Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3672/17.3T8VCT.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
RECURSO
ADMISSIBILIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/31/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: RECURSO NÃO ADMITIDO
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – No âmbito do processo contra-ordenacional de natureza laboral, em regra apenas é admissível recurso para a Relação das decisões enumeradas taxativamente no art. 49.º do RPACOLSS.

II- É irrecorrível o despacho judicial que indeferiu o pagamento de custas de parte, ao abrigo do artigo 25.º do RCP, por a arguida ter obtido provimento parcial na impugnação.
Decisão Texto Integral:
RECORRENTE: X – INDUSTRIA TRANSFORMADORA DE PAPEL, S.A..
RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO
Comarca de Viana do Castelo, Juízo Trabalho de Viana do Castelo – Juiz 1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

1. RELATÓRIO

No âmbito da decisão administrativa proferida pela Autoridade para as Condições do Trabalho – Centro Local Alto Minho -, que deu origem aos presentes autos foi à arguida X – INDUSTRIA TRANSFORMADORA DE PAPEL, S.A. aplicada a coima única de €3.000,00, pela prática de três contra-ordenações: a) p. e p. pelo disposto no art.º 141.º n.º 1 al. e) e n.º 5 do CT na coima de €1.600,00; b) p. e p. pelo do disposto no art.º 202.º, n.º 1 e 5 do CT, na coima de €1.600,00; e p. e p. pelo disposto no art.º 111.º, n.ºs 1 e 3 da Lei n.º 102/2009 de 10/09, na coima de €1.600,00.

A arguida não concordando com a decisão administrativa interpôs impugnação judicial no Tribunal da Comarca de Viana do Castelo, Juízo do Trabalho, vindo este Tribunal a absolve-la da prática da infracção p. e p. pelo art.º 111.º n.ºs 1 e 3 da Lei n.º 102/2009, de 10/09, condenando-a na coima única de €1.800,00 pela prática das duas restantes infracções.

Por ter obtido provimento parcial na sua impugnação veio a arguida requerer o pagamento de custas de parte, ao abrigo do disposto no artigo 25.º do RCP.

Os autos foram com vista ao Ministério Público o qual proferiu a seguinte promoção.

Pretende a arguida X que a ACT lhe pague custas de parte, nos termos do art.º 25º e 26º RCP.
Ora, o processo de contra-ordenação não é um processo de partes, nem a ACT é parte.
A ACT é uma autoridade administrativa com competência para o procedimento contra-ordenacional na área laboral. Não é parte nem paga taxa de justiça.
Acresce que, conforme Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 2/2014, em processo de contra-ordenação, ainda que a arguida recorrente obtenha vencimento na impugnação, não tem direito à devolução da taxa de justiça paga.
Pelo exposto, pr. se indefira o requerido.”

Seguidamente foi proferido pelo Mm.º Juiz a quo o seguinte despacho:

“Concordando-se na íntegra com a douta promoção que antecede, indefere-se o requerido.
D.N.”

A arguida inconformada com esta decisão recorreu para este Tribunal da Relação de Guimarães pedindo a revogação de tal despacho e motivando o seu recurso com as seguintes conclusões:

A) Por despacho proferido no presente processo foi decidido indeferir o pedido de pagamento de custas de parte dirigido à ACT - Autoridade para as Condições de Trabalho, decidindo naquele despacho o seguinte: “Concordando-se na íntegra com a douta promoção que antecede, indefere-se o requerido”
B) Da douta promoção com a qual o tribunal a quo concorda, consta o seguinte: “Pretende a arguida X que a ACT lhe pague custas de parte, nos termos do art.º 25º e 26. do RCP.

Ora, o processo de contra-ordenação não é um processo de partes, nem a ACT é parte. A ACT é uma autoridade administrativa com competência para o procedimento contra-ordenacional na área laboral. Não é parte nem paga taxa de justiça. Acresce que, conforme Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 2/2014, em processo de contra-ordenação, ainda que a arguida recorrente obtenha vencimento na impugnação, não tem direito à devolução da taxa de justiça paga.
Pelo exposto, pr. se indefira o requerido.”

