Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
83/17.4GAVNC.G1
Relator: MÁRIO SILVA
Descritores: PEDIDO CÍVEL ENXERTADO
DANOS EMERGENTES DO CRIME
FACTO ILÍCITO CRIMINAL
CO-AUTORIA
REQUISITOS LEGAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/26/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1 - Na co-autoria não é exigível que todos os arguidos participem em todos os atos, bastando para preencher tal forma de participação que dividam tarefas entre si, visando um resultado comum.

2 - Os danos emergentes do crime (as consequências do ilícito praticado) não têm que constar da acusação, à qual só incumbe descrever o facto ilícito criminal cometido - art. 283º, nº 3, al. b), do CPP -, mas apenas do pedido de indemnização cível formulado.

3 - O princípio da adesão - art. 71º do CPP -, ao impor o enxerto do pedido cível no processo penal, o que exige é que os danos peticionados se limitem aos causados pelo crime/resultem da conduta ilícita descrita na acusação.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

1. Em processo comum (tribunal singular) com o nº 83/17.4GAVNC, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo – Juízo de Competência Genérica de Vila Nova de Cerveira, foi proferida sentença, datada de 03/06/2019 e depositada na mesma data, que decidiu (transcrição):
Dispositivo
Parte criminal

Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal julga procedentes por provadas, as acusações e, consequentemente, decide:

a) Condenar o arguido A. J., pela prática de dois crimes de injúria, p. e p. pelo art. 181º do CP, na pena de 40 dias de multa, por cada um dos crimes, à taxa legal de € 6,50;
b) Condenar os arguidos A. J., M. A. e S. M., pela prática, em coautoria material, de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo art.º 145.º n.º 1 a), n.º 2, por referência ao art.º 132.º n.º 2 h) todos do Código Penal, perpetrados contra as assistentes M. B. e M. C., nas seguintes penas:
Arguido A. J.: 5 meses de prisão pelo crime perpetrado contra a assistente M. C. e 6 meses de prisão pelo crime perpetrado contra a assistente M. B.;
Arguida M. A.: 5 meses de prisão pelo crime perpetrado contra a assistente M. C. e 6 meses de prisão pelo crime perpetrado contra a assistente M. B.;
Arguida S. M.: 5 meses de prisão pelo crime perpetrado contra a assistente M. C. e 6 meses de prisão pelo crime perpetrado contra a assistente M. B..
c) Em cúmulo jurídico condenar os arguidos às seguintes penas:
Arguido A. J.: 8 meses de prisão e 60 dias de multa à taxa diária de € 6,50, num total de € 390,00;
Arguida M. A.: 8 meses de prisão;
Arguida S. M.: 8 meses de prisão.
d) Mais determino a substituição das penas de prisão aplicadas pela prestação de 240 horas de trabalho a favor da comunidade para todos os arguidos.
e) Condenar os arguidos nas custas criminais do processo, nos termos dos arts. 513º do CPP, com 2 UC’s de taxa de justiça a cada um deles;

Parte Cível
Julgar parcialmente procedentes os pedidos de indemnização civil deduzidos e, consequentemente:
- Condenar o arguido A. J. a pagar à assistente M. C. a quantia de € 400,00, acrescida de juros de mora vencidos desde a notificação do pedido cível até efetivo e integral pagamento;
- Condenar o arguido A. J. a pagar à assistente M. B. a quantia de € 400,00, acrescida de juros de mora vencidos desde a notificação do pedido cível até efetivo e integral pagamento;
- Condenar os arguidos A. J., M. A. e S. M., solidariamente, a pagar à assistente M. B., a quantia de € 6.303,90, acrescida de juros de mora vencidos desde a notificação do pedido cível até efetivo e integral pagamento;
- Condenar os arguidos A. J., M. A. e S. M., solidariamente, a pagar à assistente M. C., a quantia de € 3.051,72, acrescida de juros de mora vencidos desde a notificação do pedido cível até efetivo e integral pagamento
Custas cíveis pelas partes, na proporção do decaimento.
Deposite.
Notifique.
Elabore cópia de segurança do CD a qual deverá ser guardada no cofre do Tribunal até ao trânsito em julgado da sentença.
Após trânsito:
Remeta Boletim ao Registo Criminal.
Solicite à DGRS elaboração de plano de trabalho a favor da comunidade dos arguidos.“
*
2 – Não se conformando com a decisão, os arguidos A. J., M. A. e S. M. interpuseram recurso, no qual ofereceram as seguintes conclusões (transcrição):

“1 - Em sede de condenação criminal quanto aos crimes de injurias em que foi condenado, entende o Arguido A. J., que a sua condenação com base nas declarações da Assistente deve ser revogada, devendo ser valoradas as suas declarações, bem como as razões que levaram ao inicio dos factos - sobre as quais o Tribunal nada disse e que a testemunha V. V. disse em sede de inquérito e em audiência e julgamento – concretamente á troca de palavras entre as assistentes, que se lamentavam das continuas passagens com o trator junto da casa da M. C., e o seu desabafo que ainda um dia iriam perder a cabeça, apetecendo-lhes matar o A. J..
2 - Este ao passar pelas Assistentes, parou o trator, ficando imóvel em cima dele, unicamente voltando a cara para as assistentes, pedindo satisfações pelo que tinha ouvido antes.
3 - Nas imagens vê-se a M. B. a discutir de forma alterada com o A. J., apontando para o lado de sua casa, para os rodados do trator, ao qual chegou a dar uma sapatada de raiva.
4 - Em resultado deste ato, o A. J. desce do trator para se travar razões com a M. B., momento em que chega sua mãe, a arguida M. A. que logo se envolve com esta assistente.
5 - Deve em consequência do supradito serem dados como não provados os factos constante do Ponto 4º da matéria de facto dada como provada, sendo em consequência o arguido A. J. absolvido da prática dos dois crimes de injúrias em que foi condenado e em consequência da condenação no pedido cível deduzido quanto a estes crimes.
6 - Impõe-se também que V.ª Ex.ªs deem como não provados os factos descritos em sede de factos Provados nos itens 31º, 32º, 33º, 34º, 35º e 39º, na medida em que os mesmos não constam da acusação, e não foram alvo de sua junção á acusação deduzida em sede de Alteração não substancial dos factos, que o Tribunal efetuou para expurgar a acusação de matéria que deveria ter sido conhecida em sede de factos não provados na Sentença.
7 - Com efeito, a assistente M. B. desde pelo menos Dezembro de 2017 que sabia dos factos, nunca tendo feito chegar ao Inquérito, quer o Relatório Médico elaborado em Janeiro de 2018, quer os comprovativos das sucessivas baixas médicas com fundamento no seu estado psiquiátrico, quando o deveria ter feito.
8 - Ao não o fazer furtou aquela matéria a uma perícia médico-legal na área de psiquiatria forense, complementar á inicialmente efetuada, bem como a sua factualidade que necessariamente o Acusador Público iria acrescentar ao vertido nos itens 10 e 11 da acusação publica.
9 - Ao não fazê-lo e o Tribunal não os tendo trazido á acusação através do mecanismo da Alteração não substancial dos factos, não pode condenar os arguidos em sede de Dano Patrimonial como o fez, por violação do principio da Adesão, sendo jurisprudência pacífica, bem como na doutrina, que a causa de pedir no pedido civil tem de ter os mesmos factos que são pressuposto da responsabilidade criminal. – Ac. Rel. Guimarães de 02/07/2018, Relatora Senhora Desembargadora Fátima Bernardes in dgsi.pt.
10 - E estes são os que resultam da Acusação, corrigida pela Alteração não substancial dos factos efetuada pelo Tribunal.
11 - Logo, devem todos os arguidos ser absolvidos da condenação em sede de Dano Patrimonial alicerçados naquela factualidade – itens 32º, 33º, 34º, 35º e 39º dos factos provado que naturalmente tem de ser expurgados da Sentença, não como factos não provados, mas por não poderem integrar a causa de pedir dos respetivos pedidos civis, por não enformarem a acusação pública.
12 - No que á arguida S. M. concerne, é manifesto que a mesma deve ser absolvida, por não estarem preenchidos quaisquer dos requisitos da coautoria, que o tribunal recorrido até trouxe á colação citando Figueiredo Dias.
13 - Na verdade Venerandos Desembargadores, das imagens resulta com clareza que a S. M. chegou ao local no encalço da arguida M. A., com o propósito de evitar que esta praticasse as agressões que viriam a ocorrer,
14 - onde logo deparou com uma troca de varadas entre a arguida M. A. e a Assistente M. C..
15 - Ao ver que a M. C. se apressava para investir novamente á varada, dirigiu-se a esta retirando-lhe a vara da mão…
16 - Ato contínuo a S. M. dirige-se á M. A. e á Assistente M. B., tentando interpor-se entre ambas, sendo que, enquanto o fazia a M. A. não agredia a M. C. e esta também não ripostava em sua defesa.
17 - Cerca de 30 segundos depois de a S. M. estar a tentar apartá-las, surge a M. C. de novo munida com a vara, desferindo um golpe que acaba por acertar na S. M., que ainda se tenta defender com as mãos no ar, abandonando a sua tentativa de separar a arguida M. A. da assistente M. B., agarrando-se á vara que a assistente M. C. empunhava, conseguindo tirar-lha, dando-lhe um empurrão que a sentou.
18 - De imediato vai novamente junto da arguida M. A. e a Assistente M. B. que se encontravam agarradas uma á outra, acabando por conseguir afastar a M. B. das mãos da M. A. através de um empurrão.
19 - Como pode ver o Tribunal recorrido nesta conduta esta com os demais arguidos “participaram nas agressões, dividindo tarefas e aceitando o resultado das suas condutas. Há assim uma vontade coletiva de agredir as Assistentes, independentemente dos factos praticados por cada um isoladamente.
E esta vontade coletiva é característica da coautoria”.
20 - Manifestamente assim não é! Esta arguida como se vê nas imagens, vai no encalço da arguida M. A., chega ao local e logo assiste á troca de varadas entre a M. A. e assistente M. B., tentando sempre separar a arguida M. A. da Assistente M. B., o que logrou conseguir, só não o tendo conseguido mais cedo, face á insistência da assistente M. C. em agredir a M. A., acabando por atingir a arguida S. M..
21 - Não estão assim preenchidos os requisitos da coautoria, conforme a previsão do art.º 25º do Código Penal, pelo que a sua condenação em sede de coautoria viola aquele normativo, pelo que deve ser absolvida, sendo em consequência também absolvida dos pedidos cíveis contra si deduzidos.
22 - No que concerne aos pedidos cíveis deduzidos com fundamento na factualidade emergente da acusação pública, devem os mesmos serem em sede de Danos Patrimoniais, reduzidos aos danos não emergentes da factualidade que resulta dos itens 32º, 33º, 34º, 35º e 39º, que erroneamente o Tribunal admitiu em clara violação do princípio da adesão previsto no art.º 71º do CPP.
23 - Não tendo a S. M. praticado os crimes de que vem acusada, não se verifica a qualificação emergente da superioridade numérica que a Sentença traz á colação, já que o preceito qualificativo aplicável fala em “Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meios…
24 - Não se verificando a qualificação, naturalmente que tem de haver lugar á convolação dos crimes de ofensas á integridade física qualificada para o crime de ofensas à integridade física simples, aplicando-se aos arguidos A. J. e M. A. penas que consubstanciem as agressões praticadas por cada um deles, sendo adequado:
- á conduta do primeiro a pena de 6 meses de prisão por cada um dos crimes cometidos sobre as assistentes, em cúmulo jurídico, na apena única de 6 meses de prisão substituída por 180 dias de multa á taxa diária de € 6,00, atenta as suas condições pessoais;
- á conduta da segunda uma única pena de 6 meses de prisão pelo único crime cometido sobre a assistente M. B., substituída por pena de multa de 180 dias á taxa diária de € 6,50, atentas as suas condições pessoais.
25 - Em consequências as condenações nos pedidos cíveis deduzidos em sede da acusação pública devem sofrer as seguintes alterações:
- quanto ao arguido A. J., que agrediu ambas as arguidas deve ser condenado em sede de danos não patrimoniais na quantia de € 750,00 para cada uma das arguidas;
- quanto á arguida M. A. deve ser condenada unicamente no pedido cível deduzido pela assistente M. B., na quantia de € 1.250,00 a título de danos não patrimoniais,
- ambos os arguidos deverão ainda ser condenados ao pagamento á assistente M. B. dos montantes despendidos de € €4,50 no Centro de Saúde, € 62,00 no Centro Hospitalar do Alto Minho, € 21,83 em deslocações, € 160,99 de perda salarial pela baixa reconhecida pela Perícia Médico Legal, nada mais sendo devido, pela total ausência de nexo de causalidade entre as lesões e o demais ali reclamado, como ainda pelo esperado decaimento pelo reconhecimento por esse Venerando Tribunal da invocada violação do principio da adesão.

