Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
52/14.6T9VPA-A.G1
Relator: FERNANDO MONTERROSO
Descritores: CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
RENOVAÇÃO REQUERIMENTO
LEGITIMIDADE
CASO JULGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário: I) O trânsito em julgado sujeito à condição rebus sic stantibus significa que a validade da decisão só se mantém enquanto permanecerem inalterados os pressupostos em que a mesma se sustentou.
II) Tendo sido proferido despacho que indeferiu a constituição de assistente, por falta de um mero requisito processual (o ofendido não beneficiar de apoio judiciário nem ter pago a taxa de justiça devida), nada obsta à renovação do mesmo pedido.
III) É que os efeitos do caso julgado da primeira decisão não se estendem a outras questões, não apreciadas nem decididas, nomeadamente às relacionadas com a legitimidade do requerente para se constituir assistente.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

No Proc. 52/14.6T9VPA da Comarca de Vila Real (V. Pouca de Aguiar – Inst. Local – Sec. Comp. Gen. – J1), por despacho proferido em 10-9-2015, foi indeferido o requerimento do ofendido José M. para intervir nos autos como assistente “uma vez que, apesar de ter legitimidade para o ato, estar em tempo e ter constituído mandatário, não beneficia de apoio judiciário, nem efetuou o pagamento da taxa de justiça para a constituição de assistente”.
Posteriormente, após ter pago a taxa de justiça, o ofendido renovou, em 28-9-2015, o seu requerimento para ser admitido como assistente.
Foi então proferido despacho novo despacho de indeferimento, que é o recorrido, que decidiu existir caso julgado formal sobre a não admissão do ofendido como assistente.
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O queixoso José M. interpôs recurso desta decisão.
A questão suscitada é a de saber se, como se decidiu no despacho recorrido, o facto de ter sido indeferido o pedido de constituição de assistente, por falta de pagamento da taxa de justiça, obsta à renovação do mesmo pedido.
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Respondendo, a magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido defendeu a improcedência do recurso.
Nesta instância, o sr. procurador-geral adjunto emitiu parecer no sentido do recurso ser procedente.
Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Colhidos os vistos cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO
Como se referiu no relatório deste acórdão, por despacho de 10-9-2015 foi indeferido o requerimento do ofendido José M. para ser admitido a intervir nos autos como assistente “uma vez que, apesar de ter legitimidade para o ato, estar em tempo e ter constituído mandatário, não beneficia de apoio judiciário, nem efetuou o pagamento da taxa de justiça para a constituição de assistente”.
Posteriormente, em 28-9-2015, após ter pago a taxa de justiça, o ofendido requereu novamente a sua constituição como assistente.
Sobre este requerimento, recaiu o seguinte despacho, que é o recorrido:
O ofendido já deduziu nos autos a pretensão da sua constituição como assistente (cfr. fls. 133).
Fê-lo após o encerramento do inquérito.
Tal pretensão veio a ser indeferida por despacho de fls. 150.
Ora, tal despacho faz caso julgado formal, posto que não foi impugnado, o que vale por dizer que se tornou definitiva e não pode ser modificada, ainda que se alterem os pressupostos de facto que determinaram a improcedência da pretensão (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª edição atualizada, pág. 209).
Por conseguinte, indefere-se a reiteração da pretensão deduzida pelo ofendido a fls. 166”.
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O despacho recorrido louva-se no Comentário do Prof. Pinto de Albuquerque ao art. 69 do CPP.
Vejamos:
O texto em causa trata dos efeitos do caso julgado do despacho que decide sobre a constituição de assistente, tendo em conta as modificações que podem ocorrer no objeto do processo.
Defende-se nele que, durante o inquérito, o caso julgado sobre a decisão que admite (ou indefere) a constituição de assistente forma-se sob a condição rebus sic stantibus, porque podem ocorrer modificações no objeto do processo.
Após a acusação, fixado o objeto do processo, a decisão faz caso julgado formal stictu sensu.
Exemplificando:
Um inquérito pode ter sido instaurado por um crime de falso testemunho, mas durante a investigação serem recolhidos indícios de que o arguido cometeu um crime de falsificação de documento.
Se, durante o inquérito, ainda no âmbito da investigação pelo crime de falso testemunho, tiver sido indeferida a constituição de assistente, nada obstará a que o pedido seja renovado quando a ação penal já correr pelo crime de falsificação de documento. O trânsito em julgado sujeito à condição rebus sic stantibus significa que a validade da decisão só se mantém enquanto permanecerem inalterados os pressupostos em que a mesma se sustentou.
Diferentemente, se a decisão de indeferimento tiver ocorrido após a acusação, a renovação do requerimento para a constituição de assistente não é possível, porque o objeto do processo já está fixado, mantendo-se inalterado até final Salvo o caso de alteração substancial de factos.
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Pois bem, caso destes autos é distinto.
No primeiro despacho, que não admitiu o queixoso a intervir como assistente, nada se decidiu sobre a legitimidade do requerente para se constituir assistente nos autos. O requerimento não foi indeferido por razões substanciais, mas por falta de um mero requisito processual – o ofendido não beneficiar de apoio judiciário nem ter pago a taxa de justiça devida. Cumprido o requisito nada obsta à renovação do pedido.
É certo que o primeiro despacho transitou em julgado. Mas tal trânsito tem apenas a consequência do ofendido não se poder constituir assistente enquanto não beneficiar de apoio judiciário, ou enquanto não pagar a taxa de justiça devida. Foi apenas essa a questão decidida. Os efeitos do caso julgado da primeira decisão não se estendem a outras questões, não apreciadas nem decididas, nomeadamente às relacionadas com a legitimidade do requerente para se constituir assistente.
Por isso, não deve subsistir a decisão recorrida.
Deixa-se só mais uma nota:
O recorrente pede que a relação decida a sua constituição como assistente.
Porém, o âmbito do recurso é também dado pelo despacho recorrido. Em abstrato, poderão existir outras causas para a não admissão do recorrente como assistente. A decisão deste acórdão deverá limitar-se a determinar que o despacho recorrido seja substituído por outro que pressuponha que o anterior indeferimento não obsta a que seja renovado o pedido de constituição de assistente, depois do requerente ter pago a taxa de justiça devida ou de ter obtido o apoio judiciário.

DECISÃO
Os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães, concedendo provimento ao recurso, ordenam que o despacho recorrido seja substituído por outro que pressuponha que o anterior indeferimento não obsta a que o recorrente José M. renove o pedido de constituição de assistente.
Sem custas.