Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3070/09.2TJVNF-B.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: ROL DE TESTEMUNHAS
ALTERAÇÃO
PRAZO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - Prevendo o art. 598º nº 2 do CPC que o rol de testemunhas pode ser alterado ou aditado até vinte dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento, refere-se o texto legal à realização efectiva da audiência.
II - Assim, uma vez adiada a mesma, será tempestivo tal aditamento se ocorrer até vinte dias antes da sua efectiva realização na nova data designada para o início do julgamento.
III – O rol de testemunhas que não cumpra as exigências previstas no artº 498º nº1 do CPC deve ser alvo de aperfeiçoamento e não de indeferimento, sem mais, de acordo, aliás, com o espírito do actual CPC, que privilegia “o fundo” em detrimento “da forma”.
Decisão Texto Integral: Nos presentes autos declarativos com processo sumário movidos por R… contra JUNTA DE FREGUESIA DE …, ambos melhor identificados nos autos foi proferida, em 5.1.2015, a seguinte decisão:
“Fls. 391:---
Estatui o art. 598º, nº 2, do Cód. Proc. Civil, que “O rol de testemunhas pode ser alterado ou aditado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final (…).”----
Nos termos do disposto no art. 137º, nº 3, do CPC, os actos que impliquem a recepção de articulado ou requerimento pela secretaria – como é o caso – deve ser praticado dentro das horas de expediente, sendo que, durante as férias judiciais, não se consideram praticados os actos que não digam respeito a processos urgentes.—
O requerimento em apreço foi remetido aos autos em período de férias judiciais, considerando-se, por isso, praticado apenas no dia de hoje (5/1/2015)—
Assim, não se mostra respeitado o prazo previsto no art. 598º, nº 2, do CPC, na medida em que não decorrem entre essa data e o dia agendado para a realização da audiência de julgamento – 14/1/2015 - 20 dias.---
Pelo exposto, e por ser extemporâneo, indefere-se o requerido aditamento ao rol…”
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E com data de 03-02-2015, foi também proferida a seguinte decisão:
“Fls. 406:--
A alteração do rol já foi indeferida por ser extemporânea.—
Sem prejuízo, não é dado cumprimento ao que dispõe o art. 498º, nº 1, do Cód. Proc. Civil.—
Assim, indefere-se ao requerido…”
*
Não se conformando com a decisão proferida, pelo A. foi interposto recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:
I. O Autor apresentou Acção Declarativa de Condenação sob a Forma Sumaria, tendo como base, um documento autêntico emitida pela Ré, como instituição pública, referente a um contrato de prestação de serviços celebrado entre Autor e Ré, baseado no protocolo de cooperação celebrado entre a Ré e o Instituto de Emprego e Formação Profissional;
II. A Ré foi devidamente citada para contestar, deduziu douta Contestação aos autos da Ação Processo Declarativo Comum Sumária, com a Ref: 3060409, impugnando os factos e requerendo a produção de prova que entendeu por conveniente, nomeadamente documental e testemunhal, e que, no final fosse proferida decisão de improcedência do pedido;
III. Apresentou o Autor réplica, com a ref: 3150405, às excepções peremptórias deduzidas pela Ré, concluindo-se como na petição inicial;
IV. Foi o Autor e Ré notificada nos termos do art. 512º do (anterior), C.P.C, com a Ref: 2595734, do conteúdo do despacho saneador e para em 15 dias apresentar o rol de testemunhas, requerer outras provas, alteração dos requerimentos probatórios e gravação da Audiência Final;
V. Veio o Autor apresentar nos termos do art. 512.º do (anterior) C.P.C, conforme consta da Ref: 3767440 a indicação dos meios de prova, incluindo a prova testemunhal;
VI. O Autor e Réu foram notificados da data da audiência de julgamento para o dia 14/01/2015, ás 14h com douto Despacho proferido com a Ref: 135694092,
VII. Por requerimento apresentado pelo Autor com a Ref: 18365188 veio nos termos do n.º 2 do art. 598º do C.P.C., requerer o aditamento ao rol de testemunhas indicando as testemunhas a apresentar;
VIII. Sobre o requerimento apresentado no artigo anterior, veio a M.ª Juíza “a quo” proferir o despacho conforme proferidos sob a ref: 137191844 á margem referenciados, indeferindo por ter sido praticado nas férias judiciais, considerou o ato praticado no primeiro dia útil após as férias, e por isso, não cumpriu o prazo previsto no art. n.º 2º do 598º do CPC, o que o Autor aceitou não merecendo o mesmo qualquer censura;
IX. O Autor, na parte da manha do dia 14/01/2014, comunicou ao Tribunal que se encontrava na urgência do hospital desde as quatro da manha, e que não era possível comparecer na presente audiência de julgamento, nem o envio do requerimento justificativo ao alegado, mas assim que for possível procederá ao envio do mesmo;
X. Sobre o apresentado no artigo anterior, veio a M.ª Juíza “a quo” proferiu o despacho conforme proferidos sob a ref: 137471850 á margem referenciados, onde “ atento aos motivos indicados, que considero justificáveis, e ao abrigo do disposto no n.º 1º do art. 603º do C.P.C., para o próximo dia 15 de Junho de 2015 pelas 14h, com a anuência da ilustre mandatária presente”;
XI. O Autor veio apresentar o requerimento com ref: 18490728, da sua impossibilidade de comparecer para a Audiência e Julgamento marcada para o dia 14/01/2015 ás 14 h, juntando documento comprovativo;
XII. Assim, não se iniciou a audiência e julgamento que se encontrava marcada para o dia 14/01/2015 pelas 15h, pelo que não foi ouvida qualquer testemunha nos presentes autos, tendo mesmo sido declarada encerrada pelas 14 horas e 20 minutos;
XIII. Uma vez que não foi realizada a audiência e julgamento que se encontrava agendada para o dia 14/01/2015 pelas 14h h, nem realizada qualquer meio de prova, o Autor em requerimento com a ref: 18576339 nos termos do n.º 2 do art. 598º do C.P.C., veio requerer o aditamento ao rol de testemunhas, para a audiência e julgamento marcada para o dia 15 de Junho de 2015;
XIV. Após o requerido pelo Autor, a M.ª Juíza “a quo” proferiu o despacho conforme consta sob a ref: 137930978, em que considerou “a alteração do rol já foi indeferida por extemporânea. Sem prejuízo, não é dado cumprimento ao que dispõe o art. 498, n.º 1 do C.P.C. Assim indefere-se o requerido.”;
XV. Dai o Presente recurso;
XVI. Salvo o devido e merecido respeito, que é muito, o Autor, entende que a M.ª juíza “a quo” nesta parte decidiu mal, pois entende que, o n.º 2 do art.598º do C.P.C., não pode ser outra que não a de considerar que o prazo de vinte dias ali previsto, tem como referência a efetiva realização do julgamento, ainda que, anteriormente, tenha ocorrido abertura de audiência e logo de seguida de adiamento, sem realização de qualquer outro ato processual, designadamente produção de prova;
XVII. O Autor apresentar nos termos do art. 512.º do (anterior) C.P.C, conforme consta da Ref: 3767440 a indicação dos meios de prova, incluindo a prova testemunhal, tendo sido notificado da data da audiência e julgamento para o dia 14/01/2015, ás 14h com douto Despacho proferido com a Ref: 135694092;
XVIII. Por requerimento apresentado pelo Autor com a Ref: 18365188 veio nos termos do n.º 2 do art. 598º do C.P.C., requerer o aditamento ao rol de testemunhas indicando as testemunhas a apresentar, e sobre o requerimento do aditamento ao rol de testemunhas, veio a M.ª Juíza “a quo” proferiu o despacho conforme proferidos sob a ref: 137191844 á margem referenciados, indeferindo por ter sido praticado nas férias judiciais, e nos termos do n.º 3 do art. 137º do CPC considerou o ato praticado no primeiro dia útil após as férias, e por isso, não cumpriu o prazo previsto mo art. n.º 2º do 598º do CPC, despacho este que o Autor aceitou não merecendo o mesmo qualquer censura,
XIX. Marcada que estava a audiência discussão e julgamento, o Autor na parte da manha do dia 14/01/2014, que se encontrava na impossibilidade de comparecer na presente audiência e julgamento, pelo que veio a M.ª Juíza “a quo” proferiu o despacho conforme proferidos sob a ref: 137471850 á margem referenciados, onde “atento aos motivos indicados, que considero justificáveis, e ao abrigo do disposto no n.º 1º do art. 603º do C.P.C., para o próximo dia 15 de Junho de 2015 pelas 14h, com a anuência da ilustre mandatária presente”.;
XX. Tendo ocorrido a abertura de audiência e julgamento e logo em seguida o seu adiamento, sem realização de qualquer outro ato processual, designadamente de produção de prova, nem qualquer ato atinente á produção de prova, tendo mesmo sido declarada encerrada pelas 14 horas e 20 minutos;
XXI. Uma vez que, não foi realizada a audiência e julgamento que se encontrava agendada para o dia 14/01/2015 pelas 14h h, nem realizada qualquer meio de prova, o Autor em requerimento com a ref: 18576339 nos termos do n.º 2 do art. 598º do C.P.C., o aditamento ao rol de testemunhas, para a audiência e julgamento marcada para o dia 15 de Junho de 2015, pelo que nada obsta ao seu deferimento;
XXII. A interpretação contida no n.º 2 do art.598 do CPC., é em considerar que o prazo de vinte dias ali previsto, tem como referência a efectiva realização do julgamento, ainda que se tenha aberto uma audiência e logo de seguida de adiamento, sem que tenha realizado qualquer ato processual ou meio de produção de prova;
XXIII. Neste sentido, é o entendimento, já exposto nas alegações de recurso de Lebre de Freitas “Ação Declarativa Comum pag. 175” e Lopes Rego “Comentários ao Código de Processo Civil”, Vol. I, pag. 448., no mesmo sentido, António Montalvão Machado e Paulo Pimenta “in O Novo Processo civil, 9.ª Edição, Almedina, Pag 240”;
XXIV. A jurisprudência e a doutrina têm entendido que a possibilidade de alteração ou aditamento ao rol de testemunhas pressupõe a apresentação de um rol dentro do prazo previsto no art. 598º do C.P.C. e abrange os casos de adiamento do audiência e julgamento, de nulidade de sentença e repetição do julgamento, de renovação dos meios de prova e de ampliação da matéria de facto;
XXV. Ora, nos casos dos autos, existe um adiamento da audiência e julgamento, assim, não existiu a efetiva realização do julgamento nem a produção de qualquer prova testemunhal, pelo que a alteração e aditamento da audiência e julgamento é sempre possível desde que se respeite os vinte dias anteriores á audiência e julgamento;
XXVI. Assim, entende o Autor, o douto despacho proferido conforme consta sob a ref: 137930978, em que considerou “a alteração do rol já foi indeferida por extemporânea.- Sem prejuízo, não é dado cumprimento ao que dispõe o art. 498, n.º 1 do C.P.C. Assim indefere-se o requerido”, é manifestamente violadora do n.º 1º e 2º do art. 598º do C.P.C. e o indeferimento da alteração do rol de testemunhas, aditadas tempestivamente ao rol, traduz uma restrição do direito de prova consubstanciadora de irregularidade que inclui no exame e decisão da causa.
XXVII. Assim, não se entendendo, no douto despacho recorrido violou o disposto no 598º Código Processo Civil,
Pede, a final, que seja revogado o despacho recorrido, admitindo, por tempestivo, o aditamento do rol de testemunhas apresentado pelo Autor.
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Dos autos não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, a questão a decidir é apenas a de saber se o aditamento ao rol de testemunhas podia ser admitido, nos termos do nº 2 do artº 498º do CPC.
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Os factos a considerar para a decisão da questão colocada são os seguintes:
- Foi o Autor (e a Ré) notificado, nos termos do art. 512º do (anterior) CPC, do conteúdo do despacho saneador e para em 15 dias apresentar o rol de testemunhas, requerer outras provas, alteração dos requerimentos probatórios e gravação da Audiência Final.
- Veio o Autor indicar prova testemunhal.
- Autor e Réu foram notificados da data da audiência de julgamento para o dia 14/01/2015, ás 14h.
- Por requerimento apresentado pelo Autor com a Ref: 18365188 veio o mesmo, nos termos do n.º 2 do art. 598º do C.P.C., requerer o aditamento ao rol de testemunhas indicando as testemunhas a apresentar:
A) M…, a apresentar;
B) L…, a apresentar.
- Sobre o requerimento apresentado veio a M.ª Juíza “a quo” proferir o despacho de 5.1.2015 (acima transcrito), indeferindo-o por não ter sido cumprido o prazo previsto mo art. n.º 2º do 598º do CPC.
- A audiência foi adiada, ao abrigo do disposto no n.º 1º do art. 603º do CPC, para o dia 15 de Junho de 2015 pelas 14h.
- Na audiência não foi ouvida qualquer testemunha, tendo a mesma sido declarada encerrada pelas 14 horas e 20 minutos.
- O Autor, em requerimento com a ref: 18576339, nos termos do n.º 2 do art. 598º do C.P.C., veio requerer o aditamento ao rol das mesmas testemunhas:
A) M…, a apresentar;
B) L…, a apresentar.
- Após o requerido pelo Autor, a M.ª Juíza “a quo” proferiu o despacho de 3.2.2015 (acima transcrito), em que considerou que “a alteração do rol já foi indeferida por extemporânea. Sem prejuízo, não é dado cumprimento ao que dispõe o art. 498, n.º 1 do C.P.C. Assim indefere-se o requerido.”
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Da tempestividade do requerimento do A. a aditar o rol de testemunhas:
É de referir, antes de mais, que o despacho de 3.2.2015 não atentou no (novo) requerimento do A., com a ref: 18576339, a aditar o rol de testemunhas (embora nele se tenha repetido o rol constante do requerimento com a ref: 18365188 e que levou à prolação do despacho de 5.1.2015).
Depreende-se, no entanto, do mesmo despacho que se mantinha a decisão já proferida em 5.1.2015 (de rejeição do requerimento a aditar o rol de testemunhas por extemporâneo), acrescentando-se apenas que no mesmo não é dado cumprimento ao que dispõe o art. 498, n.º 1 do C.P.C.
Não podemos concordar, no entanto, com a decisão recorrida.
Prevê o nº1 do artigo 598.º do CPC, sob a epígrafe “Alteração do requerimento probatório e aditamento ou alteração ao rol de testemunhas” que “o requerimento probatório apresentado pode ser alterado na audiência prévia quando a esta haja lugar nos termos do disposto no artigo 591.º ou nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 593º”.
E prevê o nº 2 do mesmo preceito que “o rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco dias”, acrescentando, depois, o nº 3 que “incumbe às partes a apresentação das testemunhas indicadas em consequência do aditamento ou da alteração ao rol previsto no número anterior”.
A redacção deste artº corresponde, ipsis verbis, ao texto do artº 512º-A do anterior código, introduzido com o DL 180/96 de 25/9, com intenção de liberalizar o anterior regime restritivo fixado no art. 619º do CPC - que só permitia a alteração do rol até estar findo o prazo para a sua apresentação, salvo os casos excepcionais previstos no artº 629º -, tendo em conta os meses ou anos que medeiam entre a data do requerimento de prova e a efectivação do julgamento.
Pronunciando-se sobre este artigo, refere Rodrigues Bastos (Notas ao CPC, vol. III, pág. 75) que com ele se faculta às partes a faculdade de trazerem ao tribunal elementos que possam contribuir para um melhor conhecimento da causa, sendo de aplaudir.
