Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
456/12.9TBEPS.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
PREJUÍZO ESTÉTICO
PREJUÍZO DE DISTRACÇÃO
PREJUÍZO JUVENIL
PORTARIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – Em termos de sequelas de lesões corporais, com reflexos não patrimoniais, é de realçar o prejuízo estético, o prejuízo de distracção ou passatempo e o prejuízo juvenil, na fixação da indemnização, tendo a vítima 20 anos de idade e sofrido cicatrizes na face, nos membros superiores e inferiores, de natureza pruriginosa e com descoloração da pele, que lhe causam desgosto, afectam a sua liberdade de lazer e de convívio.

II - A Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, (alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25.06) veio apenas estabelecer os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente de automóvel de proposta razoável para indemnização de dano corporal, não estando os tribunais limitados nem vinculados aos valores indemnizatórios ali fixados.

III – Por força do disposto no artº 496º, nº3, 1ª parte, do CC, que remete para o artº 494º, do mesmo diploma, deve-se atender às circunstâncias do caso concreto na fixação da indemnização, o que afasta a padronização desta.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório;

Recorrentes e recorridas: AA… (AA.); "BB Seguros, S.A" (RR.);
*****

Pedido:

AA… intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra "BB Seguros, S.A", pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 58.756,78, acrescida dos juros de mora que se vencerem deste a citação.

Causa de pedir:

Na sequência de acidente de viação de que foi culpada a condutora do veículo segurado na ré, resultaram danos para ela no montante peticionado.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença em que se julgou a acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, se decidiu condenar a ré a pagar à autora:
«a) a quantia de € 416,78 (quatrocentos e dezasseis euros e setenta e oito cêntimos) a titulo de danos patrimoniais e € 14.000,00 (catorze mil euros) a título de danos não patrimoniais;
c) a pagar os juros de mora, à taxa legal:
- desde a citação até integral pagamento, sobre o montante relativo aos danos patrimoniais;
- desde hoje até integral pagamento, sobre o montante relativo aos danos não patrimoniais».

Inconformadas com tal decisão, dela interpuseram recurso autora e ré, de cujas alegações se extraem, em súmula, as seguintes conclusões:
A – Apelação da Autora:
1. Deverá constar dos factos dados como provados [sob 10) da BI e sob 15. da sentença (Fundamentação/factos provados)], que o quantum doloris é fixável no grau 3/7 e que o dano estético é fixável no grau 4/7, cf. resulta da perícia ordenada e junta aos autos, a cargo do INML.
2. A indemnização fixada a favor da A no montante de € 14.000,00 (catorze mil euros) a título de danos não patrimoniais peca por diminuta reputando como equitativa a quantia nunca inferior a € 33.000,00;
3. Estamos perante inquestionável dano moral, na sua vertente psicológica com perda de auto-estima causada pela deformação física na face e no corpo (membros inferiores e superiores), o que traduz um evidente dano estético que assume especial relevo numa mulher jovem, gerando sentimentos de desprezo e auto-comiseração, pois, sofreu um dano estético, que por se evidenciar na face e no corpo, o torna visível e psicologicamente gravoso, porque a desfeia, por outro lado as dores sofridas pelas queimaduras e pelos tratamentos, a percepção do evento e dos danos quando “acorda” e o natural pavor que isso naturalmente gera, integram-se no conceito de dano não patrimonial;
4. As cicatrizes afectam o rosto e o corpo e são visíveis e pelo facto de se tratar de uma mulher jovem tal afectação permanente do estado físico constitui grave dano estético, mais a mais, sabendo-se que a aparência física está relacionada com a expressão individual dos sujeitos, a sua relação consigo mesmo e com o ambiente social, o que contende com sentimentos de auto-estima, em tempos em que é socialmente exigida boa aparência.
5. Normas jurídicas violadas: artigos 70.º, n.º 1, 496.º, n.º 1 e 3 e 494.º todas do C. Civil.
Pede que seja alterada a sentença recorrida.

