Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1963/12.9TJVNF.G1
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: PROVAS
FORÇA PROBATÓRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/25/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1- Não é admitida prova testemunhal para a demonstração de um facto que já esteja plenamente provado por via documental ou outro meio com força probatória plena.
2- Por igual razão, também não é admitida a prova por declarações de parte, nas mesmas circunstâncias.
3- Assim, estando a aquisição de um prédio a uma determinada sociedade plenamente provada documentalmente, não se pode admitir que se demonstre, por via testemunhal ou por declarações de parte, que essa mesma aquisição não foi feita a tal sociedade mas a uma outra entidade.
4- Factos instrumentais são aqueles que permitem, através de presunções (judiciais ou legais) chegar à conclusão de que se verificaram os factos essenciais ou complementares.
5- As presunções judiciais, no entanto, estão sujeitas às mesmas limitações da prova testemunhal; isto é, só são admitidas nos casos e nos termos em que é admitida a prova testemunhal.
6- Por conseguinte, não sendo admitida a prova testemunhal nos termos anteriormente referenciados, também não é admitida a prova, através de presunções judiciais assentes em factos instrumentais, de factos essenciais já plenamente provados.
7- O regime que regula a venda de coisas defeituosas pressupõe que tenha havido inadimplemento da obrigação inerente à respetiva entrega; mais propriamente, por falta de conformidade material entre as características da coisa que foram convencionadas ou legitimamente esperadas e aquelas que ela efectivamente tem, ao tempo da venda.
8- Não estando provada essa entrega em resultado da celebração de um contrato promessa referente a um imóvel, aquele convénio só tem efeitos obrigacionais e, por conseguinte, não pode ser o promitente vendedor responsabilizado pela indemnização dos defeitos encontrados nesse mesmo imóvel, após a sua aquisição a um terceiro.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
I- Relatório
1- António M, e esposa, Manuela C, residentes na Rua C, freguesia de Ribeirão, Vila Nova de Famalicão, instauraram a presente acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra Jorge A, residente na Rua V, Ribeirão, Vila Nova de Famalicão, alegando, em breve resumo, que este último lhes vendeu, através da empresa construtora, em Março de 2009, o prédio urbano onde habitam, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o nº 2548 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 5149° da freguesia de Ribeirão.
Sucede que, desde, pelo menos, o ano de 2011 que têm vindo a aparecer diversos defeitos de construção no referido prédio.
Por isso, solicitaram ao Réu a reparação de tais defeitos, mas o mesmo recusou-se a fazê-lo, alegando que o prédio não era dele, nem o tinha vendido.
Viram-se, por isso, obrigados a solicitar um orçamento para a eliminação dos mesmos defeitos, com o que terão de despender a quantia de 9.300,00.
Pedem, assim, que o R. seja condenado a pagar-lhes esta quantia de 9.300,00€, para reparação e eliminação dos danos, defeitos, vícios e anomalias existentes no citado imóvel.
2- Contestou o R., começando por arguir a sua ilegitimidade para esta demanda, uma vez que responsável pela reparação dos defeitos indicados pelos AA. é a sociedade que lhes vendeu tal prédio e não ele próprio.
É verdade - continua- que celebrou com essa sociedade um contrato promessa de compra e venda reportado ao dito prédio. Porém, volvidos alguns meses, viu-se forçado, por motivos pessoais, a desistir de tal contrato promessa, em execução do qual já tinha entregue, a título de sinal, o montante de 25.000,00€.
Por isso, de modo a não perder esse valor, acordou com a referida sociedade que encontraria um comprador para o referenciado imóvel, que o substituísse no negócio prometido. E, assim, depois de ter entrado em contacto com os AA., acordou com eles que os mesmos iriam adquirir o prédio em causa, pelo preço que já estava estabelecido. E assim sucedeu. Cedeu-lhes a sua posição contratual e a escritura de compra e venda do imóvel em causa foi outorgada entre os AA. e a sociedade que dele era proprietária.
Daí que nenhuma responsabilidade lhe possa ser imputada na reparação pretendida pelos AA.
Consequentemente, pede a sua absolvição da presente instância, por ilegitimidade processual da sua parte, ou, subsidiariamente, a improcedência da acção.
3- Os AA. replicaram refutando estas pretensões.
4- Seguiu-se o saneamento do processo, no âmbito do qual foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pelo R..
5- Mediante alegação de que os defeitos inicialmente apontados se agravaram e que surgiram novos defeitos, foi ampliado o pedido no sentido do R. ser condenado a pagar a quantia de 41.389,50€ para a reparação e eliminação dos danos, defeitos, vícios e anomalias já mencionados.
6- Concluída a instrução e a audiência final, foi proferida sentença que julgou a presente ação improcedente e absolveu o R. do pedido.
7- Inconformados com esta sentença, dela recorrem os AA, terminando as suas alegações recursivas com as seguintes conclusões:
“I) Deveria ter sido considerada provada a seguinte matéria:
- O Réu vendeu aos Autores, através da firma construtora, em Março de 2009, o prédio melhor identificado no ponto 1 (al. a) dos factos não provados);
- Todas as negociações foram mantidas entre Autores e Réu, com intermediação da Imobiliária ERA. (14º da resposta).
