Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1280/17.8T8VNF.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: INVENTÁRIO NOTARIAL
PRESTAÇÃO DE CONTAS
CABEÇA DE CASAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/26/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Face à possibilidade de, perante questões complexas, o processo de inventário notarial ser remetido para os meios comuns, a requerimento de qualquer interessado; e atento o facto de as contas respeitarem aos mesmos bens, e de, as mais das vezes, resultarem da prática de actos que se vão repetindo e renovando a cada ano, o que tudo aconselha deverem ser apreciados pela mesma entidade, promovendo a uniformidade do critério de apreciação e de decisão (não se pode olvidar que as pessoas interessadas são as mesmas, numa e noutra situação e, por isso, não compreenderiam uma eventual dualidade de critérios de decisão de situações idênticas); de ser de presumir que o grau de complexidade das contas relativas ao período anterior à instauração do processo de inventário no cartório notarial não será superior ao das contas relativas ao período posterior, uma vez que as regras por que se deve reger a administração são as mesmas; e finalmente, considerando ainda que o resultado da prestação das contas pode influenciar a composição das verbas na relação de bens, estando pendente um processo de inventário notarial não se justifica o recurso à acção especial de prestação de contas, para apreciar as contas da administração da herança pelo cabeça-de-casal de facto (ou seja as referentes ao período compreendido entre a data da abertura da herança e aquela em que foi formalmente investido no cargo).
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- E. B., residente em Vila Nova de Famalicão, intentou a presente acção, com processo especial, de prestação de contas contra Z. C., residente no mesmo concelho, pedindo que esta seja notificada para apresentar as contas do cabeçalato que exerceu no período que medeia entre a data do óbito do autor da herança, V. G., e a data de 17 de Junho de 2014, data em que prestou o compromisso de honra de bom desempenho das funções de cabeça-de-casal, no processo de inventário que foi instaurado e corre termos pelo Cartório Notarial do Licenciado R. S., em Vila Nova de Famalicão.

Contestou a Requerida, além do mais, arguindo a incompetência material do Tribunal por entender que, tendo a presente acção dado entrada em Tribunal quando já corria termos o processo de inventário, e tendo a Autora, requerido em simultâneo, neste processo, a abertura do incidente de prestação de contas, relativamente ao período que medeia entre a sua “nomeação notarial e a presente data”, competente para a apreciação da pretendida prestação de contas pela cabeça-de-casal da herança é o Cartório Notarial onde corre termos o processo de inventário.
Respondeu a Autora, mantendo a sua posição inicial.
Apreciada a questão suscitada, foi proferida decisão que, julgando proceder a arguida excepção, julgou “o juízo local cível de V.N. Famalicão absolutamente incompetente, em razão da matéria, para apreciação dos presentes autos, determinando, consequentemente, a absolvição da requerida da presente instância”.

Inconformada, traz a Autora o presente recurso propugnando pela revogação da sobredita decisão e a sua substituição por outra que decida favoravelmente a competência material e ordene o prosseguimento dos autos.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi recebido como de alegação, com efeito devolutivo.
Colhidos, que se mostram, os vistos legais, cumpre decidir.
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II.- A Apelante formula as seguintes conclusões:

a) A questão que subjaz à decisão em crise é a de saber se, intentado que seja o processo de inventário e estando ele em curso, a entidade competente para apreciação das contas do cabeçalato é o Notário, seja qual for o período da administração em apreciação, ou se o Notário tem apenas competência para apreciar tal matéria relativamente ao período que se inicia com a nomeação do cabeça de casal e o juramento respectivo;
b) A questão, com outras roupagens, não é nova, já que há muito se discutia se seriam necessárias duas ações ou apenas uma, que corra por apenso ao processo de inventário, encontrando-se este em curso;
c) Na doutrina, JOÃO ANTÓNIO LOPES CARDOSO e PIRES DE SOUSA, entre outros, defendiam, sustentados no edifício jurídico montado pelo legislador nos então artigos 1014.º e seguintes e 1019.º do CPCivil, que a prestação de contas realizada no processo de inventário tinha como termo e limite inicial a data da entrega da administração dos bens operada com a nomeação e juramento do cabeça-de-casal nos autos;
d) A jurisprudência dos nossos tribunais superiores seguiu maioritariamente esse entendimento, em diversos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e dos Tribunais da Relação, citados e respigados no decurso das alegações que precedem supra estas conclusões;
e) Assim, o cabeça de casal no processo de inventário apresentava contas do cabeçalato a partir da sua nomeação e juramento naqueles autos (antigo artigo 947.º CPCivil), ficando reservada a apresentação de contas de período anterior, se necessárias, adstritas a processo judicial declarativo comum (antigo artigo 941.º e seguintes do mesmo diploma);
f) A questão que então nos deve merecer a atenção é a de saber se, com a alteração do regime do processo de inventário e a sua tramitação notarial nos termos do DL 23/2013, de 05.03, deve ou não mudar o sentido que a doutrina e a jurisprudência maioritariamente defendiam antes;
g) Para encontrar reposta a esta questão atente-se, em primeiro lugar, que o novo Código de Processo Civil manteve inalterada no artigo 947.º, numa literalidade exatamente igual, a solução já antes consagrada no anterior artigo 1019.º.
h) Que a intenção do legislador foi a de manter em conjunto o novo artigo 45.º do RJPI não parecem resultar dúvidas, face não só à coexistência hoje desses dois normativos como igualmente ao facto de a reforma do CPCivil e o RJPI terem entrado em vigor em datas muito próximas, seja dizer, 1 e 2 de setembro de 2013, respetivamente, o que só pode traduzir que o legislador, ao redigir o teor do artigo 45.º do RJPI, teve em atenção o teor do artigo 947.º do CPCivil que expressamente manteve intocado face à solução anterior.
i) E assim a pergunta será como interpretar o disposto no artigo 45.º do RJPI no âmbito do edifício processual civil que o legislador voluntariamente não quis alterar;
j) Sendo a competência de julgar do notário, incontestavelmente, uma função jurisdicional de exceção, limitada àquilo que a lei expressamente lho atribui, afigura-se incorreto e abusivo qualquer entendimento e interpretação que estenda essa competência e função para momentos que extravasem o período compreendido entre o princípio e o fim do processo de inventário.
k) Ao manter incólume no artigo 947.º a solução anteriormente plasmada no artigo 1019.º do CPCivil, pretendeu o legislador preservar a verdadeira especialidade desse regime, por alguns qualificado como especialíssimo, que é a de determinar que a prestação de contas corre por apenso ao processo de designação;
l) O processo de prestação de contas, nos termos do artigo 45.º do RJPI, traduz uma apresentação de contas necessariamente provisória ou intercalar, já que desde logo limitada a uma gestão do cabeçalato que termina a quinze dias da data da conferência preparatória e que não pode abarcar momentos anteriores à nomeação e ao juramento do cabeça de casal.
m) Parece manifesto que o legislador, com o artigo 45.º do RJPI, não quis incluir a período anterior ao processo de inventário — efetivamente, enquanto na prestação de contas gizada no CPCivil, uma vez prestadas processualmente essas contas, com documentação capaz, a parte contrária dispõe de trinta dias para as analisar e contestar, a prestação de contas a que alude o artigo 45.º do RJPI concede um prazo de apenas cinco dias para que se proceda à sua impugnação.
n) E como também é sabido, a muita jurisprudência produzida no período anterior ao RJPI — de que o legislador seguramente se recorreu para encontrar a nova regulamentação — reflete abundantemente a enorme complexidade, quer no âmbito da matéria de facto quer no que tange à matéria de direito, da prestação de contas do cabeçalato, as mais das vezes relativa a vários e longos anos de administração, com contratos, documentos e relações jurídicas complexas pelo meio, de difícil avaliação.
o) Não é curial pensar que a essa complexidade, resultante da soma do período anterior ao processo de inventário com o que decorreu desde o início deste até quinze dias antes da conferência preparatória pode ser analisada e respondida em cinco dias — basta pensar que o legislador reconheceu necessários trinta dias exclusivamente para o período anterior ao processo de inventário.
p) A exiguidade do prazo de apreciação, a excecionalidade da competência jurisdicional do notário, a manutenção incólume da solução contida no artigo 947.º desaconselham qualquer interpretação que atribua ao notário competência para ajuizar da administração de períodos anteriores ao processo de inventário.
q) O artigo 45.º do RJPI traz apenas como novidade a prestação de contas com prazo determinado, e essa é a sua função - não a de alterar o restante edifício jurídico, no qual se integra, e que não foi alterado -, procurando dar concretização à obrigação de prestar as contas no horizonte do inventário, constituindo assim uma obrigação, no âmbito do processo, complementar às que se encontram consagradas nos artigos 2092.º e 2093.º do CCivil — o dever de entregar rendimentos e de prestar anualmente contas do cabeçalato, que se mantêm, como parece evidente, na pendência do processo de inventário.
r) Não se esgrima, em abono da doutrina defendida no douto acórdão em apreço, com a economia processual que a existência de um único processo acarretaria - a este argumento respondeu, ainda hoje com toda a propriedade, JOÃO ANTÓNIO LOPES CARDOSO, ressaltando que do processo de inventário não constam os rendimentos dos bens descritos ou as despesas efetuadas ou a efetuar pelo cabeça-de-casal com a administração e os princípios enunciados e prescritos no artigo 9.º do CCivil;
s) Os argumentos que outrora se teciam a favor de dois processos aumentam quando se deixa de ter em apreço dois juízes e se passa a discorrer entre o juiz e o notário.
O douto acórdão em reapreciação viola, por erro de interpretação e de aplicação, os artigos 941.º e 947.º do CPCivil e o artigo 45.º do RJPI.
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III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Como se extrai das conclusões acima transcritas, a única questão a apreciar é a da competência material para decidir do pedido de prestação de contas, na pendência de processo de inventário no cartório notarial, relativamente ao período de exercício do cabeçalato de facto, decorrido entre a data da morte do autor da herança e a data da prestação do compromisso de honra no referido inventário.
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B) FUNDAMENTAÇÃO