Assim sendo, dando provimento ao presente Recurso farão V. Exas a habitual
Justiça”.

3 – Também as assistentes/demandantes cíveis M. B. e M. C., não se conformando com a decisão, vieram interpor recurso, no qual ofereceram as seguintes conclusões – expostas por alíneas e não por artigos como constitui imposição legal - (transcrição):

A) Por Douta Sentença, foram os arguidos condenados nos seguintes termos: o Arguido A. J.: 5 meses de prisão pelo crime perpetrado contra a assistente M. C. e 6 meses de prisão pelo crime perpetrado contra a assistente M. B.; Arguida M. A.: 5 meses de prisão pelo crime perpetrado contra a assistente M. C. e 6 meses de prisão pelo crime perpetrado contra a assistente M. B.; Arguida S. M.: 5 meses de prisão pelo crime perpetrado contra a assistente M. C. e 6 meses de prisão pelo crime perpetrado contra a assistente M. B.. c) Em cúmulo jurídico condenar os arguidos às seguintes penas: Arguido A. J.: 8 meses de prisão e 60 dias de multa à taxa diária de € 6,50, num total de € 390,00; Arguida M. A.: 8 meses de prisão; Arguida S. M.: 8 meses de prisão. d) Mais determino a substituição das penas de prisão aplicadas pela prestação de 240 horas de trabalho a favor da comunidade para todos os arguidos. e) Condenar os arguidos nas custas criminais do processo, nos termos dos arts. 513º do CPP, com 2 UC’s de taxa de justiça a cada um deles.
B) Em primeira linha, existe um vídeo no presente processo, que deverão V. Ex.as, Sapientes Desembargadores visualizar o mesmo, que retrata as bárbaras e cruéis agressões de que as ofendidas, aqui recorrentes foram vítimas. O referido vídeo serviu como meio de prova na Douta Acusação Pública e foi reproduzido em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, para que o Tribunal entendesse a identificação e posição das pessoas envolvidas nas agressões, ora arguidos e assistentes.
C) Em segundo plano, o presente recurso interposto limitar-se-á a uma parte da Decisão, por forma a tornar possível uma apreciação e uma decisão autónoma, nomeadamente quanto à matéria civil.
D) Com o devido respeito, não se nos afigura correcta a decisão (civil) ora posta em crise, no que respeita à apreciação do montante indemnizatório. Discorda a Recorrente com a Douta Sentença, no que concerne à quantia atribuída às Ofendidas, a título de indemnização por danos morais.
E) A Douta Sentença arbitrou as seguintes quantias às ofendidas: € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, a serem pagos pelos arguidos A. J., M. A. e S. M.; € 3.000,00 (três mil euros) a título de danos não patrimoniais, a serem pagos pelos arguidos A. J., M. A. e S. M.;
F) Destarte, as quantias fixadas, de € 3.000,00 (três mil euros) à ofendida M. C. e € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros) à M. B., são deveras insuficientes para ressarcir as ofendidas pelos DANOS, a este título sofridos, que, de acordo com os factos dados como provados, poderemos afirmar que os danos sofridos pela aqui ofendida, são de elevada dimensão.
G) Ora, o Tribunal “a quo” entendeu com base no seu critério, com recurso às regras da experiência e a juízos de equidade, atribuir uma quantia de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros) à ofendida M. B., e atribuir uma quantia de € 3.000,00 (três mil euros) à ofendida M. C., a título do danos não patrimoniais.
H) Destarte, o Ex.mo Dr. Juiz “a quo” atribuiu uma indemnização ao abrigo do art. 494º e 496º nº 3, ambos do Código Civil.
I) De igual forma, o valor da indemnização deverá tomar-se em conta que as sequelas psíquicas das agressões das quais foram vítimas, ainda subsistem na presente data, principalmente na pessoa da ofendida M. B.. Acções que deixaram um lamentável rasto de sequelas psíquicas e psicológicas nas ofendidas, e que as acompanham para o resto da vida.
J) Por outro lado, as acções sucederam, e, pela sua natureza, foram evidentemente traumáticas do ponto de vista físico e psicológico, atentos os factos dados como provados supra transcritos.
K) Como bem relata o Tribunal, na sua 9ª nota de rodapé da Douta Sentença – referindo-se às agressões perpetradas à ofendida M. C.: “Que aqui revela não como atenuante mas como agravante, pois não é aceitável que pessoas de 30 anos (e uma outra de 50) agridam uma pessoa de quase 70 anos, que por força dessa idade, já terá maiores dificuldades de defesa”.
L) Também, exemplarmente, o Tribunal considerou, relativamente à ofendida M. B. que: “Considerando novamente critérios de equidade, as lesões que sofreu, a implicação que os factos tiveram na sua vida diária, o abalo psicológico que sofreu, o facto de ter sido agredida por três pessoas e a elevada ilicitude da conduta dos arguidos, entendemos por adequado fixar quantum indemnizatório na quantia de € 3.500,00”.
M) E, na sua 11ª nota da rodapé da Douta Sentença, o Tribunal considera – e bem – que o abalo psicológico que sofreu a M. B. “aqui, bastante superior ao sofrido pela assistente M. C.”.
N) As quantias fixadas à ofendida M. B. e à ofendida M. C., só podem considerar-se meramente simbólicas, já que as condutas apuradas por parte dos arguidos/demandados, justificaria uma indemnização por danos morais mais elevada, pois, não podemos olvidar que a aqui ofendida M. B. é respeitada no meio onde se insere, e foi brutalmente e barbaramente agredida por 3 indivíduos, na qual, dois deles poderiam ser seus filhos, um (A. J.) com 25 anos e outra (S. M.) com 30 anos à data dos factos e a outra, arguida M. A., com 51 anos.
O) A aqui ofendida neste caso, estava numa situação particularmente indefesa, principalmente a ofendida M. C., com perto de 70 anos de idade.
P) Os comportamentos ilícitos dos demandados contra as recorrentes (mãe e filha), maxime agressões físicas e injúrias – dores, sofrimento, humilhação - constituem notóriamente danos não patrimoniais, que merecem tutela jurídica.
Q) De acordo com a indemnização atribuída, as Recorrentes discordam com o montante atribuído - por entender que é demasiado inferior, injusto, parco e insatisfatório, bem como, contrário ao valor atribuído pelos Tribunais Superiores.
R) Pelo que no caso sub iudice (em razão da magnitude dos danos a valorar), somos a referir o seguinte Acórdão: do Tribunal da Relação do Porto, proc. nº 183/08.1PBVLG.P2, de 15-04-2015, relator Ex.mo Desembargador AUGUSTO LOURENÇO, disponível em www.dgsi.pt. Aqui, foram os arguidos condenados solidariamente ao pagamento da quantia de € 10.000,00 ao ofendido, em consequência de um crime de ofensa à integridade física qualificada.
S) Com a devida vénia, permita-nos, Ex.mos Sr.s Dr.s Venerandos Juízes Desembargadores, referir que o Tribunal a quo que proferiu a decisão recorrida e que, com certeza, com tanta mestria elocutória presidiu aos trabalhos na Audiência de Discussão e Julgamento, proficiência essa que, infelizmente para a Justiça, não teve eco na formação da sua Decisão e, em consequência, na prolação em apreço, no que concerne à atribuição das (parcas) indemnizações.
T) Ora, a indemnização prevista no artº 496º, nº 1, do CC é, mais propriamente, uma verdadeira compensação: o objectivo que lhe preside é o de proporcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos – não é difícil de imaginar a situação das ofendidas, MÃE (M. C.) e FILHA (M. B.), que foram cobardemente agredidas por três sujeitos, 2 de 30 e 25 anos e uma outra com 51 anos, cfr. factos dados como provados e conforme visualização do vídeo que se encontra junto aos autos
U) In casu, as lesões sofridas no espírito do menor ofendido, são MUITO GRAVES, tornando tudo muito mais difícil, delicado e contingente, pois há a noção de que as ofendidas sofreram em consequência das agressões perpetradas pelos arguidos, tendo em conta os factos dados como provados…
V) Ademais, poderemos dizer com toda a franqueza que – de acordo com os factos dados como provados – que a vida das ofendidas – [principalmente a vida da ofendida M. B.] tornou-se um verdadeiro calvário, derivado dos comportamentos agressivos dos Recorridos.
W) Na verdade, o estado depressivo da assistente M. B., foi de tal forma grave, que a mesma teve ideação suicida.
X) Destarte, não atribuir uma indemnização condigna a uma situação como a descrita é desacreditar todo esse sofrimento que se vence a cada momento da vida dos Recorrentes.
Y) Como refere o STJ: «sem se cair em exageros, a indemnização deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico, impondo-se que a jurisprudência caminhe seguramente para indemnizações não miserabilistas» Ac. do STJ de 28/02/2008, proferido no Pº. 08B388, relator Cons. Custódio Montes, www.dgsi.pt.
Z) Decidindo de modo diverso, fez a Douta Sentença, má aplicação do Direito aos factos provados e violou, além de outras, as normas dos artigos 562º, 563º, 564º e 566º todos do Código Civil.
AA) Face ao exposto: a título de danos não patrimoniais, deverá ser atribuído por este digníssimo Tribunal ad quem, a quantia a fixar à ofendida M. B. a quantia entre os € 7.000,00 e os € 17.500,00; a título de danos não patrimoniais, deverá ser atribuído por este digníssimo Tribunal ad quem, a quantia a fixar à ofendida M. C. a quantia entre os €5.000,00 e os €15.100,00.