C) A Recorrente considera que salvo o devido respeito por melhor opinião, que a matéria sujeita a exame pelo tribunal recorrido merece outra apreciação, pelo que, impunha-se uma decisão diferente, conforme procurará demonstrar-se.
D) Nos termos do art.º 533º do CPC (n.º 1) “(…) as custas de parte, designadamente, as seguintes despesas: a) as taxas de justiça pagas; b) os encargos efectivamente suportados pela parte; c) as remunerações de execução e as despesas por este efectuadas; os honorários do mandatário e as despesas efectuadas por este (…)”. Dispõe o art.º 25.º 1 do RCP o seguinte: “1 - Até cinco dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respetiva nota discriminativa e justificativa.
E) Assim, dispõe aquele art.º 25º que o momento inicial da contagem do prazo de apresentação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte ocorre com o do trânsito em julgado da decisão final da ação (definidora,consequentemente, da parte vencida da proporção do vencimento). E, decorre do disposto no art.º 628º do CPC que a decisão se considera transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação.
F) Conforme o n.º 3 do artigo 26º do RCP “a parte vencida é condenada, nos termos previstos no Código do Processo Civil, ao pagamento dos seguintes valores a titulo de custas de parte: (a) Os valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do vencimento; (b) os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as despesas do agente de execução; (c) 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora para a compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior; (d) os Valores pagos a título de honorários de agente de execução”
G) A regra geral da responsabilidade pelo pagamento das custas assenta, a título principal, no princípio da causalidade e, subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual, sendo aquele indiciado pelo principio da sucumbência, é a parte vencida que deverá suportar as custas de parte, na respetiva proporção.
H) A regra da causalidade, que a lei estabelece como primeiro critério para a distribuição da responsabilidade pela divida das custas, pressupõe a existência de um vencedor e de um vencido na decisão. E o CPC consagra no seu art.º 527º em matéria de custas, como trava mestra, o princípio da causalidade, segundo o qual a incumbência do respetivo pagamento recairá sobre a parte que lhes der causa.
I) Assim, tendo a ACT - Autoridade para as Condições de Trabalho, dado causa à decisão da recorrente recorrer às vias judiciais e saído com parte vencida, e tendo a recorrente obrigatoriamente despendido valores em taxas de justiça e honorários de advogado para conseguir obter parcial provimento da sua ação, que veio efetivamente a acontecer, não pode aceitar que não lhe seja devolvido parte das custas que foi obrigada a suportar.
J) Se verificarmos as isenções previstas no Regulamento das Custas Judiciais (RCP), dispõe o art.º 4º, n.º 1, al. g) daquele Regulamento, no qual podemos enquadrar a ACT, que estão isentas de custas “As entidades públicas quando actuem exclusivamente no âmbito das suas atribuições para a defesa de direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto, e a quem a lei especialmente atribua legitimidade processual nestas matérias”. Ora, enquadrar-se-á nesta alínea a isenção da ACT - Autoridade para as Condições de Trabalho.
K) Todavia tal isenção não se poderá jamais refletir na negação no pagamento de custas de parte porquanto o n.º 7 do mesmo art.º 4º dispõe “Com excepção dos casos de insuficiência económica, nos termos da lei de acesso ao direito e aos tribunais, a isenção de custas não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte, que, naqueles casos, as suportará.”
L) Neste n.º 7 do art.º 4º do RCJ, inserido pelo artigo 2º da Lei n. º7/2012, a isenção de custas, tal como a mesma decorre dos números anteriores, estatui que, com exceção dos casos de insuficiência económica, nos termos da lei de acesso ao direito e aos tribunais, não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte.