B – Apelação da Ré:

1. A indemnização de € 14.000,00 atribuída à Autora a título de danos não patrimoniais é manifestamente excessiva.
2. Ressalvamos a necessidade de recurso a critérios de equidade e normalidade, para a fixação da indemnização, sendo certo que é irrealista pretender alcançar um valor que espelhe exactamente o dano sofrido - artigos 494.º e 496.º, n.º 3 do C.P.C..
3. Os elementos que compõe o dano não patrimonial são; o "dano estético"; o prejuízo da "saúde geral e da longevidade"; o "pretium juventutis" e o "pretium doloris".
4. No que concerne a estes pontos, prova-se a idade da Autora (pretium juventutis) à data do acidente – 20 anos; padece de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 1 ponto valorizada pela cicatriz na face que é pruriginosa e atendendo á sua localização, sem qualquer rebate profissional e sem implicar qualquer esforços complementares na sua profissão.
5. Deste modo, consideramos equilibrado fixar em € 7.500,00, o montante da indemnização pelos danos morais sofridos pela Autora, em termos de equidade e atendendo aos critérios orientadores estabelecidos na Portaria n.º 377/2008 de 26 de Maio, que poderão auxiliar a uniformidade de decisões judiciais em matéria sobremaneira subjectiva, não obstante as doutas considerações do aresto recorrido.
6. A sentença recorrida violou, neste particular, e designadamente, o disposto nos art.ºs 562.º, 566.º, n.º 2, 496.º, n.º 3 e 494.º todos do C.C..
Pede a alteração da sentença nos termos alegados.

Não houve contra alegações.

II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos do artº 639º, do Código de Processo Civil (doravante CPC).

As questões suscitadas pelas Recorrentes são as seguintes:
A – Recurso da Autora:
a) Alteração da matéria de facto;
b) Montante da indemnização, a título de dano patrimonial;
B – Recurso da Ré:
a) Montante da indemnização, a título de dano patrimonial;

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


III – Fundamentos;


1. De facto;

A factualidade dada como assente na sentença recorrida é a seguinte:

Factos provados:
1. No dia 15 de Agosto de 2010, pelas 10.40 horas, ocorreu um acidente de viação na Auto-Estrada A28, ao km 54, na freguesia e concelho de Esposende, em que foi interveniente um veículo ligeiro de passageiros, de matrícula nº 36-19-…, conduzido por Maria …, e por esta habitualmente fruído e utilizado - al. A) da Matéria de Facto Assente.
2. No momento do acidente, a autora era transportada no FD, no banco traseiro, e ia a dormir - al. B) da Matéria de Facto Assente.
3. Momentos antes do acidente, o FD circulava no sentido Viana do Castelo - Porto - al. C) da Matéria de Facto Assente.
4. O FD partiu o rolamento de uma roda, que saltou fora do veículo, o que provou o seu despiste, embate nos rails, e capotamento - al. D) da Matéria de Facto Assente.
5. Em Dezembro de 2010 a autora foi observada nos serviços clínicos da Companhia de Seguros …, tendo-lhe sido atribuída alta definitiva em Março de 2011 - al. E) da Matéria de Facto Assente.
6. A responsabilidade civil por danos causados pela circulação do veículo automóvel de matrícula n.º 36-19-… foi assumida pela ré, mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º 90/069669, vigente à data do acidente - al. F) da Matéria de Facto Assente.
7. Em consequência do acidente, a autora perdeu a consciência, sofreu várias queimaduras de segundo grau, escoriações, hematomas, fractura parcial do primeiro dente do maxilar superior direito, edema facial esquerdo com esfacelo, TCE com amnésia pós-traumática, um hematoma subcutâneo fronto-temporal esquerdo, sinais de edema no espaço subcutâneo da hemiface esquerda, ferida com perda de substância na hemiface esquerda, queimadura por abrasão na hemiface esquerda, e feridas abrasivas nos membros superiores, joelho e dorso - quesito 1º.
8. Do local do acidente, a autora foi transportado pelos Bombeiros ao Hospital de Viana do Castelo, onde lhe foram prestados cuidados médicos, permaneceu em observações durante 24 horas e realizou exames complementares de diagnóstico, após o que foi transferida para o Hospital de São João, no Porto, tendo aí permanecido internada durante cinco dias no Serviço de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva, onde realizou sutura à feridas, TAC, RX ao Tórax e cirurgia - quesito 2º.
9. Após, foi medicada com Depiderme, a aplicar nas cicatrizes e protector solar 50 - quesito 3º.
10. Em 29 e 30 de Dezembro de 2010 e em 3 de Março de 2011 a autora foi observada na consulta externa dos serviços clínicos da Companhia de Seguros … - quesito 4º.
11. Em consequência das lesões sofridas, e após tratamento, a autora sofre, na face: de cicatriz normocrómica de 6x2 cm na região frontal esquerda, sem aderências ou dismorfias, ocasionalmente pruriginosa; cicatriz linear na região infrapalpebral esquerda em forma de L com 3 cm x 3 mm de coloração azulada, sem retracção ou outras alterações patológicas. Cicatriz no dorso do nariz com 1 cm x 1 cm de maiores dimensões de coloração ligeiramente mais escura que a restante pele sob a qual se palpa ligeira deformidade óssea com elevação da cana do nariz nesse local em 1 mm; dente 1.1 cerca de 1 mm mais curto que o dente 2.1; membro superior direito: cicatriz acastanhada na face cubital do punho com 3 x 2,5 cm não aderente a planos profundos, área cutânea hipercrómica acastanhada com 5 x 2 cm no dorso da mão; área de cicatriz ligeiramente mais escura que a pele circundante na face interna do cotovelo com 3 x 4 cm, sem retracção ou características patológicas; membro superior esquerdo: área cutânea quase imperceptível na face lateral do braço com 5 x 4 cm, área hipercrómica acastanhada com 5 x 2 cm na face radial do punho; membro inferior direito: área hipercrómica acastanhada na face anterior do joelho, com cerca de 3 x 2 cm; na face interna do joelho são visíveis duas áreas de telangiectasias; membro inferior esquerdo: área hipercrómica acastanhada na face anterior do joelho com cerca de 3 x 2 cm - quesito 5º.
12. Em consequência das referidas lesões e sequelas a autora sofre de perda da sensibilidade na região frontal (lado esquerdo) e desconforto no cotovelo direito, agravado com a mobilização do mesmo - quesito 6º.
13. Em consequência das lesões sofridas no acidente, a autora ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 1 ponto, sem rebate profissional e sem implicar esforços complementares na sua profissão - quesito 7º.
14. Em consequência das lesões sofridas no acidente a autora sofreu 7 dias de incapacidade total para o trabalho - quesito 9º.
15. Em consequência das lesões sofridas no acidente, seus tratamentos e sequelas a autora sofreu e sofre dores físicas, sente desgosto pelas cicatrizes que apresenta e que devido a esse facto frequenta menos vezes a praia, deixou de praticar as actividades desportivas do ginásio durante o período de tratamento das lesões, esteve privada do convívio normal com familiares e amigos, claudicou, esteve mais de um ano sem poder fazer caminhadas e brincadeiras na praia, o que lhe provocou tristeza - quesito 10º.
16. À data do acidente a autora trabalhava como vigilante, recebendo € 12,00 por cada hora de serviço e frequentava o ensino superior, em vista a obter licenciatura em enfermagem - quesito 11º.
17. Em consequência das lesões sofridas no acidente, a autora despendeu €116,78 em medicamentos - quesito 12º.
18. Em consequência do acidente ficou completamente inutilizado o vestuário da autora, composto de t-shirt, calças e um par de sapatilhas, e desapareceu-lhe um telemóvel Nokia - quesito 13º.
19. A autora nasceu no dia 8/5/1990.

