Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
285/18.6GAEPS.G1
Relator: ISABEL CERQUEIRA
Descritores: NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
DILIGÊNCIA INSTRUTÓRIA
ARTº S 120º
340º E 18 DA CRP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: RCURSO PENAL
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1- A omissão de pronúncia relativa a diligência instrutória reputada pelo arguido como fundamental para a descoberta da verdade material, e mesmo que novamente arguida, em sede de contestação já em fase de julgamento, encontra-se sanada, nos termos do 120º n.º 1 do CPP,

2- Igualmente a nulidade consistente de omissão de diligência que o arguido considera essencial para a descoberta da verdade e que entende que o tribunal deveria ter ordenado, oficiosamente, nos termos do n.º 1 do art.º 340º do CPP, por não ser nulidade da sentença, só poderia ter sido arguida no prazo na alínea a) do n.º 3 do art.º 120º supra citado.

3 - Não são inconstitucionais interpretadas neste sentido as normas contidas nos artigos 120º e 340º do CPP, por tal não limitar garantias de defesa do arguido, e muito menos a estrutura acusatória do processo penal, ou o princípio da presunção de inocência, pois o não ordenar pelo julgador daquela diligência, em sede de julgamento, apenas significa que a mesma não se lhe afigurou necessária para descoberta da verdade material ou para a boa decisão da causa.

4 - O princípio da verdade material tem limites, sendo um deles o cumprimento dos prazos previstos na lei ordinária, não constituindo qualquer limitação de direitos, liberdades ou garantias, que aquela pode até limitar excepcionalmente nos casos previstos na parte final do n.º 2 do art.º 18º da CRP.
Decisão Texto Integral:
Relatório

No processo comum singular que correu termos pelo Juízo de Competência Genérica de X – Juiz 1, da Comarca de Braga, por decisão de 29/01/2019, foi o arguido M. P. condenado pela prática, em concurso real, de um crime de ofensa à integridade física qualificada com um de injúria agravada e outro de ameaça também agravada, respectivamente, ps. e ps. pelos art.ºs 143º e 145º n.ºs 1 alínea a) e 2, 181º e 184º e 153º e 155º n.º 1 alínea c), todos do Código Penal, nas penas respectivas de 3 meses de prisão, substituída por 90 dias de multa, à taxa diária de 8,00 euros, 80 dias de multa e 100 dias de multa, à mesma taxa diária, e em cúmulo jurídico das duas últimas penas na única de 140 dias de multa, àquela taxa diária. Mais foi condenado a pagar ao ofendido/demandante Civil L. R. a quantia de 1.200,00 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da decisão e até integral pagamento, a título de indemnização civil pelos danos não patrimoniais sofridos.

Desta douta decisão interpôs aquele arguido o presente recurso, em cujas conclusões e em síntese, alega que tendo arguido na sua contestação a nulidade prevista na alínea d) do n.º 2 do 120º do CPP, por insuficiência do inquérito e omissão de diligências reputadas de essenciais à descoberta da verdade, assim expressando a manutenção do seu interesse na requisição de imagens de videovigilância que pedira anteriormente, o facto de não ter sido ordenada pelo juiz de julgamento a junção daquelas imagens integra também a nulidade de omissão de diligência essencial à boa decisão da causa e à efectiva garantia de defesa e do contraditório.

Acrescenta que tendo o tribunal o poder/dever de oficiosamente determinar todos os meios de prova relevantes para aqueles fins, nos termos do art.º 340º n.º 1 do mesmo CPP, e não tendo ordenado aquela junção, único meio de provar a sua inocência e de esclarecer as contradições constantes da queixa, incorreu na nulidade não sanada de omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade. Mais vem arguir a inconstitucionalidade dos art.ºs 61º n.º 1 alínea g), 120º n.º 2 alínea d), 315º n.º 1, 338º n.º 1, 340º n.º 1 e 410º n.º 3 do CPP, quando interpretados no sentido de que não pode ser conhecida em recurso de decisão final a nulidade por omissão, durante a instrução e/ou julgamento, de diligência imprescindível à descoberta da verdade, aliás a única que podia apresentar em sua defesa para contrariar a versão da acusação.