M) Assim, resulta que, se as partes isentas de custas, no particular caso, a ACT, forem confrontadas, a final, com a improcedência das suas pretensões, ainda que parcialmente, na específica situação da al. g) do art.º 4º, n.º 1 do RCP, fica aquela responsável pelo reembolso das custas de parte que daí resultaram (n.º 7). Daí ser a ACT responsável pelo pagamento das custas de parte apresentadas pela recorrente. E, no caso concreto, a admitir-se que as custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas, nos termos do art.º 26, n.º 1 do RCP, no sentido de retirar à parte vencedora o consequente recebimento das custas de parte, quando a parte vencida não está dispensada do pagamento de taxa de justiça e encargos, é inconstitucional por violar o princípio da igualdade como "princípio negativo de controlo" que limita a liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, consubstanciando uma conduta de severa discriminação, completamente desfavorável à parte vencedora, mesmo que parcialmente.
N) Aliás, esta questão do pagamento da taxa de justiça assume particular relevância no âmbito do princípio da igualdade das partes, porque, de acordo com o principio da igualdade plasmado no art.º 13.º da CRP: “1.Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2.Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.”
O) Salvo o devido respeito por opinião contrária, parece-nos existir, neste caso, uma violação do princípio da igualdade já que, não litigando a parte vencida com o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo, sempre estaria obrigada a pagar à parte vencedora o montante referente ao disposto non.º 2 do art.º 25º e do n.º 3 do artigo 26.º do RCP, a título de custas de parte. Assim, existe uma injustiça flagrante neste caso, que haverá igualmente de enquadrar no foro constitucional.
P) In casu, o art.º 4 do RCP e a decisão de integrar as custas de parte no âmbito da condenação judicial por custas é discriminatório porquanto despoja as entidades públicas do pagamento de taxas de justiça, colocando-as numa situação de supremacia e desigualdade de armas face aos entes particulares, sendo tal isenção contraditória ao princípio da igualdade que constitucionalmente está consagrado.
Q) Entende-se que somente poderá ser interesse do Estado que a utilização do processo não cause prejuízo ao litigante que obteve procedência, sucesso na sua pretensão, ainda que parcial. Por isso, como regra, a responsabilidade pelo pagamento das custas assenta no princípio da causalidade e, subsidiariamente, no princípio da vantagem ou proveito processual. Não se pode aceitar que uma das partes esteja dispensada de pagamentos legais pela natureza que reveste e que este facto seja motivo suficiente para discriminar desfavoravelmente a parte vencedora, levando a uma distinção arbitrária com entidades (sejam elas pessoas singulares ou colectivas) que tenham obtido vencimento na causa judicial.
R) Face às considerações supra entende-se que o não pagamento por parte da ACT seja por “(…) integrando-se as custas de parte no âmbito da condenação judicial por custas”, seja por isenção ao abrigo do art.º 4º do RCP é contrário ao princípio da igualdade consagrado no art.º 13º da Constituição da República Portuguesa. Além do mais, o indeferimento da pretensão da ora recorrente no pagamento de custas de parte é ilegal, sem suporte legal que o sustentee contrário à lei, frontalmente incompatível com o prescrito no art.º 4.º, n.º 7 do RCP.
S) Pelo exposto, face às considerações supra, entendemos ser o indeferimento do pagamento das custas de parte apresentadas pela recorrente, contrário ao princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º e princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva consagrado no art.º 20.º, ambos da CRP. E, igualmente violador dos artigos 527º, 533º ambos do CPC, art.º 4º, n,º 1, g) e n.º 7 ambos do Regulamento das Custas Processuais.
Termos em que, Requer-se a V. Exa. se digne admitir o presente recurso, devendo ao mesmo ser concedido provimento, revogando-se o douto despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que decida pelo deferimento do pagamento das custas de parte pela ACT - Autoridade para as Condições de Trabalho.
Assim, farão V.ª Exas. a habitual justiça.