NESTES TERMOS, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado, conforme as razões supra expendidas.
Assim, farão Vossas Excelências como sempre,
JUSTIÇA.
*
4 – O Exmo. Procurador-Adjunto na primeira instância respondeu ao recurso interposto pelos arguidos, no que concerne à parte criminal, pugnando pela sua improcedência, por a decisão recorrida não merecer qualquer censura.
5 – As assistentes M. B. e M. C. também apresentaram resposta ao recurso interposto pelos arguidos, pugnando pela rejeição do mesmo na parte referente à impugnação da matéria de facto por violação grosseira preceituado no art. 412º do CPP e concluindo pela sua improcedência e manutenção da decisão recorrida.
6 – Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, subscrevendo a posição já expressa pelo Ministério Público na primeira instância e pugnando pela improcedência do recurso interposto pelos arguidos.
7 – No âmbito do disposto no art. 417º, nº 2, do CPP, não houve qualquer resposta.
8 – Colhidos os vistos, procedeu-se à realização da conferência, por o recurso aí dever ser julgado - artigo 419º, al. c), do Código de Processo Penal.
* * *
II – Fundamentação

1 - O objeto do recurso define-se pelas conclusões extraídas pelos recorrentes da respetiva motivação - artº 412º, n1, do Código de Processo Penal e jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ nº 7/95, de 19/10, publicado no DR de 28/12/1995, série I-A -, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as cominadas com a nulidade de sentença, com vícios da decisão e com nulidades não sanadas - artigos 379º e 410º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal (cfr. Acórdãos do STJ de 25/06/98, in BMJ nº 478, pág. 242; de 03/02/99, in BMJ nº 484, pág. 271; Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, vol. III, págs. 320 e ss; Simas Santos/Leal Henriques, “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 3ª edição, pág. 48).

2 – As questões a apreciar são, numa síntese possível, as seguintes:
- Alteração da factualidade provada (por não terem sido devidamente valorizadas as declarações do arguido A. J. e o depoimento da testemunha V. V. e, inclusive, por ter sido dada como provada matéria que não constava da acusação pública e que não foi aditada pela comunicada alteração não substancial dos factos), com a consequente absolvição do arguido A. J. dos crimes de injúria;
- Violação do princípio da adesão (por ter sido considerada provada matéria não constante da acusação pública e não aditada a ela, impondo a absolvição dos demandados em sede de dano patrimonial ou a redução do montante destes);
- Absolvição criminal da arguida S. M. (por não estarem preenchidos os requisitos da co-autoria); com a subsequente desqualificação dos crimes de ofensa à integridade física por que os demais arguidos foram condenados (e redução das penas aplicadas a 6 meses de prisão, substituídas por 180 dias de multa);
- Redução das quantias indemnizatórias arbitradas a título de danos não patrimoniais, circunscrevendo-se os danos patrimoniais às despesas médicas e hospitalares suportadas, às deslocações e à perda salarial reconhecida na perícia médico-legal;
- Manifesta insuficiência dos montantes fixados a título de danos não patrimoniais, atenta a elevada dimensão dos danos.

3 – Fundamentação constante da sentença recorrida (transcrição):

Factos Provados

Da audiência de julgamento resultaram provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos:

1º) No dia 12 de Abril de 2017, cerca das 11H00, o arguido A. J., conduzia um trator agrícola na Rua …, freguesia de ..., Vila Nova de Cerveira.
2º) Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar as assistentes M. B., nascida em -/9/1969, e M. C., nascida em -/02/1949, encontravam-se a cortar lenha no interior da propriedade de um vizinho de ambas.
3º) Ao passar por essa propriedade, o arguido A. J. parou e buzinou chamando a atenção das assistentes.
4º) Nesse momento, o arguido A. J. dirigiu-se às assistentes M. B. e M. C. dizendo “vós sois umas grandes putas”, e “vocês querem é disto” (colocando a mão sobre o seu órgão genital).
5º) Ato contínuo, as assistentes dirigiram-se ao arguido, altura em que após uma troca de palavras entre todos, a assistente M. B. deu uma palmada no trator.
6º) Após, o arguido A. J. desceu do trator para se travar de razões com as assistentes.
7º) Nesse momento, as arguidas M. A., empunhando um pau de características não apuradas, e S. M. apareceram a correr no local.
8º) Altura em que o arguido A. J. desferiu um pontapé na zona abdominal da assistente M. C. que a deixou prostrada no solo.
9º) A arguida M. A. desferiu um golpe com o pau que empunhava no corpo da assistente M. B. e puxou-a até que esta caiu ao chão, após o que foi pontapeada pelo arguido A. J., que abandonou o local.
10º) Quer no solo, quer após a assistente M. B. se ter levantado, a arguida M. A. desferiu-lhe murros pelo corpo todo.
11º) Porquanto a assistente M. C. se levantou e tentou pôr termo à contenda, a arguida S. M. empurrou-a e lançou-a novamente no solo.
12º) Ato contínuo dirigiu-se a assistente M. B. e empurrou-a.
13º) Como consequência do descrito em 6º a 12º, sofreu a assistente M. C., equimose de cor acastanhada com 1 cm na região parietal esquerda, equimose com 1 cm na face posterior do cotovelo, equimose com 10x5cm na nádega esquerda, dores por todo o corpo o que determinou 9 dias para a cura com 2 dias de afetação da capacidade de trabalho geral.
14º) Como consequência do descrito em 6º a 12º, sofreu a assistente M. B., escoriação com 4 cm na face posterior do cotovelo direito, 4 equimoses com 2 cm na face anterior e lateral da coxa esquerda, dores no corpo todo o que determinou 10 dias para a cura com 1 dia de afetação da capacidade de trabalho geral e 10 dias de afetação da capacidade de trabalho profissional.
15º) Os arguidos atuaram livremente, em conjugação de esforços e vontades, mediante a execução de um plano a que todos aderiram, usando para o efeito a sua superioridade numérica, sabendo e representando que atuavam acompanhados por mais duas pessoas e que dessa forma exponenciavam o resultado e as consequências da sua atuação, visando ofender, como ofenderam o corpo e a saúde das assistentes o que quiseram e realizaram.
16º) O arguido A. J., ao agir do modo descrito em 4º quis ofender a honra e consideração das assistentes.
17º) Agiram livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que praticavam factos proibidos e punidos por lei.