O demandante civil e a Magistrada do M.P. junto da 1ª instância pronunciaram-se, pugnando pela total improcedência do recurso interposto.

O Ex.mº Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o douto parecer que antecede, pronunciando-se no mesmo sentido.

Foi cumprindo o disposto no n.º 2 do art.º 417º do Código de Processo Penal (a partir de agora referido como CPP), cumprindo decidir.
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Fundamentação de facto

Factos provados

Com relevância para a decisão de facto provaram-se os seguintes factos:

1. No dia 4 de Maio de 2018, pelas 14:30h, o arguido dirigiu-se ao balcão de atendimento ao público do Serviço de Finanças de X, tendo ali sido atendido pelo funcionário daquela Repartição e aqui queixoso, L. R..
2. No momento em que o queixoso procurava esclarecer as dúvidas que lhe eram colocadas pelo arguido, este começou a elevar o tom de voz dizendo ao queixoso que não queria ser atendido pelo mesmo, mas sim pelo Chefe das Finanças, facto de que o queixoso foi dar conhecimento ao Chefe daquela Repartição.
3. Quando regressou ao atendimento ao público, o queixoso constatou que o arguido tinha virado para ele o monitor do seu computador de trabalho, altura em que o tentou voltar novamente para si, dizendo ao arguido que não podia estar ali a mexer.
4. Nesse instante, o arguido desferiu um empurrão ao queixoso, fazendo com que o mesmo embatesse com as costas num armário.
5. Em consequência desse empurrão, o queixoso sofreu dores e incómodos.
6. Logo após, o arguido dirigiu ao queixoso as seguintes expressões: “palerma”, “baixinho de merda”, “estás com medo de vires aqui”.
7. Disse ainda o arguido ao queixoso que sabia que todos os dias, pelas 11:00h, o mesmo andava a passear pela cidade de X e “que o apanhava lá fora”.
8. Em face da seriedade que o arguido colocou na expressão que proferiu, o queixoso sentiu receio de que aquele viesse a concretizar o que anunciou.
9. O arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que o queixoso era funcionário público e que exercia funções no Serviço de Finanças de X, não se coibindo, apesar de tal saber, de dirigir ao queixoso as expressões acima mencionadas, bem conhecendo o sentido injurioso e intimidatório das mesmas, agindo com o propósito concretizado de o achincalhar, atentando contra a sua honra e consideração enquanto trabalhador da Autoridade Tributária e Aduaneira e funcionário do Serviço de Finanças de X, e de o atemorizar, bem sabendo que aquele actuava no exercício das suas funções e ciente de que, daquela forma, praticava acto que não lhe era permitido por lei.
10. Ainda, conhecendo a qualidade de funcionário público do queixoso e sabendo que o mesmo se encontrava no exercício das suas funções no Serviço de Finanças de X, o arguido, agindo de forma livre, voluntária e consciente, desferiu-lhe o acima referido empurrão com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde do queixoso e de lhe produzir dores.
11. Sabia o arguido, que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
12. O arguido é casado.
13. É reformado, e recebe a pensão de reforma no valor de € 1970,00.
14. Vive com a mulher, em casa desta.
15. É licenciado em jornalismo.
16. Do certificado de registo criminal do arguido nada consta.
17. A conduta do arguido foi presenciada pelos colegas que estavam, na altura, em atendimento ao público, bem como pelos contribuintes que aguardavam ser atendidos, o que causou no demandante humilhação e vergonha, por se ver exposto e ofendido, física e moralmente, de forma injuriosa e intimidatória, perante todos os presentes (contribuintes e colegas).
18. Em consequência da actuação do arguido, o demandante sentiu-se ferido na sua dignidade e honra, tanto a nível pessoal, como profissional.
19. A conduta do arguido provocou no demandante, pessoa bem disposta e alegre, um estado de espírito cabisbaixo e irritadiço.
20. A ameaça que foi dirigida pelo arguido ao demandante provocou neste um sentimento de insegurança.
21. Por força dessa ameaça, pelo menos nos primeiros dias após os factos, o demandante alterou os seus hábitos, seguindo trajectos diferentes dos que habitualmente percorria.
22. No seio familiar, até outubro de 2018, o seu comportamento alterou-se, evidenciando maior isolamento perante os familiares que com ele viviam até esse momento, comportamento que não era normal antes das agressões.

