Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
846/14.2T8BCL.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PRIVADO
ISENÇÃO DE CUSTAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/30/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: I – As pessoas colectivas de direito privado e utilidade pública que têm como objectivo promover o fomento e a prática do desporto, bem como estimular e apoiar as actividades culturais e recreativas, são susceptíveis de beneficiar de isenção de custas nos termos do art. 4.º, n.º 1, al. f) do Regulamento das Custas Processuais mas apenas quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defenderem os interesses que lhes estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável.
II – Para este efeito, não basta que se evidencie a prossecução, indirecta e instrumental, das atribuições e interesses que cabem a tais entidades, sob pena de total esvaziamento da previsão legal e desvirtuamento dos objectivos prosseguidos com o estabelecimento das condicionantes mencionadas, mas devem relevar as acções emergentes de relações jurídicas estabelecidas com vista à prossecução das atribuições especiais da pessoa colectiva em causa, por serem a sua «decorrência natural», quer por traduzirem a sua concretização, quer por serem necessárias à mesma.
III – Estando em causa o exercício de funções indiferenciadas concernentes a angariação e recebimento de quotas de sócios, representação da associação em feiras e outros eventos, organização de planos e actividades, etc., as mesmas são comuns a qualquer pessoa colectiva privada sem fins lucrativos da mesma natureza, ou mesmo de outra, não tendo conexão directa ou instrumental, e muito menos exclusiva, com as especiais atribuições de tal associação ou os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto, pelo que inexiste fundamento para que se lhe reconheça isenção de custas.
Decisão Texto Integral: 1. Relatório

Nos presentes autos de acção declarativa de condenação, com processo comum, que B., patrocinado pelo Ministério Público, move a C. e D, o A. alega ter celebrado um contrato de trabalho com o primeiro R. para, mediante uma retribuição mensal de 485,00€, exercer funções indiferenciadas, nomeadamente:
a) venda de bilhetes nas instalações do R. ou na carrinha móvel, para assistência a jogos de futebol organizados pelo R.;
b) recebimento de pagamentos de quotas de sócios do R., nas instalações ou na carrinha móvel do R.;
c) venda e facturação de artigos com a marca do clube de futebol gerido pelo R., vulgarmente designado por “mershandising” com as cores e logotipos da equipa de futebol do R., conhecida por “…”, nas instalações ou na carrinha móvel do R.;
d) angariação de sócios do R.;
e) organização de planos e actividades, nomeadamente a organização da “Campanha sonora” da “viatura do C.”;
f) representação do R. em feiras ou eventos organizados pelo R. ou por terceiros, com vista a promover a imagem do R. e respectiva equipa de futebol.
Findos os articulados, foi proferido despacho a indeferir a pretensão dos RR. de beneficiarem de isenção de custas e a ordenar a notificação dos mesmos para liquidarem a competente taxa de justiça, sob pena de ser ordenado o desentranhamento das respectivas contestações.
Os RR., inconformados, vieram interpor recurso de tal despacho, formulando as seguintes conclusões:
«1ª A primeira Ré C. é uma Agremiação Desportiva de Utilidade Pública, cujo objeto passa essencialmente pelo fomento e prática do desporto, bem como pelo estímulo e apoio às atividades culturais e recreativas, sendo pessoa coletiva que não tem por fim a obtenção de lucros para distribuir pelos seus sócios.
2ª O conceito de utilidade pública, em especial no futebol, implica graus elevados nos seguintes parâmetros: elevada importância económica e dimensão social da competição; elevada importância da mesma no contexto desportivo nacional e elevado nível técnico da competição.
3ª O C., é pessoa coletiva que não tem por fim a obtenção de lucros para distribuir pelos seus sócios.
4ª Como já se referiu, o Clube é uma instituição de Utilidade Pública, conforme o despacho de 1982/09/16, publicado no Diário da República, II Série, n.° 125 de 1983/05/31, pelo que exerce uma atividade de interesse público.
5ª Como escreve um estudioso da problemática do Direito Desportivo, “a existência e actividade dos clubes são valores socialmente úteis, existindo um momento de identidade entre as aspirações particulares dos próprios associados e os interesses da comunidade em geral. São entidades vocacionadas para serem declaradas de utilidade pública. Por outro lado, objectivo interessado que as pessoas colectivas de utilidade pública visam prosseguir não tem natureza económica, traduzindo-se, no que aos clubes desportivos se refere, na promoção e desenvolvimento da prática desportiva” (Cfr. José Manuel Meirim, Clubes desportivos e sociedades com fins desportivos, Lisboa, 1995, pág. 39).
6ª Com efeito, do ponto de vista da respectiva estrutura profissional, os clubes que se dedicam ao desporto profissional, se não visam a realização de puros interesses desportivos dos seus sócios (que, na sua larga maioria, não são praticantes), não deixam de ter por objectivo a satisfação de interesses não económicos, e portanto, ideais, dessas pessoas.
7ª Trata-se, nomeadamente, do seu interesse em gozar do espectáculo desportivo, faceta hoje preponderante, no desporto profissional, e até do interesse em formar e desenvolver o espírito e orgulho de grupo, através da identificação com a actuação dos praticantes (profissionais), e, sobretudo, com as suas vitórias e as classificações alcançadas.
8ª O interesse público impõe à Administração como que uma directiva positiva, e é um princípio fundamental que serve de justificação à realização de um interesse comum.
9ª Assim, constatamos que o futebol é, hoje em dia, uma atividade especial, porquanto também constitui uma janela de oportunidade para diversos atletas de futebol, que aliás não compartilham a situação de precariedade e insegurança enfrentada por outros imigrantes. na sua maioria pouco qualificados, que se deslocam por motivos predominantemente económicos.
10ª Relativamente à segunda Ré D., a Recorrente é uma sociedade desportiva unipessoal por quotas, resultando a sua criação nos termos da alínea c) do artigo 3° do Decreto-Lei n.° 10/2013, de 25 de Janeiro, da personificação jurídica da equipa do C. que participa nas competições profissionais de futebol, sendo clube fundador, para os efeitos do disposto na lei, o C., clube desportivo, constituído como pessoa coletiva de direito privado e agremiação desportiva de utilidade pública, NJPC …, com sede na Rua …, conforme n.° 2 do artigo 1° dos Estatutos.
11ª Ora, como referido supra, o C. é uma Agremiação Desportiva de Utilidade Pública, cujo objeto passa essencialmente pelo fomento e prática do desporto, bem como pelo estímulo e apoio às atividades culturais e recreativas, sendo pessoa coletiva que não tem por fim a obtenção de lucros para distribuir pelos seus sócios.
12ª Em consequência, a recorrente, através da personificação jurídica da equipa do C. enquadra-se na atual previsão do artigo 4°, n.° 1, alínea f) do Novo Regulamento das Custas, Lei 7/2012 de 13 de Fevereiro, pelo que nessa medida está isento de custas processuais.
13ª Ora, tendo em conta os moldes da criação da D.., a qual resultou, nos termos da alínea e) do artigo 3° do Decreto-Lei n.° 10/2013, de 25 de Janeiro, da personificação jurídica da equipa do C., aplica-se também a esta a isenção prevista na alínea f) do n.° 1 do artigo 4° do RCP, por ser uma personificação jurídica da equipa do C., clube desportivo, constituído como pessoa coletiva de direito privado e agremiação desportiva de utilidade pública.
14ª As recorrentes, apesar do entendimento do Tribunal a quo, consideram que se encontram isentas de custas processuais, sobretudo no caso dos autos.
15ª De facto, as recorrentes entendem que se encontram isentas de custas, e inclusivamente nos presentes autos, até porque em vários casos, muito recentes, foram prolatados os seguintes Acórdãos já transitados em julgado proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto, processo n.° 856/12.4TTGMR.P1, relator António José Ascensão Ramos de 07-04-2014, e pelo Tribunal desta Relação de Guimarães, processos números 204/l4.9TTVRLGI, relator Antero Veiga de 04-05-2015 e 192/14.1TTVRL-A.G 1, relator Antero Veiga de 23.10.2015 que se juntam como Doc. 1 e 2 e que partilha o entendimento ora alegado pelas Recorrentes.
16ª Ainda nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães do mesmo relator Antero Veiga entendeu o seguinte (Cfr. Doc. 1 e 2 que se juntam):
17ª Diferente será o caso da defesa em juízo de interesses convenientes ao escopo institucional [v.g. a organização de uma festa com o fim de angariar fundos para a colectividade], pois nestes casos perde evidência a prossecução da defesa do interesse público que constituindo a especial razão de ser da pessoa colectiva, justifica a isenção.
18ª A primeira Ré, C. é uma Agremiação Desportiva de Utilidade Pública, cujo objeto passa essencialmente pelo fomento e prática do desporto, bem como pelo estímulo e apoio às atividades culturais e recreativas, sendo pessoa coletiva que não tem por fim a obtenção de lucros para distribuir pelos seus sócios.
19ª A segunda Ré é um clube desportivo, constituído como pessoa colectiva de direito privado e declarado de Utilidade Pública e tem como principal objectivo promover o fomento e a prática do desporto, bem como estimular e apoiar as actividades culturais e recreativas, uma vez que a sua criação resulta da personificação jurídica da equipa do C., nos termos da alínea c) do artigo 3° do Decreto-Lei n.° 10/2013, de 25 de Janeiro.
20ª No caso dos autos, embora o objeto do processo não corresponda imediatamente à prossecução dos fins institucionais, encontra-se com estes numa relação de instrumentalidade, uma vez que a eventual responsabilidade das Rés advirá do desenvolvimento do seu escopo social, como seja, o fomento e a prática do desporto, que, por estatuto lhes incumbe.
21ª Aliás está em causa nos autos a apreciação de uma relação laboral e consequente apreciação dos créditos reclamados pelo A., as quais estão correlacionadas com os fins institucionais da pessoa coletiva.
22ª Assim sendo, os presentes autos não são estranhos àqueles fins, quer legais, quer estatutários, pelo que as condições consignadas na al. f) do n.° 1 do art° 4° do RCP se verificam, e a isenção tributária aplica-se.
23ª Daqui se infere, e considerando a causa de pedir inerente ao Processo, que a ação em causa se encontra nas atribuições das Rés e por sua vez por personificação jurídica da equipa do C. enquanto entidade privada sem fins lucrativos que promove o fomento e a prática do desporto.
24ª Ademais, existem diversos Acórdãos que sufragam a posição defendida de isenção de custas, pelo que, não sendo exaustivo, é o caso dos seguintes: Acórdão já transitado em julgado proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, processo n.° 856/12.4TTGMR.P1, relator António José Ascensão Ramos de 07-04-2014, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14 de Janeiro de 2012, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2013, Processos 536/11.8TTPRT, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25 de Julho de 2013, Processo 3104/11.OTBBCLL1, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2 de Julho de 2013, Processo n.° 1093/06.2TVLSB.L1, Acórdãos do Tribunal desta Relação de Guimarães, processos números 204/14.9TTVERLG1, relator Antero Veiga de 04-05-2015 e 192/14.1TTVRL-A.G1, relator Antero Veiga de 23.10.2015.
25ª Pelo que violou o Tribunal recorrido a al. f) do n.° 1 do art.,° 4º do Regulamento das Custas Processuais.»
O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, formulando as seguintes conclusões:
«a) de harmonia com o disposto no art.º 4.º, n.º 1, al. f) do Regulamento das Custas Processuais, as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos gozam de isenção de custas quando concretamente estejam em causa a defesa ou o reconhecimento de direitos e obrigações necessários à prossecução dos seus fins
b) tal isenção abrangia não abrange as acções declarativas de condenação emergentes de contrato individual de trabalho;
c) mesmo que se perfilhe a jurisprudência expressa nos acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães juntos aos autos pelas recorrentes, a ré “C.” não beneficia de tal isenção, porque nega a existência de qualquer relação jurídica com o autor, nomeadamente a relação jurídico-laboral invocada por este;
d) a ré D. é uma sociedade desportiva e não uma pessoa colectiva privada sem fins lucrativos;
e) a ré D. é uma pessoa jurídica autónoma e distinta da associação “C”;
f) o art.º 4.º do RCP não isenta as sociedades de custas.»
O recurso foi admitido como apelação, com efeito suspensivo.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, a questão que se coloca a este tribunal é a de saber se os RR. estão isentos de custas.

3. Fundamentação de facto

Os factos materiais relevantes para a decisão da causa são os que resultam do Relatório supra e ainda os seguintes:
A) O R. C. é um clube desportivo constituído como pessoa colectiva de direito privado e declarado de utilidade pública e que tem como objectivo promover o fomento e a prática do desporto, bem como estimular e apoiar as actividades culturais e recreativas, podendo, com tal objectivo, particularmente a prática e o fomento do futebol, bem como de outras actividades desportivas, promover, relativamente às suas equipas que participem em competições de natureza profissional, a constituição de sociedades desportivas e nelas participar.
B) A R. D. é uma sociedade por quotas que tem como sócio único o 1.º R. e tem por objecto a participação nas competições profissionais de futebol, a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada da modalidade de futebol. A sociedade pode ainda associar-se com outras pessoas jurídicas para, em especial, constituir novas sociedades, agrupamentos complementares de empresas, agrupamentos europeus de interesse económico, consórcios, associações em participação e outras formas de colaboração, temporária ou permanente.

4. Apreciação do recurso

Estabelece o Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, no que interessa:
Artigo 4.º
Isenções
1 - Estão isentos de custas:
(…)
f) As pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável;
(…)
5 - Nos casos previstos nas alíneas b), f) e x) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2, a parte isenta é responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido.
6 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, nos casos previstos nas alíneas b), f), g), h), s), t) e x) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2, a parte isenta é responsável, a final, pelos encargos a que deu origem no processo, quando a respectiva pretensão for totalmente vencida.
(…)
A R. D.., independentemente de ter como sócio único o 1.º R., é uma pessoa jurídica distinta sob a forma de sociedade por quotas, logo com fins lucrativos inerentes ao seu objecto de participação nas competições profissionais de futebol e promoção e organização de espectáculos desportivos e fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada da modalidade de futebol.
Assim, sem necessidade de maiores considerações, rejeita-se, por manifestamente infundada, a pretensão da 2.ª R. de beneficiar da isenção de custas conferida pela norma em apreço.
Quanto ao R. C., é um clube desportivo constituído como pessoa colectiva de direito privado e declarado de utilidade pública e que tem como objectivo promover o fomento e a prática do desporto, bem como estimular e apoiar as actividades culturais e recreativas.
Assim, trata-se de entidade susceptível de beneficiar da isenção de custas prevista na mencionada norma, mas, nos termos desta, apenas quando actue exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhe seja aplicável.
Sobre a questão, escreve-se no Acórdão da Relação de Coimbra de 10 de Setembro de 2013 (in www.dgsi.pt):
“Sucede que, nos termos da citada alínea, as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos estão isentas de custas “quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelos respectivos estatutos ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável”.
Vê-se da norma acabada de transcrever que o benefício da isenção é reconhecido às pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos desde que:
1. Actuem, no processo, exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições; ou
2.Actuem, no processo, “para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelos respectivos estatutos ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável”.
Qualquer actuação no processo fora destas condições não beneficia da isenção de custas.
(…)
Ora, as atribuições de uma pessoa colectiva são precisamente os fins ou as finalidades por ela prosseguidas. As especiais atribuições são os fins ou as finalidades para a realização das quais foi formada a pessoa colectiva e que lhe conferem identidade e que as distinguem de outras pessoas no mundm ,,,,,,,,,…c vo das pessoas colectivas. É com este sentido, por exemplo, que o artigo 51.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 da Lei n.º 24/2012, de 9 de Julho, que aprovou a Lei-Quadro das Fundações, fala das “atribuições” das fundações públicas.
Logo, as atribuições da ré são as finalidades que ela prossegue; as especiais atribuições são as finalidades que levaram à sua formação; são os objectivos que lhe conferem identidade e que concorrem para a distinguir de outras pessoas colectivas.
(…)
Uma das linhas de orientação da reforma das custas processuais efectuada pelo RPC aprovado pelo Decreto-lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro consistiu na “reavaliação do sistema de isenção de custas”. Com o novo regime procurou-se, para utilizarmos as palavras do preâmbulo do diploma atrás citado, “proceder-se a uma drástica redução das isenções, identificando-se os vários casos de normas dispersas que atribuem o benefício da isenção de custas para, mediante uma rigorosa avaliação da necessidade de manutenção do mesmo, passar a regular-se de modo unificado todos os casos de isenções”.
(…)
Foi por o objecto do litígio não respeitar às “especiais atribuições” da pessoa colectiva que:
1. O acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de Janeiro de 2013, publicado no sítio www.dgsi.pt, proferido no processo n.º 1140/11.6TTMTS decidiu que a isenção de custas prevista na alínea f), do n.º 1 do artigo 4º do Regulamento das Custas processuais não abrangia as acções declarativas emergentes de contrato de trabalho interpostas contra uma IPSS com vista ao reconhecimento de créditos decorrentes da relação laboral que existiu entre ela e uma trabalhadora (A.)
2. O acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-12-2011, proferido no processo n.º 68/08.1TTCBR, publicado no mesmo sítio, decidiu que a isenção prevista na alínea f), do n.º 1 do artigo 4º do RCP estava condicionada à actuação no âmbito das especiais atribuições da pessoa colectiva em causa ou da defesa dos seus interesses estatutários, pelo que a isenção “só funcionava em relação aos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo seu estatuto ou pela lei” (ídem) e que não cabiam, assim, na previsão normativa “as acções que tenham por objecto obrigações ou litígios derivados de contratos que essas pessoas celebrem com vista a obter meios para o exercício das suas atribuições”.
3. O acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28-12-2012 proferido no processo n.º 3892/11.4TBPTM publicado no mesmo sítio decidiu que a isenção não se verificava quando, em concreto, a Instituição pretende impugnar as coimas que lhe foram aplicadas pela prática de contra-ordenações ambientais, se os interesses subjacentes à protecção dessas contra-ordenações não constam dos seus estatutos ou da lei.
E foi por o objecto do litígio não estar relacionado com “a defesa dos interesses que lhe são especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável” que o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 14-03-2013, no processo n.º 01166/12, uniformizou a jurisprudência no sentido de que “de acordo com as disposições articuladas das alíneas f) e h) do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais e do artigo 310º/3 do Regime do Contrato de Trabalho na Função Pública, aprovado pela Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, os sindicatos, quando litigam em defesa colectiva dos direitos individuais dos seus associados, só estão isentos de custas se prestarem serviço jurídico gratuito ao trabalhador e se o rendimento ilíquido deste não for superior a 200 UC.”
Afastando-se deste entendimento baseado numa interpretação meramente literal e demasiadamente redutor e susceptível de retirar à norma quase todo o seu efeito útil, refere Salvador da Costa (Regulamento de Custas Processuais Anotado e Comentado, pp. 143 e ss.):
“A isenção em apreço é motivada pela ideia de estímulo ao exercício de funções públicas por particulares que, sem espírito de lucro, realizam tarefas em prol do bem comum, o que à comunidade aproveita e ao Estado incumbe facilitar.
Trata-se, porém, de uma isenção subjectiva de custas que aproveita às referidas pessoas colectivas, condicionada às circunstâncias de não terem fins lucrativos e de actuarem no âmbito das suas especiais competências ou para defender os interesses que lhes estão especialmente conferidos.
(…)
Mas trata-se de uma isenção de custas condicional, na medida em que só funciona em relação aos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo seu estatuto ou pela própria lei.
Nesta perspectiva, pode parecer que esta isenção não abrange as acções que tenham por objecto obrigações ou litígios derivados de contratos que essas pessoas celebrem com vista a obter meios para o exercício das suas atribuições.
Todavia, se o objecto de tais acções for instrumental em relação aos fins estatutários dessas entidades, propendemos a considerar serem abrangidas pela isenção de custas.
Esta isenção está, porém, limitada pelo que se prescreve nos n.ºs 5 e 6 deste artigo.”
Em sentido similar se pronunciou já esta Relação de Guimarães, designadamente no Acórdão de 22 de Outubro de 2015, proferido no âmbito do processo n.º 192/14.1TTVRL-A.G1, onde se refere:
“Como resulta do normativo esta isenção subjetiva apresenta duas caraterísticas peculiares, é limitada e condicionada.
Limitada porque não depende apenas da qualidade do sujeito, dependendo ainda dos concretos contornos da ação para a qual se pretende a mesma.
Estão abrangidas as ações em que a pessoa coletiva defenda interesses relacionados exclusivamente com as suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável. Estaremos a falar de direitos e/ou obrigações necessárias e decorrentes ao normal atuar da pessoa, tendo em vista alcançar os fins de interesse público em razão dos quais foi erigida.
Condicionada, porque pode a final vir a suportar custas, nos termos do nº 5 e 6 do normativo.
Uma interpretação estritamente literal, admitindo a isenção apenas quando as ações tenham a ver diretamente com as especiais atribuições ou sejam para defender os interesses especialmente conferidos à pessoa coletiva, não nos parece a mais conforme com os objetivos da concessão da isenção, com a ratio da norma.
Contudo, falar-se simplesmente de uma “instrumentalidade”, como bastante, implicará colocar na norma aquilo que o legislador não pretendeu aí colocar. Tratando-se de pessoa coletiva que não distribui lucros, facilmente se encaixaria todo o tipo de ações nos pressupostos necessários à isenção, inutilizando o caráter limitado prescrito na norma. Se o legislador assim o tivesse pretendido, bastaria conceder a isenção subjetiva tout court.
Importará caso a caso verificar se o assunto sub judice é “decorrência natural” do atuar da pessoa na prossecução daquelas atribuições e/ou interesses, quer porque, a jusante, decorrentes dessa prossecução; quer porque, a montante, necessário à mesma.
Assim, uma festa tendo em vista angariar fundos, para usar o exemplo dado no Ac. RP de 14/1/2014, processo nº 1026/12.7TVPRT.P1, não se encaixará nos pressupostos, conquanto seja instrumental, não é necessária ao objetivo nem decorre da prossecução do mesmo.
Uma demanda laboral poderá ou não encaixar-se. Encaixar-se-á uma demanda por exemplo de uma cozinheira de uma instituição que serve refeições gratuitas, a demanda é decorrência da prossecução do objetivo, a cozinheira foi contratada para o efeito de prosseguir naquele. O caso concretamente analisado no acórdão acima referido, conquanto não decorra da prossecução do objetivo, poderá encaixar-se como demanda necessária à prossecução daquele.
Não se encaixarão aquelas que não decorrem da prossecução daquelas atribuições, nem são necessárias à mesma.
(…)
A fim de evitar a fraude à lei, importa ter em atenção a realidade social em que nos movemos. Nos tempos atuais, uma parte considerável dos “clubes” que se dizem amadores, comportam-se como clube profissionais, Adoptando métodos, estratégias próprias dos destes – contratando jogadores e técnicos, mediante retribuição, com obrigação de comparência aos treinos, com sujeição aqueles às determinações de treinador, e ambos com sujeição às ordens e directivas do clube etc… Tais contratos são muitas vezes verbais, e a própria remuneração é escondida debaixo de falsos subsídios e prémios. Trata-se do fenómeno já denominado de ”falso amadorismo” - João Leal Amado (Contrato de Trabalho Desportivo, Anotado, Coimbra Editora, 1995, pág.19).
(…) O legislador ao estabelecer a isenção, não teve em vista o benefício do futebol enquanto atividade económica, mas apenas enquanto prática desportiva generalizada, benéfica para a saúde e equilíbrio dos praticantes.”
De acordo com este segundo entendimento, não procede o argumento de que as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos sempre prosseguem, indirecta e instrumentalmente, as atribuições e interesses que lhes cabem, sob pena de total esvaziamento da previsão legal e desvirtuamento dos objectivos prosseguidos com o estabelecimento das condicionantes mencionadas. Devem, contudo, relevar as acções emergentes de relações jurídicas estabelecidas com vista à prossecução das atribuições especiais da pessoa colectiva em causa, por serem a sua «decorrência natural», quer por traduzirem a sua concretização, quer por serem necessárias à mesma.
No aludido recurso julgado nesta Relação, o aí autor sustentava ter celebrado com o aí réu um contrato de trabalho para a prática profissional de futebol, defendendo o segundo que o que estava em causa era a prática amadora de tal modalidade, pelo que se decidiu no sentido de reconhecer a isenção de custas em atenção ao facto de ser ainda controvertida tal questão, mas sem prejuízo da aplicação a final do disposto no n.º 5 do normativo em apreço, se se viesse a apurar que estava em causa a prática profissional do futebol, por se entender que tal extravasava das atribuições especiais do réu que justificaram a declaração de utilidade pública.
