Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3583/14.4TBBRG.G1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: TESTAMENTO
INTERPRETAÇÃO DO TESTAMENTO
TEORIA DA IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Na interpretação do testamento o legislador adoptou um critério subjectivista, afastando-se da doutrina objectivista da impressão do destinatário, pelo que cabe ao intérprete descobrir a vontade real do testador através de prova complementar ou extrínseca ao testamento, e é com esse sentido que ele deve valer, contanto que tal vontade tenha no contexto do testamento um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa.
Decisão Texto Integral: Apelação nº 41/08.0TBSTB.E1



Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

1 –Relatório.

Luís Nuno da Cunha Pereira de Carvalho Assis (A) intentou contra BB, CC, DD, EE, FF, GG (RR) acção para reconhecimento da sua qualidade de herdeiro do seu falecido tio-avô HH.
Mais tarde interveio nos autos como R II.
Para o efeito alegou que, no testamento que efectuou, o seu tio-avô declarou: “[d]eixo todos os meus bens imóveis a (…) minha irmã Maria com a obrigação de os transmitir a seus netos, nascidos ou nascituros que preencham a condição que abaixo indico. Esta minha irmã poderá alienar algum ou alguns dos bens transmitidos para satisfazer necessidade pessoal que não possa satisfazer com a alienação de bens próprios. Os meus sobrinhos netos que podem beneficiar da disposição anterior são aqueles que até à data de vinte e sete anos completem um curso universitário ou superior a que corresponda grau de licenciatura ou de bacharelato, ou equiparado, em qualquer estabelecimento de ensino nacional ou estrangeiro. Os meus sobrinhos netos que satisfaçam esta condição quando mais de um dividem entre si em partes iguais todos os meus bens imóveis, ou o que restar deles”.
Alega que tinha concluído com 27 anos as disciplinas do curso superior de arquitectura que, pelo seu tipo e quantidade, o habilitavam ao exercício da profissão de docente do ensino secundário, como de resto sucedeu.
Os seus primos João, Paulo e Sérgio contestaram a acção, pugnando pela não atribuição da qualidade de herdeiro ao A, defendendo que não têm que dividir com este os bens imóveis do respectivo tio-avô, testador, porquanto aquele não tinha, com vinte e sete anos, o grau académico bastante.
Realizou-se a audiência final.
Foi proferida sentença que julgoua acção totalmente procedente e, em consequência, reconhece o AAA como interessado e legítimo herdeiro na partilha dos bens imóveis que se efectua no processo de inventário instaurado por óbito de HH, falecido em 29/12, na freguesia de Fradelos, concelho de Braga.
Inconformados com tal decisão, vieram os RR interpor recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição):
“PRIMEIRA
I. O presente recurso tem por base a sentença da Meritíssima Juiz a quo que julgou totalmente procedente a acção e, em consequência, reconheceu o apelado AA, como interessado e legítimo herdeiro na partilha de bens imóveis que se efectuou no processo de inventário instaurado por óbito de HH, falecido em 29/12/, na freguesia de Fradelos, concelho de Braga.
II. A reapreciação da prova, impugnação da matéria de facto, nos presentes autos circunscreve-se à errada interpretação, compreensão, sentido, valoração dos depoimentos de parte e das testemunhas que se identificam especificadamente, o que releva, sobretudo quanto á valoração e a consideração de factos instrumentais e complementares que também se deixam alegados e concluídos.
III. A Meritíssima Juiz a quo interpretou erradamente a vontade do testador à luz do disposto no art. 2187.º do Código Civil, porquanto o testador na sua disposição de vontade ao condicionar a atribuição de qualidade de herdeiros à conclusão de estudos pretendeu premiar aqueles que terminassem um curso universitário ou superior e não perpetuar a indivisibilidade dos bens na família;
IV. A Meritíssima Juiz a quo interpretou erradamente a aplicação conceptual da expressão “equiparado”;
V. A Meritíssima Juiz a quo NÃO aplicou a lei, mais concretamente o Despacho Normativo n.º 32/84; o Reconhecimento ao abrigo do disposto no capítulo V do Decreto-Lei n.º 283/83, de 21 de Junho; a Equiparação a um curso superior, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 29 992, de 21 de Outubro de 1939; o Reconhecimento do valor nacional, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 514/74, de 2 de Outubro; e Declaração de relevância em termos nacionais ao abrigo do disposto no artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 555/77, de 31 de Dezembro.”
VI. A Meritíssima Juiz a quo entendeu que, pelo facto de o apelado ter sido professor durante o período de 194 dias, tal concedia-lhe um grau equiparado (!) à licenciatura ou bacharelato;
VII. O Tribunal a quo estribou a sua decisão com base em depoimentos de testemunhas ligadas à docência, para concluir que o apelado reuniu os requisitos para dar aulas, ainda que só por 194 dias, então tal facto habilitava-o ao grau de equiparação (!);
VIII. Da errónea interpretação da vontade do testador quanto ao conceito de “equiparado” não poderá relevar nem de produzir efeitos jurídicos, uma vez que o mesmo é contrário à vontade do testador bem como à lei, mais concretamente aos diplomas indicados ponto IV) supra.
IX. O Tribunal a quo não apreciou devidamente a prova documental junta pelo apelado, pois não interpretou conjugadamente a mesma (Doc. 9 e Doc. n.º 10) de onde resulta que o apelado, no ano em que iniciou a docência, não tinha o número de cadeiras que no Doc. n.º 10 refere que tem;
X. Acresce que o Tribunal a quo não valorou o depoimento de parte dos apelantes, nomeadamente do apelante DD ouvido na sessão de Julgamento de 06.04.2016, no registo de depoimento Habilus Média Studio, 20160404145433_1334748_2870571, do minuto 51:10 ao minuto 52:01 e CC, ouvido na sessão de Julgamento de 06.04.2016, no mesmo com o registo de depoimento Habilus Média Studio, 20160404145433_1334748_2870571, do minuto 40:09 ao minuto 40:54, ambos acerca dos estudos, designadamente sobre a vontade que o inventariado tinha que os sobrinhos netos se formassem, mas valorou o depoimento de parte do interessado LUÍS, ouvido na sessão de Julgamento de 06.04.2016, com o registo de depoimento Habilus Média Studio, 20160404145433_1334748_2870571, do minuto 17:17 ao minuto 21:29, sobre o mesmo facto.
SEGUNDA
XI. A génese do presente recurso está em descortinar qual a real vontade do testador, ou seja, o que de facto pretendeu o testador ao referir no seu testamento:
“Deixo todos os meus bens imóveis a esta minha irmã Maria com a obrigação de os transmitir a seus netos, nascidos ou nascituros que preencham a condição que abaixo indico.
Esta minha irmã poderá alienar algum ou alguns dos bens transmitidos para satisfazer necessidade pessoal que não possa satisfazer com a alienação de bens próprios. Os sobrinhos netos que podem beneficiar da disposição anterior são aqueles que até à data de vinte e sete anos completem um curso universitário ou superior a que corresponda grau de licenciatura ou de bacharelato, ou equiparado, em qualquer estabelecimento de ensino nacional ou estrangeiro. Os meus sobrinhos netos que satisfaçam esta condição quando mais de um dividem entre si em partes iguais todos os meus bens imóveis, ou o que restar deles”.
XII. Na sua motivação a Meritíssima Juiz a quo refere que “um dos grandes objectivos do testador era o de impedir que os seus bens fossem alienados, sendo essa a razão pela qual deixou à sua mãe (irmã do de cujos) para que os mantivesse e subsequentemente partilhasse pelos netos “ (parágrafo 3.º da motivação).
XIII. O Tribunal a quo interpretou erradamente a vontade do testador quanto a este id, pois, na verdade, a vontade do inventariado não era a de perpetuar os bens na família, pela indivisibilidade dos mesmos, mas garantir que os sobrinhos-netos se formassem, os bens eram um incentivo.
XIV. De facto a vontade do testador era que os sobrinhos-netos se formassem, deste modo, deixou os bens imóveis à sua irmã MARIA, com a obrigação de os transmitir a seus netos, e não aos filhos desta, e sobrinhos do inventariado, pois estes não tinham concluído qualquer curso superior ou universitário.
XV. Deste modo, a MARIA poderia alienar algum ou alguns bem se fosse para satisfazer necessidade pessoal que não pudesse satisfazer com a alienação de bens próprios, tal como resulta do depoimento da testemunha, Exma. Senhora ISABEL, filha de MARIA e tia dos apelantes e apelado, ouvida na sessão de Julgamento de 04.04.2016, com o registo de depoimento Habilus Média Studio, 20160406095441_1334748_2870571, do minuto 11:08 ao minuto 12:13, bem como do depoimento de parte de JOSÉS, pai do apelado, filho de MARIA e sobrinho do inventariado, ouvido na sessão de Julgamento de 06.04.2016, com o registo de depoimento Habilus Média Studio, 20160404145433_1334748_2870571, do minuto 17:17 ao minuto 18:35, ambos referiram a instâncias do mandatário dos apelantes e a cerca da indivisibilidade dos bens, que a mãe, MARIA ROSA, poderia vender os bens imóveis.
XVI. Ou seja, o inventariado deixou os bens à sua irmã mas com o encargo de os conservar, por forma a que estes bens se transmitissem para quem? Para os sobrinhos-netos que “até à data de vinte e sete anos completem um curso universitário ou superior a que corresponda grau de licenciatura ou de bacharelato, ou equiparado, em qualquer estabelecimento de ensino nacional ou estrangeiro.
XVII. O testador era médico, tendo nascido em 15.11.1918 (início do século XX) e falecido em 06.11.1986, com cerca de 68 anos de idade.
XVIII. Licenciou-se como médico com 27 anos de idade, ou seja em 1945, final da II Guerra Mundial.
XIX. Na sua época, raros eram aqueles que sabiam ler e escrever, pelo que ser médico era de facto um estatuto deveras importante, marcante, dignificante, digno de tributo.
XX. Sem filhos, os seus “filhos” eram os seus sobrinhos e mais tarde os seus sobrinhos-netos, pelo que era neles que recaía todos os desejos, as vontades, os gostos e desgostos do de cujus.
XXI. Acresce que, o inventariado atribuía uma atenção especial/privilegiada às pessoas que possuíssem graus académicos, conforme o depoimento de parte de JOSÉ, ouvido na sessão de Julgamento de 06.04.2016, com o registo de depoimento Habilus Média Studio, 20160404145433_1334748_2870571, do minuto 19:05 ao minuto 19:07.
XXII. Para o inventariado não ter sobrinhos ou sobrinhos-netos com um grau académico era um DESGOSTO, uma VERGONHA.
XXIII. A disposição de última vontade do inventariado não teve como objectivo de perpetuar os bens na família, mas dar cumprimento à condição que ele efectivamente valorava e valorou naquela: os ESTUDOS. OBRIGAR OS SOBRINHOS-NETOS A CONCLUIR UM CURSO SUPERIOR OU UNIVERSITÁRIO, para isso permeava os que terminassem os tais estudos, castigando os que ficaram a meio do caminho.
XXIV. Aliás tal como refere o próprio testamento”…completem um curso universitário ou superior…”.
TERCEIRA
XXV. O inventariado na sua disposição de última vontade dispôs: “Os meus sobrinhos netos que podem beneficiar da disposição anterior são aqueles que até à data de vinte e sete anos completem um curso universitário ou superior a que corresponda grau de licenciatura ou de bacharelato, ou equiparado, em qualquer estabelecimento de ensino nacional ou estrangeiro. Os meus sobrinhos netos que satisfaçam esta condição quando mais de um dividem entre si em partes iguais todos os meus bens imóveis, ou o que restar deles.
XXVI. A questão prende-se em saber se o apelado preenche esta condição para ser considerado herdeiro.
XXVII. Ou seja, se aos 27 (vinte e sete) anos de idade possuía um curso universitário ou superior a que correspondesse grau de licenciatura ou de bacharelato, ou equiparado, em qualquer estabelecimento de ensino nacional ou estrangeiro.
XXVIII. No que concerne ao grau académico de licenciatura e bacharelato não existem dúvidas, o apelado NÃO CONCLUIU QUALQUER ENSINO UNIVERSITÁRIO OU SUPERIOR.
XXIX. Dos autos consta o Doc. n.º 8, junto pelo apelado na sua petição inicial – Certificado emitido pela “CEUL – COOPERATIVA DE ENSINO UNIVERSIDADE LUSIADA, CRL.”, em 10.11.2000, onde facilmente se verifica que, à data de emissão deste certificado,10.11.2000, o apelado não tinha concluído nenhuma cadeira do 5.º ano, isto por um lado, por outro lado faltavam-se concluir disciplinas de cada ano.
XXX. Assim, faltava concluir as seguintes disciplinas: do 1.º ano - Geometria Descritiva (anual); do 2.º ano – Desenho II (anual); do 3.º ano – Estruturas I (anual e Construções II (anual); do 4.º ano – Estruturas II (anual) e Construções II (anual).
XXXI. Deste modo está totalmente afastado o requisito da posse do grau académico (licenciatura ou bacharelato), sendo certo que quanto à figura do bacharelato esta não existe para o curso de Arquitectura, pelo que, ao apelado, restaria o grau académico de licenciado.
XXXII. Não tendo o apelado o grau académico de licenciatura, porquanto NÃO CONCLUIU a sua licenciatura em Arquitectura, importa saber se possuía, aos 27 anos de idade, algum grau académico por equivalência ou equiparação, se é que tal existe!!!
QUARTA