Factos não provados

Com relevância para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos, designadamente que:

- em consequência desse empurrão, o queixoso sofreu lesões não concretamente apuradas;
- o arguido, com o empurrão que deu ao demandante, dificultou-lhe, nos dias seguintes, o sono e a sua rotina diária, como seja, entrar no carro, sentar-se e levantar-se, pegar em objectos pesados;
- tais factos foram divulgados perante terceiros, numa cidade como X, em que grande parte das pessoas se conhece, o que aumentou a sua vergonha e humilhação;
- a ameaça provocou no demandante um sentimento de contínua vigilância que não o deixa andar pelas ruas de forma despreocupada;
- por força da ameaça, o demandante evita locais menos povoados;
- recorrentemente, ainda hoje, vem-lhe à memória os acontecimentos ocorridos naquele dia, originando um estado de grande ansiedade;
- desde a actuação do arguido, o demandante tem dificuldades em dormir, sendo frequente ter insónias provocadas pela angústia e indignação do sucedido;
- no seio familiar o demandante evidenciou estados de intolerância, irritação, mudanças bruscas de humor.

Motivação

A convicção deste tribunal sobre a matéria de facto provada formou-se com base na avaliação de todos os meios de prova produzidos e/ou analisados em audiência de julgamento (cfr. artigo 355º, do Código de Processo Penal), sempre no confronto com as regras gerais da experiência e da norma do artigo 127º, do Código de Processo Penal.

Antes de mais, importa sublinhar que quando está em causa a questão da apreciação da prova não pode deixar de dar-se a devida relevância à percepção que a oralidade e a imediação conferem ao julgador.

Na verdade, a convicção do tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, “linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência das mesmas declarações e depoimentos (para maiores desenvolvimentos sobre a comunicação interpessoal, vide RICCI BITTI/BRUNA ZANI, A comunicação como processo social, Editorial Estampa, Lisboa, 1997).

O juiz deve ter uma atitude crítica de avaliação da credibilidade do depoimento não sendo uma mera caixa receptora de tudo o que a testemunha disser, sem indicar razão de ciência do seu pretenso saber (vide Acórdão de 17 de Janeiro de 1994, publicado na revista Sub Judice, nº6-91).
A apreciação da prova, ao nível do julgamento de facto, há-de fundar-se numa valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos, por modo que se comunique e se imponha aos outros mas que não poderá deixar de ser enformada por uma convicção pessoal.

Obviamente que essa apreciação de prova está sujeita ao dever de fundamentação, desde logo, como decorrência do disposto no artigo 205º, nº1, da Constituição da República Portuguesa, pelo que o princípio da livre apreciação das provas, previsto no artigo 127º, do Código de Processo Penal, não tem carácter arbitrário, nem se circunscreve a meras impressões criadas no espírito do julgador, estando antes vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que não estão subtraídas a esse juízo, sendo imprescindível que este seja motivado.

Cumpre, ainda, salientar, na sequência do que vem de expor-se, que a tarefa do julgador na decisão da matéria de facto está necessariamente condicionada pelos limites do conhecimento humano.