IV.- O Tribunal a quo fundou a sua decisão nos seguintes factos:

1 - V. G. faleceu em 2-5-2010, no estado de casado com a requerida Z. C., tendo deixado à sua morte, 5 filhos, entre eles, a requerente E. B.;
2 - Corre termos no Cartório Notarial do licenciado R. S. o processo de inventário para partilha de bens da herança de V. G., com nº 1416/14, no âmbito do qual foi nomeada cabeça de casal a requerida Z. C., tendo esta, em 17-6-2014, prestado compromisso de honra de bem desempenhar o cargo;
3 - Tal processo de inventário deu entrada no dia 11-4-2014;
4 - A presente acção foi instaurada em 24-2-2017; e
5 - A requerente deduziu, no âmbito do referido processo inventário, incidente de prestação de contas, pela requerida, referente ao período de tempo posterior à sua nomeação como cabeça de casal naqueles autos.
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V.- Como vem sendo entendido, as funções do cabeça-de-casal têm início na data da abertura da herança, ou seja, à morte do de cujus, ainda que o art.º 2079.º do Código Civil (C.C.) se refira apenas ao termo final de tais funções – neste sentido, JOSÉ ANTÓNIO LOPES CARDOSO (in “Partilhas Judiciais”, vol. III, págs. 54-55).
Ora, uma das obrigações do cabeça-de-casal é o de prestar contas anualmente, nos termos impostos pelo n.º 1 do art.º 2093.º do C.C..

Assim, o cabeça-de-casal de facto, desde que efectivamente administre bens da herança, tem a obrigação de prestar contas aos herdeiros.

Perante o art.º 1019.º do C.P.C. Velho, mesmo na redacção anterior ao Dec.-Lei n.º 180/96, que dispunha apenas que “As contas do cabeça-de-casal, … nomeados judicialmente são dependência do processo em que tenha sido feita a nomeação”, decidiu a Relação do Porto, no Ac. de 03/02/1983, que o referido preceito legal “só pode reportar-se ao período de tempo em que, após a investidura judicial, o cabeça-de-casal administrou os bens da herança”. Já “Em relação ao administrador da herança, como cabeça-de-casal de facto, pode pedir-se a prestação de contas, mas pelo processo geral de prestação de contas (acção autónoma)” (in B.M.J., 324º, págs. 622).

