Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1447/09.2TBFAF.G1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: INVENTÁRIO
NULIDADE
SANAÇÃO DA NULIDADE
RECURSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - A eventual nulidade decorrente de omissão do tribunal de 1ª instância em sede de processo de inventário de proferir decisão final que ponha termo a “incidente” despoletado por interessado e credor de tornas no sentido de obter a composição do seu quinhão ( cfr. nº1, do artº 1377º, do CPC), carece de ser arguida nos próprios autos e perante o Juiz, e no prazo legal contado nos termos do nº1, II parte, do artº 199º, do CPC.
II - Não sendo arguida nos termos referidos em I, há-de a referida nulidade ter-se por sanada, não podendo ser arguida já em sede de instância recursória despoletada na sequência da interposição de apelação da sentença homologatória da partilha.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 2ª Secção CÍVEL do Tribunal da Relação de Guimarães
1.Relatório.
Nos autos de processo de inventário que correu termos no Tribunal Judicial de FAFE, e que foi desencadeado por óbito de V… e de J…, e no qual desempenhou as funções de cabeça de casal, M…, prosseguindo os autos a respectiva tramitação legal normal e organizado o competente mapa de partilha a 4/3/2014, veio a 5/3/2014 a ser proferida a sentença homologatória da partilha, sendo a mesma do seguinte teor:
“Nos presentes autos de inventário a que se procede por óbito de V… e J…e no qual desempenhou as funções de cabeça de casal, M…, homologo por sentença a partilha com a Ref. 3344258, ao abrigo do artigo 1382º nº 1 do CPC, adjudicando a cada um dos interessados os respectivos bens.
Valor da acção: o do activo
Custas nos termos do artigo 1383º nº 1 do CPC.
Registe e notifique.”
1.1. - Notificado da sentença indicada em 1., e da mesma discordando, veio o interessado M… daquela apelar, concluindo as suas alegações do seguinte modo:
I-) O apelante manifestou, por vários requerimentos nos Autos, que pretendia estar presente à partilha dos bens dos seus pais ;
II-) Na sequência do despacho determinativo da forma à partilha e da elaboração do mapa informativo, requereu pelas expressões transcritas nas alegações (em português legal):
“ Mas quero fazer saber ao vosso tribunal que pelo dinheiro que firam avaliados os bens…eu M… fico com todos os bens dos meus falecidos pais”;
“dou o dinheiro aos outros herdeiros”
“vos pesso que os bens dos meus pais têm que ser divididos em cinco partes iguais”
III-) As expressões supra referidas impõem a interpretação de que o interessado apelante pediu a composição do seu quinhão em bens ;
IV-) O direito de pedir a composição do quinhão em bens está estabelecido no artigo 1377º do C.P.C.;
V-) Ao não apreciar tal requerimento, e ao não lhe dar deferimento, o Tribunal violou o referido artigo 1377º do C.P.C.;
VI-) Acresce ainda que, ao não terem tido qualquer relevância para o Tribunal as várias cartas/requerimentos do apelante, a dizer que queria estar na partilha, e quando podia estar, o Tribunal violou também o espírito da repartição equilibrada dos bens pelos herdeiros e o conseguimento do equilíbrio entre os lotes, violando assim, também, o artigo 1377º do C.P.C., em todas as suas normas, do nº 1 ao nº 4;
VII-) A decisão que homologa a partilha viola, por isso, os nºs 1, 2, 3 e 4 do artigo 1377º do C.P.C..
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, todos os actos posteriores à elaboração do Mapa Informativo de fls. 211, ordenando-se a notificação dos licitantes para escolher os bens licitados com que pretendem compor o seu quinhão, COMO É DE JUSTIÇA.
1.2.- Com referência à apelação indicada em 1.1., apenas contra-alegou a interessada N…, o que fez concluindo pela improcedência do recurso e pela manutenção da sentença que homologou a partilha e aduzindo que não existiu in casu qualquer violação dos nºs 1, 2, 3 e 4 do artº 1377º, do CPC.
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Thema decidendum
Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho , e tendo presente o disposto no artº 5º, nº1 e 7º,nº1, ambos deste último diploma legal ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, a questão a apreciar e a decidir é tão só a seguinte :
a) Aferir se a sentença apelada - homologatória da partilha - merece ser anulada/revogada, pois que, tendo o recorrente solicitado oportunamente a composição do quinhão em bens nos termos do artigo 1377º do C.P.C., não apreciou o tribunal a quo tal requerimento, violando assim tal disposição legal, e em todas as suas normas, do nº 1 ao nº 4.
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2.Motivação de facto.
Do processado nos autos de inventário resulta provada a factualidade a que se alude no relatório do presente Acórdão e, bem assim, a seguinte tramitação :
2.1.- Em 4/3/2013, em sede de conferência de interessados e à qual não compareceu o ora apelante, e não havendo acordo no tocante à composição dos quinhões dos interessados, teve lugar a licitação de bens ;
2.2. - A 22/3/2013 proferiu o Exmº Juiz titular dos autos o despacho determinativo do modo como devia ser organizada a partilha ;
2.3.- Em cumprimento do disposto no artº 1376.º do Código de Processo Civil, e a 24/4/2013 ( fls. 211 a 214), foi junto aos autos de inventário a competente informação, sob a forma de mapa , da mesma constando, v.g., que :
“ Soma dos bens das heranças com o aumento proveniente das licitações ....................................................... 55.535,00€”
2.4.- Em 20/5/2013 , foi junta aos autos uma carta dirigida ao processo e enviada pelo interessado M…, e da qual constam, designadamente, os seguintes dizeres (sic) :
“ Eu M… quero fazer saber au vosso tribunal urgentemente que não estou de acordo com estas partilhas, por isso pesso que seja anulado este tal julgamento .(…)
(…) por isso todas as vossas decisões para mim são consideradas nulas sem efeito.
(…) tudo foi decidido sem eu nada saber mas quero fazer saber au vosso tribunal que pelo dinheiro que foram avaliados os bens de F… e V… ou seja 55,535 neste caso as partilhas estão feita eu M… fico com todos os bens dos meus falecidos pais e dou o dinheiro aos outros herdeiros.
Porque estou metido com uma banda de ladrões que me querem roubar a herança dos meus falecidos pais (…)
(…) vos pesso que os bens dos meus pais têm que ser divididos em cinco partes iguais e depois cada um faz o que quer dos bens herdados ”
2.5. - A 22/5/2013, e tendo por objecto a carta referida em 2.3, proferiu o Exmº Juiz a quo o seguinte despacho :
“ Fls. 219. Visto. Dê conhecimento aos demais interessados.”
2.6.- Em 14/10/2013 proferiu o Exmº Juiz titular do inventário o seguinte despacho :
“ Fls. 217. Uma vez que os licitantes em causa não usaram da faculdade prevista no artigo 1377º nº 3, do CPC, adjudica-se ao interessado A…, pelo valor da licitação, as verbas referidas no requerimento em apreço, nos termos do disposto no nº 2, do citado artigo.
Notifique.
Elabore-se o mapa definitivo da partilha.
Fafe, d.s.”
2.7.- A 30/10/2013, e em cumprimento do disposto no artº 1376.º do Código de Processo Civil, foi junto aos autos ( a fls. 243 a 245) de inventário a seguinte informação, sob a forma de mapa :
Soma dos bens das heranças com o aumento proveniente das licitações.......................................................
55.535,00€
XXX
Feitas as operações da partilha pela forma indicada no respectivo despacho, verifica-se que:
A cada um dos filhos vivos dos inventariados pertence:
Da herança da inventariada....................................4.165,12€
Da herança do inventariado....................... ……….6.941,88€ 11.107,00€
E aos quatro........................................................
44.428,00€
À interessada N…, viúva do falecido J…, filho dos inventariados e a cada um dos seus filhos D… e C…, pertence:
Da herança da inventariada.................................... 1.388,37€
Da herança do inventariado.................................... 2.313,96€ 3.702,33€
E aos três...........................................................
11.106,99€
Fracções perdidas..............................................
+0,01€
Confere com o total a partilhar.............................. 55.535,00€
XXX
A interessada M…, filha dos inventariados, haverá:
Os móveis das verbas nºs 1 e 2, por............................. 10,00€
1/2 (metade) dos imóveis das verbas nºs 4, 5, 7, 8, 11, 14, 16, 20, 21, 23, 25 e 27, por.................................... 3.050,00€
1/3 (um terço) dos imóveis das verbas nºs 10, 17, 18, 19, 22 e 24, por............................................................ 10.000,00€
13.060,00€
Mas como só lhe pertence 11.107,00€
Repõe.......................................... 1.953,00€
Ao irmão M….
XXX
Ao interessado M…, filho dos inventariados, pertence: 11.107,00€
E, para seu pagamento, haverá:
De tornas da irmã M…...........................................................1.953,00€
De tornas do irmão J…......................1.943,00€
De tornas da cunhada N...................... ….7.211,00€
11.107,00€
XXX
Ao interessado A…, filho dos inventariados, pertence: 11.107,00€
E, para seu pagamento, haverá:
Os imóveis das verbas nºs 3, 6, 9, 15 e 26, por.................. 4.400,00€
De tornas da cunhada N............................………………….. 4.111,67€
De tornas do sobrinho D….......... 1.297,67€
De tornas do sobrinho C......... 1.297,67€
Soma.................................................................................... 11.107,01€
Fracções perdidas................................. -0,01€ 11.107,00€
XXX
O interessado J…, filho dos inventariados, haverá:
1/2 (metade) dos imóveis das verbas nºs 4, 5, 7, 8, 11,14, 16, 20, 21, 23, 25 e 27, por..................................................................................... 3.050,00€
1/3 (um terço) dos imóveis das verbas nºs 10, 17, 18,19, 22 e 24, por....................................................................................................... 10.000,00€
13.050,00€
Mas como só lhe pertence................................................11.107,00€
Repõe.................................................................................. 1.943,00€
Ao irmão M….
XXX
A interessada N…, viúva do Joaquim Rodrigues Antunes, filho dos inventariados,
haverá:
O imóvel da verba nº 13, por............................................ 25,00€
1/3 (um terço) do imóvel da verba nº 12, por.................... 5.000,00€
1/3 (um terço) dos imóveis das verbas nºs 10, 17, 18,
19, 22 e 24, por.................................................................. 10.000,00€
15.025,00€
Mas como só lhe pertence............................... 3.702,33€
Repõe.................................................. 11.322,67€
Sendo:
Ao cunhado M….................... 7.211,00€
Ao cunhado A................... 4.111,67€
11.322,67€
XXX
Cada um dos interessados D… e C…, netos dos inventariados, haverá:
1/3 (um terço) do imóvel da verba nº 12, por............. 5.000,00€
Mas como a cada um apenas pertence........................ 3.702,33€
Repõe, cada um................................... 1.297,67€
Ao tio A….”
2.8 - Em 8 de Novembro de 2013 é junto aos autos nova carta dirigida ao processo e enviada pelo interessado M…, e em que constam ,designadamente, os seguintes dizeres (sic) :
“ (…) não concordo com essas partilhas feitas (…), não recebo dinheiro de ninguém ,os meus falecidos pais deixaram terras ,bouças, campos, e casas , a dividir por os 5 Herdeiros.(…)
A partir de hoje já basta de me enviarem cartas registadas (…)”.
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3.- Motivação de Direito.
3.1.- Da almejada revogação da sentença apelada em razão da não apreciação pelo a quo de anterior requerimento que o recorrente atravessou nos autos para efeitos do disposto no artigo 1377º ,nº2, do C.P.C..
Considera a apelante que, o requerimento atravessado nos autos em 20/5/2013, e identificado no item 2.4. da motivação de facto do presente Acórdão , justificando-se - em razão do seu conteúdo - ser interpretado como traduzindo a manifestação de vontade do requerente - carreada para os autos - dirigida para a composição do seu quinhão em bens, naquilo que excede o quinhão de cada licitante, e manifestada nos termos e para efeitos do disposto no nº2, do artº 1377º , do CPC, não logrou porém merecer da parte do tribunal, como se exigia , o encaminhamento, a apreciação e a decisão que lhe era legalmente devida.
Em rigor, ao não atender a pretensão do apelante na elaboração da partilha e nos pagamentos, diz o apelante que o despacho que homologa a partilha viola o artigo 1377º do C.P.C., pois que , ao não apreciar o supra indicado requerimento de 20/5/2013, e ao não lhe dar deferimento e encaminhamento, decidindo-o, em última análise, dizemos nós (cfr. artº 5º,nº3, do CPC) , incorreu o Tribunal a quo em omissão de acto decisório que a lei prescreve - no artigo 1377º do C.P.C .
Admitindo-se [ sem questionar, e não obstante se traduzir em manifestação de vontade no mínimo sui generis, apenas compreensível por se mostrar subscrita por sujeito que não dispõe dos conhecimentos necessários para o efeito , e , ademais, tratando-se de próprio interessado, não consegue manter o distanciamento, a serenidade e o equilíbrio necessários em relação ao objecto do litigio ] que ao não atender o tribunal a quo ao requerimento do apelante ( tal como o fez em relação um outro de co/interessado ) , incorreu efectivamente o tribunal a quo na omissão de acto que a lei prescreve, qual irregularidade que indubitavelmente é susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, que o mesmo é dizer, no cometimento de nulidade processual, a verdade é que, porque não arguida em tempo e local apropriados, deve considerar-se como sanada.
Senão, vejamos.
Em sede de inventário, verificado em sede de “informação” de mapa da partilha que existem interessados credores de tornas, e dando-se cumprimento ao disposto no artigo n.º 1377.º, nº1, do C.P.C., que estipula que “ Os interessados a quem hajam de caber tornas são notificados para requerer a composição dos seus quinhões ou reclamar o pagamento das tornas “, pode um interessado requerer a composição do seu quinhão , limitando-se a formular tal pedido, isto é , a requerer a composição do seu quinhão em abstracto, ou seja, sem indicar de entre os bens licitados pelo devedor das tornas quais os que o hão-de constituir (1), e isto porque o direito de escolha ( cfr. decorre do nº3, do artº 1377º) é privativo do devedor de tornas.
Apresentado o referido requerimento [ de composição de quinhões , e o qual tem por fundamento a necessidade de corrigir a licitação (2) ] e notificados os devedores de tornas para efeitos - em prazo fixado - do nº 3, do artº 1377º, do CPC ( escolha das verbas, de entre as licitadas, necessárias para preencher a sua quota ), e quer os devedores de tornas atravessem nos autos o requerimento de escolha das verbas com vista ao preenchimento da sua quota, quer nada digam ( não exercendo portanto o direito de escolha ), seguir-se-á sempre, a final, e necessariamente , uma decisão do Tribunal, sendo que , não existindo indicação por parte do credor de tornas ( nos termos do nº2, do artº 1377º) e concomitantemente a escolha ou opção por parte do devedor, então é o próprio Tribunal que se substitui ao licitante ou devedor de tornas, escolhendo entre as verbas licitadas em excesso as necessárias para preencher o quinhão do credor de tornas, fazendo a sua adjudicação e determinando a organização do mapa definitivo da partilha em conformidade. (3)
Isto dito, e dando de barato ( como o referido supra ) que a missiva dirigida ao processo pelo interessado M…, em 20/5/2013, equivale à apresentação do requerimento a que alude o nº1, do artº 1377º, do CPC, ao não apreciá-lo enquanto tal e ao não decidi-lo ( v.g. em sede de escolha de entre as verbas licitadas em excesso as necessárias para preencher o quinhão do interessado M…) , não custa admitir que, em última análise, incorreu o Tribunal a quo em omissão de acto decisório que a lei prescreve , ou seja, em irregularidade que , influindo no exame e decisão da causa, consubstancia o cometimento de nulidade.
Ora, estando em “tese” em causa o cometimento de nulidade não expressamente prescrita na lei, e em rigor susceptível de anular o mapa informativo de 30/10/2013 , o mapa da partilha de 4/3/2014 e a sentença que o homologou e de 5/3/2014, cabia ao interessado M… argui-la no processo, nos termos e em obediência ao disposto nos artºs 195º, 197º e 199º, todos do Código de Processo Civil, sendo o prazo de arguição o do artº 149º do CPC ( 10 dias ) , e contando-se ele do dia em que, depois de cometida a nulidade, interveio o interessado em algum acto praticado no processo ou foi notificado para qualquer termo dele, mas neste último caso se deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência ( cfr. artigo 199º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Sucede que , tendo presente a notificação do interessado M… dos actos a que se alude nos items 2.6. e 2.7. da motivação de facto do presente Acórdão, e tendo em atenção o respectivo conteúdo e significado, inevitável é concluir que conheceu então ( ou no mínimo da mesma podia conhecer, agindo com a devida diligência ) da omissão do tribunal de proferir concreto acto decisório que a lei prescreve , mas, não apenas não arguiu a competente nulidade, como , inclusive, e em razão da comunicação dirigida ao processo em 8 de Novembro de 2013 ( facto vertido no item 2.8. da motivação de facto ) , vem tacitamente renunciar à respectiva arguição.
Destarte, e não olvidando que em razão dos princípios da segurança e da certeza jurídicas, mostra-se o nosso ordenamento adjectivo envolvido outrossim pelos princípios da preclusão e da auto-responsabilidade das partes, temos assim que , a existir o vício processual que invoca, mostra-se estar ele sanado, não o podendo suscitar tão só agora em sede recursória, e isto por não lho permitir igualmente a nossa lei processual civil.
É que, como é consabido, inclinando-se o nosso sistema de recursos para a solução que defende que o objecto do recurso é a decisão recorrida , e não a questão sobre que incidiu a decisão recorrida, impondo-se tão só ao tribunal ad quem apreciar se é ela aquela que “ex lege” devia ter sido proferida pelo tribunal a quo, vedado está ao tribunal ad quem conhecer e decidir de questão nova, ou seja, de questão que não foi submetida ( devendo tê-lo sido ) à apreciação do tribunal da primeira instância e que, em consonância, não foi sequer objecto de uma qualquer decisão/despacho proferido pelo referido tribunal a quo.(4) (5)
Dito de uma outra forma, e tal como o decidido recentemente pelo STJ em Ac. de 23/10/2014 (6) “ enquanto meio de impugnação de uma anterior decisão, o recurso apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo o tribunal ad quem ser confrontado com questões não colocadas no tribunal a quo, ou seja com questões novas, salvo quando estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis”.
De resto, e bem a propósito ( dada a similitude das situações ) , recorda-se ainda que em outro Ac. do STJ (7) , veio também a decidir-se, designadamente, que :
VI - Redunda em nulidade processual relevante a omissão de pronúncia sobre o requerimento no qual o exequente solicita a avaliação dos bens, nos termos do art. 1406.º, n.ºs 1, al. c), 2 e 3, do CPC (art. 201.º, n.º 1, do CPC).
VII - Sendo tal nulidade imediatamente coberta por decisão judicial (8) sujeita a recurso - no caso, decisão homologatória da transacção, proferida no entendimento de que o tribunal não tinha outra alternativa que não fosse a de proceder a tal homologação, e de que o exequente apenas podia reagir à posição que as partes tomaram (em concreto, à escolha do cônjuge do executado) depois de proferida essa decisão homologatória -, o meio próprio de impugnar o vício referido em VI deixou de ser a arguição perante o juiz (art. 205.º do CPC), para passar a ser o recurso da decisão que lhe deu cobertura.
Em conclusão, e em razão de tudo o supra exposto, a apelação, portanto, improcede in totum.
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3.2.- Em conclusão ( cfr. artº 663º,nº7, do CPC ) :
I - A eventual nulidade decorrente de omissão do tribunal de 1ª instância em sede de processo de inventário de proferir decisão final que ponha termo a “incidente” despoletado por interessado e credor de tornas no sentido de obter a composição do seu quinhão ( cfr. nº1, do artº 1377º, do CPC), carece de ser arguida nos próprios autos e perante o Juiz, e no prazo legal contado nos termos do nº1, II parte, do artº 199º, do CPC.
II - Não sendo arguida nos termos referidos em I, há-de a referida nulidade ter-se por sanada, não podendo ser arguida já em sede de instância recursória despoletada na sequência da interposição de apelação da sentença homologatória da partilha.
***
4.-Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em , na sequência do não provimento da apelação interposta por M… ;
4.1.- Manter/confirmar a decisão/sentença recorrida do tribunal a quo e de 5/3/2014;
Custas da apelação pelo recorrente.
***
(1) Cfr. José António Lopes Cardoso, in Partilhas Judiciais, Vol. II, 4ª Edição, pág. 422.
(2) Cfr. José António Lopes Cardoso, ibidem, pág. 423.
(3) Cfr. José António Lopes Cardoso, ibidem, pág. 432 e Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12/4/2005, Proc. 680/05, in www.dgsi.pt .
(4) Cfr. o Prof. João de Castro Mendes, in " Recursos ",edição da AAFDL, 1980, págs. 27 e segs ..
(5) Como se decidiu no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 10/7/2007, disponível in www.dgsi.pt “ (…) se a parte não reclama da nulidade ou infracção processual no tempo oportuno, e perante o Tribunal onde é praticada, não pode, ulteriormente, em recurso, suscitar a nulidade, considerando-se esta sanada. O recurso não serve ou não é o meio próprio para conhecer da infracção às regras do processo quando a parte interessada não arguiu a nulidade perante o Tribunal onde aquela ocorreu, nos termos previstos nos arts. 202º a 205º do CPC.”.
(6) Proferido no Processo nº 5567/06.7TVLSB.L2.S1, sendo Relator GRANJA DA FONSECA e disponível in www.dgsi.pt.
(7) Ac. de 03-07-2008, Agravo n.º 1581/08 - 2.ª Secção, sendo Relator Santos Bernardino, e in “O Processo Judicial de Inventário na jurisprudência das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça“ - Sumários de Acórdãos de 2007 a Setembro de 2012.
(8) O que não ocorre no caso sub judice, e tal como se alcança da factualidade vertida na motivação de facto do presente Ac.
***
Guimarães, 24/11/2014
António Santos
Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Duarte