O Ministério Publico respondeu ao recurso, pugnando pela sua total improcedência suscitando ainda a questão prévia da inadmissibilidade do recurso referindo que em face dos montantes das coimas aplicadas, não é admissível recurso ao abrigo do disposto nos artigos 49.º e 50.º da Lei n.º 107/2009, nem do disposto nos artigos 12.º n.º 2 do RCP e arts. 629.º e 630.º do CPC.
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Remetidos os autos para este Tribunal da Relação de Guimarães, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer de fls. 383 a 387, no âmbito do qual pugnou pela improcedência do recurso.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
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Objecto do Recurso

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente na sua motivação – artigos 403.º n.º 1 e 412.º n.º 1, ambos do C.P.P. e aqui aplicáveis por força do artigo 50.º n.º 4 da Lei n.º 107/2009, de 14/09.

As questões apreciar respeitam, sem prejuízo das que se encontrem prejudicadas pelo conhecimento anterior de outras, à inadmissibilidade do recurso e à condenação da ACT no pagamento de custas de parte.

Fundamentação de facto

Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede.
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Fundamentação de direito

Questão Prévia - Da admissibilidade do recurso

Da admissibilidade do recurso no que tange ao despacho proferido depois da decisão final.
Estabelece o artigo 49.º do RPACOLSS (regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e da segurança social), aprovado pela Lei n.º 107/2009 de 14/9 o seguinte:

“Decisões judiciais que admitem recurso

1 - Admite-se recurso para o Tribunal da Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 39.º, quando:

a) For aplicada ao arguido uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente;
b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias
c) O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa competente tenha aplicado uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente, ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público;
d) A impugnação judicial for rejeitada;
e) O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto nos termos do disposto no n.º 2 do artigo.º 39.º
2 – Para além dos casos enunciados no número anterior, pode o Tribunal da Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da decisão quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
3 - Se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infrações ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infrações ou a algum dos arguidos se verificam os pressupostos necessários, o recurso sobe com esses limites.”

E estabelece o artigo 50.º n.º 1 do RPACOLSS que “O recurso é interposto no prazo de 20 dias a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste.”
A arguida/recorrente veio interpor recurso ao abrigo do disposto nos artigos 49.º e 50.º do Regime Processual Aplicável às Contra-Ordenações Laborais e da Segurança Social.

No caso em apreço quer as coimas individualmente aplicadas, quer a coima única aplicada são de montante inferior ao constante da al. a) do transcrito normativo, que se cifra em €2.550,00.

Desde já cumpre ter presente que a decisão recorrida não é nem da sentença, nem do despacho que pudesse ter sido proferido nos termos do artigo 39.º da Lei n.º 107/2009, de 14/09, por isso como bem assinala o ilustre Procurador Geral-Adjunto no parecer junto aos autos, “…o recurso interposto não recai na previsão dos invocados artigos”.

Na verdade, o despacho recorrido é um despacho proferido após o trânsito em julgado da decisão judicial do recurso da decisão administrativa que aplicou uma coima, despacho esse que se refere, exclusivamente, ao pagamento de custas de parte, nos termos dos artigos 25.º e 26.º do RCP. Como nos parece evidente este despacho não pode ser qualificado como sentença, nem como despacho judicial proferido nos termos do art.º 39.º do RPACOLSS, motivo por que não cabe na previsão do transcrito n.º 1 do artº49.º do RPACOLSS, onde apenas podem subsumir-se decisões judiciais que se reconduzam a uma daquelas categorias e, por isso, integrem decisões finais que conheçam do recurso judicial interposto da decisão administrativa de aplicação da coima.

Nem o regime das Contra-Ordenações Laborais, nem o Regime Geral das Contra-Ordenações prevêem a possibilidade de recurso para o Tribunal de Relação de quaisquer despachos interlocutórios.

Em sentido idêntico ainda que a propósito do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas, artigos 64.º e 73º se pronunciaram os seguintes acórdãos: da Relação do Porto, de 6 de Maio de 2009, proferido no processo n.º JTRP00042541; e da Relação de Évora, de 28 de Setembro de 2009, proferido no processo n.º 226/08.9TBMRA-A.E1 e ainda no mesmo sentido, os despachos do Presidente da Relação de Lisboa de 22 de Abril de 2003, proferido no processo n.º 14/03-5, do Vice-Presidente da mesma Relação, de 22 de Fevereiro de 2007, proferido no processo n.º 1754/07.

Ora o artigo 49º do RPACOLSS especifica de forma exaustiva as decisões judiciais que admitem recurso, resultando do seu n.º 1, que apenas se permite das decisões finais proferidas no processo contra-ordenacional laboral e da segurança social.