- As entregas que os Autores lhe fizeram (ao Réu) foram para pagamento do preço do imóvel e não para pagamento de obras e da cessão de posição contratual. (20º da resposta).
- Tendo (o Réu) sempre agido, perante os Autores, como dono e legítimo possuidor do prédio identificado no art. 1º da Petição Inicial. (25º da resposta).
II) Sobre tais matérias pronunciou-se a Autora mulher, em declarações de parte, (sessão de 16/3/2015 das 00:10:29 às 00:19:57 e das 00:35:38 às 00:36:39). De tal depoimento resulta que toda a negociação conducente à compra da casa foi feita com o Réu Jorge A: “... foi tudo contratado com o Sr. Jorge A ...”; “... apresentou-se sempre como dono ...”; “... O contrato-promessa com o Sr. Jorge A foi feito na Era ...”; “... os cheques foram entregues directamente ao Sr. Jorge ...”; “... a LCM escrituraria directamente para nós, mas o Sr. Jorge, como dono, terminava a casa ...”; “... eu nunca falei com ninguém da LCM ...”; “... foi no acto da escritura que apareceu lá uma senhora, de quem não sei o nome ...”; “... não conheço ninguém que estivesse ligado a LCM ...”; “... para o Sr. Jorge não perder o direito à casa eu pagava o distrate ao banco e ele terminava a casa, e só depois eu lhe dava o restante dinheiro ...”.
III) Sobre os factos referidos na conclusão I), prestou ainda depoimento Carla S (sessão de 16/3/2015 das 00:01:46 às 00:12:28), que disse em suma: “... O Sr. Jorge era um cliente que estava a vender umas moradias ...”; “... na altura ao angariar a casa da D. Manuela, angariou outra ao lado também, o Sr. Jorge era proprietário ...”; “... nunca conheci ninguém da LCM ...”; “... para fazer visitas, para o que fosse era com o Sr. Jorge que ligava ...”; “... era ele que vinha lá abrir a porta, foi ele que mostrou, foi ele que disse que era o proprietário, foi ele que me assinou ...”.
IV) Sobre tais factos foi ainda inquirida Zulmira M (sessão de 16/3/2015 das 00:11:20 às 00:13:51 e das 00:14:53 às 00:15:37), fluindo também deste depoimento que a Autora, na altura da compra, lhe havia logo dito que ia adquirir a casa ao Réu. Para além disso, por várias vezes, viu o Réu, já depois da outorga da escritura, a orientar as obras para acabamento da casa. Sabia ainda que este tinha medo de ficar sem a casa, pelo que queria fazer a escritura, acordando com a filha que depois lhe acabava a casa.
V) Ainda sobre a matéria em apreço foi ouvida a testemunha Maria A (sessão de 30/4/2015 das 00:00:51 às 00:01:14, das 00:01:48 às 00:03:34, das 00:07:08 às 00:13:53 e das 00:14:34 às 00:05:39), resultando do seu depoimento haver sido o Réu a colocar o imóvel à venda na Era. Disse também que os Autores nunca foram contactados, via Era, pela LCM antes do dia da escritura, e ainda, que todo o negócio foi discutido com a Era e com o Réu. Nem a própria Era conhecia alguém da LCM, e o único contacto que houve com esta sociedade foi para marcação da escritura. Confirmou que em todos os documentos assinados pelos Autores e pelo Réu se faz referência a este, como proprietário.
VI) Ora, dada por provada a matéria vertida quer em a) dos factos não provados, quer o alegado em 14, 20 e 25 da resposta à contestação, facilmente se verifica que entre Autores e Réu foi celebrado um contrato inominado que a Doutrina e a Jurisprudência batizaram como “ajuste de revenda”.
VII) Na verdade, cada vez mais os contratos promessa relativos a imóveis são utilizados como instrumentos de especulação imobiliária e de investimentos tendentes à realização de mais-valias. Logo que a obra esteja concluída, o especulador cede a sua posição, realizando com isso uma mais-valia. Entre este adquirente e o promotor imobiliário é depois outorgada a escritura de compra e venda que transmite o direito de propriedade sobre o imóvel.
VIII) Da materialidade fáctica alegada e assente nos presentes autos é indesmentível estarmos perante um contrato inominado de ajuste de revenda que implica obrigações mútuas de ambas as partes que não se extinguem com a outorga do contrato de compra e venda celebrado entre os Autores e o promotor imobiliário.
Assim, tendo o Réu ajustado a revenda aos Autores do imóvel em apreço, é manifesto que as suas obrigações contratuais para com estes se mantêm autónoma e independentemente da outorga da escritura de compra e venda.
IX) Deste modo, tendo sido ajustada a revenda entre Réu e Autores é aplicável a este contrato, por analogia, o disposto no art. 913º e ss. do Código Civil, porquanto os Autores lograram provar a existência dos defeitos e vícios que alegavam.
X) Mas ainda que se mantivesse inalterada a matéria de facto dada por provada, mesmo assim a acção deveria proceder, devendo o Réu ser condenado nos pedidos. Ora vejamos:
Está assente em dois dos factos provados, o seguinte:
- Por contrato denominado de contrato promessa de compra e venda, celebrado em 9/5/2008, os Autores declararam prometer comprar ao Réu, e este declarou prometer vender-lhes o prédio supra referido, pelo valor de 174.000,00€ (Cento e Setenta e Quatro Mil Euros).
XI) Quer à data da outorga do contrato promessa - 9/5/2008 -, quer à data da celebração da escritura pública de compra e venda - 6/3/2009 - e como decorre da matéria assente, a propriedade do imóvel adquirido pelos Autores, encontrava-se registada a favor da sociedade LCM, SA (sociedade que viria a ser declarada insolvente em 11/3/2011. - Cfr. pauta pública de insolvência). Pelo que o contrato promessa de compra e venda, celebrado entre as partes, é uma verdadeira promessa de venda de bens alheios perfeitamente válida e eficaz entre as partes.
XII) Inexistem dúvidas que ao contrato promessa são aplicáveis as disposições relativas ao contrato prometido. De facto, parece absolutamente pacifico que o princípio da equiparação torna extensivas ao contrato de promessa as regras do contrato prometido, apenas se excluindo as relativas à forma e as que pela sua razão de ser não se possam considerar extensivas ao contrato de promessa.
XIII) É pois claro para a Doutrina e Jurisprudência Portuguesas que as regras da compra e venda, respeitantes à venda de coisa defeituosa, são igualmente aplicáveis ao seu contrato promessa.
XIV) No que concerne aos defeitos ficou provada toda a matéria alegada - vidé arts. 8, 9, 10, 11, 13, 14, 15, 18, 19, 20 e 21 dos factos provados. Pelo que os Autores tanto podiam exigir da LCM, SA a indemnização peticionada, como a podem exigir do Réu, atento o princípio da equiparação entre o contrato promessa e o contrato prometido.
XV) Vem a doutrina entendendo que “a realização do contrato prometido (compra e venda) não implica necessariamente a extinção do contrato-promessa que o antecedeu; se nada tiver sido estipulado em contrário, o contrato-promessa só se extingue quando todas as obrigações que as partes nele assumiram forem cumpridas” (ut Ac. R.C. 14/3/00 801.495/369 ou Revista Decana, 133°/375, com comentário concordante de M. H. Mesquita).
XVI) Como se escreveu no Acórdão do STJ, de 13-09-2011: “A par de obrigações acessórias ou secundárias que intervêm no evoluir do contrato e que, como tais, se apresentam como instrumentais do exacto cumprimento da obrigação principal e da satisfação do interesse do credor, nela se projectando, outras há que surgem como autónomas ou “desvinculadas” da obrigação da contraparte, como sucede com as prestações que se traduzem em efeitos antecipados do contrato prometido (cf. Ana Prata, “O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil”, p. 632). São, estas últimas, obrigações que não se integram no sinalagma específico do contrato-promessa, escapando à obrigação típica principal e às que integram deveres secundários ou acessórios e instrumentais daquela. Tais obrigações, pela sua natureza, não deverão deixar de poder ser invocadas, quando se mostre que as partes, ao realizarem o contrato prometido, não pretenderam alterar o objecto das obrigações clausuladas na promessa (modificando-as ou extinguindo-as) e na medida em que as mesmas sejam providas da necessária autonomia, como fundamento de acção de cumprimento ou indemnização por incumprimento ou cumprimento defeituoso (art. 762.°, n.º 2, do CC), mas sempre fora do regime do cumprimento ou do incumprimento do contrato-promessa enquanto tal e do complexo das obrigações jurídicas que o enformam em atenção à principal”.
XVII) Assim, o cumprimento da obrigação prometida não destrói, portanto, as demais obrigações que decorriam do contrato promessa.
XVIII) Acresce que, como flui dos factos assentes e dos que se julga deveriam ter sido dados por provados, os Autores, para a aquisição do imóvel, nunca negociaram qualquer cláusula contratual com a sociedade construtora. Na verdade, desde o preço, as obras, as visitas ao imóvel foram sempre tratadas com o Réu. Este por seu turno contratou os serviços de mediação imobiliária da Era, para que esta lhe obtivesse comprador para o imóvel; sempre se apresentou, perante os Autores, como seu proprietário; nos vários documentos juntos as Autos - contrato promessa e declaração em papel timbrado da Era - consta como proprietário do imóvel; nunca os Autores contactaram ou foram contactados pela LCM para a outorga da escritura pública de compra e venda; quando os Autores se mostraram interessados no imóvel o mesmo ainda estava inacabado e foi o Réu quem efectuou as necessárias obras. Assim como foi este que recebeu parte do seu preço, tendo o remanescente se destinado ao expurgo da hipoteca.
XIX) Deste modo todo o circunstancialismo que envolveu a celebração do contrato promessa não se extinguiu com a outorga da escritura, mantendo-se o vínculo obrigacional entre as partes que justificam a responsabilização do Réu pelos defeitos, vícios e anomalias do prédio identificado nos autos.