Dos pedidos cíveis

18º) Após os factos referidos em 4º a assistente M. B. sentiu-se triste, envergonhada e ofendida.
19º) Após os factos referidos em 4º a assistente M. C. sentiu-se triste, envergonhada e ofendida.
20º) A assistente M. C. deslocou-se ao Centro de saúde de Cerveira e ao Hospital de Viana, onde recebeu tratamento hospitalar, tendo despendido € 30,10 nesses tratamentos.
21º) Foi apresentar queixa à GNR de Cerveira, que dista 8km da sua residência (Rua da ..., ..., Cerveira) e deslocou-se ao IML de Viana, que dista 45km da sua residência, para ser submetida a exame pericial.
22º) Sentiu dores e mal-estar por todo o corpo.
23º) Sentiu-se envergonha e humilhada perante as agressões que sofreu.
24º) Tem receio de caminhar sozinha pelas ruas ou de andar de bicicleta, fazendo-se sempre acompanhar por alguém.
25º) A assistente M. B. deslocou-se ao Centro de saúde de Cerveira e ao Hospital de Viana, onde recebeu tratamento hospitalar.
26º) No Centro de Saúde de Cerveira despendeu € 4,50.
27º) No Hospital de Viana despendeu € 62,00.
28º) Foi apresentar queixa à GNR, que dista 8,5km da sua residência (Avenida …, ..., Cerveira) e deslocou-se ao IML, que dista 45km da sua residência, para ser submetida a exame pericial.
29º) Sentiu dores e mal-estar por todo o corpo.
30º) Em virtude dos factos descritos supra, sofreu insónias e pesadelos, o que a levou a consultar o seu médico de família em 25/04/2017 e 14/05/2017.
31º) Encontra-se a realizar consultas de psiquiatria desde o início de 2018.
32º) Despendeu € 60,00 em consultas de psiquiatria.
33º) Despendeu 179,68 em medicamentos de foro psiquiátrico.
34º) Sofreu cefaleias e cervicalgias.
35º) Tem pensamentos suicidas.
36º) Em 2014 e 2015 a assistente foi observada por médico de psiquiatria por perturbação da adaptação, estando medicada desde então com antidepressivo e ansiolítico.
37º) É operária de profissão, auferindo, antes dos factos € 710,00 a título de salário.
38º) Devido aos dez dias de convalescença, no mês de Abril de 2017 auferiu € 549,01.
39º) Está de baixa médica desde 29/12/2017, auferindo a quantia mensal de € 515,70.
40º) Sentiu-se envergonhada, vexada e humilhada
41º) Tem receio de caminhar sozinha pelas ruas, fazendo-se sempre acompanhar por alguém.

Das condições pessoais:

42º) O arguido A. J. tem o 9º ano de escolaridade. Vive com a sua companheira há cerca de um ano e meio. Tem uma filha, de oito anos de idade, que vive com a mãe. Mantém contactos regulares com a filha. O arguido dedica-se à produção de amoras, auferindo mensalmente um salário de € 740,00 mensais. A companheira também trabalha, auferindo um salário mínimo nacional. Tem as despesas habituais da sua situação pessoal e familiar.
43º) A arguida M. A. tem a 4ª classe de escolaridade. Começou a trabalhar aos 13 anos numa padaria. Casou com 23 anos e tem dois filhos. Vive em casa própria com o marido. Está desempregada. Entre janeiro e julho trabalha na produção de amoras.
44º) A arguida S. M. tem o 12º ano de escolaridade. Após concluir os estudos começou a trabalhar na panificação. Tem um filho de 5 anos do ex-marido. Atualmente reside com a mãe, o seu filho e o seu irmão. Trabalha na panificação, auferindo o vencimento mínimo nacional.
45º) Os arguidos não têm antecedentes criminais registados.

Factos não provados

De relevante para a decisão da causa, não se provou que:
a) A arguida M. A. desferiu pontapés no corpo da assistente M. B..
b) A arguida S. M. desferiu murros no corpo da assistente M. B..
c) A assistente M. C. tomou alprazolam para se acalmar.
d) Adquiriu medicamentos para combater as dores e as equimoses tendo despendido uma quantia de € 40,00.
e) A sua relação conjugal ficou abalada.
f) Sente-se apática e desmotivada.
g) Foi alvo de curiosidade dos que com ela se cruzam na rua onde reside.
h) Tem pesadelos e não consegue dormir.
i) A M. B. despendeu a quantia de € 568,00 para aquisição de novos óculos uma vez que os seus ficaram danificados aquando dos factos referidos supra.
j) Adquiriu medicamentos para combater as dores e as equimoses tendo despendido uma quantia de € 40,00.
k) E despendeu 184,00 euros em taxas moderadoras.
**
Motivação da decisão de facto

O Tribunal formou a sua convicção com base na valoração conjunta e crítica da prova produzida em sede de audiência de julgamento, nos documentos juntos aos autos e nas regras da experiência comum e da lógica.
Tendo presente a matriz da livre apreciação probatória (art. 127º do CPP), o Tribunal atendeu aos meios de prova a seguir indicados na sua essencialidade, não só pelo seu valor individual, mas sobretudo pela sua concatenação geral.
Assim, importa começar por referir que o caso dos autos tem uma particularidade. Existe um vídeo no qual é possível visualizar tudo que ocorreu naquele dia 12/04/2017. Essa prova é fundamental na medida em que permite suprir as imprecisões e os lapsos de memória dos intervenientes.
Apenas os arguidos A. J., M. A. e S. M. e as assistentes M. B. e M. C. participaram nos factos.
Além dos participantes da contenda, apenas a testemunha C. R., operária fabril, e colega de trabalho da assistente M. B., referiu ao Tribunal ter-se deslocado à habitação das assistentes (local onde se encontra a câmara que filmou os factos). Disse que desse local ouviu o trator a apitar e que ouviu uma discussão entre o arguido e as assistentes. Disse também que assistiu às agressões, ainda que de um local que não lhe permite ter a perceção exata do que ocorreu.
Seja como for, as declarações dos arguidos e das assistentes foram, como era de esperar, algo divergentes, o que se explica por dois motivos – os factos ocorreram há mais de dois anos, no espaço de dois minutos e os intervenientes têm o seu ponto de vista que diverge consoante a qualidade que assumem no processo, os arguidos tentam relativizar os factos e as assistentes exageraram um pouco na descrição das agressões.
Como se disse, existe um vídeo que põe termo às dúvidas que possam surgir. Esse vídeo consta de suporte CD ROM, junto a fls. 211, vídeo 1. Os factos relevantes para a decisão da causa consta dos ficheiros “1.avi”, minuto 6,15 (chegada das assistentes) e sobretudo a partir do minuto 8,35 (chegada do arguido A. J. de trator). A gravação continua no ficheiro “2.avi”, de onde consta a parte final da contenda (desde o seu início).
Nesse vídeo vê-se a assistente M. B. com uma camisola vermelha e a assistente M. C. com uma camisa escura e mangas brancas.
Quanto aos arguidos, o único homem é o arguido A. J.; a arguida M. A. está vestida com t-shirt branca e a arguida S. M. de camisa azul (ambas chegam mais tarde à contenda).
Assim, o arguido A. J. confirmou o ponto 1º e as assistentes confirmaram o ponto 2º. Foram juntas em audiência as certidões de nascimento das assistentes.
Apesar de no vídeo constar uma hora diferente, os participantes referiram que os factos ocorreram por volta das 11H00, facto que não foi contestado.
Da análise do vídeo é possível perceber que o arguido A. J. conduzia um trator agrícola e parou à porta do local onde se encontravam as assistentes. Das declarações das assistentes resulta que o arguido terá buzinado (ponto 3º) e de seguida proferiu as expressões mencionadas no ponto 4º.
As declarações das assistentes parecerem-nos credíveis quanto a estes dois pontos. Os seus depoimentos foram consentâneos e convenceram o Tribunal da veracidade daqueles factos. De facto, algo originou a discussão que se seguiu. Ainda que o arguido A. J. tenha negado ter proferido as expressões em questão, os depoimentos das assistentes, pelos motivos expostos, levam-nos a considerar que o arguido buzinou e proferiu aquelas expressões, originando toda a contenda que se seguiu.


Os restantes pontos de factos (5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11º e 12º) resultam da análise do vídeo já mencionado. O mesmo é claro quanto à atuação de cada um dos intervenientes. Nele é possível ver:

- a assistente M. B. dar uma palmada no trator;
- a discussão que se seguiu;
- a chegada das arguidas M. A. e S. M.;
- o início da contenda, sendo que as agressões só se iniciaram com a chegada das arguidas M. A. e S. M.;
- o arguido A. J. a dar um pontapé na zona abdominal da assistente M. C.;
- a arguida M. A. a desferir um golpe com um pau que empunhava no corpo da assistente M. B. e a puxá-la, tombando-a no solo;
- o pontapé que o arguido A. J. deu na assistente M. B., quando esta estava no chão;
- o arguido A. J. a abandonar o local após esse pontapé;
- a arguida M. A. a esmurrar (e não a pontapear) a assistente M. B.;
- a arguida S. M. a empurrar a assistente M. C., que caiu ao solo, e, de seguida, a empurrar (e não a pontapear) a assistente M. B..