O referido Dec.-Lei 180/96 não trouxe alterações na substância, havendo-se limitado a substituir a designação específica do “tutor”, do “curador” pela designação genérica “representantes legais de incapazes”, e a acrescentar “depositário judicialmente”.

O art.º 942.º do actual C.P.C. reproduz, sem qualquer alteração, a última redacção do art.º 1019.º, referido.

E, de facto, houve sempre duas correntes opostas quanto à questão da “forma” do processo quando as contas respeitam ao período anterior à data da investidura oficial do cabeça-de-casal (em processo de inventário).

Quem segue a corrente defendida pela Apelante funda-se essencialmente em LOPES CARDOSO (ob cit., págs. 56 e 57) e em VAZ SERRA (in “Revista de Legislação e Jurisprudência”, ano 85, pág. 294).

Na jurisprudência, para além da mencionada pela Apelante, refere o Ac. da Rel. de Évora, de 25/10/2007 que “O art. 1019º do CPC estabelece uma regra de competência por conexão”, “Ou seja, a “nomeação” é que estabelece o marco a partir do qual o investido é responsável. Por isso a prestação de contas tem de ser feita por dependência da causa que o nomeou” e prossegue decidindo que “por todo o período anterior ao processo de inventário, e em relação aos bens que efectivamente administrou, o cabeça-de-casal prestará as respectivas contas pelo processo geral dos arts. 1014º e sgs. do CPC”. “Se o cabeça-de-casal for investido formalmente nesta qualidade no âmbito do processo de inventário, por força do disposto no art. 1019º do CPC, só presta contas relativamente ao período de tempo decorrido após a sua investidura judicial, e por apenso ao processo que o nomeou” (in C.J., ano XXXII, tomo IV, págs. 263-264).

Já, porém, o Ac. da Rel. de Lisboa de 19/04/2012 referiu que “as razões que terão levado o legislador a prevenir que as contas a prestar pelo cabeça de casal o sejam por dependência do processo em que a nomeação haja sido feita – art 1019º CPC – estão ainda presentes nas situações em que se verifica que os bens a que respeita o processo em que vem a ocorrer a nomeação do cabeça de casal, foram, ou estão a ser administrados por pessoa diversa daquela que vem a ser investida como cabeça de casal, ou foram administrados por este mas em período antecedente ao da sua nomeação.

Também nestas situações, como na prevista literalmente no referido art 1019º CPC, se imporá a competência por conexão, por igualmente nelas se entrever a possibilidade da conveniência no tratamento das diferentes causas em conjunto, decorrente, num caso e noutro, dos bens a que se refere a prestação de contas serem os mesmos”, acrescentando o argumento de que “Em tempos como o presente em que se impõe agilidade e celeridade na administração da justiça, não fará sentido que se desaproveite a conveniência que poderá decorrer da maior facilitação no tratamento das causas que advém da competência por conexão, quando esta faça sentido, como se entende ser o caso” (ut Proc.º 9295/11.3T2SNT.L1-2, in www.dgsi.pt).

Este argumento é retomado no Ac. da mesma Rel. de Lisboa de 12/11/2015, que acrescenta ainda o de se não vislumbrar razão plausível “para obrigar à instauração de duas acções para prestação de contas pelo mesmo cabeça-de-casal, uma autónoma respeitante ao período em que administrou a herança anteriormente à sua investidura judicial, e outra por apenso ao processo de inventário referente ao período subsequente, quando é certo que a tramitação processual é exactamente a mesma” (ut Proc.º 6152/05.6TYLSB-B.L1-6, in www.dgsi.pt).