XX) Pelo que, a douta sentença recorrida fez errada aplicação e interpretação dos arts. 410°, 1 e 913° e ss. do Código Civil”.
Termina pedindo a procedência do presente recurso, a revogação da sentença recorrida e a condenação do R. no pedido por si deduzido.
8- Em resposta, o R. pugna pela manutenção do julgado.
9- Recebido o recurso e preparada a deliberação, importa tomá-la:
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II- Mérito do recurso
A- Definição do seu objecto
O objecto dos recursos, em regra e ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (artigos 608.º, n.º 2, “in fine”, 635.º, nº 4, e 639.º, n.º1, do Código de Processo Civil).
Assim, observando este critério no caso presente, o objecto deste recurso resume-se, essencialmente, às seguintes questões:
1) Em primeiro lugar, saber se deve haver lugar à modificação da matéria de facto pretendida pelos Apelantes;
2) E, em segundo lugar, decidir se lhes assiste o direito de que se arrogam titulares nesta ação.
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B- Fundamentação
a) Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
1- Os Autores são donos e legítimos proprietários e possuidores do prédio urbano, composto de casa de habitação de rés-do-chão, primeiro e segundo andar, sito na Rua Campus Village, nº 49, freguesia de Ribeirão, concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o nº 2548 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 5149° da dita freguesia.
2- Por contrato denominado de contrato promessa de compra e venda, celebrado em 09/05/2008, os Autores declararam prometer comprar ao Réu, e este declarou prometer vender-lhes o prédio supra referido, pelo valor de 174.000,00€ (cento e setenta e quatro mil euros).
3- No acto da celebração do identificado contrato, pagaram os Autores ao Réu a quantia de 20.000,00€.
4- O remanescente do preço, no montante de 154.000,00€, foi pago pelos Autores, no acto da outorga da escritura, na seguinte forma:
- Um cheque, com o nº 7454306713, do Millenium-BCP, no valor de 10.000,00€, entregue ao Réu e com data de vencimento para 14/03/2009;
- Outro cheque, com o nº 7454306422, do Millenium-BCP, no valor de 18.190,00€, entregue ao Réu e com data de 04/04/2009.
- O restante foi pago pelos Autores à firma LCM, S.A..
5- Por escritura de compra e venda, outorgada em 06/03/2009, entre os Autores e a firma LCM, S.A., na Conservatória dos Registos Predial e Comercial da Trofa, os primeiros declararam comprar e a segunda declarou vender o prédio identificado no ponto 1.
6- Há mais de dez, quinze, vinte anos, por e antepossuidores, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, na convicção de não prejudicarem ninguém e de estarem a exercer um direito próprio, têm os Autores gozado as utilidades, frutos e rendimentos do prédio, procedendo a obras, pagando contribuições e impostos, tudo como legítimos possuidores que são.
7- Considerando-se os Autores e sendo por todos reconhecidos como os únicos e exclusivos proprietários desse imóvel, exercendo sobre ele e na sua totalidade todos os actos típicos do exercício pleno e exclusivo do direito de propriedade.
8- Desde pelo menos, o ano de 2011 os Autores têm vindo a constatar o aparecimento, no mencionado prédio, de:
a) Fissuras e inclinação no muro exterior;
b) Sacadas com infiltrações para o piso inferior;
c) Acentuada degradação da pintura no interior e no exterior da casa;
d) Fissuras graves nas paredes exteriores e interiores do imóvel que põem em causa a sua própria estrutura;
e) Deterioração das telas asfálticas na entrada da habitação;
g) Manchas de humidade em todas as divisões, em consequência de infiltrações de águas;
h) Danos nos painéis de madeira que se encontram no hall da entrada da habitação;
i) Rodapés soltos.
9- Infiltrações relacionadas, principalmente, com defeitos, degradações e fissuras existentes na habitação dos Autores.
10- Acresce que as águas da chuva, em zonas de deficiente remate ou de deficiente capeamento, também se infiltram.
11- Em 16/12/2011, os Autores enviaram ao Réu carta registada com aviso de recepção, com o seguinte teor:
“Serve a presente para comunicar formalmente que a casa que V. Exª nos vendeu em Março de 2009, apresenta actualmente os seguintes defeitos e vícios de construção que necessitam de urgente reparação e eliminação:
-O muro exterior encontra-se fissurado, inclinado e em sério risco de derrocada;
- Há vários pontos de entrada de águas no telhado, janelas e portas;
- São necessárias telas asfálticas na entrada da habitação;
- Há fissuras graves nas paredes exteriores e interiores do imóvel que podem pôr em causa a sua própria estrutura;
- Há manchas de humidade em todas as divisões, em consequência de infiltrações de águas;
- É necessário proceder à pintura das grades e ferro exteriores;
- É necessária a substituição de painéis de madeira que se encontram danificados no hall da entrada da habitação;
- É necessária a colagem de rodapés soltos.
Assim, deverá V. Exa. proceder, no prazo máximo de trinta dias, à reparação e eliminação dos sobreditos defeitos.”.