A vivência social e conhecimento da realidade, ainda que consubstanciando sempre uma certa margem de risco relativamente ao apuramento da verdade, mas com o qual se deve conviver, sempre temperam a decisão sem excessivos dramatismos e sem descurar os cuidados que necessariamente se impõem.
Outro sistema, que não este, que tem consagração no já referido princípio da livre apreciação e convicção do julgador, que não admitisse este risco conflituaria com direitos fundamentais ou poderia conduzir a situações de verdadeira denegação de justiça.

Deste modo, a matéria de facto tida como provada pelo tribunal resultou da análise da prova produzida em audiência de julgamento, tendo em conta os parâmetros vindos de referir.
Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no conjunto da prova produzida e analisada em audiência de julgamento, interpretada conjugada e criticamente.
Atendeu-se, designadamente, aos testemunhos de L. R., L. P., M. C. e J. V., que presenciaram os factos, tendo-os descrito, de um modo credível, em termos semelhantes aos que foram considerados como asssentes.

O ofendido L. R. apresentou um depoimento circunstanciado, pormenorizado e credível, tendo sido considerado pelo tribunal. Na data e local constantes da acusação, encontrava-se no balcão de atendimento do contencioso no serviço de finanças de X, tendo atendido o arguido. Este vinha munido de uma notificação da autoridade tributária e pretendia informações. A testemunha fez a pesquisa, tendo apurado tratar-se do reembolso de IRS do arguido que tinha sido penhorado pela autoridade tributária em processo de execução, por agente de execução. O arguido respondeu que já sabia isso e começou a falar sobre o processo em si, que se referia a uma dívida com mais de 20 anos, que já estava prescrita, e que não foi citado nesse processo. Disse, ainda, que a autoridade tributária não devia ter penhorado sem o notificar antes, e indicou alguns artigos legais de que agora não se recorda. A testemunha expôs que não sabia qual a origem do processo, se estava prescrito ou se o arguido estava citado ou não, e que se este não concordava devia reclamar não na autoridade tributária, mas no tribunal. O arguido, que já estava alterado, quando lhe foi referido isso, irritou-se, tendo dito que se não sabia não devia estar ali e devia dar lugar a outra pessoa. Pediu um certificado do que a testemunha lhe estava a dizer, tendo-lhe dado uma folha de papel para o efeito, e dito que a certidão só seria passada pelo chefe. Perante isso, o arguido atirou a folha de papel ao ar, e em voz alta referiu que já não queria ser atendido pela testemunha e que queria falar com o chefe. O depoente foi ter com o chefe, dizendo-lhe que o arguido queria falar com ele. Este demorou cerca de 5 minutos a decidir, tendo por fim exposto que falaria com ele no gabinete. Entretanto, quando regressou ao seu posto de atendimento, encontrava-se o arguido em pé, e este tinha virado o monitor para si e estava a consultar a informação nele projectada, sobre o processo de execução, o agente de execução e o valor de penhora. A testemunha disse-lhe que não podia estar a fazer isso, tendo o arguido respondido que o monitor era dele, e podia fazer o que quisesse. Tentou resgatar o monitor, sendo nessa altura que o arguido, com ambas as mãos abertas, o empurrou no peito, tendo batido com as costas contra o armário que se encontrava atrás de si, tendo sentido dores. Decidiu sair dali e foi para trás desse armário, tendo aquele dirigido as expressões e a ameaça constantes da acusação, apodando-o ainda de mentiroso. Mais referiu que, quanto à ameaça proferida, o arguido revelou conhecimento da sua rotina diária durante a sua pausa de manhã, em que faz uma caminhada pelos arredores do serviço de finanças. Vários colegas tentaram intervir, tendo o arguido vindo a insultar o colega J. V.. Descreveu, ainda, as consequências da actuação do arguido, bem como as alterações da sua rotina normal.
A testemunha L. P., funcionária das finanças de X, na data em questão encontrava-se no atendimento na secretária ao lado do arguido, tendo-se apercebido do episódio do monitor, e do empurrão do arguido ao ofendido, tendo este embatido com as costas num armário que se encontrava atrás daquele. O arguido dirigiu vários impropérios dos quais já não se recorda, tendo o arguido ainda chamado o ofendido de “mentiroso” e “baixinho”. O arguido, por fim, veio a ser atendido pelo colega S.. Encontravam-se muitos contribuintes no serviço de finanças e depôs, ainda, de forma credível quanto às alterações de comportamento do ofendido após estes factos. Pese embora tenha sido notório que a referida testemunha não se recordasse de toda a situação e expressões proferidas, a mesma depôs de forma desinteressada e segura quanto aos eventos de que recordava, tendo o seu depoimento sido considerado.

O tribunal louvou-se no depoimento da testemunha M. C., técnica administrativa tributária adjunta, que na data e local dos factos se encontrava a fazer atendimento aos contribuintes, quando a certa altura ouviu o arguido a levantar a voz, tendo visto este a empurrar o ofendido para trás, não se recordando se o mesmo bateu no armário atrás. Recorda-se de ouvir o arguido a apodar o ofendido de cobardolas, baixinho de merda, e de dizer que depois o apanhava na rua, pois o via todos os dias a passar na rua às 11h00.

J. V., funcionário das finanças de X, depôs de forma desinteressada e espontânea, tendo logrado o convencimento do tribunal. Encontrava-se a trabalhar no seu posto de trabalho, que fica perpendicular aos balcões de atendimento.

A sala estava cheia de pessoas e começou a ouvir uma alteração de voz no posto de trabalho do ofendido, tendo ouvido o arguido a chamar àquele “baixinho de merda”. O ofendido levantou-se e foi para a zona do gabinete do chefe, e quando volta, dirige-se ao arguido, dizendo que não podia fazer aquilo, tendo virado o monitor para si. O arguido levantou-se e, com as duas mãos, empurrou-o no peito, tendo o ofendido batido com as costas num armário. Dirigiu-se ao local e disse ao arguido para ter calma, tendo este dito à testemunha “cale-se, seu maricas”, bem como uma senhora igualmente o tentou acalmar, tendo o arguido dito “cale-se, não é consigo”. O arguido, num momento em que não havia sido atendido por mais ninguém, para além do ofendido, dirigindo-se a este, disse que o apanhava lá fora, e apodou-o “baixinho de merda”, fazendo uma referência aos hábitos daquele ofendido. Depôs, ainda, de forma concretizada quanto às consequências que este episódio teve no comportamento do ofendido, e que o mesmo alterou os seus hábitos por causa desta situação.

Considerou-se o depoimento prestado de forma espontânea, credível, circunstanciado de J. P., irmão do ofendido, que residia com o mesmo até outubro de 2018, tendo testemunhado quanto à alteração no comportamento e hábitos daquele até à referida data.
O arguido, tendo prestado declarações, negou os factos ilícitos que lhe foram imputados, apenas tendo reconhecido ter levantado a voz ao ofendido numa ocasião, omitindo todo o circunstancialismo que resultou provado da prova supra referida, considerada credível. Ficou por explicar, na própria versão do arguido, segundo a qual nada ocorreu de relevante, a razão pela qual, após ter começado a ser atendido pelo ofendido, veio depois a ser atendido por outro funcionário das finanças de nome S., no posto de atendimento do ofendido.
Assim, as declarações do arguido, que, por seu turno, negou a prática dos factos, fazendo um enquadramento diferente do referido em julgamento, de forma credível, pelas testemunhas supra indicadas, pelo modo como foram prestadas, não se afiguraram verdadeiras e não tiveram apoio em qualquer outra prova.
Consideraram-se as declarações prestadas pelo arguido acerca da sua situação pessoal e económica, porque prestadas de forma credível nessa parte.
O certificado do registo criminal do arguido consta de fls. 140.
Os factos da acusação considerados como não provados mereceram resposta negativa por sobre a mesma não ter incidido prova suficiente ou credível.
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Fundamentação de Direito