O n.º 2 refere-se, também exclusivamente, a decisões finais, uma vez que remete para o n.º 1, permitindo-nos dizer que aquele n.º 2 alarga a possibilidade de recurso das decisões finais às hipóteses nele prevista: “
quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.”, desde que tal seja requerido pelo arguido ou pelo Ministério Público, o que não sucedeu no caso em apreço.
Importa realçar que os Tribunais do Trabalho funcionam, no âmbito da sua competência em matéria de contra-ordenações laborais e de segurança social, como instância de recurso, reapreciam a decisão da autoridade administrativa, quer de facto, quer de direito. Por seu turno, o Tribunal da Relação funciona neste âmbito essencialmente como instância de revista, e, consequentemente, em termos limitados, quer quanto às decisões judiciais que admitem recurso, quer quanto ao âmbito e efeitos do recurso (cfr. arts. 49.º e 51.º, n.º 1 do RPCOLSS).

Com efeito, a natureza dos ilícitos de mera ordenação social e o carácter meramente económico da coima intimamente dela dependente justificam as limitações ao recurso para o tribunal da Relação das decisões judiciais proferidas no âmbito do processo de contra-ordenação.

Assim, ao invés do que sucede no processo penal, que em face da exigência do princípio constitucional das garantias de defesa do arguido, com consagração no artigo 32.º n.º 1da CRP, vigora o princípio da admissibilidade de recurso das sentenças e dos despachos judiciais, sempre que a lei não preveja a sua irrecorribilidade – cfr. art. 399.º do CPP – a regra em matéria contra-ordenacional é a da irrecorribilidade das decisões judiciais decorrente da disciplina dos recursos estabelecida para os processo de contra ordenação, o que colhe a sua justificação na natureza do ilícito de mera ordenação social e das sanções que lhe correspondem (coimas).

Veja o que a este propósito se escreveu no acórdão da Relação de Évora, de 08-05-2012, proferido no Proc. n.º 304/11.7TASTB (relator António Clemente Lima) “As razões justificativas deste regime, claramente distanciado do regime processual penal em que a regra é a recorribilidade das decisões (art. 399.ºdo CPP), são várias:

«A limitação do direito ao recurso (para o Tribunal da Relação) das decisões judiciais proferidas no processo de contra-ordenação colhe a sua justificação na natureza do ilícito de mera ordenação social e das sanções que lhe correspondem (coimas): enquanto os bens jurídicos cuja tutela é confiada aos crimes assumem um mínimo ético, o ilícito de mera ordenação social é eticamente neutro ou indiferente e as coimas têm carácter meramente económico-administrativo. A admissibilidade de recurso de decisões interlocutórias no processo contra-ordenacional, não sendo imposta constitucionalmente, estaria mesmo em oposição com a natureza daquele tipo de processo onde impera a celeridade e menor formalismo. Aliás, se nem todas as decisões finais são recorríveis, por maioria de razão se impõe a conclusão da inadmissibilidade de recurso dos despachos interlocutórios» - Decisões, do Presidente deste Tribunal da Relação de Évora, Conselheiro Manuel Nabais, de 3-11-2004 (proc. 2473/04-1) e de 28-9-2009 (Proc. 226/08.9TBMRA-A.E1).

«No fundo, se os factos foram objecto de um processo perante a autoridade administrativa relativamente ao qual a lei assegura plenas garantias de defesa, e se a decisão proferida no termo desse processo já foi objecto de uma apreciação com todas as garantias do processo judicial, aceita-se que se limite o direito ao recurso das decisões proferidas para o Tribunal da Relação.»

Em suma, em face do regime exaustivo estabelecido para as contra-ordenações em matéria de recursos não existe qualquer fundamento para admitir o recurso de despachos ou de decisões interlocutórias, desde que não assumam a natureza de decisões finais ainda que só ponham termo a uma parte da causa.

Se nem sequer todas as decisões finais são recorríveis por maioria de razão se impõe a conclusão da inadmissibilidade de recurso dos despachos interlocutórios.