Também Lopes do Rego (Comentários ao CPC, vol. I, 2ª ed., pág. 448), aplaude tal normativo dado que altera o vigente anteriormente, que assentava numa tendencial imutabilidade dos requerimentos probatórios, configurando-se como excessivamente restritivo, amarrando as partes, sem justificação plausível, a provas que foram indicadas com enorme antecedência.
Este autor apenas vê tal aditamento ou alteração limitado em função de dois parâmetros fundamentais: a necessidade de actuação da regra do contraditório; e a necessidade de evitar que o exercício de tal direito colida com a realização da audiência, não devendo constituir em nenhum caso, nova causa de adiamento.
Lebre de Freitas (CPC Anotado, vol. 2º, pág. 390), historiando o diploma que criou este normativo, refere que com ele se pretendeu maleabilizar o prazo para apresentação de provas, permitindo a sua posterior apresentação, desde que tal não contendesse com o prosseguimento ulterior do processo.
Aliás, o preceituado no artº 512º-A nº 1 do CPC anterior tem origem na doutrina sustentada por Lebre de Freitas, que já vinha preconizando que “o prazo para requerer as provas devia ser maleabilizado, consentindo-se a oferta de novos meios probatórios em momento ulterior ao normal, sempre que tal não contendesse com o prosseguimento ulterior do processo; designadamente, devia poder oferecer-se testemunhas até 7 dias antes da data da audiência final, quer da primeiramente designada, quer da nova data designada após adiamento” (Lebre de Freitas, CPC – Anotado, Vol. 2º artºs. 381º a 675º, 2ª ed. Coimbra Editora, pág.420).
Claro que, como defende Isabel Alexandre (Aspectos do Novo Processo Civil, 1997, pág. 285), o normativo só pode ser usado desde que já se tenha apresentado rol de testemunhas anteriormente, pois o normativo fala em alterar ou aditar, o que pressupõe a sua anterior apresentação (no mesmo sentido se decidiu no Ac. RC de 5.12.2000: CJ, Tomo V, pág. 37).
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Exposta a ratio do preceito em análise, passemos então à questão colocada, que é a de saber como deve ser contado o prazo de 20 dias para o aditamento ou a alteração do rol.
Defendeu-se no tribunal recorrido (pelo menos é o que se depreende do despacho proferido), que a data a considerar para o aditamento era a data designada – inicialmente - para a audiência, sendo irrelevante a data marcada posteriormente, em virtude do adiamento da mesma.
Ora, tem sido entendido, quer na doutrina quer na jurisprudência, cremos que de forma pacífica, que o prazo de 20 dias previsto no art. 512º-A do CPC anterior (reproduzido no texto do artigo 598º nº2 do actual CPC), para aditamento ou alteração do rol de testemunhas, deve ser contado tendo como referência a realização (efectiva) da audiência e não a simples abertura desta (Lopes do Rego, “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. I, pag 448, Lebre de Freitas, “A acção Declarativa Comum à luz do Código Revisto”, Montalvão Machado e Paulo Pimenta, “O Novo Processo Civil” 9ª edição, Almedina, pag. 240; Acs. RP de 14-06-99, 20/03/2000, 05/03/2007 e 12/12/2002; Acs RL de 03-05-20010 e 4/10/2010; Ac RC de 29-11-2011; e Ac. RG de 11/12/2008, todos disponíveis em www.dgsi.pt.).
É esta, aliás, a interpretação que melhor se coaduna com a letra do preceito, ao referir o prazo de 20 dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento.
Defende-se que a previsão do art. 598º nº2 do actual CPC (à semelhança do que já acontecia com o artº 512º-A do anterior código) não pode ter uma interpretação restritiva, por forma a não abranger na sua previsão os casos em que a audiência seja adiada ou seja repetida, por anulação do julgamento, para renovação de meios de prova ou mesmo ampliação da matéria de facto.
Ou seja, o entendimento que tem sido defendido é o de que o preceito em análise se aplica a qualquer audiência de julgamento, quer haja adiamento ou repetição, apenas se impondo que o requerimento se faça até vinte dias antes da data em que ela se realiza.
