Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2472/16.2T8BRG.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE DANOS PRÓPRIOS
FURTO DE VEÍCULO
CADUCIDADE DO CONTRATO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Contendo o contrato de seguro de danos ressalva de direitos de terceiro, a favor do proprietário/locador, não tem o tomador do seguro direito a reclamar para si a indemnização pelo furto do veículo.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

Ricardo instaurou ação declarativa de processo comum contra Companhia de Seguros X, S.A.” e G. G., pedindo a condenação:

a) Da 1ª Ré, a indemnizar o Autor nos montantes contratualmente estabelecidos, no valor de € 41.889,94 correspondente ao valor da viatura segurada, e de € 22.278,56 correspondente ao valor do seguro adicional, tudo no valor de € 64.168,50;
b) Da 1ª Ré, no pagamento ao Autor de € 3.150,00, correspondente ao valor da viatura de substituição que a 1ª Ré não disponibilizou, acrescido de € 450,00/mês por cada mês de atraso;
c) Da 1ª Ré, a devolver ao Autor as duas prestações de seguro pagas pelo Autor após a data do furto, no valor de € 1.317,68;
d) Da 1ª Ré e, bem assim, do 2º Réu, a pagar solidariamente ao Autor o valor de € 30.000,00, a título de danos não patrimoniais;
Tudo no valor global de € 98.636,18, acrescido de juros contados à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Alegou para o efeito que é locatário de longa duração do veículo automóvel de matrícula NG, pertencente à W. Renting (Portugal), Ld.ª, objecto do seguro contra danos próprios celebrado junto da Ré X, SA. (posteriormente Seguradoras Y, SA), entre os quais se inclui a cobertura de “furto ou roubo” até ao capital seguro de € 50.182,54, viatura esta que foi objecto de furto no dia 28.09.2015, o qual foi oportunamente participado à 1ª Ré. A 1ª Ré recusou-se a pagar-lhe o valor correspondente à viatura segurada, decisão que lhe transmitiu por carta datada de 29.12.2015. A recusa da 1ª Ré, sob a administração do 2º Réu, seu responsável máximo, em assumir o cumprimento do contrato de seguro, sob a imputação ao Autor da prática de um crime de simulação de furto da viatura, falsa e injusta, causou neste dano moral, carente de reparação.
Mais sustentou ter pago à 1ª Ré, em Outubro de 2015 e em Abril de 2016, respectivamente (datas posteriores à ocorrência do furto), duas prestações semestrais do prémio do contrato de seguro, no valor de € 658,84, cada uma, no total de 1.317,68.
Contestou a 1ª R., tendo excepcionado a ilegitimidade do Autor para a propositura da acção e pugnou pela absolvição do pedido, por entender ser a W. Renting Portugal, Ld.ª, na qualidade de proprietária da viatura automóvel, a titular do direito de indemnização decorrente da perda total do objecto seguro, resultante de furto ou roubo e não o A..
A quantia paga a título de prémios de seguro é devida por corresponder ao período de vigência do contrato de seguro que não caducou por não estar demonstrada a perda do veículo.
Quanto à atribuição de veículo de substituição, estava contratualmente prevista para os casos de furto, mas com o limite de duas ocorrências anuais e de 30 dias por anuidade, tendo o Autor solicitado e obtido, por parte da seguradora, duas substituições anteriores de veículo durante a anuidade em curso à data do sinistro, para além de que a indemnização pela privação se encontra contratualmente afastada.
No mais, defendeu-se por impugnação.
Também o Réu G. G. contestou, excepcionando a ineptidão da petição inicial e a sua ilegitimidade passiva.
Impugnou a prática de quaisquer actos lesivos de direitos titulados pelo Autor, bem como a ocorrência dos danos por este invocados.
*
Foi designada data para realização da audiência prévia, tendo sido concedido ao Autor a faculdade de tomar posição sobre a matéria de excepção alegada pelos Réus na contestação.
O Réu tomou posição nos termos expressos em acta.

A final foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:

“ julgo,
.A. Parcialmente procedente a presente ação condenando a 1ª R. “Companhia de Seguros X, S.A. a pagarão A. a quantia de 1.317,57, acrescida de juros à taxa legal contados desde a citação da 1ª R. até efectivo e integral pagamento.
.B. Parcialmente improcedente a presente ação, absolvendo:

. a 1ª R. Companhia de Seguros X,S.A. da parte restante do pedido contra si deduzido pelo Autor;
. o 2º R. G. G. do pedido contra si deduzido pelo A.”

O A. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:

A. Começamos por acompanhar o que vem dito pela Companhia de Seguros no texto da reclamação apresentada em 28 de abril de 2017 com a Ref. 25584417, ainda que divergindo no essencial, ou seja, quanto ao valor do capital seguro.
B. E para dar corpo a este acompanhamento, temos que ver o trecho decisório, na parte que importa, transcrito em sede de alegações e que vai culminar com a arguição da nulidade do despacho saneador/sentença.
C. Destaca-se a referência ao capital seguro, e que faz referência ao valor de €45.042,95.
D. Conforme referimos em sede de alegações, e no qual foi transcrito o ponto 2º da P.I. apresentada pelo Autor aqui recorrente, o valor corresponde ao valor do veículo à data da celebração do contrato até ao capital de €50.182.54 e sem franquia.
E. Em sede de contestação Ré/recorrida, refere que o valor que verdadeiramente está em causa é um capital correspondente ao valor de €41.889,94.
F. Ou seja, nem o Autor, nem a Ré chegam a um valor que merece acordo, ou sequer acerto, pois que em momento algum o valor em causa foi debatido ou (acertado) entre as partes em litígio.
G. E veja-se que o Ilustre julgador dá como assente o valor de €45.042,95 por acordo entre as partes, cfr. já visto supra no excerto do despacho saneador/sentença transcrito supra em sede de alegações.
H. A verdade é que nunca, em momento algum, o ora recorrente chegou a acordo com a recorrida, ou sequer abordou o tema, razão pela qual se desconhece, qual o fundamento do alegado acordo, que nunca existiu.
I. Do que resulta, salvo melhor opinião, na nulidade da douta sentença, por força do disposto no artigo 615° n°. 1 alínea b) do C.P.C.
J. E dizemos que a sentença é nula porque o Digno Julgador dá como provado factos fundamentais para a correta apreciação da decisão, sem qualquer sustentáculo de verdade, bem sabendo que se impunha que o tribunal a quo fundamentasse a sua decisão de dar como provado que o capital era o valor pedido pelo Autor, ou pelo contrário, o valor pedido pela companhia de seguros, e não outro.
K. O tribunal a quo tinha que ter apreciado toda a documentação que enforma o processo e não dar como provado um facto essencial por acordo das partes, sem tivesse existido (como não existiu) qualquer tipo acordo entre as partes.
L. Conforme referido, esse acordo nunca existiu, nem sequer foi de alguma forma abordado, não fazendo referencia a sentença qualquer referência esse facto dado provado.
M. Logo, foi esta decisão do M. Juiz “a quo”, foi uma decisão surpresa.
N. Assim entende o ora recorrente que qualquer fundamentação que dê sustentáculo aos factos dados como provados em relação ao capital coberto, e sendo este um ponto fundamental, a sentença é nula por violação do disposto na al. c) do nº 1 do artigo 615º do CPC.
O. Nulidade que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos.
P. Além do mais, estamos perante uma sentença ambígua e obscura, estando em causa uma decisão ininteligível.
Q. Invocando aqui, o Acórdão do STJ de 14-05-2009 (Processo nº 08P4096, in: www.dgsi.pt), precisamente aquele que vem invocado pelo Digno Julgador, caso exista «… opção de compra pelo locatário…», toda a argumentação que sustenta a sentença aqui em crise cai por terra.
R. E cai por terra, pois exista opção de compra, toda a construção jurídica que negou provimento ao pedido do Autor aqui recorrente vai merecer decisão totalmente contrária ao decidido.
S. E foi precisamente isso que aconteceu, na medida em que o autor exerceu, no momento da celebração do contrato de ALD a opção de compra sobre a viatura furtada (remetemos para o já invocado no artigo 1º da P.I. transcrito em sede de alegações mais acima).
T. Ora, o Autor na sua P.I. dá por assente que o contrato de ALD com a W. é e era um contrato com opção de compra, sendo que a W. está e estava (à data da propositura da ação), bem ciente desta realidade (contratual), que tem influência na caracterização e nos efeitos do contrato de ALD.
U. Assim, estamos perante uma nulidade por falta de pronúncia, sendo que a questão da opção de compra da viatura furtada é fundamental para sustentar a forma como o Douto Julgador julgou a questão controvertida.
V. Ou seja, se de facto existiu uma opção de compra da viatura furtada, o Autor seria parte legítima, contrariamente àquilo que bem afirmado na douta sentença, a qual: “… conclui-se que não é o Autor, mas a "W. Leasing (Portugal), Ld.ª", a titular do direito de indemnização resultante do eventual furto com perda total do bem seguro e a beneficiária da correspondente cobertura do contrato de seguro celebrado com a Ré”.
W. Assim, entende o ora recorrente, se o Douto Julgador tivesse, que não teve, apreciado e decidido o que vem invocado no artigo 1º da P.I. estamos certos e seguro que a decisão seria totalmente favorável ao aqui recorrente.
X. Não tendo apreciado aquela realidade factual e contratual, invocada pelo Autor, é claro que a decisão foi (como o foi) no sentido desfavorável ao Autor.
Y. Nestes termos, estava o tribunal a quo vinculado a apreciar e a decidir sobre a existência (ou não) da opção de compra que vem invocado pelo recorrente logo no ponto 1º da P.I.,
Z. O que não aconteceu.
AA. Assim e face ao descrito, o tribunal a quo não apreciou, como estava obrigado, a questão da existência ou não de opção de compra, pois que, existindo esta, como existe, o direito à indemnização cabia ao Autor e não à W., conforme já referido.
BB. Nestes termos e pelo sobredito a sentença aqui sob recurso é nula nos termos e para os efeitos do disposto na al. d) do nº 1 do artigo 615º do CPC.
CC. Nulidade que se invoca para os devidos e legais efeitos.
DD. Face ao descrito, o ora recorrente assume aqui que o tribunal a quo errou, de facto e de direito, ao decidir no sentido em que decidiu, recusando ao Autor/recorrente, o direito de vir a receber a indemnização por furto de veículo em resultado do contrato de seguro sinalizado com a Ré/recorrida.
EE. Com efeito, «discute-se a nível doutrinal a natureza jurídica do contrato de locação financeira e figuras afins (casos por exemplo da locação com opção de compra ou aluguer de longa duração), enquanto negócio situado entre a locação e a venda a prestações, enquanto contrato nominado misto (a compra e venda e a locação), contrato de crédito sui generis, ou contrato de crédito com características específicas”. (cfr. vimos supra em sede de alegações).
FF. O contrato de compra e venda, previsto no artigo 874º do C.C. é aquele pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa ou direito, mediante um preço e, sendo convencionado o preço a prestações e a reserva de propriedade com entrega ao comprador.
GG. O contrato de locação financeira (leasing), previsto no DL 149/95, de 24/6 (com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 265/97 de 2/10, retificado no DR, I, de 31.10.97, pelo DL 285/2001 de 3/11 e pelo DL 30/2008 de 25/2), é aquele pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.
HH. O contrato de aluguer, previsto nos artigos 1022º e 1023º do C.C., é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa móvel, mediante retribuição.
II. Prevê ainda a lei a figura do contrato de aluguer sem condutor, normalmente conhecido como “rent a car”, a que são aplicáveis as regras gerais do contrato de locação dos artigos 1022º e seguintes do C.C. e do DL 354/86 de 23/10, com as alterações introduzidas pelo DL 373/90 de 27/11 e pelo DL 44/92 de 31/3.
JJ. No caso dos presente autos, e ao contrário do que foi considerado pela douta sentença, as partes, para além de terem acordado a cedência temporária do veículo mediante retribuição, celebraram um acordo em que se obrigaram reciprocamente a, respetivamente, vender e comprar o veículo no fim do período de vigência do primeiro acordo (vide artigo 1º da P.I.), e que foi totalmente desconsiderado pelo Douto e Ilustre Julgador.
KK. Mais uma vez se afirma, que é por demais evidente que a sentença ao ter considerado, que o Autor não tem direito à indemnização por banda da companhia de seguros/recorrida, porque está em causa um contrato de ALD, está a esquecer a complexidade dos acordos celebrados pelas partes não permite que os mesmos sejam integrados em nenhum dos contratos tipificados acima referidos, quer seja a compra e venda, quer seja o aluguer, quer seja a locação financeira, quer seja o aluguer de veículos sem condutor, indo buscar elementos a cada um deles.
LL. Estes acordos integram uma figura contratual complexa que não está tipificada na lei, constituída ao abrigo da liberdade contratual contemplada no artigo 405º do C.C. e que é correntemente utilizada e denominada como aluguer de longa duração (ALD).
MM. E não é só o recorrente que faz, agora, finca-pé sobre a admitida ”complexidade” do contrato de ALD, uma vez que lhe é «analogicamente aplicável o regime, estabelecido para a locação financeira no art. 13º do DL 149/95, à relação contratual, atípica e complexa, caracterizada pela celebração de contrato de ALD de certo veículo, prevendo as partes a opção de compra do mesmo pelo locatário no termo do contrato, por preço fixado…» (cfr. já referido supra).
NN. A complexidade contratual consubstanciada no ALD suscita a interrogação sobre a sua natureza jurídica, sendo que não é descabido que a solução passe por subsumir esta operação de financiamento à matriz do contrato de mandato sem representação.
OO. De acordo com o conteúdo típico desta figura, verifica-se que alguém se vincula em nome próprio, por conta de um terceiro, a adquirir o bem por este, expressamente, escolhido e indicado, transferindo para a sua esfera, em seguida, os direitos que haja adquirido na execução das suas instruções, designadamente a propriedade do bem adquirido, ainda que diferidamente.
PP. Foi isto que o Ilustre Julgador esqueceu ao proferir despacho saneador/sentença, sem cuidar de olhar para estes acordos em sede de julgamento.
QQ. A pressa é inimiga da perfeição, sem dúvida!!!
RR. A questão é, pois, de saber, qual o regime que lhe é aplicável, resolve-se com a interpretação das regras convencionadas, consoante o que for apurado no caso concreto quanto à vontade dos contratantes, sendo que, não temos dúvidas em afirmar que o contrato de ALD aproxima-se mais da locação financeira do que do simples aluguer ou da simples compra e venda.
SS. O contrato de locação financeira tem um objetivo que transcende a finalidade do contrato de locação e do contrato de compra e venda, pois, mais do que a cedência do gozo temporário de uma coisa mediante retribuição e mais do que a transferência da propriedade de uma coisa mediante um preço, a locação financeira visa a concessão de crédito.
TT. A figura do contrato de ALD, nomeadamente aquele que foi celebrado nos autos, tem a mesma finalidade de concessão de crédito, utilizando a estrutura do contrato de aluguer e prevendo a aquisição do bem locado no fim da vigência deste.
UU. A diferença entre a locação financeira e o ALD reside no facto de, na primeira, o locatário poder optar pela aquisição do bem locado, sendo unilateral a promessa de venda por parte do locador, enquanto que, no segundo, o locatário fica obrigado à aquisição, tal como o locador fica obrigado à venda, sendo bilateral o compromisso, mediante a celebração do contrato promessa, embora submetido à condição de ter sido cumprido o contrato de aluguer pela locatária.
VV. Contudo, é manifesta a semelhança de objetivo e de estrutura entre a locação financeira e o ALD, ambos como figuras contratuais que transcendem o aluguer e a compra e venda e sendo certo que, no presente caso, o valor das rendas convencionadas como retribuição do contrato de aluguer é muito superior a metade do valor atribuído ao bem locado e que o preço de aquisição do veículo depois de decorrido o prazo do contrato de aluguer se encontra perfeitamente determinado.
WW. Logo, e pelo ficou dito até aqui, não estamos perante um simples contrato de aluguer – em que seria visada, apenas, a fruição do veículo por um período de tempo – mas sim perante um contrato que envolveria, a final, a transmissão da propriedade do veículo para o Autor/recorrente, o que significa que errou, o Douto Julgador, ao considerar, como considerou, que o aqui recorrente não tem direito à indemnização, quando é certo e seguro que tem direito a invocar os valores constantes do contrato de seguro assinado e integralmente cumprido com a Companhia de Seguros X aqui recorrida.
XX. Em sede de sentença o tribunal a quo considerou que: «O que ficou provado e documentado no processo que aqui nos ocupa, é que - indiscutivelmente - o que está em causa é um contrato de ALD celebrado com a W. Renting (Portugal) Lda., pelo período de 54 meses».
YY. O que é verdade, diga-se, contudo, e conforme já afirmado, o Autor optou pela opção de compra da viatura furtada, o que é completamente diferente, pois que, ao subscrever diretamente o contrato de seguro (no valor controvertido), a verdade é que tinha (e tem) direito à respetiva indemnização por furto, sendo que do processo consta documentação (não apreciada) que deixa bem claro que os valores pagos pelo seguro são pagos à W. Renting (Portugal) Lda.
ZZ. De tudo o que ficou dito até aqui, retira-se, que o contrato querido pelas partes (recorrente e a W.), é que o fim indireto que é tido em vista pelos contratantes é conseguido através da conjugação de estipulações típicas dos contratos de aluguer e de venda a prestações com reserva de propriedade, gerando-se um verdadeiro contrato misto, que nada tem «de reprovável ou de nocivo», a qualificar e interpretar na globalidade dos seus elementos, sob pena de desrespeito pela vontade dos contraentes.
AAA. Ora, ficou bem claro, e o M. Juiz “a quo” não reparou que o pedido apresentado pelo autor faz referência, a um contrato com opção de compra, resultando daí que, no final do pagamento das prestações devidas a viatura reverte para o aqui Autor/recorrente.
BBB. Invocando uma vez mais, o acórdão do STJ supra, que refere: «No ALD inexistindo opção de compra ou promessa de venda por parte do locatário a propriedade do veículo permanece como direito do locador», ora, à contrario sensu, e da leitura do identificado arresto é isso mesmo que se retira, até porque o objeto contratual, a viatura furtada está, na esfera jurídica do adquirente dada a promessa de compra contratualmente estabelecida e querida entre as partes.
CCC. Tanto mais que, sendo o contrato de aluguer de longa duração um contrato de compra e venda com mútuo garantido a favor do locador, sempre este rececionou já parte do preço do veículo, valor esse incluído no montante indemnizatório arbitrado.
DDD. Pois é consabido, que a cedência do gozo temporário do bem implica uma retribuição, tal como previsto no conteúdo típico da locação, contudo, e deferentemente deste tipo contratual de referência, as quantias pagas não correspondem à retribuição pela cessão temporária da coisa, mas ao reembolso pelas quantias que adiantou na sua aquisição, acrescido da remuneração da sua intermediação financiadora.
EEE. Por isto se afirma que o ALD é um instrumento técnico-jurídico que confere poder de compra, sendo por isso que o Autor/recorrente comprou a viatura W. furtada, e tem assim direito a perceber a respetiva indemnização através do contrato de seguro que celebrou com a X/Ré recorrida.
FFF. Ou seja, o Ilustre Julgador ao considerar na sentença proferida, que o aqui recorrente não tem direito à ao pagamento da indemnização, sem prejuízo da obrigação que sobre si impende de proceder ao pagamento da integralidade das prestações contratuais estabelecidas com a W., violou, salvo melhor opinião, os artigos 444° e 473°do Código Civil.
GGG. O que desde já se invoca.
HHH. Daí que, e atento o disposto nos nºs. a) e c) do nº 1 do artigo 640º do CPC, e remetendo aqui para o inciso da sentença que recusou o direito à indemnização pela própria figura do contrato de ALD, deve a mesma ser alterada em conformidade com o que vem sendo dito, e reconhecer que a viatura furtada integrou a esfera jurídica do Autor/recorrente através da celebração do contrato de promessa de aquisição invocado no artigo 1º da P.I. (matéria totalmente arredada da apreciação do tribunal a quo).
III. Vem o M. Juiz “a quo”, recusar a intervenção provocada da W., cfr. já referido supra em sede de alegações.
JJJ. Andou bem o Ilustre Julgador ao proferir o presente despacho, onde ele errou, e não vamos abordar aqui as nulidades já suscitadas supra, a verdade é que, mais uma vez estamos de acordo quando refere que «não há contitularidade de direitos entre o Autor e a “W. Renting”, mas a titularidade de direitos diversos, embora emergentes da mesma situação jurídica», onde discordamos é quando refere «eventual titular da indemnização decorrente da cobertura de furto do contrato de seguro celebrado com a Ré; o Autor, locatário, hipotético titular do direito à viatura de substituição».
KKK. E dizemos que andou mal o M. Juiz “a quo” porque desconsiderou, ou melhor, nem sequer apreciou – minimamente – a questão da promessa de compra da viatura furtada, o que, como já verificamos, altera por completo os pressupostos do contrato de ALD.
LLL. Assim, o M. Juiz “a quo” ao julgar como julgou, violou o disposto nos artigos 444º e 473º do Código Civil, artigo 615º n.º 1, alínea b), c) e d) e 640º n.º 1, alínea a) e c) todos do CPC.
Nestes termos e nos melhores direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e por provado, e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida atentas as nulidades invocadas em sede de alegações e conclusões, e, em consequência, substituída por uma decisão que determine o prosseguimento dos autos sub judice. Caso assim se não entenda, devem os Venerandos Desembargadores alterar a decisão proferida pelo tribunal "a quo", uma vez que aquela sentença enferma do vício de erro de julgamento da matéria de facto e de direito, atento o que ficou dito em sede de alegações/conclusões, devendo ser reconhecido ao aqui recorrente o direito à indemnização peticionada e erradamente recusada pelo tribunal a quo.