O recorrente fundamentando o seu recurso no facto de em sede de contestação ter aduzido uma nulidade decorrente da omissão em instrução de uma diligência que reputava como essencial para a descoberta da verdade e para o seu efectivo direito de defesa e de contraditório, e de nunca tal nulidade ter sido conhecida, designadamente, na decisão final condenatória, e sem interpor recurso desta, vem arguir a nulidade de omissão de pronúncia cometida com o não conhecimento daquela nulidade, e outra nulidade decorrente de o tribunal a quo não ter ordenado oficiosamente, em sede de julgamento, como lhe competia essa diligência (cuja realização não reiterara na contestação supra referida), nos termos do n.º 1 do art.º 340º do CPP, cometendo, então nova nulidade de omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade.

Nulidades que vem agora arguir, por entender serem inconstitucionais as normas dos art.ºs 61º n.º 1 alínea g), 120º n.º 2 d), 315º, 338, 340º, estes últimos três todos n.º 1, e 410º n.º 3 do CPP interpretadas no sentido de que não pode ser conhecida em recurso nulidade por omissão, durante a instrução e o julgamento, de diligência de prova imprescindível à descoberta da verdade material, e alegadamente o único que podia apresentar em sua defesa para contrariar a versão da acusação.

Na verdade, o arguido acusado da prática dos três crimes supra referidos, praticados numa repartição de finanças e de que fora vítima um funcionário da mesma, em sede de instrução requerera que fossem solicitadas as imagens de videovigilância captadas naquele serviço, concretamente no espaço de atendimento ao público e no gabinete do Chefe do Serviço, no circunstancialismo de tempo em que aqueles factos lhe eram imputados, diligência que foi efectuada.

Tal diligência foi efectuada, e obtida a informação de que não existiam registo de imagens daquelas zonas, foi solicitado o esclarecimento, entre outros, das razões da não existência das mesmas, o que mereceu a resposta de que embora houvesse câmaras de videovigilância instaladas as mesmas não captavam imagens das zonas referidas.

Face a esta resposta, nada mais foi requerido, quanto a este aspecto, pelo arguido/recorrente ou pelo M.P., em sede de instrução, nem foi realizada oficiosamente qualquer diligência relativa à última resposta do serviço de finanças.

Finda a instrução com a pronúncia do recorrente pela prática daqueles crimes, e remetidos os autos para a fase de julgamento, o arguido apresentou contestação, na qual refere diversas irregularidades cometidas na instrução e até insinuando falsidades, designadamente por não constar da acta do debate instrutório o que fora dito pelo M.P. e pela defensora quanto à suficiência ou não dos indicios existentes, ou se referir “declarações de arguido” quando o que ocorreu foi “…um inexpressivo conjunto de perguntas, desajustado à substância do Processo em causa, tanto no que respeita aos dois relatos divergentes entre si do demandante…”, além da ilegalidade da videovigilância por não captar imagens na parte de acesso ao público e do gabinete do Chefe de Finanças daquela repartição, que acrescenta ser de intenção enganosa, ou até afirmando que a Ex.mª Sr.ª Juíza de Instrução “mitigou a informação sobre o direito de os sujeitos processuais”, no caso o arguido, “poderem requerer a produção de provas indiciárias complementares…” (negrito do próprio texto).

Continuando a “…contestar todo o conteúdo do seu douto Despacho de 6 do presente mês … por inequívoca ilegitimidade”, designadamente, “…tendo em conta a omissão de diligências em debate instrutório, consideradas essenciais para a decisão em causa, por concomitantemente a sua ausência assumir nulidade prevista na alínea d) do n.º 2 do art.º 120º, do CPP…”.

Perante esta contestação, o recorrente vem agora, reconhecendo é certo, que não voltara a requerer nela a requisição das imagens de videovigilância, afirmar que se deduz dela que mantinha o interesse em tal requisição, e que nela arguiu a nulidade prevista na alínea d) do n.º 2 do art.º 120º do CPP, por omissão desta diligência.