Cumpre-se, dessa forma, em nosso entender, o desiderato da norma, que é o de poderem ser actualizados os meios de prova, considerando o lapso de tempo (normalmente longo) que medeia, quer entre a data do requerimento de prova e a marcação da audiência, quer entre a marcação da audiência e a sua efectivação (em caso de adiamento ou de repetição).
Faculta-se também às partes a possibilidade de trazerem ao tribunal (mais) elementos de prova que possam contribuir para um melhor esclarecimento da causa (situação que é sempre de sufragar).
Os direitos da parte contrária são, por sua vez, salvaguardados, na medida em que, uma vez notificada, pode também aditar ou alterar o seu rol de testemunhas nos 5 dias subsequentes à notificação do aditamento ou alteração.
Tenha-se em consideração ainda que estas testemunhas são sempre a apresentar (artº 598º nº 3) o que não acarreta para o tribunal, nem dispêndio, nem delongas processuais.
Ou seja, no tocante aos 20 dias, a ratio legis assenta no termo ad quem e não no termo a quo, ou seja, o que importa é não inviabilizar nem os direitos da parte contrária nem a efectivação da audiência de julgamento para cuja sessão designada pelo tribunal se pretende a alteração ou aditamento do rol de testemunhas.
Ora, tendo o A. apresentado o seu requerimento - de aditamento ao rol de testemunhas -, no prazo de vinte dias até à data marcada para a realização da audiência (entretanto adiada), o mesmo mostra-se tempestivo e devia ser admitido.
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Da questão da não identificação completa das testemunhas:
Consta ainda do despacho recorrido o seguinte: “Sem prejuízo, não é dado cumprimento ao que dispõe o art. 498, n.º 1 do C.P.C. Assim indefere-se o requerido.”
Prevê-se efectivamente no artº 498º nº 1 do CPC que “as testemunhas são designadas no rol pelos seus nomes, profissões e moradas e por outras circunstâncias necessárias para as identificar”.
E não há duvidas de que o rol de testemunhas a aditar pelo A., quer pelo requerimento com a ref: 18365188, quer pelo requerimento com a ref: 18576339, não cumpre as exigências previstas naquele artigo, limitando-se a identificar as testemunhas pelos nomes (M… e L…), apenas com a menção de que são a apresentar.
Ora, a identificação das testemunhas, à luz do previsto no artº 498º nº1 do CPC, não visa apenas a sua localização pelo tribunal (para a sua notificação) - caso em que seria apenas exigível indicar a sua morada; ela visa também facultar à parte contrária o exercício do contraditório, e garantir ao tribunal que a pessoa indicada é a que se apresenta a depor.
Por isso, não podia o A. ter indicado no rol a aditar apenas o nome das testemunhas, mesmo que assumisse a obrigação de as apresentar (como lhe impõe, aliás, a lei, no artº 598º nº3 do CPC).
Essa falta do A. não era, no entanto, susceptível de indeferimento, sem mais, devendo levar, antes, em nosso entender, a um convite de aperfeiçoamento, ao A., por parte do tribunal.
Tem aqui plena aplicação o princípio pro actione que, segundo a doutrina “…tem como destinatário o tribunal e destina-se a assegurar que, em caso de dúvida, se efectue uma interpretação das normas processuais mais favoráveis ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva. O juiz deve afastar interpretações estritamente formalistas ou ritualistas das normas processuais e intervir de modo a ultrapassar deficiências meramente formais dos articulados para efeito de viabilizar o conhecimento da matéria de fundo” (Carlos Cadilhe, Dicionário de contencioso administrativo, Almedina/2006, pág. 539).
Aliás, a reforma do CPC visou, precisamente, quebrar com regras e hábitos processuais há muito enraizados.
Pretendeu-se tornar o processo civil mais célere, mais simples e mais flexível (sancionando-se a prolixidade) e, ao mesmo tempo, conferir “conteúdo útil aos princípios da verdade material, da cooperação funcional e ao primado da substância sobre a forma” A presente reforma do processo civil parece, pois, complementar e completar aquela que o legislador efectuou em 1995/96, reforçando os princípios que a orientaram (O Novo Código de Processo Civil – Reforma Radical? 2 de Setembro/ 2013 www.abreuadvogados.com).
Como defende Abrantes Geraldes (O novo Processo Civil, Contributos da doutrina no decurso do processo legislativo, designadamente à luz do anteprojecto e da proposta de lei nº 113/XII – Centro de Estudos Judiciários), presente na estrutura do processo, o poder de direcção do juiz consagrado no art. 265º do CPC não mais pode ser encarado nem como afloramento de uma postura de autoritarismo, nem como mero poder virtual esvaziado de conteúdo pela sujeição do ritmo processual às iniciativas das partes.
Desenvolvendo o modelo que foi fixado na reforma de 1995/96, um conjunto de medidas sectoriais, com a natureza de princípios gerais ou como medidas concretas, pretende reforçar efectivamente os poderes do juiz na direcção da lide.
Sem embargo da manutenção do princípio do dispositivo nos pontos cruciais em que a intervenção do juiz correria o risco de perda do necessário distanciamento em relação às estratégias das partes e ao funcionamento do princípio da auto-responsabilidade e sem prejuízo também da manutenção de um equilíbrio entre os princípios do dispositivo e do inquisitório, ao poder de direcção do juiz acresce a consagração do princípio da gestão processual que implicará deveres de iniciativa que podem sobrepor-se aos interesses das partes no que concerne à simplificação e agilização processual.
Este novo princípio acompanha outras medidas que traduzem a atenuação da rigidez formal que ainda se mantém em alguns segmentos da tramitação, de modo que, por exemplo, para além da expressa assunção da possibilidade de “rectificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada” (art. 150º-B, n.º 1) já comummente aceite a partir da ponderação do que se dispunha na norma geral do art. 249º do Código Civil, consagra-se a admissibilidade do “suprimento ou correcção de vícios ou omissões puramente formais de actos praticados” (art. 150º-B, n.º 2) ou a desvalorização do erro de qualificação de meios processuais nos termos que constam do n.º 3 do art. 199º.
A nova tramitação processual impõe, pois, ao juiz um novo poder-dever. Este passa a ter o dever de direcção, de impulso, de simplificação e agilização processual, bem como o dever de sanação de actos meramente dilatórios e da falta de pressupostos processuais, devendo determinar a realização de todos os actos necessários a regularizar a instância.
Ou seja, se o sr. Juiz do tribunal recorrido formulasse ao A. um convite ao aperfeiçoamento do seu rol de testemunhas, no sentido de o completar, de acordo com a exigência do artº 498º nº 1 do CPC, estaria a mover-se legalmente, dentro dos poderes que lhe são conferidos pelo atual CPC, o que seria salutar acontecer.
Procedem assim as conclusões das alegações da Apelação, com a revogação do despacho recorrido, o que deverá ser substituído por outro que admita o aditamento ao rol de testemunhas apresentado pelo A.
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Sumário do acórdão:
1 - Prevendo o art. 598º nº 2 do CPC que o rol de testemunhas pode ser alterado ou aditado até vinte dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento, refere-se o texto legal à realização efectiva da audiência.
II - Assim, uma vez adiada a mesma, será tempestivo tal aditamento se ocorrer até vinte dias antes da sua efectiva realização na nova data designada para o início do julgamento.
III – O rol de testemunhas que não cumpra as exigências previstas no artº 498º nº1 do CPC deve ser alvo de aperfeiçoamento e não de indeferimento, sem mais, de acordo, aliás, com o espírito do actual CPC, que privilegia “o fundo” em detrimento “da forma”. *
DECISÃO:
Pelo exposto Julga-se procedente a Apelação e em consequência revoga-se a decisão recorrida no sentido de dever ser admitido o aditamento ao rol de testemunhas apresentado pelo A.
Custas pela parte vencida a final.
Guimarães, 17.12.2015
Maria Amália Santos
Ana Cristina Duarte
Francisco Cunha Xavier