Nesse particular, o caso sub judice é completamente distinto, uma vez que não está em causa um praticante de futebol ou outra actividade promovida pelo 1.º R., discutindo-se, isso sim, se foi ou não ajustado e executado entre as partes um contrato de trabalho para que o Apelado exercesse funções indiferenciadas, nomeadamente:
a) venda de bilhetes nas instalações do R. ou na carrinha móvel, para assistência a jogos de futebol organizados pelo R.;
b) recebimento de pagamentos de quotas de sócios do R., nas instalações ou na carrinha móvel do R.;
c) venda e facturação de artigos com a marca do clube de futebol gerido pelo R., vulgarmente designado por “mershandising” com as cores e logotipos da equipa de futebol do R., conhecida por “…”, nas instalações ou na carrinha móvel do R.;
d) angariação de sócios do R.;
e) organização de planos e actividades, nomeadamente a organização da “Campanha sonora” da “viatura do C.”;
f) representação do R. em feiras ou eventos organizados pelo R. ou por terceiros, com vista a promover a imagem do R. e respectiva equipa de futebol.
Assim, por um lado, algumas das alegadas funções exercidas – as atinentes às equipas de futebol profissionalizado – são-no necessariamente em benefício da 2.ª R., relativamente à qual já se verificou que não está isenta de custas, pelas razões explicitadas.
Por outro lado, as demais funções que eventualmente tenham sido exercidas em benefício do 1.º R. – as concernentes a angariação e recebimento de quotas de sócios, representação daquele em feiras e outros eventos, organização de planos e actividades, etc. – são comuns a qualquer pessoa colectiva privada sem fins lucrativos da mesma natureza, ou mesmo de outra, não tendo conexão directa ou instrumental, e muito menos exclusiva, com as especiais atribuições de tal R. ou os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto, que, nos sobreditos termos, se traduzem em promover o fomento e a prática do desporto, bem como estimular e apoiar as actividades culturais e recreativas.
Aliás, é dito – e concorda-se que assim seja – que as alegadas funções do A. são indiferenciadas, o que significa precisamente que não são específicas ou qualificadas, podendo em regra ser exercidas, por um lado, por qualquer pessoa minimamente habilitada, e, por outro lado, em benefício de pessoas diversificadas, não sendo influenciadas decisivamente pela natureza da respectiva actividade.
Deste modo, porque as funções alegadamente exercidas pelo A. são indiferenciadas e não se reportam exclusiva e directa ou instrumentalmente às especiais atribuições do 1.º R. ou os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto, entende-se que este não está isento de custas na presente acção, independentemente de aquelas funções serem ou não levadas a cabo no âmbito dum contrato de trabalho.
Em face do exposto, não se reconhece isenção de custas a qualquer dos RR..

Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos Apelantes.


Guimarães, 30 de Junho de 2016


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(Alda Martins)


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(Sérgio Almeida)


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(Antero Veiga)


Sumário (elaborado pela Relatora):
I – As pessoas colectivas de direito privado e utilidade pública que têm como objectivo promover o fomento e a prática do desporto, bem como estimular e apoiar as actividades culturais e recreativas, são susceptíveis de beneficiar de isenção de custas nos termos do art. 4.º, n.º 1, al. f) do Regulamento das Custas Processuais mas apenas quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defenderem os interesses que lhes estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável.
II – Para este efeito, não basta que se evidencie a prossecução, indirecta e instrumental, das atribuições e interesses que cabem a tais entidades, sob pena de total esvaziamento da previsão legal e desvirtuamento dos objectivos prosseguidos com o estabelecimento das condicionantes mencionadas, mas devem relevar as acções emergentes de relações jurídicas estabelecidas com vista à prossecução das atribuições especiais da pessoa colectiva em causa, por serem a sua «decorrência natural», quer por traduzirem a sua concretização, quer por serem necessárias à mesma.
III – Estando em causa o exercício de funções indiferenciadas concernentes a angariação e recebimento de quotas de sócios, representação da associação em feiras e outros eventos, organização de planos e actividades, etc., as mesmas são comuns a qualquer pessoa colectiva privada sem fins lucrativos da mesma natureza, ou mesmo de outra, não tendo conexão directa ou instrumental, e muito menos exclusiva, com as especiais atribuições de tal associação ou os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto, pelo que inexiste fundamento para que se lhe reconheça isenção de custas.


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(Alda Martins)