Lendo atentamente aquela contestação, não se alcança que o arguido venha nela arguir aquela nulidade por ausência de requisição das imagens de videovigilância, as quais nem nela refere, mesmo quando “acusa” a falta da comunicação do direito previsto no n.º 2 do art.º 302º do CPP, que consta da acta do debate instrutório que o recorrente, como já se disse, insinuando haver “irregularidades” nela, não vem sequer apodar de falsa, mas mesmo que a tivesse referido, tal omissão de diligência, constituiria uma nulidade cometida na instrução, face ao disposto no art.º 120º n.º 1 daquele diploma legal, dependente de arguição (sanável), como expressamente o prevê a alínea d) do n.º 2 do mesmo normativo legal, e a arguir no prazo previsto na alínea c) do seu n.º 3, ou seja, até ao encerramento do debate instrutório.

Assim, o recorrente não arguiu aquela nulidade da instrução, na contestação apresentada, e muito embora nesse momento tal arguição fosse não atempada, se a tivesse arguido e face à não decisão sobre tal questão, o não ter insistido na realização da diligência em causa só poderia acontecer por violação do dever de lealdade e boa fé processual, que não se acredita ser a intenção daquele.

O que não há dúvidas é que o recorrente veio arguir a nulidade de omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade decorrente de o juiz de julgamento não ter ordenado oficiosamente a junção aos autos das referidas imagens de videovigilância, como alegadamente se impunha, nos termos do n.º 1 do art.º 340º do CPP, designadamente, e porque como aquele afirma aquelas imagens eram a única forma de garantir efectivamente o seu direito de defesa e de provar a sua inocência.

Ora, mesmo a ocorrer tal nulidade, a mesma e como o próprio recorrente afirma é uma “omissão na fase de julgamento de diligência essencial para a descoberta da verdade e plena garantia…”, ou seja, não é uma nulidade da sentença, a única (além como é óbvio das insanáveis), que pode ser conhecida em recurso daquela, ou seja, para além do prazo previsto na alínea a) do n.º 3 do art.º 120º do CPP, e as da sentença apenas e só por imposição do n.º 2 do art.º 379º do mesmo diploma legal, introduzido pela L. 59/98, de 25/08, para resolver a controvérsia sobre a possibilidade de ainda e só em sede de recurso de decisão final se poderem arguir as nulidades desta.

De qualquer forma e como se diz no douto acórdão deste Tribunal de 27/04/2009, com o qual se concorda inteiramente, relatado pelo Ex.mº Senhor Desembargador Cruz Bucho (in www.dgsi.pt, como outros que se refiram sem qualquer expressa menção) “O juízo de necessidade ou desnecessidade de diligências de prova não vinculada, nos termos do artigo 340º do Código de Processo Penal (CPP), não é sindicável por via de recurso directo”, pois, “A omissão de diligências que possam reputar-se como essenciais para a descoberta da verdade acarreta, antes, uma nulidade relativa (sanável) prevista no artigo 120º, n.º 2, alínea d), do CPP, a arguir “antes que o acto esteja terminado” (art. 120º, n.º 3, al. a)), que servirá de eventual fundamento de recurso (cfr, art. 410º, n.º 3 do CPP)”.

No mesmo sentido se pronunciaram, entre outros, o Acórdão do TRL de 26/02/2019 e do TRP de 25/05/2016, relatados respectivamente pelos Srs. Desembargadores Jorge Gonçalves e Eduarda Lobo, pelo que, e seguindo-se este entendimento, e porque não foi arguida a eventual nulidade de omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade até ao fim da audiência de discussão e julgamento, encontra-se, pois, a mesma sanada, não podendo ser objecto do recurso interposto.