Factos Não Provados:
- Em consequência das referidas lesões e sequelas, a autora sofre de problemas cognitivos menores, com amnésia para o acidente, labilidade da atenção, lentificação ideativa, dificuldades na memorização, fatigabilidade intelectual, intolerância ao ruído e instabilidade do humor;
- Em consequência das lesões sofridas no acidente, seus tratamentos e sequelas, a autora padece de 8,00% de incapacidade parcial permanente geral para o trabalho;
- À data do acidente, a autora tinha um vencimento que rondava os € 641,93 mensais;
- A t-shirt e calças que a autora vestia valiam € 100,00 e o par de sapatilhas € 90,00; o telemóvel Nokia danificado valia € 300,00.


*****


2. De direito;

A – Apelação da Autora:
a)Alteração da matéria de facto;

Começa a autora por se insurgir quanto à decisão da matéria de facto, no sentido de que a mesma deve ser alterada, com vista a aditar-se como facto provado que o quantum doloris é fixável no grau 3/7 e que o dano estético é fixável no grau 4/7, por tal resultar da perícia ordenada e junta aos autos, a cargo do INML.
Vejamos:
Nos autos, no âmbito da lei processual civil anterior à aprovação da Lei nº 41/2013, de 26.06 (NCPC), foram os factos controvertidos objecto de base instrutória - cfr. artº 511º, do anterior CPC – tendo em vista a matéria de facto relevante para a decisão da causa.
O NCPC preceitua que, quando a acção houver de prosseguir, é proferido despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova.
Por seu turno, o artº 5º, nº2, al. b), do NCPC, estabelece que são ainda considerados pelo juiz, além dos factos articulados pelas partes, os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar.
No caso concreto, estão em causa factos atinentes à graduação da dor e do dano estético, advindos danos sofridos pela recorrente, por via do acidente de viação ocorrido.
Trata-se, portanto, de factualidade, não só alegada pela parte, no que respeita aos danos causados (artºs 22º a 34º da p.i.), como traduz uma complementaridade dos danos pessoais por si sofridos, sendo certo que o referido quantum doloris e dano estético decorrem da instrução da causa, mais propriamente do relatório da pericial médico-forense, a fls. 111 a 115, tendo ambas as partes a possibilidade de exercer o contraditório sobre esse resultado pericial.
Assim, nos termos do artº 662, nº1, do NCPC, altera-se a decisão de facto, aditando-se à matéria de facto dada como provada o seguinte:
«20. Em consequência das lesões sofridas pela autora, o quantum doloris é fixado no grau 3/7 e o dano estético é fixado no grau 4/7».

B – Apelações da autora e da ré:
a) Montante da indemnização, a título de dano patrimonial;