Pelos motivos expostos, os pontos 1º a 12º resultam provados. Como se disse a prova ficou facilitada face à existência do vídeo, o qual dissipa as dúvidas que poderiam surgir da valoração da prova através das declarações de arguidos e assistentes.
As lesões sofridas pelas assistentes (pontos 13º e 14º) resultam provadas por força do teor dos relatórios periciais juntos a fls. 31-33 (quanto à assistente M. C.) e 36-38 (assistente M. B.) do apenso A. Com efeito, o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador (art. 163º do CPP).
Os pontos 15º a 17º, referentes ao elemento intelectual e volitivo da culpa dos arguidos, foram considerados provados pelo tribunal a partir das circunstâncias de facto supra assentes, analisadas à luz das regras da experiência comum, uma vez que os factos objetivos dados como provados permitem e impõem concluir pela sua verificação. Na verdade, dúvidas não restam de que o arguido A. J. quis ofender a honra e consideração das assistentes ao proferir as expressões referidas em 4º (ponto 16º). Além disso, no que se refere ao ponto 15º, a factualidade objetiva dada como provada, conjugada com as regras da experiência, leva-nos a concluir que os arguidos agiram em comunhão de esforços, conhecedores de que atuavam com superioridade numérica contra as assistentes, não lhes deixando grandes hipóteses de se defenderem exponenciando o resultado da sua atuação, e querendo ofender o corpo e a saúde destas, como ofenderam. Também resulta a existência de um plano/acordo tácito dos arguidos a que todos aderiram, embora não se tenha apurado se esse plano havia sido previamente traçado ou se apenas foi aceite por todos no início da contenda.
*
Dos pedidos cíveis

No que concerne aos pontos 18º e 19º, o Tribunal levou em consideração as declarações das assistentes conjugadas com as regras da experiência comum. Com efeito, é perfeitamente normal que alguém a quem tenham dito “vocês são umas putas” fique triste e envergonhada com essa situação. As assistentes demonstraram isso mesmo em audiência tendo confirmado que ficaram algo indignadas com as expressões proferidas. O marido da assistente M. B., V. B., reiterou esse desconforto das assistentes perante as afirmações que lhes foram dirigidas.
Relativamente ao ponto 20º, foram juntos aos autos os documentos de fls. 295-299, dos quais resulta que a assistente M. C. se deslocou ao Centro de Saúde de Cerveira e ao Hospital de Viana, onde recebeu tratamento hospitalar, tendo despendido € 30,10 nesses tratamentos. Esses factos foram corroborados pela própria, sendo que os documentos não foram impugnados.
O ponto 21º também resulta documentalmente provado. Está junta aos autos queixa apresentada na GNR e o resultado do exame realizado no IML (fls. 4 e ss. do apenso A e 31 e ss. também desse apenso). As distâncias entre localidades são factos notórios e a residência da assistente está provada com base na queixa apresentada na GNR.
O ponto 22º está provado não só por força das regras da experiência comum, mas também com base nas declarações da assistente M. C., conjugadas com o relatório pericial de fls. 31-33 do apenso A, de onde resulta claro que esta sofreu lesões e, consequentemente, dores.
Os pontos 23º e 24º resultam provados por força das declarações da assistente M. C., conjugadas com as declarações das testemunhas V. B., M. M., amiga das assistentes, P. M., Cabo da GNR e amigo das assistentes, A. R., amigo das assistentes. Todos confirmaram que a assistente M. C. ficou muito abalada com os factos. Atenta a sua idade, quase 70 anos, esta teve dificuldades em reagir às agressões. Mais referiram que a mesma sente receio de andar sozinha na rua. As regras da experiência comum ajudam também o Tribunal a dar como provados estes factos. Sobretudo o facto 23º. É natural que perante as agressões que sofreu a assistente se tenha sentido naquele estado. Já quanto ao ponto 24º as declarações supra mencionadas foram todas no mesmo sentido, pareceram-nos credíveis e não exageradas e permitiram perceber o abalo psicológico sofrido pela assistente M. C. transposto para o facto em apreço.
*
No que concerne à assistente M. B., o ponto 25º resulta provado por força dos documentos de fls. 327 a 334, que comprovam as deslocações ao Centro de Saúde de Cerveira e ao Hospital de Viana para receber tratamento hospitalar, factos confirmados pela assistente e pelo seu marido V. B.. Estes documentos permitem também perceber quais os tratamentos e exames que lhe foram ministrados.
Os custos dessas deslocações (pontos 26º e 27º) resultam provados por via dos recibos de fls. 336 e 337, não impugnados, confirmados pela assistente M. B. durante o seu depoimento.
O ponto 28º também resulta documentalmente provado. Está junta aos autos queixa apresentada na GNR e o resultado do exame realizado no IML (fls. 4 e ss. e 36 e ss. do apenso A). As distâncias entre localidades são factos notórios e a residência da assistente está provada com base na queixa apresentada na GNR.
O ponto 29º está provado não só por força das regras da experiência comum, mas também com base nas declarações da assistente M. B., conjugadas com o relatório pericial de fls. 36-38 do apenso A, de onde resulta claro que esta sofreu lesões e, consequentemente, dores.
No que concerne ao ponto 30º, estão juntos aos autos os comprovativos das consultas realizadas – fls. 348-349. Além disso, o depoimento do marido da assistente, V. B., apesar da relação familiar existente, foi bastante emotivo, mas ao mesmo tempo, verdadeiro e sincero. Esta testemunha relatou ao Tribunal as dificuldades da assistente em assimilar tudo o que lhe havia acontecido, os pesadelos e a dificuldade em dormir. A própria assistente relatou esses factos. Além disso, as testemunhas M. M. e C. R., colegas de trabalho da assistente, referiram as dificuldades que esta teve em voltar ao trabalho. Disseram que a assistente ainda voltou a trabalhar, mas só chorava devido aos factos que tinha vivenciado, o que acabou por levá-la a deixar o emprego. Outras testemunhas, como P. M. e A. R., amigos da assistente, também confirmaram estas dificuldades de readaptação da assistente. A corroborar todos estes elementos, constam dos autos os relatórios de psiquiatria de fls. 351 e 354 que atestam essa fragilidade da assistente em virtude dos factos ocorridos.
E com base nestes elementos, foram julgados provados não só o ponto 30º, mas também os pontos 31º, 34º e 35º. Na verdade, na falta de exame psiquiátrico, a prova teve por base a prova testemunhal e documental junta aos autos. O Tribunal convenceu-se, com base na prova acima identificada, de que, de facto, a assistente M. B. sofreu aqueles problemas psicológicos em virtude dos factos praticados pelos arguidos e não por qualquer outro motivo.
O ponto 32º resulta provado por força do recibo de fls. 346, conjugado com a demais prova atrás mencionada.
Já o ponto 33º resulta provado uma vez que, além de todos os elementos já citados, que nos levam a considerar as dificuldades emocionais sentidas pela assistente, constam dos autos recibos da aquisição dos medicamentos em causa (fls. 339-345). Alguns deles constam em nome do marido da assistente, o qual explicou, convencendo o Tribunal, que já é conhecido na farmácia e que por isso às vezes os medicamentos eram adquiridos em seu nome.
Os relatórios psiquiátricos de fls. 351 e 354 e os documentos de fls. 349 permitem perceber que a assistente já padecia de problemas do foro psiquiátrico antes dos acontecimentos aqui em apreço (ponto 36º).
O ponto 37º resulta das declarações conjugadas da assistente e do seu marido, das testemunhas M. M. e C. R., colegas de trabalho da assistente e do documento de fls 352 (recibo de remunerações do mês de Outubro de 2017).
O ponto 38º resulta provado por força do documento de fls. 353 o qual reflete o valor recebido pela assistente no mês em que ocorreram os factos.
O ponto 39º resulta provado por força dos documentos de fls. 355-367 (certificados de incapacidade temporária) e 368-378 (comprovativos dos recebimentos da quantia paga pela baixa médica).
No que se reporta aos pontos 40º e 41º, cabe referir que os mesmos são quase uma decorrência lógica da demais factualidade provada. A assistente sente medo, está de baixa, foi seguida por psiquiatra por via destes factos. Também resultou provado por força dos depoimentos já atrás mencionados, sobretudo o do seu marido, das testemunhas P. M., B. M., filho da assistente, E. C., que a assistente tem bastante medo de andar sozinha na rua, nomeadamente de que volte a acontecer uma situação como a dos autos.
*
As condições pessoais dos arguidos resultam do teor dos relatórios sociais juntos aos autos a fls. 416 e ss..
A inexistência de antecedentes criminais resulta do teor dos CRC dos arguidos juntos aos autos antes de audiência de julgamento (fls. 396-398).
**
Os factos não provados assim foram consideradas por, na minha convicção e nos termos supra explicitados, a prova produzida e colhida nos autos não ter conduzido a diversa qualificação dos mesmos, nomeadamente por as testemunhas indicadas não terem revelado possuir conhecimentos concretos, objetivos e convincentes sobre a referida matéria controvertida e por os demais meios de prova produzidos não terem sido de molde a formar uma certeza jurídica quanto à verificação desses factos.
Com efeito, já atrás nos referimos aos factos a) e b), considerando que não resultaram provados aquelas agressões concretas.
Não foi produzida prova documental nem testemunhal credível dos pontos c), d) e), f), g) e h) relativo aos danos sofridos pela assistente M. C..
Do mesmo modo, a assistente M. B. não provou os factos i), j), k). Foi junta uma fatura de aquisição de uns óculos mas datada de 11/12/2018 (fls. 338), muito posterior à data dos factos. Quanto ao ponto j) consta dos autos apenas uma guia de tratamento (fls. 335), mas não consta qualquer documento que comprove a aquisição desses medicamentos. No que concerne ao ponto k) não constam dos autos documentos cabais que titulem aquelas despesas.
*
Por fim, a matéria não elencada nos factos provados, nem nos infirmados, foi considerada meramente impugnatória, redundante e/ou de natureza conclusiva ou de direito.
Importa apenas referir que no seu depoimento o arguido A. J. mencionou que no dia dos factos, mas umas horas antes, as assistentes passaram por si e o ameaçaram. As assistentes negam este facto. Deve referir-se que em sede de inquérito essa factualidade foi tida em conta tendo sido arquivado o processo quanto ao crime de ameaça, não tendo o arguido A. J. reagido contra esse despacho. Deste modo, essa factualidade está fora do objeto destes autos, não podendo ser tido em conta nesta sede.”
*
III - Apreciação do recurso

São as questões sumariadas nas conclusões dos recursos que fixam os seus limites, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as relativas à nulidade da sentença, aos vícios da decisão e às nulidades não sanadas.

Assinale-se, desde já, que não se vislumbram quaisquer nulidades de que cumpra conhecer.

No que respeita a questões de conhecimento oficioso, preceitua o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, que: “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.”
Os recorrentes não invocam qualquer um destes vícios, nem os mesmos se alcançam da leitura da decisão recorrida, nada havendo a conhecer neste âmbito.
*
Os recorrentes/arguidos impugnam a matéria de facto dada como provada, pretendendo a sua alteração.
Nos termos do disposto no artº 428º, nº 1, do Código de Processo Penal, “as relações conhecem de facto e de direito.”
É comummente sabido que a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: num âmbito mais restrito, dos vícios descritos no artº 410º, nº 2, do CPP, a chamada “revista alargada” (já supra referida), ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que alude o artº 412º, nº 3, 4 e 6 do mesmo código.
Na impugnação ampla da matéria de facto, a apreciação não se cinge ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova, toda ela documentada, produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do artº 412º do CPP.
É consabido que, havendo impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, sendo antes um remédio, remédio jurídico, para evitar erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como foi apreciada e ponderada a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto indicados pelo recorrente.
“O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total dos acervos dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa”
Precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo - mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar - impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º3, do C.P. Penal:

“Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.»

A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.
A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Para dar cumprimento a estas exigências legais tem o recorrente de especificar quais os pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, quais os segmentos dos depoimentos que impõem decisão diversa da recorrida e quais os suportes técnicos em que eles se encontram, com referência às concretas passagens gravadas.

Como realçou o S.T.J., em acórdão de 12 de Junho de 2008 (Processo:07P4375, in www.dgsi.pt), a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:

- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações;
- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso;
- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º 3 do citado artigo 412.º].

No caso em apreço, assinale-se que os arguidos/recorrentes se limitam a discordar da matéria de facto dada como assente, efectuando uma diferente leitura da prova (valorizando as suas declarações e o depoimento da testemunha V. V. – que não assistiu aos factos -, em detrimento das declarações da assistente), mas admitindo que o arguido A. J. “ao passar pelas assistentes parou o trator, virando a cara para elas e pedindo satisfações”, acabando por “descer dele para se travar de razões com a M. B.”.
O que nega é que tenha proferido as expressões verbais e gestuais injuriosas: “4º) Nesse momento, o arguido A. J. dirigiu-se às assistentes M. B. e M. C. dizendo “vós sois umas grandes putas”, e “vocês querem é disto” (colocando a mão sobre o seu órgão genital).”
O Tribunal recorrido, concatenando os diversos meios de prova (com acentuado relevo nas imagens gravadas) e fazendo uso da imediação e da oralidade, atribuiu crédito às declarações da assistente, em detrimento das do arguido A. J., sem evidenciar qualquer erro patente de julgamento ou arbitrariedade e sem violação das regras da experiência e da lógica e motivando as razões dessa opção (perfeitamente plausível) de forma clara e de acordo com as regras da lógica, do bom senso e da experiência comum.
Na verdade, os recorrentes limitam-se a fazer uma diversa interpretação da prova produzida, mas não indicam provas que imponham uma diferente decisão, o que inviabiliza a pretendida alteração (também por falta de cumprimento do citado ónus de especificação).
*
Ainda quanto à matéria de facto assente, entendem os arguidos/ /recorrentes que os factos provados constantes dos pontos 31º a 35º e 39º têm que ser tidos como não provados, porque “não constam da acusação e nem a esta foram juntos em sede de alteração não substancial dos factos”.

Recordemos o teor de tais pontos:

“31º) Encontra-se a realizar consultas de psiquiatria desde o início de 2018.
32º) Despendeu € 60,00 em consultas de psiquiatria.
33º) Despendeu 179,68 em medicamentos de foro psiquiátrico.
34º) Sofreu cefaleias e cervicalgias.
35º) Tem pensamentos suicidas.
39º) Está de baixa médica desde 29/12/2017, auferindo a quantia mensal de € 515,70.”

Os recorrentes têm inteira razão quando alegam que tais factos não constam das acusações (pública ou particulares).
Porém, nos autos foram também formulados pedidos cíveis de indemnização pelas ofendidas/assistentes, que foram recebidos (fls. 395) e notificados aos arguidos/demandados (fls. 408 a 410)..

No caso concreto de um dos pedidos deduzidos pela lesada M. B. (cfr. fls. 311 a 378), esta alegou (por referência aos artigos do requerimento):

- 21º: que despendeu € 60,00 em consultas de psiquiatria (juntando o comprovativo, documento nº 11);
- 20º: que despendeu € 179,68 em medicamentos do foro psicológico (tendo juntado o documento comprovativo nº 10);
- 28º: em consequência das agressões sofreu cefaleias e cervicalgias;
- 29º: em consequência das agressões padece de ideias suicidas;
- 34º: também em consequência das agressões foi obrigada a recorrer a consultas de psiquiatria, que perduram até aos dias de hoje (juntando o relatório médico, documento nº 15);
- 38º: aufere a quantia média mensal de €515,70, por se encontrar de baixa médica (juntando os certificados de incapacidade temporária para o trabalho, documentos 19 a 31).

Tais factos, dados como assentes, dizem respeito a consequências dos ilícitos cometidos, sejam os dispêndios médicos e medicamentosos ou outros danos emergentes e lucros cessantes.
Teriam eles que constar da(s) acusação(ões)?
Obviamente que a resposta é negativa.
Da acusação têm que constar, entre outros, “os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, (…)” – cfr. art. 283º, nº 3, al. b), do CPP – ou seja, os factos ilícitos praticados pelo(s) arguido(s).
Coisa bem diferente são as consequências daí advindas! Estas (os danos ocasionados pelo crime) não têm que constar da acusação, mas do pedido cível formulado nos termos do disposto nos arts. 71º e segs. do CPP, competindo ao lesado sustentar o alegado.
Assim sendo, não se consegue alcançar a invocada necessidade de alteração não substancial dos factos descritos na acusação para que o Tribunal possa conhecer e “condenar em sede de dano patrimonial”, nem a alegada violação do princípio da adesão.
Este princípio, consagrado no art. 71º do CPP, limita-se a consignar que o pedido cível de indemnização fundado na prática de um crime tem que ser deduzido (salvo os casos contados descritos no artigo seguinte) no respectivo processo penal.
Os recorrentes invocam (e anexam o sumário) de um acórdão deste Tribunal da Relação (de 02/07/2018, proferido no proc. 145/13.7GAPTL.G1), em defesa da tese que propugnam.

Do referido sumário anexado (fls. 470-vº), resulta que (transcrição):

“(…)
II) Tem vindo a ser pacificamente aceite na doutrina e na jurisprudência que o pedido de indemnização civil a deduzir no processo penal, tem de ter como causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e petos quais o arguido se encontra acusado ou pronunciado no processo em que é formulado o pedido.
III) No caso vertente, verifica-se que os demandantes no pedido cível que deduziram, articularam determinados factos que não estão relacionados com factos/crime porque o arguido/recorrente foi acusado e, por isso, ao não estarem reunidos os pressupostos para que ao abrigo do princípio da adesão, consagrado no art° 71º do CPP, pudesse ser formulado, no âmbito deste processo, deveria nesta parte, o pedido cível ter sido liminarmente rejeitado.
(…)”.
Ora, como bem se vê, a tese consagrada no sumário é precisamente a antítese do pretendido pelos recorrentes.
A causa de pedir no pedido cível enxertado são os factos ilícitos imputados e, portanto, também pressuposto da responsabilidade penal. E o pedido é o dano causado pelo crime, deste emergente.
O que, cristalinamente, se afirma no sumário é que não podem ser pedidos no processo penal os danos resultantes de causas não relacionadas com o crime. Não foi o que sucedeu no caso em apreço, cujos danos resultam do ilícito cometido.
Em suma, os recorrentes foram notificados do pedido cível formulado, podiam tê-lo contestado – sendo certo que nenhuma consequência advém da falta de contestação - e arrolado a pertinente prova (testemunhal, documental, pericial, etc.). Não o tendo feito e resultando essa factualidade provada, o que não podem é vir invocar a proibição de o Tribunal deles conhecer.
Improcede, nesta parte, o recurso dos arguidos.
*
Os arguidos/recorrentes também sustentam ser manifesto que a arguida S. M. “deve ser absolvida, por não estarem preenchidos quaisquer dos requisitos da co-autoria, (…)”, com a consequente desqualificação dos ilícitos e necessária redução das penas aplicadas – conclusões 12 e segs.
Para este efeito, os recorrentes - depois de exporem a versão dos factos que, na sua ótica, resulta das imagens gravadas - alegam que, em síntese, “”o próprio Tribunal reconheceu que (…) a S. M. não agrediu ninguém, unicamente referindo em sede de motivação que: “a arguida S. M. empurrou a Assistente M. C., que caiu ao solo, e, de seguida, empurrou (e não pontapeou) a assistente M. B.””, concluindo que é “muito pouco, é mesmo pobre esta fundamentação para uma co-autoria (…)”. Remata que “assim não pareceu ao Julgador, (…) só se percebendo estas imprecisões com a falta de frieza no visionamento das imagens, (…)”.
A factualidade provada é insindicável por não existirem vícios decisórios (art. 410º, nº 2, do CPP) e perante a improcedência da impugnação ampla.

O Tribunal recorrido analisou a conduta levada a cabo pela arguida S. M. (pontos 11º e 12º dos factos provados) e apreciou a co-autoria nos seguintes termos (transcrição):

“A arguida S. M., porquanto a assistente M. C., se levantou e tentou pôr termo à contenda, empurrou-a e lançou-a novamente no solo. Depois dirigiu-se à assistente M. B. e empurrou-a”.
(Quanto à co-autoria):
“Atenta a factualidade considerada provada pode discutir-se se os arguidos atuaram de forma conjunta ou isolada, isto é, se praticaram os factos em coautoria ou individualmente.
Decorre do disposto no art. 26º do CP que “é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”.
Da análise deste artigo é possível distinguir as diversas formas de autoria previstas na lei (imediata, mediata, coautoria e instigação).
Na coautoria é indispensável uma decisão conjunta e uma execução conjunta da decisão.
Enquanto o autor singular executa o facto por si mesmo, o coautor toma parte direta na sua execução e fá-lo por acordo ou juntamente com outro ou outros (assim, MIGUEZ GARCIA, Código Penal – Parte geral e especial, Almedina, 2014, p. 194).
Na coautoria o coautor não domina o facto nem por si mesmo, nem por intermédio de outro, mas sim em conjunto com outro ou outros. Como refere FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Parte Geral, T1, p. 791, estamos perante uma situação de condomínio do facto. O que existe de característico na coautoria é a existência, por um lado de uma decisão conjunta, por outro lado de uma determinada medida de significado funcional da contribuição do co-autor para a realização típica. Deste modo, a atuação de cada coautor, no papel que lhe é destinado, apresenta-se como momento essencial da execução de um plano comum, ou, dito de outro modo, constitui a realização da tarefa que lhe cabe na divisão de trabalho que representa mesmo a essência desta forma de autoria.
Apesar de a lei começar por fazer assentar a coautoria num acordo prévio, bastará a consciência e vontade da colaboração de várias pessoas na realização dum tipo legal de crime. Como refere FARIA COSTA, Jornadas de Direito Penal, p. 170, para definir uma decisão conjunta parece bastar a existência da consciência e vontade de colaboração de várias pessoas na realização de um tipo legal de crime. É evidente que a forma mis nítida, comum e normal, de adesão de vontades na realização de uma figura típica é o acordo prévio, que pode ser mesmo tácito.

No caso dos autos verificamos que os arguidos atuaram em conjugação de esforços e vontades, mediante um acordo que foi aceite por todos. Deve referir-se que o acordo não tem de ser expresso, podendo ser tácito, como ocorreu neste caso.
Na verdade, apesar de os arguidos não terem praticado todos os atos individualmente, todos eles participaram nas agressões às assistentes, dividindo tarefas e aceitando o resultado que daí adveio. Há assim uma vontade coletiva de agredir as assistentes, independentemente dos factos praticados por cada um isoladamente. E esta vontade coletiva é caraterística da coautoria.
Deste modo, e em conclusão, todos os arguidos quiseram agir do modo descrito. Assim, há que concluir que se verifica uma situação de coautoria quanto aos dois crimes de ofensa à integridade física qualificada.”
A pretensão recursiva parece assentar na menor intensidade da ação concreta desenvolvida, isoladamente, pela arguida S. M. (esta circunscreveu a sua acção a um empurrão a cada uma das assistentes, enquanto os demais arguidos desferiram pontapés e usaram um pau/vara para agredir).
Sem sombra de dúvida que a acção da arguida S. M., de per si, não foi tão grave como a dos demais.
O problema é que o que resultou demonstrado é que os arguidos se “aliaram” para agredir as assistentes, cada um deles desenvolvendo uma parte desse objectivo (comum).
As assistentes não foram agredidas isoladamente por qualquer um dos arguidos!
Foram pelos três, conjuntamente, tendo cada um deles desempenhado a sua tarefa de modo a alcançar o fim pretendido.
Por isso é que, quando a M. C. se levantou para tentar pôr termo à contenda, a S. M. a empurrou, lançando-a ao solo, para obstar àquele desiderato. E, seguidamente, empurrou também a M. B..
A arguida S. M. tomou parte direta na execução do crime, por acordo ou juntamente com outro ou outros e com consciência e vontade de o cometer.
Como bem concluiu o Tribunal recorrido, “os arguidos atuaram em conjugação de esforços e vontades, mediante um acordo que foi aceite por todos. Deve referir-se que o acordo não tem de ser expresso, podendo ser tácito, como ocorreu neste caso.
Na verdade, apesar de os arguidos não terem praticado todos os atos individualmente, todos eles participaram nas agressões às assistentes, dividindo tarefas e aceitando o resultado que daí adveio. Há assim uma vontade coletiva de agredir as assistentes, independentemente dos factos praticados por cada um isoladamente. E esta vontade coletiva é caraterística da coautoria.”
Em conclusão, nenhuma censura merece a decisão recorrida, nesta parte, ficando, obviamente, prejudicada a apreciação da desqualificação do ilícito.
*
Os arguidos/recorrentes, nas conclusões formuladas, pugnam pela redução das penas aplicadas, assim como pela redução dos montantes fixados a título de indemnização cível (conclusões 24 e 25).
Contudo, percorrida a motivação apresentada, nenhuma referência se vislumbra quanto às assinaladas discordâncias dos arguidos/demandados nessas matérias.

O regime legal estatuído é o seguinte (normas do CPP):

- artigo 411º, nº 3: “O requerimento de interposição do recurso é sempre motivado, sob pena de não admissão do recurso, (…).”;
- artigo 412º, nº 1: “A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.”;
- artigo 414º, nº 2: “O recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível, quando for interposto fora de tempo, quando o recorrente não reunir as condições necessárias para recorrer, quando faltar a motivação ou, faltando as conclusões, quando o recorrente não as apresente em 10 dias após ser convidado a fazê-lo.”.

Como resulta claramente das citadas disposições, o recurso é sempre motivado e é na motivação do recurso que se enunciam especificamente os fundamentos do mesmo. Isto sem prejuízo da imprescindibilidade da formulação de conclusões, em que se resumem tais razões e que se destinam a delimitar as questões objecto de apreciação.
A falta de motivação constitui um impedimento à admissão do recurso – citados artigos 411º, nº 3 e 414º, nº 2, ambos do CPP.
Ora, como já se mencionou, a redução das penas aplicadas e dos montantes indemnizatórios fixados apenas é abordada nas conclusões do recurso interposto pelos arguidos, sendo que a motivação é completamente omissa a tal respeito, não enunciando as razões da discordância dos recorrentes, fundamentadora do recurso.
Nestes termos, ao abrigo das disposições legais citadas, o recurso tem que ser rejeitado, nesta parte.
*
Pedidos cíveis de indemnização (recurso das assistentes)

As assistentes/recorrentes interpuseram recurso da decisão proferida, na parte relativa aos montantes indemnizatórios pelos danos não patrimoniais sofridos, alegando serem injustos, parcos e insatisfatórios, face à elevada dimensão desses danos, pugnando pela fixação de quantias situadas entre €7.000,00 e 17.500,00 (para a M. B.) e entre € 5.000,00 e 15.100,00 (para a M. C.).

Recordemos a decisão proferida, na parte cível:

“Julgar parcialmente procedentes os pedidos de indemnização civil deduzidos e, consequentemente:
- Condenar o arguido A. J. a pagar à assistente M. C. a quantia de € 400,00, acrescida de juros de mora vencidos desde a notificação do pedido cível até efetivo e integral pagamento;
- Condenar o arguido A. J. a pagar à assistente M. B. a quantia de € 400,00, acrescida de juros de mora vencidos desde a notificação do pedido cível até efetivo e integral pagamento;
- Condenar os arguidos A. J., M. A. e S. M., solidariamente, a pagar à assistente M. B., a quantia de € 6.303,90, acrescida de juros de mora vencidos desde a notificação do pedido cível até efetivo e integral pagamento;
- Condenar os arguidos A. J., M. A. e S. M., solidariamente, a pagar à assistente M. C., a quantia de € 3.051,72, acrescida de juros de mora vencidos desde a notificação do pedido cível até efetivo e integral pagamento.”
Esclareça-se ainda que, de acordo com os termos do recurso (motivação e conclusões), as recorrentes apenas questionam as verbas estabelecidas quanto aos factos decorrentes dos crimes de ofensa à integridade física qualificada (em que são demandados os três arguidos), não pondo em causa as quantias indemnizatórias estabelecidas pelas injúrias. E, somente no que toca aos danos de natureza não patrimonial.

Recordemos, também, a factualidade provada na parte que concerne às consequências resultantes das agressões físicas:

“13º) Como consequência do descrito em 6º a 12º, sofreu a assistente M. C., equimose de cor acastanhada com 1 cm na região parietal esquerda, equimose com 1 cm na face posterior do cotovelo, equimose com 10x5cm na nádega esquerda, dores por todo o corpo o que determinou 9 dias para a cura com 2 dias de afetação da capacidade de trabalho geral.
14º) Como consequência do descrito em 6º a 12º, sofreu a assistente M. B., escoriação com 4 cm na face posterior do cotovelo direito, 4 equimoses com 2 cm na face anterior e lateral da coxa esquerda, dores no corpo todo o que determinou 10 dias para a cura com 1 dia de afetação da capacidade de trabalho geral e 10 dias de afetação da capacidade de trabalho profissional.

Dos pedidos cíveis

18º) Após os factos referidos em 4º a assistente M. B. sentiu-se triste, envergonhada e ofendida.
19º) Após os factos referidos em 4º a assistente M. C. sentiu-se triste, envergonhada e ofendida.
20º) A assistente M. C. deslocou-se ao Centro de saúde de Cerveira e ao Hospital de Viana, onde recebeu tratamento hospitalar, tendo despendido € 30,10 nesses tratamentos.
21º) Foi apresentar queixa à GNR de Cerveira, que dista 8km da sua residência (Rua da ..., ..., Cerveira) e deslocou-se ao IML de Viana, que dista 45km da sua residência, para ser submetida a exame pericial.
22º) Sentiu dores e mal-estar por todo o corpo.
23º) Sentiu-se envergonha e humilhada perante as agressões que sofreu.
24º) Tem receio de caminhar sozinha pelas ruas ou de andar de bicicleta, fazendo-se sempre acompanhar por alguém.
25º) A assistente M. B. deslocou-se ao Centro de saúde de Cerveira e ao Hospital de Viana, onde recebeu tratamento hospitalar.
26º) No Centro de Saúde de Cerveira despendeu € 4,50.
27º) No Hospital de Viana despendeu € 62,00.
28º) Foi apresentar queixa à GNR, que dista 8,5km da sua residência (Avenida 27 de Julho, ..., Cerveira) e deslocou-se ao IML, que dista 45km da sua residência, para ser submetida a exame pericial.
29º) Sentiu dores e mal-estar por todo o corpo.
30º) Em virtude dos factos descritos supra, sofreu insónias e pesadelos, o que a levou a consultar o seu médico de família em 25/04/2017 e 14/05/2017.
31º) Encontra-se a realizar consultas de psiquiatria desde o início de 2018.
32º) Despendeu € 60,00 em consultas de psiquiatria.
33º) Despendeu 179,68 em medicamentos de foro psiquiátrico.
34º) Sofreu cefaleias e cervicalgias.
35º) Tem pensamentos suicidas.
36º) Em 2014 e 2015 a assistente foi observada por médico de psiquiatria por perturbação da adaptação, estando medicada desde então com antidepressivo e ansiolítico.
37º) É operária de profissão, auferindo, antes dos factos € 710,00 a título de salário.
38º) Devido aos dez dias de convalescença, no mês de Abril de 2017 auferiu € 549,01.
39º) Está de baixa médica desde 29/12/2017, auferindo a quantia mensal de € 515,70.
40º) Sentiu-se envergonhada, vexada e humilhada
41º) Tem receio de caminhar sozinha pelas ruas, fazendo-se sempre acompanhar por alguém.”