Já no domínio de vigência do actual Regime Jurídico do Processo de Inventário (R.J.P.I.), aprovado pela Lei n.º 23/2013, foi no mesmo sentido o Ac. da Rel. de Lisboa de 30/03/2017, (ao qual se arrimou o Tribunal a quo) decidindo que “na pendência do processo de inventário notarial, o interessado que pretenda a prestação de contas pelo cabeça de casal, anteriores ou contemporâneas da referida pendência, terá de o requerer como incidente no processo de inventário notarial, não pertencendo pois a competência material para a referida prestação de contas ao tribunal.” (ut Proc.º 13079/16.4T8SNT.L1-6, in www.dgsi.pt).

ABÍLIO NETO, que segue a primeira posição, faz uma interpretação restritiva do art.º 45.º do R.J.P.I., defendendo que ele tem “carácter provisório de prova numa ulterior acção de prestação de contas, se for caso disso” (in “Direito das Sucessões e Processo de Inventário Anotado”, Ediforum, Outubro/2017, pág. 885, aí dando conta das posições acima expostas – cfr. pág. 886).

Já CARLA CÂMARA e OUTROS referem que perante o mencionado art.º 45.º “o meio adequado para a prestação de contas pelo cabeça-de-casal é o aqui previsto, deixando de se justificar acção especialmente intentada para tal efeito em processo autónomo”, defendendo o recurso a tal acção apenas para as situações em que o cabeça-de-casal, tendo exercido e cesse funções antes da instauração do processo de inventário (in “Regime Jurídico do Processo de Inventário Anotado”, Almedina, 2017-3ª ed., págs. 200-201).

O art.º 3º do R.J.P.I. criou um sistema de competência repartida, ainda que a opção pela desjurisdicionalização do processo de inventário seja claramente assumida pelo legislador, que atribuiu ao notário os poderes de direcção e de decisão de todas as questões que a partilha suscite, apenas reservando para o juiz a decisão de questões que, “atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto e de direito não devam ser decididas no processo de inventário” – cfr. art.º 16.º.

E é justamente esta possibilidade de, perante questões complexas, o processo ser remetido para os meios comuns, a requerimento de qualquer interessado, nos termos do n.º 3 daquele art.º 16.º, que, ressalvado o devido respeito, esvazia de importância o argumento de ser a “enorme complexidade da prestação de contas do cabeçalato,” a ditar o recurso ao processo previsto no C.P.C., ainda que elas se refiram a “vários e longos anos de administração” (o direito de aceitar a herança caduca ao fim de 10 anos, ainda que contados desde a data em que o sucessível tem conhecimento de haver sido a ela chamado - cfr. art.º 2059.º do C.C.).

O facto de as contas respeitarem aos mesmos bens, e de, as mais das vezes, resultarem da prática de actos que se vão repetindo e renovando a cada ano (o cabeça-de-casal deve prestar contas anualmente, como lho impõe o n.º 1 do art.º 2093.º do C.C.), o que tudo aconselha deverem ser apreciados pela mesma entidade, promovendo a uniformidade do critério de apreciação e de decisão (não se pode olvidar que as pessoas interessadas são as mesmas, numa e noutra situação e, por isso, não compreenderiam uma eventual dualidade de critérios de decisão de situações idênticas); de ser de presumir que o grau de complexidade das contas relativas ao período anterior à instauração do processo de inventário no cartório notarial não será superior ao das contas relativas ao período posterior, uma vez que as regras por que se deve reger a administração são as mesmas; e finalmente, considerando ainda que o resultado da prestação das contas pode influenciar a composição das verbas na relação de bens, crê-se que, estando pendente um processo de inventário notarial, não se justifica o recurso à acção especial de prestação de contas, para apreciar as contas da administração da herança pelo cabeça-de-casal de facto (ou seja as referentes ao período compreendido entre a data da abertura da herança e aquela em que foi formalmente investido no cargo).

Termos em que se julga dever ser mantida a decisão impugnada, destarte recusando provimento à pretensão recursiva.
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C) DECISÃO

Considerando quanto vem de ser exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, consequentemente confirmando e mantendo a decisão impugnada.
Custas da apelação pela Apelante.
Guimarães, 26/04/2018
(escrito em computador e revisto)

(Fernando Fernandes Freitas)
(Alexandra Rolim Mendes)
(Maria Purificação Carvalho)