A R. Seguradoras Y, S.A. (1) interpôs recurso subordinado, concluindo do seguinte modo:

I- A Ré impugna, por considerar incorrectamente julgado, o facto do ponto 1 da matéria de facto dada como provada, restringindo a sua impugnação ao valor do capital do seguro dado como demonstrado;
II- O capital do seguro à data do sinistro é o resultado da aplicação das taxas de desvalorização previstas na tabela constante das condições particulares da apólice ao capital inicial estabelecido;
III- Resulta do Doc 2A junto com a contestação que o contrato de seguro teve o seu início em 06/10/2012, que o veículo NG teve a sua primeira matrícula em 09/2012 e que o capital inicial da cobertura de furto ou roubo na data do início do contrato era a de 61,197,00€.
IV- Também decorre do Doc 2 junto com a contestação que na data da última renovação do contrato de seguro, o capital dessa cobertura, fruto da sua desvalorização acordada nas condições gerais da apólice (Doc 3) era o de 45.042,95.
V- Ora, aplicando-se a tabela de desvalorização constante das condições particulares da apólice, vemos que o capital à data de Agosto de 2015 era o de 41.889,94€.
VI- Assim, entende a exponente que, em face do teor dos Docs 2, 2A e 3 (quanto a este último o seu artigo 42º nº 2), se impunha que se tivesse dado como provado quanto ao ponto 1 dos factos dados como provado que:
1. Entre o Autor e a 1ª Ré “Companhia de Seguros X, S.A.” foi celebrado, a 23.12.2012, o contrato de seguro do ramo automóvel correspondente à apólice n.º …, válido e em vigor à data de 29 e 30 de Agosto de 2015, pelo qual a Ré assumiu:
- a responsabilidade civil por danos provocados a terceiros com a circulação do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula NG, da marca W., modelo Série 5 – Touring Diesel; - a cobertura de danos próprios, decorrentes de furto ou roubo, incêndio, raio ou explosão, fenómenos da natureza, actos de vandalismo, choque, colisão, capotamento e quebra isolada de vidros, com o capital seguro à data de agosto de 2015 de € 41.889,94€ e franquia contratual de € 500,00, não aplicável à cobertura de furto ou roubo”;
VII- Não foi dado como provado que o veículo seguro tenha sido furtado ou, sequer, que tenha desaparecido, mas apenas e só que o A declarou às autoridades e à Ré que tal sucedeu.
VIII- Não estando demonstrada a perda total (o desaparecimento) do veículo, não se verifica a caducidade do contrato de seguro, na exacta medida em que não se pode afirmar que o A tenha perdido interesse no seguro ou se tenha extinto o risco.
IX- Na ausência de prova dos pressupostos factuais da caducidade do contrato de seguro – e não estando demonstrado que qualquer uma das suas partes ao mesmo pôs termo por denúncia ou resolução – o contrato de seguro vigorou na anuidade subsequente ao alegado sinistro, sendo devido o respeito prémio.
X- Logo, impõe-se, que a Ré seja absolvida do pedido no que toca ao montante de 1.317,57€ pagos pelo A a título de prémio de seguro, o que se requer.
XI- Ou, em alterativa, que se ordene o prosseguimento dos autos para apurar se, de facto, ocorreu o desaparecimento do bem e avaliar, juridicamente, se esse facto determina a caducidade do contrato de seguro, o que, subsidiariamente, se requer.
XII- A douta sentença sob censura violou as normas dos artigos 110º do RJCS e 473º do Código Civil.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, alterando-se a decisão proferida quanto ao ponto 1 dos factos provados e revogando-se essa mesma decisão na parte em que condenou a recorrente a pagar ao A a verba de 1.317,57€.
A R. igualmente contra-alegou, tendo concluído as suas contra-alegações do seguinte modo:
I- Cabia ao Tribunal decidir se o A é ou não titular do direito de crédito que invoca na sua PI, decorrente da alegada perda total de um bem pertencente a terceiro;
II- O Tribunal deve conhecer as questões suscitadas e não as razões que sustentam a pretensão das partes;
III- Tendo o Tribunal conhecido da questão (e até debatido as razões) não se verifica omissão de pronúncia, nem a nulidade, a esse propósito, invocada;
IV- O A não impugna a decisão proferida quanto aos factos dados como provados nos pontos 6 e 7 da fundamentação de facto da douta sentença, dos quais decorre que o contrato de seguro celebrado entre o A e a Ré tinha como beneficiário e credor identificado a W. Renting, Lda.
V- Por força dos factos aí dados como provados, das estipulações do contrato de seguro e ainda do disposto nos artigos 48º n.º 3, 102ºn.º 1 e 103º do RJCS, aprovado pelo DL 72/2008, de 16 de Abril, o credor da eventual prestação segura, caso tivesse ocorrido sinistro, não seria o A, mas sim a W. Renting, Lda.
VI- Não se provou que o A tenha acordado com a W. Renting, Lda uma cláusula de opção de compra no âmbito do contrato de ALD.
VII- Todavia, ainda que assim fosse, essa estipulação não conferiria ao A qualquer direito;
VIII- Entre o A e a W. Renting não foi celebrado um contrato de compra e venda, pelo que não se operou a transmissão da propriedade do automóvel para o demandante (cfr artigo 879º do Código Civil);
IX- Anda que se configurasse essa estipulação como uma promessa de compra e venda, não há notícia nos autos de que as partes lhe tenham atribuído eficácia real, e é certo e seguro que não foi levada a registo a eficácia real do negócio;
X- O contrato celebrado entre o A e a W. Renting, Lda só tem efeitos obrigacionais, sendo que a propriedade só se transferirá quando e se foi celebrado o contrato de compra e venda;
XI- A perda do bem, independentemente daquele por conta de quem corra o risco desse perecimento, é um dano que se radica na esfera do seu proprietário e nunca na de quem tem, apenas, uma mera expectativa ou, menos ainda, faculdade, de o vir a adquirir no futuro.
XII- O locatário não goza, no ALD, de um verdadeiro direito potestativo de aquisição futura (típico do leasing), nem está obrigado a celebrar esse negócio.
XIII- A celebração do contrato de compra e venda surge, no contexto de um contrato de ALD, como uma mera hipótese, previamente estipulada pelas partes, a qual se tornará ou não efectiva consoante esse direito seja ou não exercido pelo locatário
XIV- Descrevendo-se na petição inicial uma situação geradora de uma perda total do veículo e não sendo o demandante dono do carro, não sofreu qualquer prejuízo patrimonial, o qual, a existir, afecta apenas o património da W. Renting, Lda
XV- Logo, é a esta sociedade e nunca ao A que caberia o direito à indemnização pelo alegado desaparecimento do bem;
XVI- Esta solução impõe-se ainda por força das regras gerais da locação, já que a perda do objecto locado, a provar-se, tem como consequência a impossibilidade superveniente do cumprimento, pelo locador, da obrigação de proporcionar o gozo da coisa e, consequentemente, determina a caducidade do contrato (cfr. artigos 1.031º alínea a) e 1.051º alínea e), todos do Código Civil).
XVII- Com a extinção do contrato de ALD por impossibilidade total e definitiva da prestação da obrigação de gozo, cessa também a obrigação do locatário pagar as prestações contratuais vincendas.
XVIII- O A não pode substituir-se ao verdadeiro titular do direito no respectivo exercício.
XIX- Só assim não seria se o A tivesse alegado que já pagou à W. Renting a indemnização devida pela alegada perda total do bem, hipótese em que, por se encontrar lesada no seu património, ou sub-rogada nos direitos daquela locadora, teria legitimidade para demandar a Ré no intuito de se ver ressarcida do que liquidou, até ao limite da indemnização que àquela pudesse caber e sempre dentro do limite do capital da apólice (ainda que, como se expôs na contestação, tal direito não exista).
XX- A verdade é que o A não alega assim ter procedido, limitando-se a reclamar para si uma indemnização que, a existir, caberia a um terceiro (como o próprio já reconheceu, em correspondência enviada à Ré, junta com a contestação (cfr doc 4 a fls 3 junto com a contestação).
XXI- A douta sentença sob censura não violou qualquer disposição legal.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a douta decisão sob censura, sem embargo do que se alegará em sede de recurso subordinado.

II – Objecto do recurso

Considerando que:

. o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
as questões a decidir são as seguintes:

Do recurso principal

. se a sentença é nula;
. se a R. deve ser condenada a pagar-lhe indemnização por furto do veículo.

Do recurso subordinado

. se o ponto 1 da matéria de facto deve ser alterado;
. se a ré Seguradoras Y deve ser absolvida do pedido de pagamento ao A. da quantia de 1.317,57 euros, relativa a prémios de seguro pagos pelo A., após a comunicação do furto.
III – Fundamentação
Na primeira instância foram considerados provados os seguintes factos:

1. Entre o Autor e a 1ª Ré “Companhia de Seguros X, S.A.” foi celebrado, a 23.12.2012, o contrato de seguro do ramo automóvel correspondente à apólice n.º …, válido e em vigor à data de 29 e 30 de Agosto de 2015, pelo qual a Ré assumiu:
- a responsabilidade civil por danos provocados a terceiros com a circulação do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula NG, da marca W., modelo Série 5 – Touring Diesel;
- a cobertura de danos próprios, decorrentes de furto ou roubo, incêndio, raio ou explosão, fenómenos da natureza, actos de vandalismo, choque, colisão, capotamento e quebra isolada de vidros, com o capital seguro de € 45.042,95, à data de 06.10.2014 e franquia contratual de € 500,00, não aplicável à cobertura de furto ou roubo;
- protecção de ocupantes e condutor, incluindo despesas de tratamento do condutor com o capital seguro, despesas de tratamento de ocupantes e morte ou invalidez permanente (cfr. Condições Particulares da Apólice de seguro juntas a fls. 20 e ss. e 145 e ss.);
2. De acordo com as Condições Especiais da apólice referida no número anterior, sob a epígrafe da cobertura de FURTO OU ROUBO:

Cláusula 1ª – Definições
Para efeito da presente Condição Especial considera-se:
FURTO OU ROUBO: o desaparecimento, destruição ou deterioração do veículo por motivo de furto, roubo ou furto de uso (tentados ou consumados). (…)
Cláusula 3ª - Exclusões
Para além das exclusões previstas nas Cláusulas 5ª e 40ª das Condições Gerais, não ficam garantidas ao abrigo da presente Condição Especial as seguintes situações:
a) Danos que consistam em lucros cessantes, perda de benefícios ou de resultados para o Tomador do Seguro e/ou Segurado em consequência de privações de uso, gastos de substituição ou depreciação do veículo seguro;
b) Furto ou roubo cometido por pessoas que coabitem ou dependam economicamente do tomador do seguro/Segurado, pessoas que se encontram ao seu serviço ou por que, em geral, aqueles sejam civilmente responsáveis; (…)
Cláusula 4ª - Condições de Funcionamento da Cobertura:
1. Ocorrendo furto ou roubo, e querendo o Segurado usar dos direitos que a presente Condição Especial lhe confere, deverá apresentar assim que possível queixa às autoridades competentes e promover as diligências ao seu alcance conducentes à descoberta do veículo e dos autores do crime.
2. Ocorrendo furto ou roubo que dê origem ao desaparecimento do veículo, o Segurador obriga-se ao pagamento da indemnização devida, decorridos que sejam sessenta (60) dias sobre a data da participação da ocorrência à autoridade competente, se ao fim desse período não tiver sido encontrado.” (cfr. Condições Especiais da Apólice, fls. 39 dos autos);
3. No âmbito do contrato de seguro referido nos números anteriores, foi subscrita pelo Autor a cobertura de COMPLEMENTO DE INDEMNIZAÇÃO POR PERDA TOTAL, sujeita ao seguinte clausulado:

Cláusula 1ª Âmbito da Cobertura

1 – A presente Condição Especial garante ao Segurado o pagamento de um Complemento de Indemnização, em caso de Perda Total do Veículo Seguro, causada por um sinistro cuja responsabilidade seja exclusivamente imputada a intervenientes distintos do Tomador do Seguro, do Segurado e/ou do Condutor do Veículo Seguro.
2 – Quando tenham sido contratadas as coberturas de Choque, Colisão e Capitamento, de Incêndio, Raio e Explosão e/ou Furto ou Roubo, a presente Condição Especial garante, igualmente, o pagamento do Complemento de Indemnização em caso de Perda Total do Veículo Seguro quando a mesma for consequência de qualquer facto garantido ao abrigo das referidas coberturas.

Cláusula 2ª – Limites de Indemnização

O valor do Complemento de Indemnização a pagar em caso de Perda Total do veículo seguro será determinado em função das seguintes regras :

a) Durante os primeiros 36 meses a contar da data de primeira matrícula do veículo seguro e desde que a subscrição da presente cobertura tenha ocorrido nos 12 meses seguintes a contar dessa mesma data, o Complemento de Indemnização a pagar corresponderá à diferença entre o valor venal e o valor de aquisição em novo de um veículo idêntico, à data do sinistro;
b) Após o 37.º mês, inclusive, a contar da data da primeira matrícula do veículo seguro, ou sempre que a subscrição da presente cobertura ocorra após o 12.º mês a contar daquela mesma data, o Complemento de Indemnização a pagar corresponderá a 20% do valor venal do veículo seguro à data do sinistro. (…)

Cláusula 4ª – Procedimentos em caso de sinistro

1. Para efeitos do disposto na cláusula 2.ª desta Cobertura, considera-se valor venal, o valor de substituição do veículo em momento anterior ao sinistro, sendo este, para efeitos da presente condição especial:

a) No caso da perda total do veículo seguro ser motivada por um sinistro da responsabilidade de terceiros, nos termos previstos no n.º 1 da cláusula 1.ª, o valor da indemnização paga pelo Segurador do terceiro responsável;
b) No caso da perda total do veículo seguro resultar da ocorrência de qualquer facto garantido ao abrigo das coberturas de Choque, Colisão e Capotamento, de Incêndio, Raio e Explosão e / ou de Furto ou Roubo, o valor pago pelo Segurador ao abrigo dessas mesmas coberturas, acrescido da eventual franquia aplicável.
2. Para efeitos de pagamento do Complemento de Indemnização por parte do Segurador, o Segurado deverá entregar, quando for o caso, cópia do recibo de indemnização emitido pelo Segurador do terceiro responsável pelo sinistro. (cfr. Condições Especiais da Apólice, fls. 39 e 40 dos autos);
4. No âmbito do contrato de seguro referidos nos números anteriores, o Autor subscreveu cobertura de AUTOMÓVEL DE SUBSTITUIÇÃO (de classe F), sujeita ao seguinte clausulado:

Clausula 1ª- Âmbito da Cobertura

1. A presente Condição Especial garante ao Segurado, em caso de privação forçada do uso do veículo seguro, em consequência de danos enquadráveis nos riscos de Choque, Colisão ou Capotamento, Furto ou Roubo ou de Incêndio, Raio e Explosão, a atribuição, nas condições previstas na presente Condição Especial, de uma viatura de substituição da classe C, F ou H, conforme definido nas Condições Particulares.
2. Para efeitos do disposto na presente cobertura, entende-se por viaturas da classe C, F ou H as viaturas com as seguintes características: (…) F, até 1600 C.C., Gasolina, 5 lugares (…)
Cláusula 2.ª – Condições de Funcionamento da Cobertura
1. A privação, para efeitos desta cobertura, considera-se imediatamente após o início da reparação ou do pedido de peritagem, quando o veículo seguro não possa circular, ou, em caso de furto ou roubo, após a participação do desaparecimento do veículo seguro às Autoridades, e cessa com o termo da sua reparação efetiva ou com a sua localização. Para acionar a presente cobertura, o Tomador do Seguro ou o Segurado deverão solicitar previamente ao Segurador a viatura de substituição, a qual deverá ser levantada pelo Tomador do Seguro / Segurado no local e Rent-a-Car indicados pelo Segurador.
2. Em caso de perda total, os efeitos da cobertura cessam na primeira das seguintes datas:

– No dia em que for posta à disposição do Segurado a indemnização garantida pela cobertura do risco em causa, quando à mesma tenha sido subscrita;
– No final do prazo limite definido na cláusula 3.ª desta Condição Especial. (…)
Cláusula 3.ª – Limites da Cobertura
1. O período de privação, para efeitos da presente Condição Especial, não poderá ultrapassar o período máximo de quinze (15) dias por anuidade.
2. Sem prejuízo do número máximo de dias acima definido, as garantias da presente Condição Especial somente poderão ser acionadas duas vezes durante a mesma anuidade. (…) (cfr. Condições Especiais da Apólice, fls. 42 dos autos);
5. Na anuidade compreendida entre 06/10/2014 e 06/10/2015 os limites da indicada cobertura de AUTOMÓVEL DE SUBSTITUIÇÃO foram alargados para um máximo de 30 dias por ano, com o limite de duas ocorrências por ano (cfr. artigo 66º da contestação da Ré “X”);
6. Nos termos previstos pelos artigos 40º, n.º 2 alínea d) e 48º das Condições Gerais da Apólice referida no facto provado número 1, respectivamente:

Salvo convenção expressa em contrário, devidamente especificada nas Condições Particulares, não ficam garantidas as indemnizações por: (…)
Lucros cessantes ou perdas de benefícios resultados advindos ao Tomador do Seguro ou ao Segurado em virtude da privação de uso, gastos de substituição ou depreciação do veículo seguro ou provenientes de depreciação, desgaste ou consumo naturais; (…)
Em caso de Perda Total e quando o Segurador haja aceite a ressalva de direitos desta a Apólice, a favor das pessoas ou entidade indicadas nas Condições Particulares, com domicílio também indicado nessas Condições, e enquanto tal se mantiver, não poderá proceder ao pagamento de qualquer indemnização ao segurado, sem dar conhecimento prévio às pessoas ou entidades a favor de quem os direitos da Apólice ficam ressalvados.” (cfr. Condições Gerais da Apólice, fls. 34 e 35 dos autos);
7. A apólice referida nos números anteriores identifica como credor e locador financeiro a “W. Renting Portugal, Ld.ª” (cfr. Condições Particulares da Apólice de seguro juntas a fls. 20 e ss. e 145 e ss.);
8. No dia 30.08.2015 o Autor apresentou na esquadra da PSP de Cruz de Pau-Amora, Seixal, queixa-crime por furto do veículo automóvel com a matrícula NG, W., 520 D, Preto, 2010, o que deu origem ao Auto de Denúncia n.º 387933/2015, NUIPC 00777/15.9 PBSXL (cfr. artigos 13º e 14º da p.i. - declaração da PSP junta a fls. 69 dos autos);
9. No dia 31.08.2015, o Autor comunicou à Ré “X” a ocorrência do furto do veículo identificado no número anterior (artigos 20º da p.i. e 46º da contestação da Ré “X”);
10. O Autor solicitou à Ré “X” o pagamento de valores indemnizatórios (artigos 25º da p.i. e 47º da contestação da Ré “X”);
11. Por email remetido a 13.11.2015 pelas 12:40:55 WET, por gestaosinistros@X.pt, assinado por M. P., a Ré “X” comunicou ao Autor:
Anexamos carta recebida a 06/11, na qual consta o valor a indemnizar pela cobertura de Furto/Roubo. Valor seguro à data vencimento é de 45.042,95 € sendo aplicada a desvalorização de 7% prevista na respectiva tabela, pelo que à data do sinistro o valor a considerar é de 41.889,94 €.
Quanto à cobertura de Complemento de Perda o valor a indemnizar é de 22.278,56, ou seja, a diferença entre o valor à data do sinistro e o seu valor em novo (64.168,50 €) na mesma data.
Aguardamos documentação solicitada, sendo que os pagamentos ficam condicionados à sua apresentação e análise. (documento junto a fls. 88, artigos 26º da p.i. e 46º da contestação da “X”);
12. A Ré “X” enviou ao Autor a carta datada de 29 de Dezembro de 2015, com o seguinte teor:

Serve a presente para informar V. Exa. que, após analise aos elementos que integram o nosso processo, concluímos que o mesmo não ocorreu conforme participado.
Assim sendo, não é da nossa responsabilidade a regularização dos prejuízos reclamados.
Procedemos também com a presente carta, à devolução da correspondência original que nos endereçou bem como à chave da viatura.
Se pretender obter algum esclarecimento adicional, por favor contacte-nos através de um dos meios abaixo indicados. (documento junto a fls. 93, artigos 27º da p.i., 46º e 161º da contestação da “X”);
13. O Autor, por intermédio da sua Ilustre Advogada, enviou à Ré “X” o email datado de 27 de Janeiro de 2016, cujo teor se reproduz a fls. 94 dos autos (documento junto a fls. 94. artigo 31º da p.i.);
14. Por email datado de 8 de Fevereiro de 2016, a Ré “X” respondeu à Ilustre Advogada do Autor nos seguintes termos: “…em resposta à sua missiva cumpre-nos informar que os elementos obtidos no decurso da instrução realizada pelos nossos serviços técnicos, permitem-nos concluir que o sinistro não ocorreu conforme participado a esta seguradora. Informamos também que os elementos obtidos são confidenciais e apenas serão exibidos em sede própria, se demandados.” (documento junto a fls. 96. artigo 32º da p.i.);
15. A Ré “X” não colocou à disposição do Autor uma viatura de substituição depois da comunicação referida no facto provado número 8 (artigo 41º da p.i., 193º e 194º da contestação da “X”);
16. No decurso da anuidade do contrato de seguro identificado no facto provado número 1, referente ao período de 06.10.2014 a 06.10.2015, o Autor solicitou por duas ocasiões, a foram-lhe entregues, veículos de substituição no âmbito da respectiva apólice: por sinistro ocorrido a 05.11.2014, o Autor usou veículo de substituição cedido pela Ré entre 11.11.2014 e 19.11.2014; por sinistro ocorrido a 08.11.2014, o Autor usou veículo de substituição cedido pela Ré entre 19.11.2014 e 22.11.2014 (artigos 190º a 192º da contestação da “X”, posição assumida pelo Autor em audiência prévia);
17. O Autor pagou à Ré “X” o valor total de € 1.317,57 a título de prémios, referentes ao período de vigência do contrato de seguro referido no facto provado número 1 entre 06.10.2015 e 06.10.2016 (artigos 43º da p.i., 183º e 184º da contestação da “X”).

Da nulidade da sentença – artº 615º, nº 1, alíneas b) e c) do CPC

Embora o apelante principal afirme que a sentença é nula por ambiguidade ou obscuridade, em momento algum, tenta demostrar a alegada ambiguidade ou obscuridade.
O que se nos afigura que o apelante pretende invocar é somente a falta de fundamentação da decisão de facto, ao ter dado como provado no ponto 1 dos factos provados que a cobertura de danos próprios, decorrentes de furto ou roubo, incêndio, raio ou explosão, fenómenos da natureza, actos de vandalismo, choque, colisão, capotamento e quebra isolada de vidros, tem o capital seguro de 45.042,95, à data de 06.10.2014, sem, em seu entender, qualquer fundamento, devendo, ao invés, ter sido dado como provado, o valor pedido pelo A. ou o indicado pela Companhia de Seguros.
Nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 615º do CPC a sentença é nula quando não contenha os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A exigência de fundamentação tem consagração constitucional (artº 205º, nº 1 da CRP) e também ao nível do direito infra constitucional (artº 154º do CPC). Bem se compreende esta imposição. Só conhecendo os fundamentos da decisão poderá a parte a quem a decisão for desfavorável, decidir se deve ou não conformar-se com a mesma. E também o Tribunal de recurso tem de conhecer esses fundamentos para aferir se a mesma se mostra ou não correta.
Como é entendimento uniforme, apenas a total ausência de fundamentos de facto e/ou de direito constitui causa de nulidade. A deficiente fundamentação poderá conduzir à revogação da sentença, mas não a fere de nulidade.
No entanto, a Mma. Juíza fundamentou a decisão quanto aos factos provados, consignando na decisão recorrida que os factos que considerou provados estavam provados por acordo das partes ou provados por documentos, remetendo, quanto aos factos concretamente em causa, para as condições particulares da apólice de seguro juntas a fls 20 e ss e 145 e ss (fls 261 v).
Posteriormente, no despacho que proferiu sobre as nulidades imputadas à sentença recorrida, veio pronunciar-se sobre esta concreta nulidade que também foi imputada à sentença recorrida pela R. - requerimento de fls 275 e ss - e esclareceu que deu como provado o montante de capital de euros 45.042,95 com base nos documentos juntos aos autos, constando o valor em causa das condições particulares junta por ambas as partes a fls 21 e fls 145 e onde se lê: “Capital:45.042,95”, precisando, contudo, e mandando exarar em conformidade, que tal montante se reportava à data de 6.10.2014.
Ora, como se constata, a Mma Juíza fundamentou a sua decisão – consignando que os factos provados resultam dos documentos juntos que precisou e do acordo das partes. Se esses documentos ou o alegado pelas partes não permitem que o tribunal conclua no sentido dado como provado, então pode ocorrer erro de julgamento e não falta de fundamentação da decisão. Se o tribunal deu como provado um facto que não deveria ter dado, porque não está admitido por acordo pelas partes, contrariamente ao que o tribunal entendeu, ou porque não está provado por documento, então o que há é um erro de julgamento que deverá ser “atacado” pela via da impugnação da matéria de facto e não por via da arguição de uma nulidade de sentença que não se verifica.
A apelante confunde, pois, o vício da nulidade da sentença com o erro de julgamento. Só ocorreria nulidade por ausência de fundamentação se a sentença recorrida fosse totalmente omissa relativamente aos meios de prova quanto aos factos dados como provados ou não provados, o que não se verifica.
Improcede assim a alegada nulidade.

Nulidade da sentença por omissão de pronúncia – artº 615º, nº 1, alínea d)

A sentença será nula, quer no caso de o juiz deixar de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (artº 615º, nº 1, alínea d), do CPC). Desde logo, importa precisar o que deve entender-se por questões, cujo conhecimento ou não conhecimento constitui nulidade por excesso ou falta de pronúncia. Como tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista no artº 615, nº 1, al. d) do CPC. Por questões deve entender-se “os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente cumpre, ao juiz, conhecer”( José Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, 2º volume, Coimbra Editora, 2001, pág. 670). Deve assim distinguir-se as verdadeiras questões dos meros “raciocínios, razões, argumentos ou considerações”, invocados pelas partes e de que o tribunal não tenha conhecido ou que o tribunal tenha aduzido sem invocação das partes (entre outros, Abílio Neto, Código do Processo Civil Anotado, 14.ª ed., pág. 702).
Entende a apelante que a sentença é nula porque o tribunal a quo partiu do pressuposto que o contrato que o A. celebrou com a W. Renting não contemplava opção de compra e construiu todo o seu raciocínio nesse pressuposto, quando o contemplava, como consta do artº 1º da petição inicial.
Ora, mais uma vez o apelante confunde nulidade da sentença com erro de julgamento. Se o tribunal a quo partiu de um pressuposto errado, então o que se verifica é um erro de julgamento e não de nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
O apelante veio alegar no artigo 1º da petição inicial que celebrou com a W. Renting Portugal, Lda. um contrato nos termos do qual esta lhe cedeu a utilização de um veículo automóvel, pelo período de 54 meses, mediante o pagamento de 54 prestações mensais, com a faculdade de, no final do prazo do acordo, adquirir o bem mediante o pagamento da quantia de 20.373,18, acrescida de IVA à taxa legal em vigor.
A final pede, entre outros pedidos, que o tribunal condene a 1ª R. a pagar-lhe uma indemnização no montante de 41.889,94, correspondente ao valor da viatura segurada, acrescida de 22.278,56, correspondente ao valor do seguro adicional, a pagar-lhe o valor de 3.150,00, correspondente ao valor da viatura de substituição, a devolver-lhe o valor de duas prestações de seguro que pagou, já depois de ter ocorrido o furto da viatura e pagar solidariamente com o 2º R., a quantia de 30.000,00 por danos morais.
Todas estas questões o Tribunal conheceu. Se no julgamento que desenvolveu partiu de uma premissa errada, por não ter considerado que o contrato que celebrou com a W. Renting previa a aquisição no final da viatura, o que teria, no entender do apelante, conduzido, necessariamente, a uma decisão diferente, não se trata de omissão de pronúncia, mas de erro de julgamento, o que infra se apreciará.
Improcede assim a invocada nulidade.

Da impugnação da matéria de facto

Sob esta denominação vem o apelante alegar no artº 81º das suas alegações (e na conclusão HHH) o seguinte: “daí que, atento o disposto nos nºs a) e c) do nº 1 do artº 640º do CPC, e remetendo aqui para o inciso da sentença que recusou o direito à indemnização pela própria figura do contrato de ALD, deve a mesma ser alterada em conformidade com o que vem sendo dito e reconhecer que a viatura furtada integrou a esfera jurídica do Autor aqui recorrente através da celebração do contrato promessa de aquisição invocado no artº 1º da p.i (matéria totalmente arredada da apreciação do tribunal a quo”.
Ora, se bem que o apelante anuncie a intenção de recorrer da matéria de facto (Título II do seu recurso – p. 13), e faça concretamente referência às alíneas a) e c) do nº 1 do artº 640º do CPC que estabelece os ónus que devem ser cumpridos pelo apelante que pretende impugnar a matéria de facto, em nenhum momento, nem nas alegações, nem nas conclusões invoca qual o facto ou factos que foram incorrectamente considerados provados pelo tribunal a quo e qual a decisão que o tribunal deveria ter dado. No caso, uma vez que o tribunal a quo apenas considerou a existência de factos provados, não se conformando o apelante com algum deles, deveria ter concretizado quais eram, fundamentar o pedido de alteração e depois pedir que os mesmos fossem considerados não provados ou apenas parcialmente provados, o que não fez.
Mesmo relativamente ao facto provado nº 1 que impugnou mediante a alegação do vício de nulidade de sentença por falta de fundamentação, não indicou qual a decisão que o tribunal deveria ter dado. O apelante refere que deveria ter sido considerada a versão do apelante ou a da apelada, o que não é indicar a decisão que o tribunal deveria ter dado.
Assim, a entender-se, o que temos por duvidoso, que o apelante pretendeu efectivamente impugnar a matéria de facto relativamente ao facto provado nº 1, sempre o recurso teria de ser rejeitado por falta de cumprimento dos ónus impostos pelo artº 640º do CPC.

A recorrente subordinada veio requerer a alteração da matéria, relativamente ao ponto 1 dos factos provados, pretendendo que seja dado como provado que o capital seguro em Agosto de 2015, era no valor de 41.889,94, com base nos documentos nºs 2, 2-A e 3.

Antes de ter interposto o recurso subordinado, a R., notificada da sentença e alegando não lhe assistir o direito de interpor recurso, por o valor em que foi condenada não ser superior à metade da alçada do tribunal, veio alegar a nulidade da sentença e requerer ainda a sua reforma.

Invocou que a decisão de dar como provado que o capital da cobertura de furto do capital do seguro era o de 45.042,95, não estava devidamente fundamentada e ainda em contradição com o que as próprias partes reconheceram.

O Mmo Juiz pronunciou-se sobre a nulidade suscitada pela R., no despacho de fls 329, como já referimos a propósito da nulidade por falta de fundamentação, suscitada pelo apelante principal, referindo o seguinte:

“…não tendo havido, nos articulados da ação, coincidência de posições das partes relativamente ao valor do capital seguro, o tribunal se fundou nas condições particulares da apólice, cujo teor não foi impugnado, juntas a fs 20 e seguintes e 145 e ss. (conforme remissão contida na parte final do facto provado número 1, em crise).
O valor de 45.042,95 consta expressamente das condições particulares juntas por ambas as partes, a fls 21 e fls 145, onde se lê “Capital: 45.042,95”.

Assim, o excerto do facto em apreço encontra-se efectivamente provado por documento.
Assiste, porém, parcial razão à Ré quando mantém que esse valor se reporta à data da última renovação anterior ao alegado sinistro – com efeitos a partir de 06.10.2014 – o que não consta do facto provado número 1 e, consequentemente, incluirá agora, ao abrigo do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea c), do CPC, para evitar qualquer ambiguidade do facto provado em apreço.
Tendo presente o entendimento jurídico seguido pela sentença, afigura-se-nos desnecessário e prematuro operar o cálculo matemático do valor do capital à data do alegado sinistro, de acordo com o critério constante das tabelas da apólice, quando é certo que o montante de 41.889,94, diverge do expresso pelo Autor na sua petição inicial”.

Efectuada a rectificação, inserindo-se no ponto 1 que o valor se reportava à data da 06.10.2014, não se vislumbra qualquer erro de julgamento, por ser esse o seu valor nessa data.
No entanto, é também verdade e nesse aspecto não acompanhamos a decisão recorrida, quando ao pronunciar-se sobre o requerimento da apelada, refere que as partes não estão de acordo quanto ao valor do veículo à data da comunicação do furto. No artº 25º da p.i. o A. alega que o valor da viatura era de 41.889,94 e é esse o valor que pede no pedido que formula, correspondendo esse valor ao da viatura segurada na R.. Por sua vez, a R., na contestação, não impugna o valor alegado no artº 25º e pronunciando-se a propósito do artº 2º da p.i. , alega que o valor do veículo à data da celebração do contrato era de 50.182,54 e de 41.889,94 à data de 29.08.2015 – data do alegado furto (artº 60º da contestação).

Assim, deve também considerar-se admitido por acordo o valor do veículo à data de 29/08/15, pelo que se altera o ponto 1 dos factos provados que passa a ter a seguinte redação(sublinhando-se a alteração introduzida):

1. Entre o Autor e a 1ª Ré “Companhia de Seguros X, S.A.” foi celebrado, a 23.12.2012, o contrato de seguro do ramo automóvel correspondente à apólice n.º …, válido e em vigor à data de 29 e 30 de Agosto de 2015, pelo qual a Ré assumiu:
- a responsabilidade civil por danos provocados a terceiros com a circulação do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula NG, da marca W., modelo Série 5 – Touring Diesel;
- a cobertura de danos próprios, decorrentes de furto ou roubo, incêndio, raio ou explosão, fenómenos da natureza, actos de vandalismo, choque, colisão, capotamento e quebra isolada de vidros, com o capital seguro de € 45.042,95, à data de 06.10.2014 e de 41.889,94, à data de 29.08.2015, e franquia contratual de € 500,00, não aplicável à cobertura de furto ou roubo;
- protecção de ocupantes e condutor, incluindo despesas de tratamento do condutor com o capital seguro, despesas de tratamento de ocupantes e morte ou invalidez permanente (cfr. Condições Particulares da Apólice de seguro juntas a fls. 20 e ss. e 145 e ss.);

Do Direito

Começamos por referir que o Mmo Juiz não olvidou que o contrato celebrado entre o apelante e a W. Renting contemplava a faculdade do primeiro, findo o contrato, adquirir a viatura.

Vejamos o seguinte excerto da matéria de direito, onde tal é mencionado, sublinhando-se as passagens onde é feita referência à faculdade de aquisição da viatura:
“O Autor baseia o primeiro pedido que formulou contra a Ré “X” na presente acção – de condenação a pagar-lhe os montantes contratualmente estabelecidos, no valor de € 41.889,94 correspondente ao valor da viatura segurada, e de € 22.278,56 correspondente ao valor do seguro adicional (entenda-se: complemento de indemnização por perda total) – na ocorrência de furto com perda total do objecto seguro – o veículo automóvel W. 520 D Touring, com a matrícula NG -, de que se apresenta como locatário e utilizador, por via de “Contrato de Aluguer de Longa Duração n.º 216197”, que celebrou com a sociedade comercial W. Renting (Portugal) Lda., pelo período de 54 meses, mediante o pagamento de 54 prestações mensais e com a faculdade de o Autor, no final do prazo do acordo, adquirir o bem mediante o pagamento da quantia de € 20.373,18+IVA, acrescida de IVA à taxa legal em vigor (cfr. artigo 1º da petição inicial).
O contrato denominado de aluguer de longa duração (ALD) é um contrato legalmente atípico com uma estrutura trilateral, que se caracteriza pela realização concertada de três contratos diversos: um contrato de compra e venda; um contrato de aluguer (de longa duração, em média três anos) do bem comprado pelo locador; e uma promessa de venda do bem alugado. Tal como na locação financeira, também no ALD se estabelece um triângulo contratual entre locador, locatário e terceiro vendedor; também o locador se obriga a adquirir um bem a um terceiro, sob indicação do locatário, para depois lhe proporcionar o respectivo gozo (neste sentido, entre outros, Paulo Duarte, in “Algumas Questões sobre ALD”, Estudos de Direito do Consumidor, n.º 3, págs. 302 e 303).
Porém, o locatário não goza, no ALD, de um verdadeiro direito potestativo de aquisição futura (típico do leasing) ( 1 ).
1 Entre outros, vejam-se, a propósito, os seguintes doutos acórdãos: TRL de 24/06/1999, CJ, 1999, III, pg 125; TRL, de 02/07/1998, CJ, 1998, IV, pg 81; TRL, de 28/01/1999, CJ, 1999, T- I, pg 97; e TRL, de 03/12/1998, CJ, 1998, V, Pg 115.