XXXIII. O Tribunal a quo entendeu que o testador quis incluir como seu herdeiro aqueles que por terem acedido à docência, ainda que por um período de 194 dias, seriam considerados a par dos licenciados e bacharéis. (!)
XXXIV. Não fazendo o juízo avaliativo que ora se queda feito, o Tribunal a quo acabou por não interpretar a vontade do testador atendendo à circunstância de ter sido médico a bordo de barcos, paquetes e cruzeiros, aliado ao facto de ter nascido em 1918, de se ter licenciado aos 27 anos e de ter família no Brasil, o seu irmão mais velho, conforme resulta do depoimento de parte de JOSÉ, na sessão de Julgamento de 06.04.2016, com o registo de depoimento Habilus Média Studio, 20160404145433_1334748_2870571, do minuto 04:50 ao minuto 04:59, para interpretar a sua vontade segundo a um critério objectivo legalista rebuscado.
XXXV. Importa referir que o inventariado tinha um irmão, ALBERTO, tio-avô do apelado, que vivia no Brasil, pelo que poderia um dos seus sobrinhos-netos, vir a concluir algum curso universitário ou superior nesse país.
XXXVI. Na interpretação da vontade do testador, o Tribunal a quo deveria ter-se alicerçado no seu backround, para daí extrair a vontade do testador com o “equiparado”.
XXXVII. É o Despacho Normativo nº 32/84 que regula a matéria no que respeita às habilitações consideradas próprias ou suficientes para a docência.
XXXVIII. Ora, o Despacho Normativo nº 32/84, de 27/01/84, publicado no DR. I Série, nº 34, de 09.02.84 veio definir, nos termos do seu nº 1 quais “as habilitações consideradas como próprias e suficientes para a leccionação nos diversos grupos, subgrupos, disciplinas e especialidades dos ensinos preparatório e secundário” e eram as que constavam do mapa anexo a esse despacho.
XXXIX. Determina esse Despacho Normativo no seu nº 5 que “salvo menção expressa em contrário, consideram-se as habilitações constantes do mapa anexo ao presente despacho como abrangendo todos os cursos com igual designação, quer os mesmos sejam ministrados no ensino público, quer no ensino particular e cooperativo, desde que tenham sido aprovados nos termos da legislação em vigor”.
XL. Nos termos do mapa a que se refere o nº 1 do Despacho Normativo nº 32/84, entre as habilitações consideradas como próprias e suficientes para a leccionação no “5º grupo – Educação visual – seriam, no caso do apelado, “12.º ano, via de ensino, 5.º curso.”, referente ao 4.º escalão, dado que tinha o 12.º ano de via de ensino, por exclusão de partes de não preencher os requisitos dos restantes escalões.
XLI. O 12.º ano de escolaridade foi a única habilitação académica que o apelado concluiu, que não é um Curso Universitário ou Superior.
QUINTA
XLII. Conforme resulta do ponto 5 dos factos provados “O testador era médico, tendo exercido a sua actividade durante muitos anos em barcos, paquetes e cruzeiros …”, o que significa que era um homem muito culto para a sua época, muito vivido para a sua época, já que enquanto médico a bordo de barcos, paquetes e cruzeiros, conhecia uma diversidade de povos, pessoas, culturas.
XLIII. Por esta vivência que tinha além-fronteiras, o testador sabia que os seus sobrinhos-netos poderiam concluir os seus estudos académicos num estabelecimento de ensino estrangeiro, razão pela qual na sua disposição de vontade disse ”… em qualquer estabelecimento de ensino nacional ou estrangeiro.”
XLIV. O inventariado com o “equiparado” apenas quis que os seus sobrinhos-netos pudessem concluir um curso universitário ou superior no estrangeiro, pelo facto de tal curso poder não ser reconhecido em território nacional, daí ter estipulado “…. completem um curso universitário ou superior a que corresponda grau de licenciatura ou de bacharelato, ou equiparado, em qualquer estabelecimento de ensino nacional ou estrangeiro.”
SEXTA
XLV. A equiparação a que o testador se refere é ao processo pelo qual uma qualificação académica superior estrangeira é comparada a uma qualificação académica superior portuguesa, relativamente ao nível, duração e conteúdo programático, sendo também fixada a área científica da equivalência concedida, e não à possibilidade de obtenção de um grau académico pelo facto de alguém ter lecionado no ensino básico, porque tal circunstância nunca aconteceu nem pode acontecer num país como Portugal, ou seja, de primeiro mundo.
XLVI. Para justificar a sua extrapolação sobre a equiparação, a Meritíssima Juiz a quo faz uma equiparação da vontade do testador, vontade presumida, já que nenhuma das testemunhas e interessados falou com o mesmo sobre o testamento, ao diploma que introduziu o bacharelato em Portugal, ao Decreto n.º 48627, de 12 de Outubro de 1968.
XLVII. A este propósito o Tribunal a quo, formou a sua convicção, ou melhor dito, ficou sensibilizado, com base, entre outros depoimentos, no depoimento da Exma. Senhora Dr.ª MARIA, ouvida na sessão de Julgamento de 04.04.2016, com o registo de depoimento Habilus Média Studio, 20160406095441_1334748_2870571, do minuto 21:33 ao minuto 23:38.
XLVIII. É evidente e até, merecedor de censura, o depoimento da Senhora Testemunha que foi inspectora do Ministério durante 28 anos, o desajuste do seu depoimento com o Despacho Normativo 32/84.
XLIX. Por mais voltas que se dê e por mais leituras que se faça do referido despacho, em momento algum, o mesmo se refere à figura da equiparação em função do número de anos ou de cadeiras feitas para dar aulas.
L. Existe, de facto, a possibilidade de leccionar em função de um determinado número de cadeiras de um determinado curso, mas tal, não é, nem de longe nem de perto, a equiparação de um grau académico de bacharelato para dar aulas.
LI. Os graus académicos são: Bacharelato, Licenciatura, Mestrado e Doutoramento e MAIS NENHUM.
LII. Não existe o grau académico de “professor” a não ser o de “Professor Doutor”, conferido pelo grau académico de Doutoramento, sendo certo que para aí chegar terá que primeiramente ser obtida a licenciatura.
LIII. Em bom rigor, professor é só uma profissão e não um grau académico.
LIV. De facto, no pós 25 de Abril e dada o elevado número de iliteracia em Portugal e devido à extraordinária afluência de alunos no ensino secundário, tornou-se indispensável fomentar a preparação de pessoal docente para os diversos ramos de ensino.
LV. Assim, foi introduzido o bacharelato para “encurtar” o tempo de determinadas licenciaturas.
LVI. Explicando de outro modo, mas concluindo da mesma maneira: não se pode partir de “A” para “B” e julgar que o critério que autoriza aquele iter permite operar o seu inverso, ou seja, de “B” poder chegar a “A”.
LVII. Com efeito a lógica aristotélica determina que o percurso intelectivo entre as premissas do extremos (akron) seja escorada por um termo médio (meson) que constituiu justamente o critério que autoriza o raciocínio, in caso, o juízo judicante.
LVIII. Ora, o facto de certa realidade académica permitir aceder ao exercício de uma profissão, o certo é que o exercício de certa profissão não potencia a obtenção de determinado grau académico, e era só este que está em causa nos presentes autos.
LIX. Acresce que, a Meritíssima Juiz a quo “caiu” no mesmo erro do pai do apelado que no seu depoimento, no registo de depoimento Habilus Média Studio, 20160404145433_1334748_2870571, do minuto 25:38 ao minuto 25:40, referiu a instâncias da Meritíssima Juiz a quo e sobre os estudos (que até se entende porque é pai) “Por isso é que eu digo que se ele hoje fosse vivo o único herdeiro era este que nós estamos aqui a discutir hoje Sr.ª Dr.ª, que ele os outros cursos não considerava, o pré-infantil, o infantil, professores de educação física, Sr.ª Dr.ª, não. Para ele isso não eram cursos.” [destaque nosso].
LX. Ora, o facto de certa realidade académica permitir aceder ao exercício de uma profissão, o certo é que o exercício de certa profissão não potencia a obtenção de determinado grau académico. No caso, só o grau académico interessava.
LXI. É óbvio que o testador quis beneficiar os sobrinhos-netos que completassem uma determinada formação académica, um curso universitário ou superior, excluindo todos aqueles que não a completassem.
LXII. Daí ter subordinado a vocação à obtenção de habilitações académicas e não ao exercício da docência, caso assim quisesse tê-lo-ia dito e em português simples.
SÉTIMA
LXIII. Não merece qualquer censura a sentença proferida pelo Tribunal a quo no que concerne à qualificação do tipo de testamento que nestes autos se encontra ajuizado, pois de facto estamos face a um testamento cerrado e que na interpretação do negócio mortis causa que nos ocupa deve obedecer aos critérios estabelecido no art. 2187º do Código Civil.
LXIV. É pacífico o entendimento segundo o qual o preceito acolhe uma orientação subjectivista na interpretação do testamento, o que é o mesmo que dizer que o negócio jurídico de disposição testamentária deve valer em conformidade com vontade real do testador, de acordo com aquilo que ele verdadeiramente quis.
LXV. Assim, quando confrontado com disposição que comporte a possibilidade de valer com mais do que um sentido, impõe-se ao intérprete a tarefa de averiguar, com recurso a todos os meios disponíveis, a efectiva vontade do testador.
LXVI. No caso em apreço ressalta à evidência a impossibilidade de recurso a qualquer prova complementar contemporânea do testamento, porquanto e conforme resulta da motivação da sentença nenhuma das testemunhas e interessados falou com o testador sobre o testamento: “Nem mesmo o interessado JOSÉ - tal como nenhum outro – falou concretamente com o testador acerca daquela disposição de vontade atinente à obtenção de grau de licenciatura, bacharelato, ou equiparado pelo que, se para os graus de licenciatura e bacharelato não há dificuldades de concretização, já a questão da equiparação há-de ser descortinada de outro modo, como adiante se verá”. (antepenúltimo parágrafo da motivação).
LXVII. Resta-nos, assim, como ponto de partida e também limite à interpretação do testamento nestes autos ajuizado, o texto através do qual manifestou a sua vontade.
LXVIII. Trata-se, afinal, de - em divergência com as regras gerais que regem sobre interpretação do negócio jurídico (arts. 236º a 238.º Código Civil) - cumprir a vontade do testador (a vontade que manifestou e manteve até ao fim dos seus dias, pois que o testamento incorpora justamente as disposições de última vontade do seu autor), matéria em que “nenhum (outro) interesse, de destinatários ou do tráfego, prevalece sobre este objectivo substancia.
LXIX. O texto tem o seguinte teor: “Os meus sobrinhos netos que podem beneficiar da disposição anterior são aqueles que até à data de vinte e sete anos completem um curso universitário ou superior a que corresponda grau de licenciatura ou de bacharelato, ou equiparado, em qualquer estabelecimento de ensino nacional ou estrangeiro.
LXX. Conforme resulta do ponto 4 dos factos provados “O inventariado faleceu sem deixar descendentes…”, assim, facilmente se conclui que os seu “filhos” eram os seus sobrinhos-netos.
LXXI. O testador era “…médico, tendo exercido a sua actividade durante muitos anos em barcos, paquetes e cruzeiros”… (ponto 5 dos factos provados), o que significa que era um homem muito culto e muito vivido para a sua época, já que a sua experiencia de vida conhecia uma diversidade de povos, pessoas, culturas.
LXXII. Por esta vivência que tinha além-fronteiras, o testador considerava a possibilidade de os seus sobrinhos-netos poderem vir a concluir os seus estudos académicos num estabelecimento de ensino estrangeiro, razão pela qual na sua disposição de vontade disse: ”… em qualquer estabelecimento de ensino nacional ou estrangeiro.”
LXXIII. Com o “equiparado”, o inventariado quis dar a possibilidade de os sobrinhos-netos saírem de solo luso e concluírem um curso universitário ou superior no estrangeiro, porquanto na sua disposição de última vontade equiparou a valência de um curso concluído em Portugal ou no estrangeiro, daí ter estipulado: “…completem um curso universitário ou superior a que corresponda grau de licenciatura ou de bacharelato, ou equiparado, em qualquer estabelecimento de ensino nacional ou estrangeiro.”
LXXIV. Importa referir que o inventariado tinha um irmão, tio-avô do apelado, que vivia no Brasil, pelo que poderia um dos seus sobrinhos-netos, vir a concluir algum curso universitário ou superior nesse país, conforme resulta do depoimento de parte de JOSÉ, na sessão de Julgamento de 06.04.2016, com o registo de depoimento Habilus Média Studio, 20160404145433_1334748_2870571, do minuto 04:50 ao minuto 04:59.
LXXV. É óbvio que o testador quis beneficiar os sobrinhos-netos que completassem uma determinada formação académica, um curso universitário ou superior, excluindo todos aqueles que não completassem.
OITAVA
LXXVI. Conforme resulta dos pontos 1 a 3 dos factos provados, houve já uma decisão proferida no âmbito do Proc. n.º 4670/09.6TBBRG, no extinto 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga.
LXXVII. Houve, portanto, um entendimento por um par desde douto Tribunal a quo, e em sentido totalmente diferente, mas muito mais acertado, na medida em que é consentânea com as regras e nomes jurídicos alargados.
LXXVIII. A sentença proferida e ora transcrita (ainda que em parte) excluiu o apelado como herdeiro pelo mesmo não cumprir a condição que ficou estipulada pelo testador.
“Já no que concerne ao Interessado Luís, impõe-se esclarecer o sentido da expressão “completem um curso universitário ou superior a que corresponda um grau de licenciatura ou bacharelato, ou equiparado, em qualquer estabelecimento de ensino nacional ou estrangeiro.”
Defende o cabeça-de-casal e o referido interessado que, com a expressão que o Inventariado pretendiam era subordinar a vocação à obtenção de habilitações académicas necessárias para a docência. Afigura-se não ser essa a interpretação mais conforme com o contexto do testamento. Em primeiro Lugar, não é esse o sentido que decorre das palavras empregues pelo testador, quando estabelece como exigência, que os seus sobrinhos-netos completem um curso universitário ou superior. Completar é o mesmo que terminar o que se começou. Completar um curso universitário ou superior, em linguagem corrente, significa obter aproveitamento na totalidade das disciplinas que integram o plano de estudos e obter o correspondente a grau académico. Não é o mesmo que obter aproveitamento em parte das cadeiras independentemente de tal já permitir o exercício para a docência – é, de resto, usual que os melhores alunos sejam convidados para a docência universitária ainda antes de obterem a licenciatura. Por outro lado, este é o sentido que melhor corresponde ao horizonte de referência do testador, que concluiu a licenciatura com 27 anos e privilegia, nas suas relações, as pessoas que detinham graus académicos – e não, em especial, aqueles que exerciam a docência. O testador quis, como resulta da matéria de facto, que os seus sobrinhos-netos seguissem o seu exemplo: o exemplo de alguém que persistiu nos estudos e acabou com 27 anos, o curso que começo.”
LXXIX. Ora é neste quadro, esgotado o processo interpretativo, também não se vislumbra que se possa admitir a existência de uma lacuna de previsão nas declarações negociais do testador, a demandar integração, por ampliação, a subordinar a vocação à obtenção de habilitações académicas necessárias para a docência, na conclusão de um curso universitário ou superior a que corresponda um grau de licenciatura ou bacharelato.
LXXX. Nada indica que o testador tivesse previsto, desejado e satisfeito a possibilidade de algum dos sobrinhos netos lecionarem sem completaram o grau académico, que aliás conforme refere, e bem, a decisão proferida no âmbito Proc. n.º 4670/09.6TBBRG, bastante usual “que os melhores alunos sejam convidados para a docência universitária ainda antes de obterem a licenciatura”.
LXXXI. Mas não foi isto que o testador quis.
LXXXII. O que o testador quis foi premiar os que, como ele, se esforçaram e conseguiram concluir um curso universitário ou superior e penalizar todos os outros.
LXXXIII. Este facto passou ao Tribunal a quo totalmente despercebido, mas com censura agravada, pois trata-se, em parte, de uma questão de direito e como tal nem necessitaria de ser alegada.
LXXXIV. Todo o alegado e concluído demonstra o desajuste da decisão recorrida.
LXXXV. Foram violados entre outros, mas especificamente, os arts. 627.º, 629.º n.º 1, 631.º n.º 2, 638.º n.º 1 e 639.º,640.º, 685.º n.º 7 e 685.º-B, do C.P.C, art. 2187.º do Código Civil; o Despacho Normativo n.º 32/84; o Reconhecimento, ao abrigo do disposto no capítulo V do Decreto-Lei n.º 283/83, de 21 de Junho; a Equiparação a um curso superior, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 29 992, de 21 de Outubro de 1939; Reconhecimento do valor nacional, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 514/74, de 2 de Outubro; e Declaração de relevância em termos nacionais ao abrigo do disposto no artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 555/77, de 31 de Dezembro.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE, E, EM CONSEQUÊNCIA REVOGADA A DECISÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO, SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE EXCLUA O APELADO COMO SUCESSOR DA HERANÇA ABERTAPOR ÓBITO DO INVENTARIADO.”
Nas contra-alegaçõeso recorrido conclui da seguinte forma (transcrição):
“I - O recorrente BB nunca constituiu qualquer mandatário nos presentes autos pelo que, nos termos do artigo 48º do Código de Processo Civil, deverá ser promovida a junção aos autos de procuração passada por aquele recorrente a ratificar o processado sob pena de, tal não sucedendo, serem aplicadas as cominações legais previstas referido artigo.
II – Apesar do anúncio da apresentação de recurso sobre a matéria de facto, a verdade é que os recorrentes não identificaram os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida ou a decisão, que, no entender dos recorrentes, deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas, motivo pelo qual o presente recurso deve incidir apenas sobre a matéria de direito, considerando-se assente a matéria de facto dada como provada.
III - A questão a decidir nos presentes autos é tão só a de aferir se, atendendo à vontade do testador, o Autor poderá ter, ou não ter a qualidade de fideicomissário da herança do seu tio-avô José Augusto Barreiros da Costa.
IV – Encontra-se assente que o inventariado faleceu sem deixar descendentes ou ascendentes, tendo, em 06.11.1989 outorgado testamento reduzido a escrito em documento por si manuscrito e assinado, documento esse que foi objecto de instrumento de aprovação outorgado no 1º Cartório Notarial de Braga, e de posterior instrumento de abertura lavrado no mesmo Cartório Notarial no dia 02/01/1990, do qual resulta que: “Lego todos os meus bens móveis, com excepção de importâncias em dinheiro, papéis de crédito e depósitos bancários que eventualmente existam na data da minha morte, a meu sobrinho José Luís Braga de Carvalho Assis, filho de minha irmã Maria. Deixo todos os meus bens imóveis a esta minha irmã Maria Rosa com a obrigação de os transmitir a seus netos, nascidos ou nascituros que preencham a condição que abaixo indico. Esta minha irmã poderá alienar algum ou alguns dos bens transmitidos para satisfazer necessidade pessoal que não possa satisfazer com a alienação de bens próprios. Os meus sobrinhos netos que podem beneficiar da disposição anterior são aqueles que até à data de vinte e sete anos completem um curso universitário ou superior a que corresponda grau de licenciatura ou de bacharelato, ou equiparado, em qualquer estabelecimento de ensino nacional ou estrangeiro.”
V- Encontra-se igualmente assente que a Maria, irmã do inventariado José, faleceu no dia 23 deJulho de 2007, e que o autor, nascido em 29/04/1971, é neto daquela Maria.