A recorrida, após enunciar os fundamentos da responsabilidade civil por factos ilícitos, os pressupostos da obrigação de indemnizar e a sua verificação, no caso em apreço, pela conduta dos demandados/arguidos, consignou:

“Os danos podem ser classificados como danos patrimoniais e não patrimoniais. Os danos patrimoniais são aqueles que correspondem à frustração de utilidades suscetíveis de avaliação pecuniária. Os danos não patrimoniais são aqueles que correspondem à frustração de utilidades não suscetíveis de avaliação pecuniária.
De acordo com o art. 496º, n.º 1 do CC admite-se a indemnização por danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. A indemnização destes danos é fixada equitativamente, tomando em consideração não apenas a extensão dos danos causados, mas também o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (cfr. arts. 496º, n.º 4 primeira parte e 494º do CC).
(…)
No que concerne ao quantum indemnizatório, dispõe o art. 562º do CC que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
A reparação faz-se por reconstituição natural. Contudo, quando esta não for possível, a indemnização far-se-á em dinheiro (cfr. art. 566º n.º 1 do CC) atendendo-se à medida da diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (cfr. art. 566º n.º 2 do CC - teoria da diferença).
A reparação judicial destes danos, ou seja, o montante indemnizatório deverá ser fixado equitativamente, aplicando-se aqui a regra do art. 566º do CC.
Nos termos do disposto no art. 566º, n.º 3 do CC, se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o Tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
Como ensina MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Ed., p. 115, deverá o juiz, em obediência ao comando legal que o manda julgar de harmonia com a equidade, atender aos fatores expressamente referidos na lei, mas também a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada. Tudo com o objetivo de, após a adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos que sofreu.
Segundo o Ac. TRE, de 04/03/2004, (PEREIRA BATISTA), “Para fixação duma indemnização por danos não patrimoniais, presidem juízos de equidade onde serão de considerar o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e a do lesado e as demais circunstâncias do caso concreto, constituindo tal indemnização a compensação de um dano que, em si mesmo, não desaparece, mas que deverá traduzir-se na atribuição de uma quantia em dinheiro que permita contrabalançar a dor do ofendido, quer física quer psicológica”.
*
(…)
Assistente M. C.

Cabe agora analisar os danos sofridos pela assistente M. C. em virtude das ofensas físicas que sofreu.
(…)
Terá a assistente direito a ser indemnizada a título de danos patrimoniais pela quantia de € 51,72 (21,62 +30,10).
Além disso, resulta provado que como consequência dos factos praticados pelos arguidos (pontos 6º a 12º da factualidade provada), sofreu a assistente M. C., equimose de cor acastanhada com 1 cm na região parietal esquerda, equimose com 1 cm na face posterior do cotovelo, equimose com 10x5cm na nádega esquerda, dores por todo o corpo o que determinou 9 dias para a cura com 2 dias de afetação da capacidade de trabalho geral. Sentiu dores e mal-estar por todo o corpo. Sentiu-se envergonha e humilhada perante as agressões que sofreu. Tem receio de caminhar sozinha pelas ruas ou de andar de bicicleta, fazendo-se sempre acompanhar por alguém.
Estamos aqui no âmbito dos danos não patrimoniais, os quais, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito.
Existe um nexo causal entre a factualidade praticada pelos arguidos e os danos sofridos.
Considerando novamente critérios de equidade, as lesões que sofreu, a implicação que os factos tiveram na sua vida, a sua idade avançada, o facto de ter sido agredida por três pessoas e a elevada ilicitude da conduta dos arguidos, entendemos por adequado fixar a quantia indemnizatória por estes danos em € 3.000,00.
Serão assim os arguidos condenados a pagar à assistente M. C. a quantia global de € 3.051,72, acrescida de juros de mora vencidos desde a notificação do pedido cível até efetivo e integral pagamento.
A responsabilidade dos arguidos é solidária pois todos contribuíram para a produção dos danos.
*
Assistente M. B.

No que concerne à arguida M. B., há que ter em conta que esta sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais.
(…)
A título de danos patrimoniais, fixa-se o valor indemnizatório em € 2.803,9010.
Quanto aos danos não patrimoniais, apurou-se que a assistente, como consequência do descrito nos pontos 6º a 12º, sofreu, escoriação com 4 cm na face posterior do cotovelo direito, 4 equimoses com 2 cm na face anterior e lateral da coxa esquerda, dores no corpo todo o que determinou 10 dias para a cura com 1 dia de afetação da capacidade de trabalho geral e 10 dias de afetação da capacidade de trabalho profissional (ponto 14º).
Mais se apurou que a assistente sentiu dores e mal-estar por todo o corpo; sofreu insónias e pesadelos, o que a levou a consultar o seu médico de família em 25/04/2017 e 14/05/2017; encontra-se a realizar consultas de psiquiatria desde o início de 2018; sofreu cefaleias e cervicalgias; tem pensamentos suicidas; sentiu-se envergonhada, vexada e humilhada e tem receio de caminhar sozinha pelas ruas, fazendo-se sempre acompanhar por alguém.
Ora, estes danos, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito. Da sua análise global verificamos que a assistente ficou bastante abalada quer física, mas sobretudo psicologicamente, pelos factos praticados pelos arguidos. Atualmente ainda não ultrapassou essa situação. Existe um nexo causal entre os factos praticados e os danos sofridos. A assistente não teria sofrido estes danos se não fossem os factos praticados pelos arguidos. Foram as agressões físicas que sofreu que potenciaram os males de que padece.
Contudo, há que considerar que, em 2014 e 2015, a assistente tinha sido observada por médico de psiquiatria por perturbação da adaptação, estando medicada desde então com antidepressivo e ansiolítico, facto que mitiga um pouco a responsabilidade dos arguidos, na medida em que já se verificava uma propensão natural da arguida para esta quebra psicológica.
Considerando novamente critérios de equidade, as lesões que sofreu, a implicação que os factos tiveram na sua vida diária, o abalo psicológico que sofreu, o facto de ter sido agredida por três pessoas e a elevada ilicitude da conduta dos arguidos, entendemos por adequado fixar o quantum indemnizatório na quantia de € 3.500,00.
Serão assim os arguidos condenados a pagar à assistente M. B. a quantia global de € 6.303,90, acrescida de juros de mora vencidos desde a notificação do pedido cível até efetivo e integral pagamento.
Aos valores arbitrados supra, acrescem os juros de mora vencidos desde a notificação dos pedidos cíveis até efetivo e integral pagamento.
A responsabilidade dos arguidos é solidária pois todos contribuíram para a produção dos danos.”
Em conclusão, são os montantes de € 3.000,00 e de € 3.500,00, fixados para reparação dos danos não patrimoniais sofridos, respectivamente pelas demandantes M. C. e M. B., que são postos em causa no recurso.
Acrescente-se – por não constar da transcrita apreciação - que a condição económica dos demandados é humilde: um aufere o salário mínimo nacional, outro cerca de € 100,00 acima desse montante, a terceira está desempregada, dedicando-se à produção de amoras durante cerca de meio ano.
O Tribunal a quo ponderou a necessidade de reparação dos danos não patrimoniais causados, recorrendo à equidade e atendendo à gravidade dos mesmos.
A análise produzida não merece qualquer censura, já que teve em conta todos os elementos relevantes e disponíveis para o efeito.
E os montantes arbitrados para reparação dos danos não patrimoniais sofridos pelas demandantes não podem ser considerados insatisfatórios e parcos, antes se afiguram equitativos, justos e adequados aos danos (desta natureza) apurados e causados pelos demandados.
Em conclusão e pelas razões expostas, o recurso improcede nesta parte.
*
IV – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em:

- rejeitar o recurso interposto pelos arguidos A. J., M. A. e S. M., na parte em que impugnam as penas aplicadas e pugnam pela redução dos montantes indemnizatórios fixados, por falta de motivação;
- na parte restante, julgar improcedente o recurso interposto pelos arguidos;
- julgar improcedente o recurso interposto pelas assistentes M. B. e M. C.;
- confirmar a sentença recorrida.
*
Custas a cargo dos arguidos/recorrentes e das assistentes/recorrentes, fixando-se a taxa de justiça na quantia correspondente a 3 UC (três unidades de conta) – artigos 513º, nº 1 e 515º, nº 1, al. b), ambos do CPP, artigo 8º, nº 9, do RCP e tabela anexa a este diploma legal.
*
(Texto elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários – artigo 94º, nº 2, do Código de Processo Penal).
*
Guimarães, 26 de Fevereiro de 2020

(Mário Silva - Relator)
(Maria Teresa Coimbra - Adjunta)