Discordam ainda a apelante/autora e a apelante/ré da decisão recorrida do quantum indemnizatório fixado, a título de dano patrimonial, com o argumento, a primeira, de que é diminuto (reclama 33.000,00€), e, a segunda, de que é excessivo (pugna por 7.500,00€).
Baseiam-se, desde logo, para tal no tipo e natureza das lesões sofridas, zona atingida e sua repercussão no corpo e na mente da lesada, quer em termos de dor corporal, quer em termos de sofrimento psíquico, aludindo aos conceitos de pretium doloris e ao pretium juventutis.
Ou seja, partem das mesmas premissas para tirarem conclusões distintas.
Vejamos:
Os danos não patrimoniais sofridos pela autora são aqueles que não atingem os bens materiais da lesada ou que, de qualquer modo, não alteram a sua situação pa­trimonial - formulação negativa -, ou seja, aqueles danos que têm por objecto um bem ou interesse sem conteúdo patrimonial, insusceptível, em rigor, de avaliação pecuniária.
A indemnização não visa propriamente ressarcir, tornar indemne a lesada, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido - ver De Cupis, Il Dano, Teoria Generale della Ressponsabilità Civile, Milano, 1966, pags. 44 e segs., e Antunes Varela, Das Obriga­ções em Geral, 4ª edição, pag. 560 .
Segundo o artigo 496º, nº 1, do Código Civil(CC), na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito. O montante da in­demnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpa do lesante, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso - artigos 496º nº 3 e 494º do CC - e também aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência ( devendo o dano ser valorado por referência ao valor que seria achado se o bem violado tivesse sido a vida do lesado - ver o Ac. S.T.J. de 28/10/92, in C.J. Ano XVII, Tomo IV, pag 29 ).
Os danos sofridos são indemnizáveis, pois têm gravidade suficiente para merecer a tutela do direito, já que se consubstanciam numa relevante lesão sofrida pela demandante – artº 496º, nº 1.
Na verdade, apurou-se que:
- «11. Em consequência das lesões sofridas, e após tratamento, a autora sofre, na face: de cicatriz normocrómica de 6x2 cm na região frontal esquerda, sem aderências ou dismorfias, ocasionalmente pruriginosa; cicatriz linear na região infrapalpebral esquerda em forma de L com 3 cm x 3 mm de coloração azulada, sem retracção ou outras alterações patológicas. Cicatriz no dorso do nariz com 1 cm x 1 cm de maiores dimensões de coloração ligeiramente mais escura que a restante pele sob a qual se palpa ligeira deformidade óssea com elevação da cana do nariz nesse local em 1 mm; dente 1.1 cerca de 1 mm mais curto que o dente 2.1; membro superior direito: cicatriz acastanhada na face cubital do punho com 3 x 2,5 cm não aderente a planos profundos, área cutânea hipercrómica acastanhada com 5 x 2 cm no dorso da mão; área de cicatriz ligeiramente mais escura que a pele circundante na face interna do cotovelo com 3 x 4 cm, sem retracção ou características patológicas; membro superior esquerdo: área cutânea quase imperceptível na face lateral do braço com 5 x 4 cm, área hipercrómica acastanhada com 5 x 2 cm na face radial do punho; membro inferior direito: área hipercrómica acastanhada na face anterior do joelho, com cerca de 3 x 2 cm; na face interna do joelho são visíveis duas áreas de telangiectasias; membro inferior esquerdo: área hipercrómica acastanhada na face anterior do joelho com cerca de 3 x 2 cm - quesito 5º.
12. Em consequência das referidas lesões e sequelas a autora sofre de perda da sensibilidade na região frontal (lado esquerdo) e desconforto no cotovelo direito, agravado com a mobilização do mesmo - quesito 6º.
13. Em consequência das lesões sofridas no acidente, a autora ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 1 ponto, sem rebate profissional e sem implicar esforços complementares na sua profissão - quesito 7º.
15. Em consequência das lesões sofridas no acidente, seus tratamentos e sequelas a autora sofreu e sofre dores físicas, sente desgosto pelas cicatrizes que apresenta e que devido a esse facto frequenta menos vezes a praia, deixou de praticar as actividades desportivas do ginásio durante o período de tratamento das lesões, esteve privada do convívio normal com familiares e amigos, claudicou, esteve mais de um ano sem poder fazer caminhadas e brincadeiras na praia, o que lhe provocou tristeza - quesito 10º
20. Em consequência das lesões sofridas pela autora, o quantum doloris é fixado no grau 3/7 e o dano estético é fixado no grau 4/7».


Tendo em conta as apontadas lesões, o período de recuperação funcional, ficando com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 1 ponto, o tipo de traumatismo e os tratamentos efectuados foi-lhe fixado, em termos de quantum doloris, o grau 3 (numa escala crescente de sete graus), no aludido relatório médico-legal.
O dano estético foi fixável no grau 4 (em idêntica escala), numa escala de 1 a 7».
Assim, tendo em conta todos estes factores, considerando a gravidade das lesões sofridas pela recorrente, os tratamentos a que foi sujeita e, sobretudo, as sequelas de que ficou a padecer (sendo de realçar as múltiplas cicatrizes na face – região frontal esquerda, com prurido, e região infrapalpebral, com descoloração da pele - membros inferiores e superiores, também com descoloração da pele), a dita graduação nas dores sofridas e de dano estético (correspondente ao sofrimento físico e psíquico vivido pela vítima), com reflexos manifestos de prejuízo estético (tinha 20 anos de idade e sentindo que tais cicatrizes contribuem para a diminuição da sua beleza física), prejuízo de distracção ou passatempo (deixou de fazer ginástica e exercício físico, de frequentar a praia com regularidade), de prejuízo juvenil (ficou privada, pelo menos temporariamente das alegrias próprias da sua idade, do convívio com familiares e amigos e da liberdade de lazer) e o facto de o sinistro ter resultado de culpa exclusiva da condutora do veículo seguro, entende-se que se mostra mais ajustado e razoável fixar o montante indemnizatório em € 17.500,00, alterando-se a sentença recorrida nesta parte.

Argumenta ainda a recorrente seguradora que há um ‘excesso’ na decisão judicial recorrida, a este título, com base nos critérios estabelecidos – não dizendo quais - na Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, que apontarão para uma uniformização de decisões.
Esgrime, portanto, a recorrente a invocação da Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio (alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25.06), para justificar a alteração do montante indemnizatório, com o falacioso argumento de ser referência para o julgador tais critérios de avaliação dos danos, diminuindo-se a incerteza e a subjectividade, além de haver um melhor tratamento igual entre todos os sinistrados.
Porém, como é jurisprudência uniforme Veja-se, entre outros, o Acórdão do STJ de 07-06-2011, Proc.160/2002.P1.S1 , in dgsi.pt, os valores aí indicados sobre a indemnização do dano corporal têm um âmbito específico de aplicação extrajudicial (regularização eventual de sinistros entre a seguradora e os lesados) e não substituem os critérios legais previstos no Código Civil – diploma este que se sobrepõe àquele na hierarquia das leis.
De facto, no respectivo preâmbulo realça-se que “o objectivo da portaria não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios, mas, nos termos do n.º 3 do artigo 39º do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto, o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permitam agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando, ainda, que a autoridade de supervisão possa avaliar a razoabilidade das propostas apresentadas”.
Conclui-se, pois, como no douto Acórdão do STJ de 07-06-2011, Proc.160/2002.P1.S1 que “aquela Portaria n.º 377/2008 veio fixar, tão-só, os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente de automóvel de proposta razoável para indemnização de dano corporal, não estando os tribunais limitados nem vinculados aos valores indemnizatórios ali previstos”.
Além disso, importa não descurar que, como se realça no artº 496º, nº3, 1ª parte, do CC, que remete para o artº 494º, do mesmo diploma, se deve atender às circunstâncias do caso concreto na fixação da indemnização, o que afasta a padronização desta.

Procede assim em parte a apelação da autora.

Sumariando:

I – Em termos de sequelas de lesões corporais, com reflexos não patrimoniais, é de realçar o prejuízo estético, o prejuízo de distracção ou passatempo e o prejuízo juvenil, na fixação da indemnização, tendo a vítima 20 anos de idade e sofrido cicatrizes na face, nos membros superiores e inferiores, de natureza pruriginosa e com descoloração da pele, que lhe causam desgosto, afectam a sua liberdade de lazer e de convívio.

II - A Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, (alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25.06) veio apenas estabelecer os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente de automóvel de proposta razoável para indemnização de dano corporal, não estando os tribunais limitados nem vinculados aos valores indemnizatórios ali fixados.

III – Por força do disposto no artº 496º, nº3, 1ª parte, do CC, que remete para o artº 494º, do mesmo diploma, deve-se atender às circunstâncias do caso concreto na fixação da indemnização, o que afasta a padronização desta.

*****

IV – Decisão;

Em face do exposto, na parcial procedência da apelação da autora e improcedência da apelação da ré, acordam os Juízes desta 1ª secção cível em alterar a sentença recorrida nos seguintes termos:
a) Condena-se a Ré seguradora a pagar à autora a quantia de € 17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais;
b) Manter no mais a decisão recorrida;


Custas pelas apelante/autora e apelante/ré, na proporção do respectivo decaimento.



Guimarães, 12.02.2015
António Sobrinho
Isabel Rocha
Jorge Teixeira