12- O Réu respondeu, dizendo que “(... ) 2- Desconhece-se a existência ou não dos defeitos e vícios de construção descriminados na referida carta. 3- Independentemente disso ou não, comunica-se a V. Exª que deverá comunicar e reclamar os mesmos ao vendedor do imóvel aqui em causa, nomeadamente à frima “LCM”; 4- Na verdade, nunca fui proprietário da referida casa, e por isso mesmo, nunca alienei a V. Exª o imóvel aqui em causa, como qualquer muro.”.
13- Os Autores solicitaram um orçamento a Manuel A, construtor civil e titular, em nome individual, das “Construções C”, para reparação e eliminação dos defeitos da sua habitação.
14- Para eliminar os diversos defeitos, anomalias, deteriorações e vícios existentes na sua habitação, terão os Autores que despender a quantia de 9.300,00€ (nove mil e trezentos euros).
15- Designadamente para:
-Reparação do muro de suporte do terreno;
-Retirar as terras, demolir o muro e colocar uma sapata em betão e ferro no comprimento de, mais ou menos, 17 metros;
-Reparação de todos os muros que estão rachados e pintura dos mesmos;
-Levantar as lajetas e meter pico e tornar a colocar as referidas latejas;
- Retirar o godo e colar tela nos locais onde entra água;
-Pintar grades;
-Reparação de muro do R/Ch que mete água.
16- O réu recorreu aos serviços de um mediador imobiliário da cidade da Trofa: a agência Era.
17- Este mediador apresentou os AA. ao R. como interessados na aquisição do bem imóvel identificado no ponto 1 dos factos provados.
18- Os AA. constataram novas patologias e agravamentos das anomalias referidas no ponto 8, nas seguintes partes do prédio:
a) Muro das traseiras;
b) Muro frontal;
c) Muro lateral direito;
d) Muro lateral esquerdo e frontal;
e) Paredes exteriores da habitação;
f) Pátio;
g) Escadas traseiras da habitação;
h) Terraços;
i) Escadas interiores;
j) Corredor;
k) 3 Quartos;
1) Quarto de banho de serviço;
m) Hall de entrada;
n) Garagem.
19- Os AA. solicitaram uma nova inspecção e um novo orçamento à sociedade Construções L, Ldª, para reparação e eliminação de todos os defeitos da sua habitação.
20- Para eliminar defeitos, anomalias, deteriorações e vícios existentes na sua habitação, terão os AA. que despender a quantia de 41.389,50€.
21. Designadamente para:
a) Muro das traseiras: - Abertura de fendas e tratamento das mesmas com materiais sobrantes e vazadouro e pintura do mesmo na área total do muro.
b) Muro lateral esquerdo e frontal: - Demolição do muro com transporte do material sobrante a vazadouro, retirar terras com transporte a estaleiro; fazer cinta em betão com 36x1,80x 0,60, com ferro de 12 mm espaçado e 15 cm na horizontal com espessura total de 0,35x4 mt de altura. Fazer drenagem de águas com tubo perfurado de 160 mm, caixa de cascalho e telhas pitunadas colocação das terras em estaleiro devidamente compactadas.
c) Demolição de parte do muro frontal da habitação vizinha e anexo existente;
d) Muro lateral direito: Abertura de fendas e tratamento das mesmas com materiais sobrantes e vazadouro e pintura do mesmo na área total do muro.
e) Reparação das escadas traseiras da habitação: Levantamento de pavimento existente, tratamento do mesmo e colocação de novo material cerâmico:
f) Reparação do pátio: Retirar terra com transporte a estaleiro; tratamento das paredes do lado interior com tela asfáltica e tela pitunada; fazer drenagem das águas com tubo perfurado de 160 mm envolvido em cascalho; colocação da terra no lugar devidamente compactada; regularização do pavimento para colocação de novos materiais cerâmicos; fornecimento e colocação de materiais cerâmico no terraço; tratamento das paredes pelo lado exterior com pintura das mesmas.
g) Tratamento das grades da habitação.
h) Tratamento das paredes exteriores da habitação: Abertura de fendas e tratamento das mesmas com materiais sobrantes a vazadouro e pintura das paredes na área total da habitação.
i) Muro frontal e entrada da habitação: Abertura de fendas e tratamento das mesmas com materiais sobrantes a vazadouro e pintura do mesmo na área total do muro.
j) Terraços: Retirar telas no terraço com transporte a vazadouro.
k) Regularização do terraço para colocação de novas telas;
1) Colocação de novas telas;
m) Colocação de novos rufus em alumínio igual ao existente;
Interior
n) Quarto 1: Tratamento das fissuras com pintura das paredes e tratamento das madeiras.
o) Quarto 2: Tratamento das fissuras com pintura das paredes e tratamento das madeiras.
p) Quarto 3: Tratamento das fissuras com pintura das paredes e tratamento das madeiras.
q) Corredor: Tratamento das fissuras com pintura das paredes e tratamento das madeiras.
r) Escadas Interiores: Tratamento dos degraus em madeira com lixagem e envernizamento da mesma.
s) Quarto de banho de serviço: Tratamento do tecto devido à humidade e pintura do mesmo.
t) Hall de entrada: Colocação de novos painéis em madeira.
u) Garagem: Retirar rodapé, fazer corte térmico para evitar a humidade por capilaridade.
v) Colocação do rodapé no devido lugar.
w) Pintura das paredes do tecto.