VI – Está ainda assente que, em data anterior a 15/10/1993, ou seja , em data em que o autor teria 22 anos, o mesmo concluiu disciplinas do curso de arquitectura que o habilitavam a leccionar as disciplinas de educação visual e tecnológica e geometria descritiva no ensino secundário, tendo sido professor daquela disciplina no período compreendido entre 15/10/1993 e 31/08/1994, no ensino público.
VII - Na verdade, a única questão que o recurso apresentado levanta prende-se com a vontade que os recorrentes têm de impor ao Autor e aos demais herdeiros do seu tio-avô a interpretação que eles próprios fazem do testamento daquele seu tio-avô, nem que para tal se tenham de socorrer de fantasias e a decisões judiciais já anteriormente revogadas por este mesmo Tribunal da Relação.
VIII - O testador decidiu introduzir no seu testamento a figura do “equiparado” à licenciatura e ao bacharelato, pelo que, na interpretação daquele testamento, se terá de perceber qual foi a vontade do testador que esteve subjacente à introdução daquela figura do “equiparado”.
IX – A tese apresentada pelos recorrentes em sede de recurso segundo a qual a vontade do testador teria sido a de precaver a possibilidade de algum sobrinhoneto poder concluir um curso académico no estrangeiro e que o equiparado serviria para precaver essas situações tem, pelo menos, duas fragilidades:
a) a primeira, é que o próprio testamento já prevê a possibilidade dos sobrinhosnetos frequentarem estabelecimentos de ensino no estrangeiro;
b) a segunda, é que a tese só é apresentada em sede de recurso sendo portanto matéria nova que não pode ser objecto de apreciação.
X – Motivo pelo qual esta nova tese não tem qualquer viabilidade para ser sequer apreciada.
XI – Pelo contrário, bem andou o Tribunal a quo ao ter afirmado que “…não há dúvidas de que a referência à equiparação visou alargar o âmbito de possibilidades que se continham nos bacharelatos e licenciaturas obtidas em território nacional ou no estrangeiro, pelo que não cabe aos interessados esvaziar de sentido a declaração de vontade do falecido, torcendo-a de molde a contê-la nesses graus académicos.”
E que, “Em suma, se o testador quis incluir como seu herdeiro quem, não tendo a licenciatura ou o bacharelato, tivesse uma situação equiparada, não há razão alguma para excluir desta equiparação alguém que, por força da habilitação que obteve em determinadas disciplinas de um curso superior, fosse considerado um par com licenciados e bacharéis nos concursos públicos para o ingresso na docência de determinadas disciplinas (evidentemente que o autor não poderia leccionar português, tal como não o poderia um licenciado em biologia, engenharia, educação física ou matemática, mas isso apenas respeita à área das respectivas competências, nada mais).”
XII - Esta interpretação ajusta-se àquela que se acredita tenha sido a vontade do testador, e não só não contraria o texto do testamento, como também não fica aquém nem além daquele texto, pelo que obedece a todos os requisitos impostos pelo artigo 2187º do Código Civil, motivo pelo qual nenhuma crise merece a sentença recorrida nem a motivação na qual a mesma assentou.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado integralmente improcedente, sendo proferido acórdão a confirmar a decisão recorrida (…).”
Notificados para se pronunciarem sobre o incumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto invocado nas contra-alegações, os recorrentes, embora admitindo que as referências temporais dos depoimentos não são exactas, alegam que cumprem tal ónus, pois transcrevem os trechos dos depoimentos que entendem pertinentes.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Na 1.ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
“1) Correu termos sob o n.º 4670/09.6TBBRG, no extinto 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga, processo de inventário por óbito de José Augusto Barreiros da Costa, falecido em 29.12.1989, na freguesia de Fradelos, concelho de Braga (actualmente União das Freguesias de Vilaça e Fradelos), no estado de solteiro.
2) No âmbito do processo referido em 1), o ora autor foi relacionado pelo cabeça-de-casal como interessado na aludida herança, relacionamento esse que veio a ser impugnado pelo interessado Paulo Alexandre Vilarinho Alves de Carvalho Assis, ora co-réu.
3) Por acórdão proferido no Tribunal da Relação da Guimarães os interessados foram remetidos para os meios comuns para apurar a qualidade de herdeiro do ora autor.
4) O inventariado faleceu sem deixar descendentes ou ascendentes, tendo, em 06.11.1989, outorgado testamento reduzido a escrito em documento por si manuscrito e assinado, documento esse que foi objecto de instrumento de aprovação outorgado no 1º Cartório Notarial de Braga, e de posterior instrumento de abertura lavrado no mesmo Cartório Notarial no dia 02/01/1990, pelo qual consignou o seguinte: “Lego todos os meus bens móveis, com excepção de importâncias em dinheiro, papéis de crédito e depósitos bancários que eventualmente existam na data da minha morte, a meu sobrinho José, filho de minha irmã Maria. Deixo todos os meus bens imóveis a esta minha irmã Maria com a obrigação de os transmitir a seus netos, nascidos ou nascituros que preencham a condição que abaixo indico. Esta minha irmã poderá alienar algum ou alguns dos bens transmitidos para satisfazer necessidade pessoal que não possa satisfazer com a alienação de bens próprios. Os meus sobrinhos netos que podem beneficiar da disposição anterior são aqueles que até à data de vinte e sete anos completem um curso universitário ou superior a que corresponda grau de licenciatura ou de bacharelato, ou equiparado, em qualquer estabelecimento de ensino nacional ou estrangeiro. Os meus sobrinhos netos que satisfaçam esta condição quando mais de um dividem entre si em partes iguais todos os meus bens imóveis, ou o que restar deles”.
5) O testador era médico, tendo exercido a sua actividade durante muitos anos em barcos, paquetes e cruzeiros, poucos laços mantendo com a família, com excepção da irmã Maria que foi quem dele cuidou, conjuntamente com o seu filho José, desde data não concretamente apurada mas que se reporta pelo menos a 1986, até à sua morte.
6) Maria faleceu em 23 de Julho de 2007, com a idade de 92 anos.
7) O autor é neto de Maria e nasceu em 29.04.1971.
8) Em data anterior a 15.10.1993 o autor tinha concluído disciplinas do curso de arquitectura que o habilitavam a leccionar as disciplinas de educação visual e tecnológica e geometria descritiva no ensino secundário, tendo sido professor daquela disciplina no período compreendido entre 15.10.1993 e 31.08.1994, no ensino público.

Foi ainda decidido que com pertinência para o mérito da causa não ficaram quaisquer factos por apurar.


2 – Objecto do recurso.

Questõesa decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões da sua alegação, nos termos do artigo 684.º, n.º 3 do CPC:
1.ª questão- incumprimento ou não do ónus de impugnação.
2.ª questão - impugnação do direito/saber qual a interpretação do testamento/saber se o facto de ter feito disciplinas do curso de arquitectura que habilitavam a leccionar as disciplinas de educação visual e tecnológica e geometria descritiva no ensino secundário pode considerar-se uma situação equiparada a um curso universitário ou superior a que corresponda grau de licenciatura ou de bacharelato, ou equiparado, em qualquer estabelecimento de ensino nacional ou estrangeiro.


3 - Análise do recurso.

1.ª questão - incumprimento ou não do ónus de impugnação.

Vem o recorrido colocar a questão do incumprimento do ónus de especificação vertido nas alíneas b) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, requerendo a rejeição do recurso nesta parte.
Alega que, apesar do anúncio da apresentação de recurso sobre a matéria de facto, os recorrentes não identificaram os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida ou a decisão, que, no entender dos recorrentes, deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas, motivo pelo qual o presente recurso deve incidir apenas sobre a matéria de direito, considerando-se assente a matéria de facto dada como provada.
E tem razão.
Vejamos o quadro legal que permite a alteração da matéria de facto:
Estamos perante um recurso interposto de uma decisão que foi proferida após a entrada em vigor do novo CPC (1 de Setembro de 2013) e, por isso, é aplicável o regime de recursos decorrente do novo Código – cfr. artigos 5.º, n.º 1, 6.º, n.º 1 e 7.º n.º 1 da Lei n.º 41/2013.
Dispõe o artigo 640.º do CPC, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto:
“Quando seja impugnada a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”;
Mais dispondo o n.º 2 do mesmo normativo, sob a alínea a):
“Quando os meios probatórios invocados com fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder á transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Com efeito, esta norma impõe ao recorrente o dever de especificar com exactidão tais elementos.
Com este regime - como refere Abrantes Geraldes (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, 2013, Almedina, página 123) houve reforço do ónus de alegação.
Trata-se, assim, de afastar impugnações com carácter “genérico” que não traduzem uma divergência concretizada da decisão.
Ora, no caso concreto, o que acontece é que os recorrentesse insurgem contra a interpretação do testamento feita na sentença, discordando da mesma, mas não propriamente dos factos assentes (bastando ler os mesmos para perceber que o seu conteúdo não é posto em causa na exposição do recurso) e, por isso, nem sequer indicam quais os factos que pretendem ver alterados e qual o sentido da alteração.
Insistem, sim, na errada interpretação da vontade do testador, o que não é uma questão de impugnação da matéria de facto mas sim de direito.
Há uma confusão quanto ao alcance da sua impugnação.
Não estão de forma alguma reunidos os requisitos de impugnação da matéria de facto, mantendo-se, assim, os factos antes fixados, sendo que a discordância dos recorrentes será tratada ao nível do direito.


2.ª questão - impugnação do direito/saber qual a interpretação do testamento/ saber se o facto de ter feito disciplinas do curso de arquitectura que habilitavam a leccionar as disciplinas de educação visual e tecnológica e geometria descritiva no ensino secundário pode considerar-se uma situação equiparada a um curso universitário ou superior a que corresponda grau de licenciatura ou de bacharelato, ou equiparado, em qualquer estabelecimento de ensino nacional ou estrangeiro.

Os recorrentes discordam da interpretação do testamento expressa na sentença.
Alegam que a sentença faz uma errada interpretação da vontade do testador à luz do disposto no art.º 2187.º do Código Civil, porquanto o testador, na sua disposição de vontade ao condicionar a atribuição de qualidade de herdeiros à conclusão de estudos, pretendeu premiar aqueles que terminassem um curso universitário ou superior e não perpetuar a indivisibilidade dos bens na família, pelo que a Meritíssima Juiz a quo interpretou erradamente a aplicação conceptual da expressão “equiparado” ao considerar que, pelo facto de o apelado ter sido professor durante o período de 194 dias, tal concedia-lhe um grau equiparado à licenciatura ou bacharelato.
Vejamos:
Nos termos do art.º2187.º do C.Civil:
“1. Na interpretação das disposições testamentárias observar-se-á o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento.
2. É admitida prova complementar, mas não surtirá qualquer efeito a vontade do testador que não tenha no contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa.”
O legislador adoptou, deste modo, um critério subjectivista, afastando-se da doutrina objectivista da impressão do destinatário – vide, a este propósito, entre outros, os Acórdãos do STJ de 07.05.2015, proferido no processon.º9713/05.0TBBRG.G1.S1 e de 21.10.2014, proferido noprocesso n.º 1837/10.8TBCTB.C1.S1.
Assim, o intérprete deve procurar descobrir a vontade real do testador, mesmo através de prova complementar ou extrínseca ao testamento e é com esse sentido que ele deve valer, contanto que tal vontade tenha no contexto do testamento um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa. (vide Pereira CoelhoinDireito das Sucessões, Coimbra, 1992, página 337).
Ora, no nosso caso, está provado, com especial interesse,que:
“4-O inventariado faleceu sem deixar descendentes ou ascendentes, tendo, em 06.11.1989, outorgado testamento reduzido a escrito em documento por si manuscrito e assinado, documento esse que foi objecto de instrumento de aprovação outorgado no 1º Cartório Notarial de Braga, e de posterior instrumento de abertura lavrado no mesmo Cartório Notarial no dia 02/01/1990, pelo qual consignou o seguinte: “Lego todos os meus bens móveis, com excepção de importâncias em dinheiro, papéis de crédito e depósitos bancários que eventualmente existam na data da minha morte, a meu sobrinho José filho de minha irmã Maria. Deixo todos os meus bens imóveis a esta minha irmã Maria com a obrigação de os transmitir a seus netos, nascidos ou nascituros que preencham a condição que abaixo indico. Esta minha irmã poderá alienar algum ou alguns dos bens transmitidos para satisfazer necessidade pessoal que não possa satisfazer com a alienação de bens próprios. Os meus sobrinhos netos que podem beneficiar da disposição anterior são aqueles que até à data de vinte e sete anos completem um curso universitário ou superior a que corresponda grau de licenciatura ou de bacharelato, ou equiparado, em qualquer estabelecimento de ensino nacional ou estrangeiro. Os meus sobrinhos netos que satisfaçam esta condição quando mais de um dividem entre si em partes iguais todos os meus bens imóveis, ou o que restar deles.” (sublinhado nosso).
E que:
“8) Em data anterior a 15.10.1993, o autor tinha concluído disciplinas do curso de arquitectura que o habilitavam a leccionar as disciplinas de educação visual e tecnológica e geometria descritiva no ensino secundário, tendo sido professor daquela disciplina no período compreendido entre 15.10.1993 e 31.08.1994, no ensino público.”
A questão é, pois, a de saber se o facto de ter feito disciplinas do curso de arquitectura que o habilitavam a leccionar as disciplinas de educação visual e tecnológica e geometria descritiva no ensino secundário, pode considerar-se uma situação equiparada a um curso universitário ou superior a que corresponda grau de licenciatura ou de bacharelato, ou equiparado, em qualquer estabelecimento de ensino nacional ou estrangeiro.
E concordamos com a sentença quando conclui que a referência à equiparação visou alargar o âmbito de possibilidades que se continham nos bacharelatos e licenciaturas obtidas em território nacional ou no estrangeiro, pelo que não cabe aos interessados esvaziar de sentido a declaração de vontade do falecido, torcendo-a de molde a contê-la nesses graus académicos ou seja, se o testador quis incluir como seu herdeiro quem, não tendo a licenciatura ou o bacharelato, tivesse uma situação equiparada, não há razão alguma para excluir desta equiparação alguém que, por força da habilitação que obteve em determinadas disciplinas de um curso superior, fosse considerado um par com licenciados e bacharéis nos concursos públicos para o ingresso na docência de determinadas disciplinas (evidentemente que o A não poderia leccionar português, tal como não o poderia um licenciado em biologia, engenharia, educação física ou matemática, mas isso apenas respeita à área das respectivas competências, nada mais).
Se foi reconhecido por um estabelecimento de ensino para dar aulas, tem que se entender que se verifica a situação de “equiparação” pensada pelo de cujus sob pena de esvaziamento dessa parte da previsão do testamento, pelo que, mesmo intrinsecamente, é esse o sentido lógico do conteúdo do testamento.
Se se fala em “grau de licenciatura ou de bacharelato, ou equiparado” é porque é uma terceira situação, diferente de licenciatura e de bacharelato.
E nem se diga, como pretendem os recorrentes, que,em termos de rigor legal académico, não há qualquer equiparação, invocando o Despacho Normativo n.º 32/84 (publicado no DR. I Série, n.º 34, de 09.02.84) pois não é ao rigor académico que devemos recorrer, mas antes à equiparação que o testador teve em mente ao elaborar o seu testamento e que, no caso, nos parece demonstrada, pelo facto de ser um estabelecimento de ensino a permitir a docência.
No nosso entender, a vontade do testador, neste caso, consubstancia uma abrangência ampla no sentido de englobar situações de “estudos superiores” ainda que incompletos, como é o caso do recorrido.
Em suma:
Improcede o recurso na totalidade.



4 – Dispositivo.

Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.

Guimarães,16.02.2017

Elisabete de Jesus Santos Oliveira Valente

Heitor Pereira Carvalho Gonçalves

Amílcar José Marques Andrade