto, ob. cit. pág. 534 (em nota de rodapé 1).
17. Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, 4ª edição, págs. 259-260.
18. Ob. cit., pág. 499.
19. Ob. cit. pág. 534.
20. Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, AAFDL, 1985, págs. 179-180
21. Teoria Geral do Direito Civil, II, Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, Universidade Católica, 3ª edição, pág. 198.
22. Neste sentido, cfr. Ac. STJ de 17.04.2008, proc. n.º 08A756, relator Mário Mendes, acessível em www.dgsi.pt.
23. In Teoria Geral das Obrigações, Almedina, 3ª edição, págs. 63-64.
24. Abuso de Direito, BMJ n.º 85, pág. 253.
25. Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 5ª edição, pág. 499.
26. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, pág. 299.
27. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 298.
28. Neste sentido, cfr. Antunes Varela, ob. cit. pág. 499.
29. Cfr. desenvolvimentos doutrinais e jurisprudenciais realizados por António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, V, Parte Geral, Exercício Jurídico, Almedina, 2ª edição, 2015, págs. 295 a 381.
30. Cfr. António Menezes Cordeiro, ob. cit. em nota anterior, págs. 372-381. 31. Neste sentido, cfr. Antunes Varela, ob. cit., pág. 501. Também Fernando Cunha de Sá, in Abuso do Direito, Almedina, 1997, pág. 648, nota 891, entende que “será, nomeadamente nulo nos termos dos artigos 280.º e 281.º o negócio jurídico cujo objecto ou cujo fim seja abusivo”.