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b) Na mesma sentença, julgaram-se não provados os seguintes factos:
a) O Réu vendeu aos Autores, através da firma construtora, em Março de 2009, o prédio melhor identificado no ponto 1.
b) No dia 03/09/2003, o Demandado celebrou com a sociedade LCM, S.A. um contrato promessa de compra e venda reportado ao bem imóvel identificado pelos AA. na PI.
c) Porém, volvidos alguns meses, o Demandado viu-se forçado por motivos pessoais a desistir de tal contrato promessa - pelo qual havia já entregue a título de sinal o montante de 25.000,00 €.
d) De modo a não perder o sinal entregue, o Demandado acordou então com a sociedade LCM, S.A. que encontraria comprador para o imóvel objecto de tal contrato, de modo a que tal comprador o substituísse no negócio prometido.
e) Os AA. ficaram cientes de toda a situação anteriormente ocorrida, do pagamento de sinal por parte do Demandado, da existência de contrato promessa e da desistência pretendida pelo Demandado de tal negócio;
f) bem como do facto de o Demandado não ser proprietário do bem imóvel, pois apenas tinha entre mãos um contrato promessa sem qualquer eficácia real sobre a propriedade do bem imóvel,
g) AA. e Demandado acordaram então que os AA. iriam adquirir o bem imóvel em causa, e pretenderam assegurar as posições e expectativas jurídicas de ambos.
h) Erroneamente recorreram à elaboração de um contrato promessa para assegurar as suas posições e interesses, quando ambos - tanto AA. como Demandante - pretendiam os efeitos de uma cessão de posição contratual, nos termos do art. 424º do cc.
i) Efectivamente, os AA. pretendiam substituir-se ao Demandado para adquirir aquele bem imóvel, pelo preço devidamente fixado; sendo esta a sua vontade real;
j) Tal como era vontade real do Demandado que os AA. assumissem a sua posição no contrato promessa já existente.
k) O pagamento do sinal devido pelos AA. pela promessa de aquisição do bem imóvel, foi entregue ao Demandado porque este já havia pago tal sinal;
1) Aquando de tal cessão de posição contratual e manifestada claramente a vontade de adquirir o bem imóvel pelos AA., os mesmos manifestaram a vontade de executar algumas obras ou completar as ainda em falta no imóvel, do modo que melhor lhes convinha.
m) E do mesmo informaram a sociedade vendedora que elaborou uma “memória descritiva” das obras pretendidas pelos AA. na moradia a adquirir.
n) No entanto, os subempreiteiros responsáveis por tais obras recusaram-se a completá-las em nome e por conta da sociedade LCM, S.A.;
o) Preferindo antes efectuar tais obras directamente por conta dos AA..
p) O A. marido referiu então expressamente que - devido ao seu emprego de camionista - estava frequentemente ausente e não podia acompanhar tais obras.
q) E solicitou então a ajuda do aqui Demandado, pedindo-lhe que acompanhasse as obras por si solicitadas;
r) Mais acordando com o Demandado que era o A. marido que lhe entregaria os pagamentos necessários para custear tais obras; pagamentos a entregar depois pelo Demando a quem executasse a obra solicitada.
s) O Demandado aceitou este pedido de ajuda, colocando-se então numa posição de intermediário, representante sem poderes dos AA. na obra;
t) Em momento algum decidiu das obras a fazer, seu montante ou prazos de execução, nem da sua aceitação.
u) Apenas deu conta das mesmas aos AA. e entregou os pagamentos que lhe haviam sido facultados pelos AA. para pagamento das obras.
v) O montante de 25.000,00€ é o pagamento da cessão de posição contratual, correspondendo ao valor de sinal já pago pelo Demando; os valores entregues pelos AA para além destes 25.000,00€ tinham como objectivo o pagamento das obras contratadas pelos AA e acompanhadas em jeito de favor pelo Demandado.
w) Aquando da finalização das obras, em que os AA já figuravam como donos do imóvel o por isso da obra, e diversos empreiteiros como executores das obras contratadas, os AA aceitaram as obras.
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c) Apreciação dos fundamentos do recurso
Começam os Apelantes por se insurgir contra o julgamento da matéria de facto operado na instância recorrida. Mais concretamente, põem em causa o julgamento relativo aos factos descritos na al. a) do capítulo dos Factos não Provados e ainda nos artigos 14.º, 20.º e 25.º da réplica.
Todos esses factos, na perspectiva dos AA., deviam, e devem, ser jugados provados, na medida em que a prova pessoal (declarações de parte da A. e testemunhal) por si indicada os demonstra.
O R., na resposta, assume a posição oposta.
É necessário, assim, averiguar e decidir se a pretensão dos AA., neste aspeto, pode ser acolhida.
Comecemos por analisar a factualidade constante da al. a) do capítulo dos Factos não Provados. Nela se afirma o seguinte: “O Réu vendeu aos Autores, através da firma construtora, em Março de 2009, o prédio melhor identificado no ponto 1”.
Esta afirmação resulta do alegado pelos AA. no artigo 8.º da petição inicial, no qual os mesmos referem: “Como se disse supra, o Réu vendeu aos Autores, através da firma construtora, em Março de 2009, o prédio melhor identificado no artigo 1º desta Petição”.
Ora, o que “se disse supra”, ou seja, aquilo que antes foi alegado pelos AA., não passa, no essencial, de tudo quanto já se encontra provado nos pontos 1 a 7 do capítulo dos Factos Provados.
É inequívoco, assim, que a referida afirmação tem, neste contexto, um caracter conclusivo; isto é, pretende resumir valorativamente a factualidade anteriormente alegada e, como tal, não deve fazer parte do elenco dos factos provados.
De qualquer modo, mesmo que assim não fosse, sempre haveria outro obstáculo de ordem processual à demonstração da referida afirmação, por via testemunhal, como pretendem os AA.
É que a aquisição do aludido prédio pelos AA. já se encontra plenamente provada nestes autos; designadamente, através da escritura pública neles apresentada (fls. 22 a 28) – artigos 363.º, n.ºs 1 e 2, e 371.º, n.º 1, do Código Civil. E, de acordo com essa escritura, os AA. adquiriram tal prédio directamente à sociedade, LCM, Ldª, e não ao R.
Ora, não tendo sido posta em causa a força probatória plena de tal escritura, está vedado, neste momento, aos AA. provar, por via testemunhal, o contrário daquilo que dessa escritura resulta; ou seja, que a dita aquisição foi feita não à referenciada sociedade, mas ao R. O artigo 393.º, n.º 2, do Código Civil, proíbe-o textualmente: “Não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou outro meio com força probatória plena”.
E quem diz a prova por testemunhas, deve dizer também a prova por declarações de parte (artigo 466.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Efetivamente, se a exclusão da prova testemunhal nestes casos se justifica pela necessidade de um grau de segurança acrescido para a demonstração de determinados factos , obviamente que não se alcança essa segurança com uma prova meramente informatória, como é aquela que resulta das declarações de parte .
De modo que nenhum destes meios de prova pode ser admitido para demonstrar que o prédio dos AA. foi adquirido ao R. e não à sociedade que declarou ter-lho alienado.
E não se alegue que esta é uma mera interpretação da escritura pública através da qual se processou essa aquisição ou do contexto em que ela foi celebrada, para assim escapar à limitação probatória que acabámos de referenciar, inserta no artigo 393.º, n.º 3, do Código Civil. Efetivamente, não é. A actividade interpretativa dos negócios formais, como é o caso, não pode ser feita sem que no texto da declaração negocial haja um mínimo de apoio para o sentido encontrado (artigo 238.º do Código Civil). E, no caso, não há; ou seja, não há qualquer referência ao R. na escritura pública que mencionámos.
Daí que, sendo a pretensão em análise exclusivamente baseada na prova pessoal produzida, não pode a mesma ser admitida.
Já no que toca à demais factualidade, isto é, à que resulta dos artigos 14.º, 20.º e 25.º da réplica, começamos por verificar que a mesma não foi sequer objecto de julgamento na primeira instância; isto é, não consta dos factos provados, nem dos não provados. E, por isso mesmo, a primeira questão que se levanta é a de saber se tais factos deveriam figurar nalgum desses capítulos.
Ora, para que assim sucedesse, indispensável seria que tais factos fossem considerados relevantes para a correta decisão deste litígio. E essa aferição deve ser feita em função do seu objecto; isto é, em função do pedido e da causa de pedir.
Pois bem, o pedido dos AA. é para que o R. seja condenado a pagar-lhes determinada quantia monetária, tendo em vista a eliminação dos defeitos na moradia que alegam ter-lhes sido vendida pelo mesmo. A causa de pedir, pois, é não só a ocorrência desses defeitos de construção, mas também aquela venda. Ou seja, é porque os AA. imputam ao R. a qualidade de vendedor, que lhe dirigem semelhante pedido.
Tudo estava, assim, dependente da prova de tal venda.
Sucede que, como já vimos, essa venda não se provou; nem pode provar-se mediante o recurso à prova pessoal. E, assim, não faz sentido, neste momento, questionar se “[t]odas as negociações foram mantidas entre Autores e Réu, com intermediação da Imobiliária ERA”; se “[a]s entregas que os Autores lhe fizeram (ao Réu) foram para pagamento do preço do imóvel e não para pagamento de obras e da cessão de posição contratual”; “[t]endo (o Réu) sempre agido, perante os Autores, como dono e legítimo possuidor do prédio identificado no art. 1° da Petição Inicial (artigos 14.º, 20.º e 25° da réplica).
Mas, não é só um problema de prejudicialidade.
Com efeito, a causa de pedir, sendo embora constituída pelo acto ou facto jurídico, simples ou complexo, mas sempre concreto, que serve de fundamento ao efeito jurídico pedido em juízo (artigo 581.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), não se esgota numa única categoria de eventos naturalisticos.
E, assim, nela podemos distinguir três tipos de factos: a) factos essenciais; b) factos complementares ou concretizadores; e, c) factos instrumentais.
Factos essenciais são aqueles que são indispensáveis para a individualização da pretensão material do autor; ou seja, são os factos constitutivos da situação jurídico - material que aquele pretende fazer valer em juízo.
Factos complementares ou concretizadores, por sua vez, são aqueles que densificam os factos que integram a causa de pedir e que concorrem para a completa integração da previsão normativa que serve de fundamento ao pedido.
E, por fim, os factos instrumentais são aqueles que permitem, através de presunções legais ou judiciais, chegar à conclusão de que se verificaram os factos essenciais ou complementares.
Ora, os factos que acabámos de descrever, se nalguma destas categorias poderiam ser integrados (mas não todos) seria na dos factos instrumentais.
Sucede que esse tipo de factos só é relevante se, como vimos, através deles, e mediante presunções judiciais, se puder chegar à conclusão de que se verificaram os factos essenciais ou complementares.
As presunções judiciais, no entanto, estão sujeitas às mesmas limitações da prova testemunhal; isto é, “só são admitidas nos casos e nos termos em que é admitida a prova testemunhal”.
Por conseguinte, também esse tipo de prova está sujeito à proibição que já aludimos para a prova pessoal; ou seja, é proibida .
Nestes termos, é de rejeitar totalmente a modificação da matéria de facto pretendida pelos AA.
E, sem essa modificação, a sentença recorrida, na parte jurídica, também não pode ser alterada. Como nela se concluiu, a ausência de prova da factualidade integradora da causa de pedir, só pode determinar a improcedência desta ação.
É certo que os AA., neste recurso, vêm com um outro tipo de argumentação.
Dizem eles, no fundo, que, mesmo não sendo modificada a factualidade provada, sempre seria de condenar o R. no pedido, dado que o princípio da equiparação torna extensíveis ao contrato promessa as regras do contrato prometido e, portanto, o regime da venda de coisas imperfeitas seria aqui inteiramente aplicável.
Mas, não é assim.
Este regime, na verdade, pressupõe sempre que tenha havido cumprimento imperfeito da obrigação de entrega da coisa; mais propriamente, falta de conformidade material entre as características da coisa que foram convencionadas ou legitimamente esperadas e aquelas que ela efectivamente tem, ao tempo da venda (artigos 882.º e 913.º, do Código Civil) .
Ora, no caso, não está provado que tenha havido essa entrega por parte do R., nem sequer que a mesma tivesse sido convencionada, em resultado do contrato-promessa celebrado entre as partes. Pelo contrário, o que resulta desse contrato é que o mesmo, como é regra, só teve efeitos obrigacionais; designadamente, criou para as partes a obrigação de celebrar o contrato prometido.
De modo que o princípio da equiparação, consagrado no artigo 410.º, n.º 1, do Código Civil, não é aqui aplicável.
Não quer isto dizer que o regime legal relativo à venda de coisas defeituosas nunca seja aplicável às promessas de venda. Pelo contrário, a doutrina e jurisprudência apontam em sentido diverso . Mas - acrescentamos nós - só quando as duas situações contratuais sejam equiparáveis. Porque se o não forem, prevalece a autonomia de ambas as figuras, sem prejuízo, naturalmente, da aplicação das disposições comuns aos contratos em geral e de outras relativas à forma e em que haja correspondência na razão de ser normativa. O que, repetimos, não é o caso, pois que, não tendo sido convencionada com o R. a obrigação de entrega do imóvel adquirido pelos AA. também não se pode reputar de imperfeito o cumprimento dessa obrigação.
Daí que esteja afastada, por completo, no caso presente, a possibilidade de reconhecimento aos AA. do direito indemnizatório de que os mesmos se arrogam titulares sobre o R., que, aliás, não foi sequer quem lhes fez a venda definitiva daquele mesmo imóvel.
Por tais razões, pois, o presente recurso só pode improceder, assim se confirmando a sentença recorrida.
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III- DECISÃO
Pelas razões expostas, acorda-se em negar provimento ao presente recurso e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida.
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- Porque decaiu na totalidade, as custas de ambas as instâncias serão pagas pelos Apelantes – artigo 527.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
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1 Neste sentido, Luis Filipe Pires de Sousa, Prova Testemunhal, 2016, Almedina, pág. 199.
2 Neste sentido, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pág, 301.
3 Neste sentido, Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., págs. 199.
4 Cfr. João Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Almedina, pág.39.
5 Como é característica típica deste tipo de contratos (v.g Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 7ª ed., Almedina, pág. 312).
6 Antunes Varela, ob cit., pág. 329, João Calvão da Silva, ob cit, pág. 28; e, na jurisprudência, Ac. STJ de 29/06/2010, Proc. 258/2002.G1.S1, consultável em www.dgsi.pt.