Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
240/14.5PBGMR.G1
Relator: ISABEL CERQUEIRA
Descritores: JULGAMENTO EM TRIBUNAL SINGULAR
NULIDADE DO ARTº 119ª
AL. E)
DO CPP
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL COLECTIVO
REENVIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NULIDADE DO JULGAMENTO REALIZADO
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) É da competência do tribunal singular a realização do julgamento de factos imputados na acusação pública integrantes de crimes que se encontram em concurso real, aos quais abstractamente seria aplicável uma pena global superior a 5 anos de prisão, por o Mº Pº ter usado da faculdade prevista no nº 3 do artº 16º do CPP.

II) Porém, como sucede, in casu, se após a dedução de acusação pública como a referida, vierem os assistentes deduzir acusação particular contra os recorrentes pela prática por cada um deles de dois crimes de injúrias previstos e punidos pelo artº 181º, nº 1 do CP, com pena de prisão até 3 meses e, após a dedução dessa acusação particular, que o Mº P acompanhou, nada foi dito por este quanto à competência do tribunal, então, a competência para a realização do julgamento é do tribunal colectivo.

III) Tendo o julgamento sido realizado por tribunal singular, ocorre nulidade insanável prevista na alínea e) do artº 119º do CPP, impondo-se a anulação do julgamento realizado, nos termos do citado normativo e do nº 1 do artº 32º do CPP.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal deste Tribunal:

Relatório

No Juízo Local Criminal de Guimarães – Juiz 1, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foi proferida sentença, em 20/02/2018 (fls. 677 a 696 verso), que condenou os arguidos: D. P., pela prática, em concurso real, de um crime de ofensa à integridade física, um crime de ameaça e dois de injúria, respectivamente, ps. e ps pelos art.ºs 143º n.º 1 e 144º alínea b), 153º n.º 1 e 181º n.º 1, todos do Código Penal (a partir de agora sempre indicado apenas como CP), nas penas respectivas de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, 50 dias e 40 dias de multa (esta última por cada um dos crimes de injúria), à taxa diária de 6,00 euros, e em cúmulo jurídico das penas de multa, na única de 100 dias de multa, àquela taxa; e J. P., pela prática dos mesmos crimes, em concurso real ainda com outro de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art.º 143º n.º 1 do CP, nas mesmas penas, e ainda na de 150 dias de multa, à taxa diária de 6,00 euros, com o cúmulo jurídico das penas de multa fixado em 200 dias, àquela taxa diária.

Mais foram estes arguidos condenados a pagarem solidariamente à ofendida/arguida A. F. a quantia de 7.500,00 euros, e respectivamente, o recorrente D. P. e o recorrente J. P. a pagarem ao ofendido/arguido Manuel os montantes de 200,00 e 2.000,00, quantias todas acrescidas de juros de mora, à taxa Legal, desde a data da decisão e até integral pagamento.

Desta sentença interpuseram ambos os arguidos D. P. e J. P. recurso (respectivamente, a fls. 714 a 756 e 704 a 710), nos quais, e nas suas conclusões:

1 - O primeiro, ocorrer nos autos a nulidade insanável prevista na alínea e) do art.º 119º do Código de Processo Penal (a partir de agora apenas referido como CPP), por o tribunal a quo ser materialmente incompetente para a realização do julgamento, que competia ao tribunal colectivo, por não ter sido feito uso da faculdade prevista no n.º 3 do art.º 16º daquele diploma legal, depois da dedução da acusação particular, mesmo considerando que houve instrução a requerimento seu e que foi pronunciado pelos mesmos crimes, por aquele faculdade ser exclusiva do M.P., sendo inconstitucional a interpretação daquele normativo legal no sentido de que a mesma pode ser exercida pelo Juiz de instrução Criminal; sem conceder, acrescenta que face à alteração da qualificação jurídica de uma das alegadas condutas criminosas comunicada na sessão de julgamento de 23/01/2018 também sempre se verificaria aquela nulidade, por não ter sido feito uso daquela faculdade pelo M.P., devendo ser considerada inconstitucional a interpretação dos art.ºs 14º n.º 2 alínea b), 15º, 16º n.º 3 e 358º n.ºs 1 e 3 do CPP, na interpretação da manutenção da competência do tribunal singular para o julgamento, após comunicação da qualificação jurídica que implique pena superior a 5 anos de prisão, sem que tenha sido feito uso pelo M.P. da faculdade prevista no n.º 3 do art.º 16º daquele diploma legal; mais alega não se terem provados factos concernentes à agravação do crime de ofensa à integridade física, nem os inerentes ao dolo nessa agravação e ao nexo causal entre a agressão e o resultado, pelo que, nunca poderia ter sido condenado pelo crime agravado, além de não constar da acusação o dolo mesmo relativamente ao crime simples, ou seja, à intenção prévia do agente subjacente à conduta ilícita, o que implicava a sua absolvição do crime de ofensa à integridade física; alega ainda que deveria ter sido dado como provado que a ofendida A. F. actuou da forma referida em 28 da matéria provada para enfrentar/desafiar o recorrente, que da mesma matéria provada a causa da discussão e a gravidade desta causa, que nunca se poderia ter concluído ter sido o mesmo a iniciar a “contenda”, e que o facto de aquela A. F. ter uma personalidade desafiadora teria que ser pesado pelo menos quanto à medida da pena; acrescenta não poder ter sido conferida a credibilidade que o foi às declarações daquela ofendida e aos depoimentos das testemunhas F. F. e M. F., não tendo sido feito um exame critico destas provas, não terem sido ponderados na decisão recorrida o seu relatório social junto aos autos nem os factos por si alegados em 24 e 37 a 41 da contestação, pelo que, está a mesma ferida da nulidade, nos termos do disposto nos art.ºs 374º n.º 2 e 379 n.º 1 alínea a), eº 410º n.º 2 alínea a) todos do CPP; mais alega ser a decisão recorrida também nula por falta de fundamentação já que entende que na mesma não foi feito o raciocínio lógico-dedutivo que explicasse a credibilidade conferida às provas supra referidas, ou a incredibilidade a outras, ou as circunstâncias em que foi cometido o crime de ameaça, além de haver erro de julgamento quanto à factualidade integrante do mesmo, por a ofendida o imputar ao co-arguido e não a si; acrescenta, não haver por parte da ofendida A. F. qualquer manifestação de vontade expressa que integrasse queixa contra si pelo crime de injúrias, não chegando para tal a mera constituição de assistente e dedução de acusação particular, pelo que, sempre os autos deveriam ter sido arquivados quanto a este crime, e ser inconstitucional qualquer interpretação dos art.ºs 181º n.º 1 e 188º do CP em conjugação com os 48º, 49º e 50º do CPP, no sentido de poder ser promovido o processo criminal pelo M.P. relativamente a crime particular, quando não é declarada expressamente tal intenção, podendo tal manifestação de vontade decorrer de actos posteriores; por fim, alega que também nunca poderia ter sido condenado pelo mesmo crime por não ter sido dado como provado que efectivamente atingiu a honra e consideração dos assistentes, não ter o tribunal fundamentado a forma como foi fixada a indemnização civil, nem discriminado a mesma relativamente a cada um dos crimes alegadamente praticados, sendo também nesta parte nula por falta de fundamentação, e sem conceder, alega como exageradíssimo o montante de 7.500,00 euros fixado pelos danos não patrimoniais. Conclui pela sua total absolvição.

2 – O arguido J. P., alega a mesma excepção da incompetência do tribunal singular para a realização do julgamento nos autos, essencialmente com os mesmos fundamentos apresentados pelo co-arguido recorrente, concluindo pela nulidade do efectuado.

A Magistrada do M.P. junto do tribunal recorrido respondeu aos recursos interpostos, a fls. 768 a 774, pugnando pela total improcedência de ambos.
A Ex.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta junto deste tribunal emitiu o douto parecer de fls. 782 e seguinte, pronunciando-se no mesmo sentido.

Foi cumprido o disposto no n.º 2 do art.º 417º do CPP, tendo o recorrente D. P. apresentado a resposta de fls. 789 a 792, foram colhidos os vistos legais, e procedeu-se à conferência, cumprindo decidir.
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Foi a seguinte a fundamentação de facto da sentença recorrida (que se transcreve apenas parcialmente):

1. Factos Provados:

Da discussão da causa e produção da prova vieram a resultar provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa:

1. No dia 17 de Março de 2014, pelas 12h30m, na Rua (...), em (...), Guimarães, junto à residência sita no n.º (...), a arguida A. F. e o arguido D. P., travaram uma discussão.
2. Em acto simultâneo, o arguido J. P. infligiu à A. F. um murro na face, o que provocou a sua queda ao chão.
3. Estando a A. F. prostrada no chão, os arguidos D. P. e J. P. desferiram vários pontapés em diversas partes do seu corpo, atingindo-a inclusivamente na face de forma violenta.
4. Após as agressões, os arguidos D. P. e J. P. disseram à A. F.: “Isto não vai ficar assim, o teu destino é ser passada a ferro, vais ter que sair daqui para fora”.
5. Passados uns minutos (após a arguida ter telefonado ao seu marido), o arguido Manuel tentou dar um murro ao D. P. e empurrou-o, tendo este caído ao chão.
6. Quando o D. P. se encontrava no solo, o arguido Manuel agarrou-o pelo pescoço.
7. Enquanto isso o arguido D. P. também agarrava o arguido Manuel.
8. De seguida, o arguido J. P. agrediu o Manuel com um pontapé na parte inferior da perna direita e, de seguida, desferiu-lhe um murro no olho esquerdo.
9. Em consequência da agressão de que D. P. foi vítima este sofreu dores e ficou com alguns arranhões, mas não teve necessidade de receber assistência médica.
10. Em consequência da agressão de que A. F. foi vítima esta teve necessidade de receber assistência médica de imediato no Hospital de Guimarães.
11. Submetida a exame médico-legal no dia 20 de Março de 2014 e no dia 23 de Setembro de 2015, apresentava, como consequência directa da agressão, no crânio “hematoma localizado na região parietal direita, agrupamento de várias escoriações lineares abrasivas sobre hematoma localizado na região frontal direita”; na face “imobilização da pirâmide nasal e tamponamento anterior associado a edema e equimose extensa do nariz e restante maciço facial”, tendo ficado com “sequelas de fractura dos ossos próprios do nariz, com ligeira escoliose da extremidade distal da pirâmide nasal, sem perturbação respiratória”; no membro superior direito “área de escoriação e eritema sobre a face anterior do ombro numa área de 4 cm por 3 cm de maiores dimensões, várias manchas equimóticas mal definidas na face antero-interna do terço médio do braço e área escoriada sobre a face posterior do cotovelo com cerca de 2 cm de diâmetro”; no membro superior esquerdo “área de escoriação e eritema sobre a face anterior do ombro numa área de 3 cm por 3 cm de maiores dimensões, várias manchas equimóticas mal definidas na face antero-interna do terço médio do braço”; no membro inferior direito “escoriação com cerca de 4 cm por 3 cm de maiores dimensões sobre a face anterior do joelho”.
12. Tais lesões demandaram 44 (quarenta e quatro) dias para a cura, com afectação da capacidade de trabalho geral (1 dia) e com afectação da capacidade de trabalho profissional (44 dias).
13. Em consequência da agressão de que Manuel foi vítima este teve necessidade de receber assistência médica no Hospital de Guimarães. Submetido a exame médico-legal no dia 20 de Março de 2014, apresentava, como consequência directa da agressão, na face “edema sub-palpebral e equimose peri-ocular à esquerda”; no membro inferior direito “edema acentuado da perna e pé direitos associado a alguma tensão e a extensa mancha equimótica que abrange o pé, tornozelo e face posterior da perna”;
14. Tais lesões demandaram 15 (quinze) dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e profissional.
15. Os arguidos agiram livre, deliberada e conscientemente.
16. O arguido Manuel sabia que lesava a integridade física de D. P., e este bem sabia que lesava a integridade física da ofendida.
17. O arguido J. P. sabia também que ao agir do modo descrito molestava o arguido Manuel.
18. Os arguidos D. P. e J. P. actuaram ainda com o propósito de anunciar à arguida A. F. que a iam agredir, de forma adequada a provocar-lhe medo e inquietação, como provocaram, fazendo-a recear pela sua integridade física, dadas as circunstâncias e o modo como proferiram as palavras que lhe dirigiram.
19. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram e são proibidas e punidas por lei.
20. O arguido D. P. dirigindo-se à assistente A. F., de viva voz e na presença de várias pessoas disseram: “vaca, puta”, e o arguido J. P. disse-lhe “filha da puta e vaca.”
21. Os arguidos D. P. e J. P. dirigindo-se ao assistente Manuel, de viva voz e na presença de várias pessoas disseram: “ filho da puta.”
22. Os arguidos D. P. e J. P. agiram com o propósito de ofender a honra, bom nome e consideração dos referidos assistentes.
23. Os arguidos D. P. e J. P. actuaram de forma livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram ilícitas e proibidas por lei, e, ainda, com o propósito de ofender a honra, bom nome e consideração dos assistentes.
24. As palavras que os demandados D. P. e J. P. dirigiram aos assistentes, além de lhes causar tristeza e desgosto, eram susceptíveis de pôr em causa a reputação dos mesmos.
25. Em consequência directa e necessária das agressões supra descritas os assistentes A. F. e Manuel sofreram dores físicas, traumatismos, edemas, hematomas.
26. A assistente A. F. sofreu grande medo e temor pela sua vida, factos que os impossibilitaram de dormir tranquilamente, e de depressão reactiva.
27. Aquando do aludido em 1), o demandante D. P. questionou a demandada A. F. acerca de um tubo que suspeitava que esta havia cortado no dia anterior, informando-a da sua intenção de chamar a polícia para reportar tal facto.
28. Na sequência desta conversa, a demandada bastante exaltada, entrou na sua residência e regressou de imediato com uma estatueta de madeira, em forma de girafa.
29. O demandante D. P., em consequência da agressão acima aludida, sofreu arranhões nas costas.
30. O demandante D. P. é pessoa considerada no meio onde vive.
31. A arguida A. F. é comerciante e aufere cerca de €600,00 mensais, vive com o marido que também aufere cerca de €600,00 mensais, e uma filha que trabalha como gerente e aufere €700,00 mensais.
32. Vive em casa arrendada pela qual paga €141,94 de renda mensal.
33. Frequentou a escola até ao 9º ano.
34. O arguido Manuel frequentou a escola até à 4ª classe.
35. O arguido J. P. é agricultor e aufere cerca de €525,00 mensais.
36. Vive com a esposa que é costureira e aufere €525,00 mensais.
37. Frequentou a escola até ao 6º ano.
38. O arguido D. P., trabalha como chapeiro e aufere cerca de €700,00 mensais.
39. Vive com a esposa que é doméstica, e dois filhos menores.
40. Recebe um subsídio de €120 a €150 por mês.
41. Vive em casa própria e paga €200,00 ao banco.
42. Frequentou a escola até ao 2º ano do ciclo preparatório.
43. Os arguidos D. P., J. P. e Manuel não mostraram arrependimento pelas suas apuradas condutas na audiência de julgamento.
44. Os arguidos não têm antecedentes criminais.
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Fundamentação de facto e de direito

No caso sub judice, ambos os recorrentes vieram arguir a nulidade prevista na alínea e) do art.º 119º do CPP, por alegadamente, e tendo o julgamento realizado nos autos decorrido em tribunal singular, ser a competência para a sua realização do tribunal colectivo.

Nos autos, e sem cuidar por ora da alteração da qualificação dos factos imputados e comunicada em audiência de discussão e julgamento, estavam em causa factos imputados na acusação pública integrantes de crimes em concurso real, aos quais abstractamente seria aplicável uma pena global superior a 5 anos de prisão, mas relativamente aos quais a competência para a realização do julgamento era do tribunal singular, por o M.P. ter usado da faculdade prevista no n.º 3 do art.º 16º do CPP.

Porém, após a dedução daquela acusação pública, vieram os assistentes deduzir acusação particular contra os recorrentes pela prática por cada um deles de dois crimes de injúrias previstos e punidos pelo art.º 181º n.º 1 do CP, com pena de prisão até 3 meses ou multa.

Após a dedução da acusação particular, que o M.P. acompanhou, nada foi dito por este quanto à competência do tribunal, face a estes novos factos que abstractamente implicavam que pudesse vir a ser aplicada a cada um dos recorrentes pena superior a 5 anos de prisão.

Ora, dispõe a alínea b) daquele n.º 3 do art.º 16º, que o M.P. quando entenda que o concurso de crimes deverá ser punido com pena inferior a 5 anos de prisão, e pretenda determinar de modo concreto a competência do tribunal singular para o julgamento a realizar, o faz, na própria acusação, ou caso seja superveniente o conhecimento do concurso, como acontecia relativamente aos crimes de natureza particular em causa na acusação deduzida pelos assistentes, em requerimento.

Nos autos, o M.P. não apresentou qualquer requerimento no sentido da determinação concreta da competência do tribunal, embora e conforme refere na sua resposta aos recursos interpostos, ao notificar os assistentes para deduzirem acusação tenha previsto que fossem imputados aos recorrentes outros crimes a implicarem pena única superior, não se pronunciando então sobre aquela questão, por já se ter pronunciado sobre ela na acusação pública, na qual estava prevista, através da notificação referida a “agravação” da pena abstractamente ali aplicável. Tanto mais que, também não se pronunciou sobre a competência do tribunal, quando foi comunicada uma alteração não substancial dos factos, que implicou uma “agravação” da pena abstractamente aplicável, relativamente a um crime de ofensa à integridade física imputado ao recorrido J. P., que não determinou também por si só a incompetência do tribunal singular.

Porém, e como diz Paulo Pinto de Albuquerque, no seu Comentário do Código de Processo Penal, em anotação ao art.º 16º, e quanto ao seu n.º 3 “A disposição é excepcional, na medida em que contraria os critérios de determinação geral da competência do tribunal, e portanto não admite interpretação analógica (por exemplo, o juiz de instrução não pode usar da faculdade prevista no artigo 16º, n.º 3, do CPP, no final da instrução)…”, não podendo, pois, permitir também uma interpretação daquele normativo que entenda por “requerimento” uma mera e aparente (porque é possível, em abstracto, não ser real, mas apenas uma não consideração negligente dos efeitos do novo concurso de crimes) aceitação tácita da continuação da competência do tribunal singular, não obstante o agravamento para mais de 5 anos de prisão da pena abstractamente aplicável ao concurso de crimes pela integração nele de algum/alguns que não constavam da acusação pública.

E isto sem fazer uma interpretação tão literal de “requerimento” como faz aquele autor que entende até que o M.P. não pode determinar a manutenção da competência concreta do tribunal singular pelo uso daquela faculdade prevista no n.º 3 do art.º 16º do CPP apenas no despacho de acompanhamento de acusação particular.

O requerimento previsto no n.º 3 do art.º 16º do CPP tem que ser expresso, e neste sentido e do da incompetência do tribunal singular, em casos similares embora relativos a consequência de apensação de processos se pronunciaram já as decisões (de acórdãos ou decisões singulares de conflitos de competência) do TRC de 21/01/2004, 19/06/2013 e 25/06/2014, deste Tribunal de 6/10/2014, do TRP de 31/01/2001 e 6/07/2005, e do TRL de 7/09/2015, respectivamente proferidos ou relatados pelos Senhores Desembargadores Jorge Dias, Luís Teixeira, Alberto Mira, Ana Teixeira, Manuel Braz, Fernando Monterroso e Trigo Mesquita, todos, tal como os que infra se referirão, in www.dgsi.pt.

Não ignoramos decisões aparentemente em sentido diferente, como a recente do TRP de 10/01/2018 (relator Desembargador Vítor Morgado) ou as nele citadas, mas em todos eles o que está em causa é a agravação da pena abstractamente aplicável, não por mais crimes, mas sim e apenas por alteração da qualificação jurídica dos factos, factos relativamente aos quais o M.P. usara da faculdade prevista no n.º 3 do art.º 16º do CPP, pois aquela não altera ou adita factos, limitando-se a modificar a “sua valoração…, pois são os factos e não a qualificação jurídica que fixam a identidade e o objecto do processo…” (ac. deste tribunal de 12/07/2010), pois, e como ali se diz, a alteração da qualificação nada tem a ver com a vinculação temática do tribunal que apenas se refere a factos como “pedaços de vida” em discussão no processo (mesmo, no caso de mera alteração da qualificação jurídica, e a considerar o tribunal singular incompetente, ver ac. do TRP de 16/01/2008, Desembargador J. P. Piedade).

Assim, e porque não foi feito pelo M.P. qualquer requerimento a determinar a competência do tribunal singular, após a dedução da acusação particular dos assistentes, e porque face a esta era abstractamente aplicável aos recorrentes pena superior a 5 anos de prisão pelo concurso de crimes integrado por mais aqueles crimes de natureza particular, a competência para a realização do julgamento era do tribunal colectivo, pelo que, e por ocorrência da nulidade insanável prevista na alínea e) do art.º 119º do CPP, se anula o julgamento realizado, nos termos deste normativo e do n.º 1 do art.º 32º CPP.

Têm, pois, que proceder os recursos interpostos nesta parte, o que prejudica a apreciação das restantes nulidades e questões neles aduzidas.
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Decisão

Pelo exposto, os juízes deste Tribunal acordam em, por a competência para a realização do mesmo, ser do tribunal colectivo, nos termos do art.º 14º do CPP, declarar a nulidade do julgamento realizado nos autos, com as legais consequências.
Sem custas.
Guimarães, 22 de Outubro de 2018