A celebração do primeiro contrato (locação) é independente da celebração do segundo (compra e venda), pois se o locatário incumprir o primeiro contrato (nomeadamente pelo não pagamento atempado das rendas) não estará a incumprir o contrato promessa.
Resulta, por isso, incontroverso que no contrato de ALD o locador adquire o bem, tornando-se seu proprietário, e concede o seu gozo ao locatário durante o prazo estipulado no contrato, correndo por conta deste os riscos de perecimento ou deterioração do objecto locado.
Deste modo, de acordo com a versão apresentada na presente acção pelo Autor, a “W. Renting (Portugal), Ld.ª” permanecia, em Agosto de 2015, proprietária do veículo segurado, dispondo o Autor, enquanto locatário, do direito de gozo do bem, de natureza obrigacional, razão subjacente à outorga da cobertura facultativa do contrato de seguro em apreço, celebrado entre o Autor e a 1ª Ré, no qual as partes outorgantes identificam como credor e locador financeiro a “W. Renting Portugal, Ld.ª”.
A transferência da propriedade para o Autor só ocorreria com a aceitação da proposta irrevogável de venda ou com a celebração do prometido contrato de compra e venda, depois de percorrido o prazo contratual de 54 meses.”

E o Mmo Juiz a quo ao decidir nos termos que constam do segmento transcrito, decidiu bem. O locatário não é o proprietário. Poderá vir a sê-lo o que é totalmente diferente. E na ocasião em que a viatura foi furtada, era a W. que se mantinha proprietária do veículo. A perda do bem locado determina a caducidade do contrato celebrado entre a W. (artº 1.051º alínea e), todos do Código Civil) e o apelante e consequentemente a possibilidade de aquisição da viatura, a qual nuca poderia ser concretizada, por falta de objecto.
Como defende Gravato Morais, in “Contratos de Crédito ao Consumo”, 2007, pág. 57: “O contrato de aluguer de longa duração pode conter uma promessa (unilateral ou bilateral) de venda ou até uma proposta irrevogável de venda inserida na própria locação. Naquele caso, a transferência da propriedade ocorre com a posterior celebração do contrato de compra e venda (na promessa unilateral, depende da vontade do locatário, enquanto que, sendo a promessa bilateral, ambos os contraentes se encontram vinculados à celebração).
Nesta hipótese, tal efeito opera com a simples aceitação do locatário da proposta de venda, considerando-se deste modo realizado o contrato de compra e venda.
O locador, durante o período de vigência do negócio, concede ao outro o gozo temporário de um bem móvel e percebe não só a soma relativa à aquisição, mas ainda o lucro financeiro. No seu termo, o objecto encontra-se integralmente pago, pelo que naturalmente o locatário tem todo o interesse na sua aquisição.
Depois de manifestar essa vontade ao locador, proceder-se-á à venda - só aqui se transferindo a propriedade do bem - por um preço pré-determinado, em regra equivalente ao valor do objecto à data do aluguer de longa duração.
A possibilidade de aquisição da coisa, que se encontra integralmente paga no termo do prazo, está consagrada no art. 3°, al. a), parte final do DL nº359/91.
O negócio está previsto no art. 2°, nº1, al. a), in fine DL.nº.359/91”.


No mesmo sentido, se considerou no acórdão citado na sentença recorrida – Ac. do STJ de 14.05.2009, proferido no processo nº 08P4096, de onde foi retirado o segmento acabado de transcrever e onde se refere que “Mesmo que o contrato de ALD tivesse uma cláusula de opção de compra, nem por isso e, automaticamente, a propriedade seria transferida para o locatário findo o contrato; seria necessário exercitar a opção e celebrar o contrato de compra e venda.”
No caso, o furto do automóvel ocorreu quando o contrato ainda não estava cumprido, pelo que, mesmo que fosse de admitir uma tácita opção de compra contida na vontade negocial, a exercer no final da locação, ainda não teria produzido o seu efeito.
A apelante insurge-se porque o acórdão do STJ citado na sentença recorrida, de 14.05.2009, proferido no proc. nº 08P4096, contempla, em seu entender, uma situação diferente, não estando prevista a opção de compra.
Mas o facto de não estar prevista a opção de compra no contrato em análise no referido acórdão, não se retira do mesmo que caso estivesse, a decisão seria diferente. Pelo contrário, o afirmado no dito acórdão a propósito da não transferência da propriedade por mero efeito automático, e de que o contrato não estava ainda cumprido, pelo que mesmo se considerasse a admissão de uma tácita opção de compra, ainda não teria produzido o seu efeito, como no caso, permite-nos inferir que a decisão seria idêntica.
No sentido de que contendo o contrato de seguro de danos ressalva de direitos de terceiro (como ocorre no caso), o direito a ser indemnizado pelo dano ocorrido no veículo, não pertence ao utilizador do veículo, numa situação paralela à dos autos (não se tratava de um contrato de aluguer de longa duração, mas sim de um contrato de compra e venda com reserva de propriedade do veículo automóvel seguro e constituição de hipoteca a favor da entidade financiadora), o Ac. do TRG de 14.12.2013, proc. 62/12 (relator desembargador Manso Rainho, actualmente ilustre Conselheiro do STJ).
Não assiste assim razão ao apelante. E não lhe assistindo direito a reclamar para si o pagamento da indemnização que reclama, não têm os autos que prosseguir para apuramento da matéria controvertida.

Do recurso subordinado

Defende a recorrente subordinada que não estando demonstrada a perda total (o desaparecimento) do veículo, não se verifica a caducidade do contrato de seguro, na exacta medida em que não se pode afirmar que o A tenha perdido interesse no seguro ou se tenha extinto o risco.
Apurou-se que, após a comunicação pelo tomador do seguro do furto do veículo, o A. pagou ainda o valor total de € 1.317,57 a título de prémios, referentes ao período de vigência do contrato de seguro referido no facto provado número 1, entre 06.10.2015 e 06.10.2016, período posterior à comunicação do furto.
No dia 30 de Agosto de 2015 o A. participou à PSP o furto do veículo e no dia seguinte, comunicou à R. a ocorrência do furto e solicitou-lhe o pagamento dos valores indemnizatórios.
Na sentença recorrida, entendeu-se que o prémio não era devido porque o contrato de seguro caducou, com efeitos a partir da participação operada pelo Autor a 31.08.2015.
E afigura-se-nos que também aqui decidiu bem.
Nos termos do nº 1 do artº 110º do DL 72/2008, de 16/04 (Regime Jurídico do Contrato de Seguro), o contrato de seguro caduca na eventualidade de superveniente perda do interesse ou de extinção do risco e sempre que se verifique o pagamento da totalidade do capital seguro para o período de vigência do contrato sem que se encontre prevista a reposição desse capital. E de acordo com o nº 2 do mesmo preceito legal, entende-se que há extinção do risco, nomeadamente em caso de morte da pessoa segura, de perda total do bem seguro e de cessação da actividade objecto do seguro.
Ora, se o tomador do seguro reporta à Companhia de Seguros que o bem seguro lhe foi furtado e lhe pede o pagamento da indemnização prevista para o caso de furto, independentemente da Companhia aceitar ou não esta declaração como verdadeira, opera-se a caducidade do contrato pela perda do bem seguro.
Deve assim manter-se a condenação da R. no pagamento do prémio indevidamente reclamado e pago, acrescida de juros.


IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação principal e a subordinada, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação principal pelo A.
Custas da apelação subsidiária pela R.
Guimarães, 15 de março de 2018


1. A R. Companhia de Seguros Fidelidade, S.A. interpôs recurso do despacho que rejeitou a intervenção principal provocada da BMW Renting (Portugal), Lda. requerida pela R. Seguradora Unidas, S.A. Desse despacho cabe apelação autónoma (artº 644º, nº 1, alínea a) do CPC) que não foi distribuída a esta relatora.