Por fim, vem o recorrente arguir a inconstucionalidade dos art.ºs 61º n.º 1 alínea g), 120º n.º 2 alínea d), 315 n.º 1, 338º n.º 1, 340º n.º 1 e 410º n.º 3 do CPP, na interpretação de que pode não pode ser conhecida em recurso a nulidade por omissão, durante a instrução ou julgamento, de diligência de prova imprescindível à descoberta da verdade, por ser a única que pode apresentar em sua defesa para contrariar a versão da acusação.

Ora, no caso sub judice, nem estão em causa a aplicação da alínea referida do art.º 61º, já que, não foi indeferida, em sede de inquérito ou instrução, a produção de prova ou diligência que tivesse requerido, nem do art.º 315º n.º 1, que confere apenas o direito de apresentar contestação e rol de testemunhas, nem 338º n.º 1, porque não havia qualquer questão aduzida que obstasse à apreciação do mérito da causa, nem o n.º 3 do art.º 410º, porque não houve preterição de qualquer requisito cominado com nulidade, podendo é pôr-se em causa apenas e só a constucionalidade da aplicabilidade do prazo previsto na alínea a) do n.º 3 do art.º 120º do CPP à eventual “violação” do n.º 1 do art.º 340º do CPP, por, como sustenta o recorrente, constituir violação da plenitude das garantias de defesa, de presunção de inocência e do contraditório, nos termos dos n.ºs 1, 2 e 5 do art.º 32º da CRP.

Ora, não se vê em que a aplicação daquele 120º limite as garantias de defesa do arguido, e muito menos da estrutura acusatória do processo, com a garantia do contraditório em qualquer acto nele praticado, que sempre foi assegurado ao arguido, nem o princípio da presunção da inocência, porque o não ordenar oficiosamente uma diligência, apenas significa que ao juiz de julgamento não se afigurou a mesma como necessária à descoberta da verdade e boa decisão da causa, nem significa qualquer presunção de culpa do arguido.

O princípio da investigação ou da verdade material tem limites, e um deles é o cumprimento dos prazos estabelecidos na lei ordinária, pois o acatamento dos mesmos não constitui restrição de qualquer direito, liberdade ou garantia (que a lei ordinária pode até excepcionalmente limitar, nos casos previstos na parte final do n.º 2 do art.º 18º da CRP), nem qualquer limitação da equidade do processo, pelo que, a interpretação feita na douta decisão recorrida da aplicabilidade do prazo previsto no art.º 120º para “atacar” uma alegada violação do n.º 1 do art.º 340º, é legitima e constitucional.

Pois, e como se refere no Acórdão n.º 476/2015 do Tribunal Constitucional, embora a propósito da constitucionalidade da qualificação como nulidade sanável e arguível nos termos da alínea d) do n.º 2 do art.º 120º do CPP dos prazos previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 188º do mesmo diploma legal, e à conformidade desta interpretação com os art.ºs 18º, 32º n.º 8 e 34º n.º 4 da CRP, que se entendem ser aplicável ao prazo aqui em causa “Com efeito, um acompanhamento diligente da tramitação processual a partir do momento em que a arguida foi notificada da acusação, permite-lhe detetar a irregularidade em causa, revelando-se o prazo concedido quando não seja requerida a abertura de instrução, apesar de curto, suficiente para a arguição da respetiva nulidade, pelo que não é possível, por isso, afirmar-se que aqueles objetivos de celeridade e economia processuais sejam, neste caso, alcançados à custa de uma intolerável diminuição das garantias de defesa do arguido.

Torna-se, assim, manifesto que a interpretação sindicada, ao qualificar o vício em causa nos autos como nulidade relativa, impondo ao interessado a sua arguição dentro de um prazo razoável para poder dar-se plena exequibilidade ao direito de defesa do arguido, não coloca em causa a garantia de tal direito de defesa.”

Assim, tem o recurso interposto que improceder.
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Decisão

Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido M. P..
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs.
Guimarães, 10 de Julho de 2019

Relatora: Maria Isabel Cerqueira
Adjunto : Fernando Chaves