Mas no que respeita às decisões proferidas em momento posterior à decisão final da impugnação judicial, que não foram objecto de qualquer regulamentação expressa, quer no regime das contra-ordenações laborais, quer no regime geral das contra-ordenações, podemos falar de lacuna, em situações excecionais, designadamente quando estão em causa situações de erro manifesto ou outras situações que contendam de forma grave com os direitos de defesa do arguido, sem possibilidade de se recorrer ao previsto no n.º 2 do art.º 49.º do RPACOLSS, justifica-se, tal como tem sido defendido pela jurisprudência a recorribilidade, pela vi integrativa e subsidiária do CPP, ex vi do disposto no art.º 60.º do RPACOLSS e art.º 41.º n.º1 do RGCO.

Neste sentido se defendeu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 6/05/2009, proferido no processo 0818030 ai se consignando o seguinte:

Mas, se assim sucede relativamente aos despachos e decisões que sejam proferidos antes da decisão final da impugnação judicial, já quanto aos que sejam proferidos em momento ulterior, que não foram objecto de qualquer regulamentação expressa no RGCO, podem-se configurar hipóteses de erros clamorosos ou em que sejam susceptíveis de contender gravemente com os direitos de defesa do arguido, sem possibilidade sequer do remédio proporcionado pelo nº 2 do art. 73º, justificando-se a sua recorribilidade no quadro das normas do processo penal, de aplicação subsidiária nos termos do nº 1 do art. 41º.

Parece-nos que é o que sucede com a decisão recorrida, na medida em que a sua manutenção implica, como efeito necessário, a inviabilização da interposição de recurso da decisão final proferida nos autos por parte da recorrente.

Nessa medida, propendemos no sentido de admitir a recorribilidade da decisão recorrida, com o que consideramos improcedente a questão prévia suscitada.” (sublinhado nosso).

Retornando ao caso em apreço teremos de dizer que não estamos perante qualquer “erro clamoroso” que imponha correcção. O invés, para além do processo de contra-ordenação não ser um processo de partes, nunca a ACT poderia ser considerada parte, pois é apenas a autoridade administrativa com competência para a instauração do procedimento contra-ordenacional na área laboral. Por outro lado, tendo em atenção a letra e a finalidade do artigo 25.º do RCP, o mesmo não é aplicável nem aos processos contra-ordenacionais, nem aos processos penais, salvo na fase relativa ao apelidado enxerto cível.

Não vislumbramos assim que tenha sido cometido qualquer erro clamoroso no despacho recorrido, sendo certo que a tese defendida em tal despacho tem de alguma forma abono expresso na doutrina que consta do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 2/2014, do qual resulta que em processo de contra-ordenação, ainda que a arguida recorrente obtenha vencimento na impugnação não tem direito à devolução da taxa de justiça paga.

Em suma, o despacho recorrido não contém qualquer tese peregrina, clamorosa, destemperada ou inepta que imponha correcção, nem estão em causa as garantias de defesa da arguida, razão pela qual se decide considerar de inviável o direito da arguida ao recurso daquele despacho.

Tal como acima defendemos a admissibilidade de recurso de decisões interlocutórias ou das decisões proferidas depois da decisão final no processo contra-ordenacional, não sendo imposta constitucionalmente, sempre estaria em oposição com a natureza daquele tipo de processo onde impera a celeridade e menor formalismo, tendo se presente que se nem todas as decisões finais são recorríveis, tal como sucede com a proferida nos presentes autos, também por maioria de razão não são recorríveis em regra as decisões proferidas nos demais despachos.

Nesta medida, é de considerar de procedente a questão prévia suscitada, já que propendemos no sentido da inadmissibilidade da recorribilidade da decisão recorrida, por falta de verificação dos respectivos pressupostos, o que prejudica o conhecimento da questão nele suscitada.

Decisão

Por todo o exposto acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em não admitir o recurso.
Custas do recurso a cargo da arguida/recorrente, condenando-se a mesma em 2UC de taxa de justiça.
Guimarães, 31 de Outubro de 2018

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga