Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
581/12.6TBPVL-H.G1
Relator: FERNANDA PROENÇA
Descritores: PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
VENDA DE IMÓVEL INTEGRADO NA MASSA INSOLVENTE
RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DO IRS SOBRE MAIS-VALIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Encerrado que se mostra o processo de insolvência, não é o credor garantido que adquiriu um bem imóvel integrado na massa insolvente, o responsável por pagar à AT o imposto (IRS) entretanto liquidado sobre a mais-valia de que o insolvente beneficiou pela venda desse imóvel, efectuada no decurso do processo de insolvência.
II - Estando pendente execução contra a massa insolvente para pagamento de tal quantia, por se tratar de um crédito que pode suscitar dúvidas jurídicas quanto à identidade do onerado com o pagamento, o juiz do processo de insolvência não deve, uma vez encerrado o processo de insolvência no qual tal crédito não foi reclamado sobre a massa nem é reconhecido pelo administrador de insolvência, sobrepor-se à discussão jurídica na sede própria e impedir a discussão da questão, determinando um pagamento que não foi sequer reclamado pela autoridade tributária ao aqui credor/apelante.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório.

No processo de insolvência com o nº 581/12.6TBPVL, pendente no Juízo de Comércio de Guimarães, J3, Comarca de Braga, foi proferido, a 25/06/2020, o seguinte despacho:
“A Autoridade Tributária veio aos presentes autos, apresentou o seguinte requerimento aos autos:
 A 26/12/2012 foi nomeada para as funções de Administradora de Insolvência nos autos de Insolvência supra mencionados, a Dr.ª M. C..
 No decurso da referida insolvência foi alienado em 2013, o imóvel inscrito na matriz predial urbana, da união das freguesias de …, … e …) (…), concelho de Braga, sob o artigo …º, pelo montante de 424.949,46 EUR, tendo a transmissão sido concretizada através da celebração de escritura publica datada de 28/10/2013, realizada no Cartório Notarial de C. R..
 Nos termos do artigo 10º do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (CIRS) constituem mais-valias os ganhos obtidos com a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
 Nesse sentido foi efetuada a liquidação de IRS n.º 2016 ... (declaração Modelo 3 entregue pelo SP, em 01/06/2016) respeitante ao ano de 2013. Não tendo sido efetuada a regularização do IRS liquidado dentro do prazo legal de pagamento, foi instaurado o competente processo de execução fiscal (PEF n.º .........40).
 No âmbito de um processo de insolvência de uma pessoa singular, os bens suscetíveis de penhora são apreendidos, conforme dispõe a alínea g) do n.º 1 do artigo 36º do CIRE, uma vez que se destinam à satisfação dos interesses dos credores da insolvência, denominada massa insolvente.
 A massa insolvente, de acordo com o conceito do n.º 1 do artigo 46º do CIRE, “destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo”.
 Esses bens (apreendidos nos termos do artigo 36º do CIRE) são entregues ao administrador da insolvência, que se assume como um órgão da insolvência sem poderes de representação do insolvente que seja pessoa singular, contrariamente ao que sucede relativamente às pessoas coletivas (n.º 4 do artigo 81º do CIRE), mas é quem pode exercer poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente (n.º 1 do artigo 81º do CIRE).
 Conforme se defende no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 01410/16, de 2017-05-31, "(...) a massa insolvente tem autonomia patrimonial, que existe quando se está perante uma «certa massa de bens afetada ao pagamento de um conjunto próprio de dívidas», mas não constitui uma pessoa (singular ou coletiva), um novo ente, distinto daquele a quem o património autónomo continua a pertencer. (...)’
 Ou seja, embora expurgado dos seus bens, o insolvente, enquanto pessoa singular dotada personalidade tributária, não está impedido de obter rendimentos, nomeadamente os necessários à sua subsistência.
 Na verdade, o AI assume por efeito da lei a representação do devedor para todos os efeitos de caráter patrimonial que interessem à insolvência, estipulando o artigo 51º do CIRE, “que são dívidas da massa insolvente as ocasionadas pelos atos de administração, liquidação e partilha ou atuação do AI, no exercício das suas funções”.
 O ganho obtido pela venda de bens imóveis, ainda que esta se faça em processo de insolvência e o respetivo produto fique afeto à satisfação dos credores da insolvência, não deixa de ser um rendimento obtido pelo insolvente, e como tal, está obrigado a declará-lo, (Obrigação declarativa), por outro lado a exigibilidade do imposto incumbe à massa insolvente, (Obrigação de pagamento), é também neste sentido que diversa jurisprudência se pronuncia, (veja-se a titulo de exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 01410/16, data do Acórdão 2017-05-31, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 8729/12.4BVNG-G.P1).
 No caso em apreço, o Sujeito Passivo insolvente cumpriu com a obrigação prevista no n.º 1 do artigo 57º do CIRS, tendo entregue (apesar de fora de prazo) a Declaração Modelo 3 de IRS em 01/06/2016, dando origem à liquidação de IRS n.º 2016 ....
 Estando o imóvel afeto ao património particular do sujeito passivo insolvente, o rendimento obtido com a sua venda, concorre para a determinação da matéria coletável em sede de IRS, e sendo o valor da venda superior ao valor pelo qual imóvel foi adquirido, constitui-se um rendimento sujeito a IRS, enquadrável no conceito de mais valia, nos termos do artigo 10º do CIRS.
 E assim sucedeu, dando o Administrador de Insolvência cumprimento ao estipulado no artigo 158º do CIRE, vendendo o bem apreendido para a massa insolvente, e, gerando por essa via, dívidas emergentes de atos de liquidação da massa insolvente (alínea c) do n.º 1 do artigo 51º do CIRE).
 Conforme dispõe o n.º 1 e n.º 3 do artigo 172º do CIRE: “1 - Antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, o administrador da insolvência deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo.
 O pagamento das dívidas da massa insolvente tem lugar nas datas dos respetivos vencimentos, qualquer que seja o estado do processo.”
 Assim e face ao exposto supra, é entendimento da Autoridade Tributária (AT) que a regularização das dívidas identificadas (PEF n.ºs .........40), assim como as que, entretanto, se tenham vencido ou venham a vencer, e que sejam imputáveis à massa insolvente nos termos do artigo 51º do CIRE, são da responsabilidade da massa insolvente.

Respondeu o credor Banco ..., SA que:
 Conforme os tribunais têm decidido, se no decurso da liquidação dos bens que integram a massa insolvente de uma pessoa singular, forem alienados bens por valor superior àquele pelo qual tinham sido adquiridos pelo insolvente, o imposto devido pela mais-valia gerada por essa alienação é uma dívida da massa insolvente, nos termos do art. 51º, n.º1, c) do CIRE.
 Contudo, a Autoridade Tributária não reclamou o tributo em causa, nem o mesmo foi pago pela massa insolvente, no decurso do processo de insolvência, como o impunha o disposto nos artigos 172º, n.º3, e 232º, n.º3, do CIRE, o qual já se encontra encerrado.
 No caso concreto, o encerramento do processo foi decretado após a realização do rateio final, nos termos do artigo 230º, n.º 1, alínea a), e com os efeitos do artigo 233º, n.º 1, alíneas a) a d), todos do CIRE, conforme douto despacho datado de 26-06-2015, com a ref.ª1411106816.
 O douto despacho de encerramento não foi posto em crise e transitou em julgado.
 Ora, segundo o disposto no artigo 233º, n.º1, d), do CIRE, encerrado o processo de insolvência, os credores da massa insolvente podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos.
 Desta disposição decorre que se as dívidas da massa não tiverem sido satisfeitas no processo de insolvência, o respectivo credor pode, depois do encerramento do processo de insolvência após o rateio final, exigir do devedor que deixou de estar insolvente o seu pagamento.
 Assim, a Autoridade Tributária agiu bem ao liquidar e exigir o pagamento do tributo à Devedora C. B..
 No sentido supra exposto, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 11-04-2018, rel. ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA, proc. 521/14.8T8OAZ.P1, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário infra se transcreve dada a similitude fáctica e legal com o caso sub iudice:
I - Encerrado o processo de insolvência após o rateio final não é possível reabrir a instância do processo de insolvência para praticar de novo quaisquer actos que contendam com a reclamação de créditos, a sua verificação e graduação, a sua inclusão no plano e mapa de rateios e o seu pagamento pelo administrador de insolvência.
II – A qualificação dos créditos como créditos sobre a insolvência e créditos sobre a massa insolvente não decorre de diferenças ao nível da titularidade da relação creditícia e serve para assegurar que primeiramente se paguem as dívidas relativas a actos sem os quais a própria liquidação não teria lugar e que redundam afinal em proveito comum dos credores.
III - O CIRE não é fonte jurídica material de novas obrigações alheias ao devedor, nem interfere materialmente com a estrutura das obrigações creditícias cuja liquidação se vai fazer no processo de insolvência.
IV - Nos termos do art.º 233.º, 1, a), do CIRE, após o encerramento do processo os credores da massa podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos; isso é assim porque as dívidas geradas pela liquidação do activo, independentemente da sua qualificação como dívidas da massa, continuam a ser na sua estrutura jurídica dívidas da responsabilidade do insolvente.
V - Através da exoneração do passivo restante, o devedor é liberado dos créditos sobre a insolvência, não dos créditos sobre a massa e, em caso algum, dos créditos tributários.
 Conclui-se, pois, que o Credor Reclamante, ora expoente, ou a massa insolvente (inexistente), não deve pagar o montante solicitado pelo Administrador de Insolvência, a título de imposto devido pela mais-valia gerada pela alienação, porquanto, além de já não existir massa insolvente, a responsabilidade pelo seu pagamento incumbe, agora, à Devedora C. B., nos termos do disposto no artigo 233º, n.º1, d), do CIRE.

A insolvente também respondeu nos seguintes termos:
 C. B., insolvente/devedora, nos autos de processo à margem referido e aí melhor identificada, tendo sido notificada do Douto Despacho proferido, com a Ref.ª CITIUS 164788891, vem apresentar o seu contraditório, o que faz, nos termos e com os fundamentos seguintes:
 A dívida gerada pelo apuramento das mais-valias é uma dívida da massa insolvente e não do insolvente/devedor.
 Com efeito, quando, no decurso da liquidação dos bens que integram a massa insolvente de uma pessoa singular, o administrador da insolvência procede à alienação de bens por valor superior àquele pelo qual tinham sido adquiridos pelo insolvente, o imposto devido pela mais-valia gerada por essa alienação (art.º 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS) é uma dívida da massa insolvente (art.º 51.º, n.º 1, alínea c) do CIRE).
 No caso concreto, tal mais-valia só foi apurada pela Administração Tributária (AT), no ano de 2016, já depois de o processo de insolvência ter sido encerrado e após o rateio final.
 Todavia, tal facto, não pode fazer incidir sobre a Insolvente/Devedora a obrigação de proceder ao pagamento do imposto respectivo, pois que, em bom rigor, não foi a Insolvente/Devedora que procedeu à venda do imóvel ou ficou para si com o lucro de tal venda.
 Note-se que, em 2013, ano em que deveria ter sido apurada a referida mais- valia pela AT (ano em que o processo de insolvência estaria ainda em curso), a Insolvente/Devedora estava dispensada, nos termos legais, de apresentar a sua declaração de IRS, por não ter tido quaisquer rendimentos.
 Por outro lado, como bem refere o AI, o credor hipotecário beneficiou do rateio do valor depositado como caução da venda do imóvel, e o credor adjudicatário com dispensa de depósito parcial do preço, sem prejuízo da quantia entregue como caução ser insuficiente.
 Ora, tratando-se, como se trata, da venda de um imóvel pertencente à massa insolvente, tendo sido efectuada a sua liquidação que foi geradora de uma mais-valia, o pagamento do imposto apurado, há-de pertencer e ser da responsabilidade da massa insolvente e não da Insolvente/Devedora,
 pois que se estaria perante uma situação de flagrante injustiça, uma vez que, a Insolvente/Devedora não deu causa a tal facto, nem teve qualquer responsabilidade na circunstância de a AT, só em 2016, ter apurado a referida liquidação.
 Não fosse o atraso da AT, e tal tributo haveria de ser sempre liquidado pela massa insolvente e nunca pela Insolvente,
 razão, pela qual, entende a Insolvente/Devedora que não lhe podem ser imputadas quaisquer responsabilidades a esse título, muito menos, lhe pode ser imputado o pagamento das mais-valias originadas em virtude da venda do imóvel apreendido.
 A Insolvente/Devedora não obteve qualquer rendimento com a alienação do imóvel, pelo que não deverá ser responsabilizada pelo pagamento de uma mais-valia que nunca ingressou no seu património.
 Assim, inexistindo massa insolvente, em virtude do encerramento do processo de insolvência, deve o pagamento do referido imposto ser efectuado por quem, na venda, obteve o respectivo rendimento, o que se invoca e requer com todas as legais consequências.

Cumpre decidir:
Sopesadas as posições das partes e tendo presente que os autos já se mostram encerrados há mais de 4 anos, somos a concordar, com a posição da insolvente, relativamente à responsabilidade no aludido pagamento. Isto porque seria em 2013, que deveria ter sido apurada a referida mais- valia pela AT (ano em que o processo de insolvência estaria ainda em curso).
Tendo sido nesse ano, dúvidas algumas teríamos, quanto à responsabilidade da massa insolvente nesse pagamento.
Contudo, neste momento, já não existe massa insolvente e o credor hipotecário beneficiou do rateio do valor depositado como caução da venda do imóvel, e o credor adjudicatário com dispensa de depósito parcial do preço, sem prejuízo da quantia entregue como caução ser insuficiente.
Assim tratando-se, como se trata, da venda de um imóvel pertencente à massa insolvente, tendo sido efectuada a sua liquidação que foi geradora de uma mais-valia, o pagamento do imposto apurado, há-de pertencer e ser da responsabilidade da massa insolvente e não da Insolvente/Devedora,
Efectivamente a Insolvente/Devedora não deu causa a tal facto, nem teve qualquer responsabilidade na circunstância de a AT, só em 2016, ter apurado a referida liquidação, pelo que se não fosse o atraso da AT, tal tributo haveria de ser sempre liquidado pela massa insolvente e nunca pela Insolvente.
Desta forma inexistindo massa insolvente, em virtude do encerramento do processo de insolvência, deve o pagamento do referido imposto ser efectuado por quem, na venda, obteve o respectivo rendimento, quer por via da dispensa do depósito do preço. Tal como o seria responsável, caso as custas excedessem a caução depositada, no que seria notificado para proceder a reforço atempado.
Deverá assim ser notificada a Autoridade Tributária do nosso entendimento, bem como o credor adjudicário, para proceder, quando notificado, ao respectivo pagamento.
Guimarães, 27 de julho de 2020
(desde 13.7 em ferias pessoais; 27.6 e 4, 11, 18 e 25.7 sábados).”
*
Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o credor reclamante Banco ... S.A., o qual, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões:
“Conclusões:

I. O presente recurso vem interposto do douto despacho de 27-07-2020 que decidiu que o Credor Reclamante, ora Recorrente, deve, enquanto credor adjudicatário, pagar à Administração Tributária (AT) a quantia de € 22 825.12, correspondente ao imposto (IRS) liquidado em 2016 sobre a mais-valia de que a Insolvente beneficiou pela venda de imóvel efetuada em 2013 no processo de insolvência ora findo.
II. A questão fundamental de direito aqui em apreço está em saber se encerrado o processo de insolvência o credor garantido que adquiriu um bem imóvel integrado na massa insolvente deve, por já não existir massa insolvente, pagar à AT o imposto (IRS) entretanto liquidado sobre a mais-valia de que o insolvente beneficiou pela venda do imóvel efetuada no decurso do processo de insolvência.
III. Em resumo, o Tribunal a quo decidiu que, estando encerrado o processo de insolvência e inexistindo massa insolvente, o credor adjudicatário do bem imóvel vendido no processo de insolvência deve pagar à AT o imposto liquidado, em 2016, pela mais-valia obtida pela Devedora/Insolvente com tal venda, uma vez que (i) foi o credor adjudicatário que obteve o rendimento com a venda por via da dispensa do depósito do preço, (ii) a Insolvente/Devedora não deu causa a tal facto, (iii) nem teve qualquer responsabilidade na circunstância de a AT, só em 2016, ter apurado a referida liquidação, sendo que se não fosse o atraso da AT, tal tributo haveria de ser sempre liquidado pela massa insolvente e nunca pela Insolvente.
IV. Tal decisão faz incorrecta interpretação dos factos e viola as normas de direito aplicáveis.
V. Em primeiro lugar, a AT não pode ser considerada credora da massa insolvente do presente processo encerrado no ano de 2015, porquanto o seu crédito é de constituição posterior, pois resultou de uma liquidação emitida pela AT e não paga pela Devedora/Insolvente em 2016, ainda que referente ao IRS de 2013.
VI. Não sendo dívida da massa insolvente, como não é, a responsável pelo pagamento do tributo liquidado pela AT é a Devedora/Insolvente, e não o Banco Recorrente.
VII. Em segundo lugar, mesmo que se entenda, ao contrário do acima expendido, que a dívida tributária em questão é uma dívida da massa insolvente, ainda assim, o Banco Recorrente não é responsável pelo seu pagamento uma vez que a AT não reclamou o tributo em causa no decurso do processo de insolvência, como o impunha o disposto nos artigos 172º, n.º3, e 232º, n.º3, do CIRE, o qual já se encontra encerrado.
VIII. Segundo o disposto no artigo 233º, n.º1, d), do CIRE, encerrado o processo de insolvência, os credores da massa insolvente podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos.
IX. Desta disposição decorre que se as dívidas da massa não tiverem sido satisfeitas no processo de insolvência, o respectivo credor pode, depois do encerramento do processo de insolvência após o rateio final, exigir do devedor que deixou de estar insolvente o seu pagamento.
X. No sentido supra exposto, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 11-04-2018, segundo o qual “Encerrado o processo de insolvência após o rateio final não é possível reabrir a instância do processo de insolvência para praticar de novo quaisquer actos que contendam com a reclamação de créditos, a sua verificação e graduação, a sua inclusão no plano e mapa de rateios e o seu pagamento pelo administrador de insolvência”.
XI. Inexiste título, lei ou causa que permita imputar ao Banco Recorrente a responsabilidade pelo pagamento do tributo, após o encerramento do processo de insolvência, pois que: O Banco Recorrente não é sujeito passivo do imposto; O Banco Recorrente não é responsável pelos prejuízos/danos decorrentes de apresentação tardia da declaração de IRS de 2013; e não existe massa insolvente nem processo de insolvência em curso.
XII. O Banco Recorrente, ou a massa insolvente (inexistente), não deve pagar o montante solicitado pela AT, a título de imposto devido pela mais-valia gerada pela alienação no processo de insolvência, porquanto, além de já não existir massa insolvente, a responsabilidade pelo seu pagamento incumbe, agora, à Devedora C. B., nos termos do disposto no artigo 233º, n.º1, d), do CIRE.
XIII. O despacho recorrido procedeu a uma incorreta interpretação da norma contida no artigo 233º, n.º1, d), do CIRE, violando a mesma, pois o que da mesma decorre, não é o que foi decidido pelo Tribunal a quo, mas sim que encerrado o processo os credores da massa podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos.

Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso de apelação e, por consequência, ser revogado o despacho recorrido, e substituído por outro que declare a Devedora/Insolvente como responsável pelo pagamento do tributo em dívida.
Farão, como sempre, inteira e sã Justiça!”.
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Contra-alegou o Ministério Público, pugnando pela manutenção da decisão.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, e com efeito suspensivo (porque prestada caução).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber se encerrado o processo de insolvência, o credor garantido que adquiriu um bem imóvel integrado na massa insolvente deve, por já não existir massa insolvente, pagar à AT o imposto (IRS) entretanto liquidado sobre a mais-valia de que o insolvente beneficiou pela venda desse imóvel efectuada no decurso do processo de insolvência, ou se essa responsabilidade recai sobre o próprio insolvente.
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III. Fundamentação de facto.

Os factos provados são os que resultam já do relatório do presente acórdão.

Mais há a considerar o seguinte, resultante da consulta electrónica dos autos:
- No seguimento da declaração de insolvência da devedora C. B., foi apreendido a favor da massa insolvente o seguinte bem imóvel:
- Prédio urbano, composto por casa de habitação de cave, rés-do-chão, andar e logradouro, tipo T-3, sito na Av. da ..., n.º ..., freguesia de … (...), concelho de Braga, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Braga sob o n.º …, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ...º.
- Em sede de Assembleia de Credores foi decidido o prosseguimento dos autos para liquidação do activo, designadamente, a venda do imóvel apreendido, o qual foi adjudicado ao credor hipotecário Banco ..., S.A., pelo montante de 424.949,46 €, sendo que, o credor hipotecário depositou caução no valor de 50.000,00 € para suportar as dívidas da massa insolvente, tendo sido dispensado do depósito do remanescente do preço, com a escritura de compra e venda a ser outorgada em 28/10/2013.
- O encerramento do processo foi decretado após a realização do rateio final, por despacho datado de 23-06-2015, o qual não foi objecto de recurso.
- A insolvente não procedeu à entrega da declaração de rendimentos do ano de 2013, a ser submetida em 2014, não tendo declarado a venda do bem imóvel efectuada no processo de insolvência.
- Veio a fazê-lo em 2016.
- Da Demonstração de Liquidação de IRS do ano de 2013, apurada no ano de 2016, consta um IRS a pagar de 22.825,12 €, que deriva exclusivamente da mais-valia resultante da venda do imóvel apreendido e vendido no processo de insolvência.
- Por requerimento junto aos autos a 03/07/2019, veio a Sra. Administradora da Insolvência requerer o seguinte:
“No seguimento da declaração de insolvência da devedora, foi apreendido a favor da massa insolvente o seguinte bem imóvel:
- Prédio urbano, composto por casa de habitação de cave, rés-do-chão, andar e logradouro, tipo T-3, sito na Av. da ..., n.º ..., freguesia de … (...), concelho de Braga, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Braga sob o n.º .., inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ...º.
Com efeito, em sede de Assembleia de Credores foi decidido o prosseguimento dos autos para liquidação do ativo, designadamente, a venda do imóvel apreendido, o qual foi adjudicado ao credor hipotecário Banco ..., S.A., pelo montante de 424.949,46 €, sendo que, o credor hipotecário depositou caução no valor de 50.000,00 € para suportar as dívidas da massa insolvente, tendo sido dispensado do depósito do remanescente do preço, com a escritura de compra e venda a ser outorgada em 28/10/2013. (Doc. 1)
Sucede que, a devedora veio dar conhecimento à AI da Demonstração de Liquidação de IRS do ano de 2013, apurada no ano de 2016, devido à devedora, atenta a ausência de rendimentos, não ter procedido à entrega da declaração de rendimentos do ano de 2013, a ser submetida em 2014, e consequentemente não ter declarado a venda do bem imóvel efetuada no processo de insolvência.
Ora, da referida demonstração de liquidação de IRS do ano de 2013, consta um IRS a pagar de 22.825,12 €, que a AI apurou derivar exclusivamente da mais-valia derivada da venda do imóvel apreendido e vendido no processo de insolvência, uma vez que, de acordo com a declaração de rendimentos são os únicos rendimentos imputados a esse ano. (Docs. 2 e 3).
Assim, atendendo a que se entende que tal IRS a pagar corresponde a uma dívida da massa insolvente, por derivar da liquidação da massa insolvente, concretamente da venda do imóvel apreendido, deveria ter sido regularizada juntamente com as demais, mas que não o foi devido aos motivos explanados, ou seja, ter sido apurada pela AT em 2016, por não ter sido declarada pela Insolvente aquando da submissão da declaração de rendimentos de 2013, altura em que o processo de insolvência se encontrava encerrado após a realização do rateio final, que ocorreu em Junho do ano de 2015.
De acordo, a AI deu conhecimento dessa situação ao credor hipotecário para se pronunciar sobre a mesma e sobre a intenção de restituir à massa insolvente o valor para regularização do IRS a pagar derivado da referida mais-valia, atendendo a ter sido o beneficiário do rateio do valor depositado como caução da venda do imóvel, e o credor adjudicatário com dispensa de depósito parcial do preço, sem prejuízo da quantia entrega como caução sem insuficiente.
Sucede que, apesar de inicialmente ter solicitado a indicação do IBAN da conta da massa insolvente para onde o Banco ..., S.A. deveria transferir o montante em questão, ou seja, o IRS a pagar e correspondentes juros, numa fase posterior veio transmitir que o Banco ... não ia proceder ao pagamento do valor referente à mais-valia da venda do imóvel, por considerar que tal pagamento é da responsabilidade da devedora, dado o processo ter sido encerrado e já não existir massa insolvente.
Face ao exposto, requer a V/ Exa., se digne aclarar se deve o credor hipotecário proceder à restituição para a conta da massa insolvente ou regularização da quantia referente ao IRS a pagar e correspondentes juros derivados da mais-valia associada à venda do imóvel apreendido nos presentes autos.
À consideração de V/ Exa.,
Pede Deferimento
- Por despacho de 09/07/2019 foi determinada a audição do credor hipotecário sobre o requerido.
- Veio este a 18/07/2019 dizer o seguinte:
1. Conforme os tribunais têm decidido, se no decurso da liquidação dos bens que integram a massa insolvente de uma pessoa singular, forem alienados bens por valor superior àquele pelo qual tinham sido adquiridos pelo insolvente, o imposto devido pela mais-valia gerada por essa alienação é uma dívida da massa insolvente, nos termos do art. 51º, n.º1, c) do CIRE.
2. Contudo, a Autoridade Tributária não reclamou o tributo em causa, nem o mesmo foi pago pela massa insolvente, no decurso do processo de insolvência, como o impunha o disposto nos artigos 172º, n.º3, e 232º, n.º3, do CIRE, o qual já se encontra encerrado.
3. No caso concreto, o encerramento do processo foi decretado após a realização do rateio final, nos termos do artigo 230º, n.º 1, alínea a), e com os efeitos do artigo 233º, n.º 1, alíneas a) a d), todos do CIRE, conforme douto despacho datado de 26-06-2015, com a ref.ª 1411106816.
4. O douto despacho de encerramento não foi posto em crise e transitou em julgado.
5. Ora, segundo o disposto no artigo 233º, n.º1, d), do CIRE, encerrado o processo de insolvência, os credores da massa insolvente podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos.
6. Desta disposição decorre que se as dívidas da massa não tiverem sido satisfeitas no processo de insolvência, o respectivo credor pode, depois do encerramento do processo de insolvência após o rateio final, exigir do devedor que deixou de estar insolvente o seu pagamento.
7. Assim, a Autoridade Tributária agiu bem ao liquidar e exigir o pagamento do tributo à Devedora C. B..
8. No sentido supra exposto, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 11-04-2018, rel. ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA, proc. 521/14.8T8OAZ.P1, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário infra se transcreve dada a similitude fáctica e legal com o caso sub iudice:
I - Encerrado o processo de insolvência após o rateio final não é possível reabrir a instância do processo de insolvência para praticar de novo quaisquer actos que contendam com a reclamação de créditos, a sua verificação e graduação, a sua inclusão no plano e mapa de rateios e o seu pagamento pelo administrador de insolvência.
II – A qualificação dos créditos como créditos sobre a insolvência e créditos sobre a massa insolvente não decorre de diferenças ao nível da titularidade da relação creditícia e serve para assegurar que primeiramente se paguem as dívidas relativas a actos sem os quais a própria liquidação não teria lugar e que redundam afinal em proveito comum dos credores.
III - O CIRE não é fonte jurídica material de novas obrigações alheias ao devedor, nem interfere materialmente com a estrutura das obrigações creditícias cuja liquidação se vai fazer no processo de insolvência.
IV - Nos termos do art.º 233.º, 1, a), do CIRE, após o encerramento do processo os credores da massa podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos; isso é assim porque as dívidas geradas pela liquidação do activo, independentemente da sua qualificação como dívidas da massa, continuam a ser na sua estrutura jurídica dívidas da responsabilidade do insolvente.
V - Através da exoneração do passivo restante, o devedor é liberado dos créditos sobre a insolvência, não dos créditos sobre a massa e, em caso algum, dos créditos tributários.
9. Conclui-se, pois, que o Credor Reclamante, ora expoente, ou a massa insolvente (inexistente), não deve pagar o montante solicitado pelo Administrador de Insolvência, a título de imposto devido pela mais-valia gerada pela alienação, porquanto, além de já não existir massa insolvente, a responsabilidade pelo seu pagamento incumbe, agora, à Devedora C. B., nos termos do disposto no artigo 233º, n.º1, d), do CIRE.”.
- Por despacho de 16/09/2019, foi dado o contraditório à insolvente e à Sra. A.I.
- A 27/09/2019, veio a insolvente pronunciar-se nos seguintes termos:
1. A dívida gerada pelo apuramento das mais-valias é uma dívida da massa insolvente e não do insolvente/devedor.
2. Com efeito, quando, no decurso da liquidação dos bens que integram a massa insolvente de uma pessoa singular, o administrador da insolvência procede à alienação de bens por valor superior àquele pelo qual tinham sido adquiridos pelo insolvente, o imposto devido pela mais-valia gerada por essa alienação (art.º 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS) é uma dívida da massa insolvente (art.º 51.º, n.º 1, alínea c) do CIRE).
3. No caso concreto, tal mais-valia só foi apurada pela Administração Tributária (AT), no ano de 2016, já depois de o processo de insolvência ter sido encerrado e após o rateio final.
4. Todavia, tal facto, não pode fazer incidir sobre a Insolvente/Devedora a obrigação de proceder ao pagamento do imposto respectivo, pois que, em bom rigor, não foi a Insolvente/Devedora que procedeu à venda do imóvel ou ficou para si com o lucro de tal venda.
5. Note-se que, em 2013, ano em que deveria ter sido apurada a referida mais-valia pela AT (ano em que o processo de insolvência estaria ainda em curso), a Insolvente/Devedora estava dispensada, nos termos legais, de apresentar a sua declaração de IRS, por não ter tido quaisquer rendimentos.
6. Por outro lado, como bem refere o AI, o credor hipotecário beneficiou do rateio do valor depositado como caução da venda do imóvel, e o credor adjudicatário com dispensa de depósito parcial do preço, sem prejuízo da quantia entregue como caução ser insuficiente.
7. Ora, tratando-se, como se trata, da venda de um imóvel pertencente à massa insolvente, tendo sido efectuada a sua liquidação que foi geradora de uma mais-valia, o pagamento do imposto apurado, há-de pertencer e ser da responsabilidade da massa insolvente e não da Insolvente/Devedora,
8. pois que se estaria perante uma situação de flagrante injustiça, uma vez que, a Insolvente/Devedora não deu causa a tal facto, nem teve qualquer responsabilidade na circunstância de a AT, só em 2016, ter apurado a referida liquidação.
9. Não fosse o atraso da AT, e tal tributo haveria de ser sempre liquidado pela massa insolvente e nunca pela Insolvente,
10. razão, pela qual, entende a Insolvente/Devedora que não lhe podem ser imputadas quaisquer responsabilidades a esse título, muito menos, lhe pode ser imputado o pagamento das mais-valias originadas em virtude da venda do imóvel apreendido.
11. A Insolvente/Devedora não obteve qualquer rendimento com o alienação do imóvel, pelo que não deverá ser responsabilizada pelo pagamento de uma mais-valia que nunca ingressou no seu património.
12. Assim, inexistindo massa insolvente, em virtude do encerramento do processo de insolvência, deve o pagamento do referido imposto ser efectuado por quem, na venda, obteve o respectivo rendimento, o que se invoca e requer com todas as legais consequências.”
- Por despacho de 22/10/2019, foi determinada a abertura de vista ao Ministério Público.
- Em vista aberta em 25.10.2019, veio o Ministério Público promover a remessa de cópias dos requerimentos de 03 de Julho, 18 de Julho, 14 de Agosto e 27 de Setembro de 2019, à Autoridade Tributária para se pronunciar (sendo que o requerimento de 14 de Agosto é de mera junção de substabelecimento).
- Por despacho de 30/10/2019, foi determinado o que se promoveu.
- A 12/11/2019, a autoridade tributária, no exercício do contraditório que lhe foi concedido, veio pronunciar-se nos termos constantes do relatório da decisão recorrida (que considerou este requerimento da autoridade tributária como sendo o que deu início ao incidente agora em causa).
- Por despacho de 13/11/2019, foi determinado que fosse dado conhecimento à Sra. Fiduciária do teor da pronúncia da autoridade tributária.
- A 21/11/2019, veio a Sra. AI dizer:
Vem muito respeitosamente Expor a V/ Exa. o que se segue,
Que atendendo ao teor do requerimento apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e considerando a AI que no mesmo não se pronuncia sobre todas as questões que constam no requerimento da AI datado de 3 de Julho de 2019, entende a AI, que deverá ser notificada a Autoridade Tributária e Aduaneira para complementar o requerimento que antecede em função do relatado no referido requerimento da AI.
À consideração de V/ Exa.,
Pede Deferimento
- Por despacho de 02/12/2019, foi determinada a notificação da autoridade Tributária nos termos requeridos.
- A 16/03/2020 vem a autoridade tributária dizer:
Com base numa certidão de dívida proveniente de IRS do ano de 2013, foi instaurado o processo executivo nº 035320161132440, no valor de 22.825,12 €, a que acrescem juros de mora e custas processuais, resultante de uma mais valia correspondente à venda do imóvel da insolvente C. B., NIF ………, no âmbito do processo supra mencionado.
Considerando ser da responsabilidade da massa insolvente o pagamento do imposto gerado por essa mais valia, por força da al. c) do nº 1 do art.º 51º do CIRE (vide acórdão nº 8729/12.4TBVNG-G.P1 do Tribunal da Relação do Porto, de 02-07-2015), através de exposição remetida a esse Tribunal Judicial pela Srª administradora de insolvência – M. C., de cujo teor se junta cópia, foi solicitada informação no sentido de “aclarar se deve o credor hipotecário proceder à restituição para a conta da massa insolvente ou regularização da quantia referente ao IRS a pagar e correspondentes juros derivados da mais-valia associada à venda do imóvel apreendido nos presentes autos”
Face ao exposto solicito se digne informar este Serviço de Finanças se lavrada qualquer sentença tendo em vista o depósito de qualquer quantia para pagamento do referido processo executivo, ou se eventualmente é entendimento desse Tribunal que o pagamento do referido IRS não é da responsabilidade da massa insolvente”.
- Por despacho de 28/04/2020, determinou-se a audição da Sra. AI e dos credores sobre o requerimento antecedente.
- A 08/05/2020, veio o credor Banco ..., S.A. dizer:
“BANCO ..., S.A., credor reclamante nos autos à margem referenciados, tendo sido notificado para o efeito, por douto despacho de fls. do processo, datado de 28-04-2020, vem reiterar a posição manifestada por si no requerimento enviado aos autos no dia 18-07-2019, com a referência citius 33035559, cujo teor se dá por reproduzido, na íntegra, para os devidos efeitos legais.
Nestes termos, requer-se a V. Exa. se digne declarar que o Banco ..., S.A., ora expoente, ou a massa insolvente (inexistente), não deve pagar o montante solicitado pelo Administrador de Insolvência, a título de imposto devido pela mais-valia gerada pela alienação do imóvel em causa, porquanto, além de já não existir massa insolvente, a responsabilidade pelo seu pagamento incumbe, agora, à Devedora C. B., nos termos do disposto no artigo 233º, n.º1, d), do CIRE.”
- Por despacho de 03/06/2020, foi determinado o seguinte:
Visto o requerimento que antecede e entendendo este Tribunal que não é tributável a mais valia gerada por alienações no âmbito do processo de insolvência, ouça-se a senhora A.I.”
- A 17/06/2020, veio a Sra. AI dizer:
Que atendendo a que o entendimento do Venerando Tribunal difere do apresentado pela AI no requerimento datado de 3 de Julho de 2019, e ao que a AI apurou do comunicado aos autos pela AT, a AI é do entendimento, e salvo melhor opinião em contrário, que o entendimento do Venerando Tribunal a que alude o doudo despacho datado de 03-06-2020, deverá ser comunicado à AT para efeito de anulação do IRS derivado da mais valia em IRS, ou para os fins tidos por conveninetes.
À consideração de V/ Exa.,
Pede Deferimento”.
- A 27/07/2020, foi proferido o despacho recorrido.
*
IV. Fundamentação de direito.

Delimitada que está, sob o n.º II, a questão essencial a decidir, é o momento de a apreciar.
Pese embora o Tribunal a quo tenha partido do princípio que a questão discutida foi levantada pela autoridade tributária, com o requerimento que transcreveu no início da decisão recorrida, o facto é que, como resulta da factualidade acima expendida, tal questão foi suscitada através de um requerimento dirigido aos autos pela Sra. AI., muito anterior ao requerimento da autoridade tributária, que apenas veio pronunciar-se sobre a questão suscitada, depois de para isso ter sido notificada pelo Tribunal.
Aliás, por tal requerimento da autoridade tributária, não é solicitada ao Tribunal qualquer decisão, apenas sendo aí demonstrada a posição daquela face à questão colocada pela Sra. AI.
E a questão colocada pela Sra. AI era a de saber se deve o credor hipotecário proceder à restituição para a conta da massa insolvente ou regularização da quantia referente ao IRS a pagar e correspondentes juros derivados da mais-valia associada à venda do imóvel apreendido nos presentes autos. Sendo que a diversidade de entendimentos, resulta das posições assumidas quer por esta, quer pela autoridade tributária, quer pela insolvente, quer pelo credor, ora apelante.
Ora, pese embora o acima apontado lapso do tribunal a quo, o facto é que a decisão proferida e ora apelada, acabou por conhecer da questão inicialmente colocada pela Sra. AI, entendendo caber ao credor, ora apelante, a responsabilidade pelo pagamento da quantia de IRS resultante da mais valia associada à venda do imóvel apreendido nos presentes autos.
Vejamos então se, encerrado que se mostra o processo de insolvência, o credor garantido que adquiriu um bem imóvel integrado na massa insolvente deve, por já não existir massa insolvente, pagar à AT o imposto (IRS) entretanto liquidado sobre a mais-valia de que o insolvente beneficiou pela venda do imóvel efectuada no decurso do processo de insolvência, ou se essa responsabilidade recai sobre o próprio insolvente.
Discute-se assim, qual o tratamento a dar à responsabilidade tributária pelas mais-valias geradas por uma venda de um bem imóvel do devedor, realizada no respectivo processo de insolvência pelo administrador de insolvência, concretamente se o imposto (no caso, o IRS porque a insolvente é uma pessoa singular) sobre essa mais-valia é da responsabilidade da massa insolvente, da responsabilidade do insolvente, ou do credor garantido que adquiriu o bem imóvel integrado na massa insolvente.
Dispõe a al. c) do n° 1 do art. 51° do C.I.R.E., que, “salvo preceito expresso em contrário, são dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código”, “as dívidas emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente”.
Por outro lado, parece ser incontroverso que o imposto de mais valias gerado pela alienação dum bem integrante da massa insolvente, levada a cabo pelo Administrador da Insolvência, por valor superior àquele pelo qual o mesmo bem tinha sido adquirido pelo insolvente, tem por única fonte um acto de liquidação da massa insolvente.
Da norma supra-citada resulta assim que o imposto sobre as mais valias será uma dívida da massa insolvente.
Nos termos do n.º 1 do artigo 46.º do C.I.R.E. a massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas.
E o n.º 1 do artigo 172.º estabelece o regime de pagamento das dívidas da massa, prescrevendo que antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, o administrador da insolvência deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo.
Ou seja, na pendência do processo de insolvência, constituindo o imposto sobre mais valias uma dívida da massa, deveria este ser pago pela massa insolvente, nos termos acima prescritos.
Questão algo diferente, e que se coloca nestes autos, é a de saber quem pode ser o responsável pelo pagamento dessa dívida da massa, sabendo que o processo de insolvência já se mostra encerrado desde 2015.
É que, resulta da factualidade acima expendida que, antes dos requerimentos apresentados e que deram origem à decisão apelada, já o processo de insolvência tinha sido declarado encerrado.
Com efeito, por decisão de 23/06/2015, foi decretado o encerramento do processo após a realização do rateio final, nos termos do artigo 230º, n.º 1, alínea a), e com os efeitos do artigo 233º, n.º 1, alíneas a) a d), todos do C.I.R.E.

Ora, dispõe esse art. 233.º:

Efeitos do encerramento
1 - Encerrado o processo, e sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 217.º quanto aos concretos efeitos imediatos da decisão de homologação do plano de insolvência:
a) Cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, recuperando designadamente o devedor o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência como culposa e do disposto no artigo seguinte;
b) Cessam as atribuições da comissão de credores e do administrador da insolvência, com excepção das referentes à apresentação de contas e das conferidas, se for o caso, pelo plano de insolvência;
c) Os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência;
d) Os credores da massa podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos.”

Ou seja, se cessam os efeitos da declaração de insolvência, o devedor deixa de estar numa situação de insolvência, recupera a disponibilidade do seu património, mas também a responsabilidade pelas dívidas.
Por outro lado, se cessam as atribuições do administrador de insolvência, este, após o encerramento, apenas pode apresentar as contas da sua administração e desempenhar as funções de que o plano de insolvência em execução o tenha incumbido expressamente. Ou seja, não pode mais praticar actos que enquanto administrador podia ou devia ter praticado mas que não praticou, independentemente da responsabilidade que isso possa implicar.
Já os credores da insolvência passam a poder exercer os seus direitos contra o devedor (sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência ou plano de pagamentos aprovado). É que, os seus créditos não se extinguiram com a declaração de insolvência, nem passaram a ter como única garantia patrimonial os bens do devedor apreendidos e liquidados no processo de insolvência. Pelo contrário, a garantia patrimonial continua a ser a totalidade do património do devedor, mesmo que adquirido posteriormente ao encerramento do processo de insolvência.
Assim, uma vez encerrado o processo os credores voltam a poder demandar o devedor pelos créditos insatisfeitos.
E os credores da massa podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos (al.d) do nº 1 do art. 233º).
Ora, desta última norma, resulta com meridiana clareza que as dívidas geradas no âmbito do próprio processo de insolvência (nomeadamente na liquidação da massa), não são da exclusiva responsabilidade da massa insolvente.
Tais dívidas (que a lei considera dívidas da massa para efeitos de preferência de pagamento) são também dívidas do próprio insolvente, razão pela qual, se elas não tiverem sido satisfeitas no processo de insolvência, o respectivo credor pode, depois do encerramento do processo de insolvência após o rateio final, exigir do devedor (que deixou de estar insolvente) o seu pagamento.
Por outro lado, como é sabido, a declaração de insolvência de uma pessoa singular conduz à apreensão de todos os seus bens susceptíveis de penhora, que passam a constituir a massa insolvente e são entregues ao administrador de insolvência.
Contudo, essa separação de património para afectação às finalidades específicas da insolvência (a liquidação em benefício dos credores) não significa que os bens deixem de pertencer ao devedor.
Pelo contrário, exactamente por lhe pertencerem é que o respectivo produto irá ser usado para responder pelas dívidas do insolvente.
Tal separação patrimonial apenas significa que esses bens passam a constituir um património autónomo, separado, afecto à satisfação de dívidas específicas, sendo que os poderes de administração e disposição dos bens que passaram a integrar a massa insolvente – artigo 81.º, n.º 1, do C.I.R.E. - se transferem do insolvente para o administrador de insolvência, para que este possa concretizar a sua liquidação coerciva.
Contudo, essa transferência de poderes de administração e disposição dos bens que passaram a integrar a massa insolvente para o administrador de insolvência, não fazem com que o insolvente deixe de ser o proprietário dos bens.
E assim, os encargos com a liquidação da massa insolvente são ainda encargos do próprio devedor, uma vez que era sobre ele que recaia o dever jurídico de cumprir as suas obrigações, suportando os encargos inerentes a esse cumprimento.
É que, caso o devedor cumprisse voluntariamente as suas obrigações perante os seus credores, sempre seria ele a suportar os custos da obtenção das receitas que lhe permitiriam satisfazer os créditos dos seus credores. E o facto de o cumprimento ser obtido por via coerciva, nada muda do ponto de vista jurídico.
Ou seja, independentemente de o C.I.R.E. qualificar determinadas despesas como créditos sobre a massa, o sujeito passivo da obrigação creditícia geradora das correspondentes dívidas é o devedor insolvente (o que justifica a disposição da alínea d) do n.º 1 do artigo 233.º, do C.I.R.E., já acima referido).
Por outro lado, a integração de um bem imóvel na “massa insolvente”, que é um património autónomo cuja administração fica a cargo do administrador da insolvência, não desonera o insolvente das obrigações declarativas que impendem sobre os sujeitos passivos em sede de IRS, designadamente da apresentação do anexo G à declaração de rendimentos modelo 3, no caso de alienação onerosa daquele imóvel, independentemente do destino ou afectação do rendimento ser, por força da declaração de insolvência, a satisfação dos credores de insolvência (cfr. neste sentido Ac. STA 08/03/2017, disponível in www.dgsi.pt).
Com efeito, a diferença entre o valor de aquisição e de venda dos bens imóveis, ainda que esta se faça em processo de insolvência e o respectivo produto fique afecto à satisfação dos credores da insolvência, não deixa de ser um rendimento obtido pelo insolvente, que está obrigado a declará-lo (cfr. neste sentido Ac. STA 31/05/2017, disponível in www.dgsi.pt).
A tal acresce ainda que, nos termos do artigo 235.º do C.I.R.E. (que estabelece o princípio geral a que obedece a exoneração do passivo restante), se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste, nos termos das disposições seguintes.
Tal norma exclui dessa exoneração os créditos sobre a massa.
Ou seja, mesmo que a exoneração do passivo tenha sido concedida as dívidas da massa devem ser pagas porque não são abrangidas pela exoneração.
Por outro lado, nos termos do artigo 245.º a exoneração do devedor importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados. Contudo, segundo o n.º 2 deste preceito, a exoneração não abrange em caso algum, designadamente, os créditos tributários (alínea d)).
Assim sendo, ainda que lhe tenha sido concedido o benefício da exoneração do passivo restante, o devedor não se liberta das dívidas tributárias, cujo pagamento lhe poderá pois ser exigido pelo respectivo credor, o Estado, apesar desse benefício.
Ora, no caso dos autos temos que se procedeu à venda do imóvel em causa, no âmbito do processo de insolvência, em 2013.
O processo foi declarado encerrado em 2015.
A insolvente cumpriu a sua obrigação declarativa em 2016.
E a dívida foi liquidada pela autoridade tributária em 2016.
Assim, considerando o que acima se deixou exposto, entendemos que, contrariamente ao entendido na decisão apelada, incumbia à insolvente a obrigação declarativa de apresentação do anexo G à declaração de rendimentos modelo 3, no ano de 2014, por referência à alienação onerosa daquele imóvel, em 2013, no âmbito do processo de insolvência.
E caso tal tivesse sido feito (atempadamente) pela insolvente, a liquidação do imposto não ocorreria apenas em 2016 (como ocorreu, visto apenas ter cumprido tal obrigação declarativa nesse ano), mas em data anterior, nomeadamente antes do encerramento do processo.
Ou seja, caso a insolvente tivesse cumprido a sua obrigação declarativa na data própria, a dívida resultante do imposto sobre as mais valias teria sido liquidada ainda na pendência do processo de insolvência, e nessa medida, paga pelas forças da massa.
Com efeito, como já se deixou afirmado, nos termos do n.º 1 do artigo 46.º do CIRE a massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas.
E o n.º 1 do artigo 172.º estabelece o regime de pagamento das dívidas da massa, prescrevendo que antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, o administrador da insolvência deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo.
Contudo, no caso dos autos, tal não se verificou. E por facto imputável à insolvente (que tardiamente cumpriu a sua obrigação declarativa), a dívida em causa apenas veio a ser liquidada depois de encerrado o processo, com as consequências acima assinaladas e resultantes do disposto pelo art. 233º nº 1 do CIRE.
Ora, uma vez que o processo já se mostra encerrado, por decisão transitada em julgado, não é possível reabrir a instância do processo de insolvência para praticar actos que contendam com a reclamação de créditos, a sua verificação e graduação, a sua inclusão no plano e mapa de rateios e o seu pagamento.
Por outro lado, nunca ao credor reclamante pode ser imputado o pagamento da quantia em causa, como se decidiu.
E não pode o mesmo ser onerado com tal despesa, apenas porque foi quem na venda obteve o respectivo rendimento, ou porque, como se diz na decisão apelada, seria responsável, caso as custas excedessem a caução depositada.
É que ele é o comprador, e nessa qualidade não é devedor de qualquer imposto a título de mais valias pelo imóvel que adquiriu. Nem pode ser onerado dessa forma, apenas porque a insolvente, por facto que lhe é imputável, levou a que a liquidação do imposto em causa apenas se verificasse já depois de encerrado o processo de insolvência.
Por outro lado, resulta da factualidade assente que a autoridade tributária terá intentado execução fiscal para cobrança da quantia em causa. E pese embora não seja claro, parece resultar dos requerimentos juntos aos autos que a execução em causa foi intentada contra a massa insolvente.
Ora, o administrador de insolvência só tem de pagar as dívidas sobre a massa que o próprio reconhecer ou considerar ser previsível que se constituam até ao encerramento do processo.
No caso dos autos, a dívida em discussão não foi reconhecida, nem considerado previsível que a mesma se constituísse até ao encerramento do processo.
Nos termos do disposto pelo art. 89º do CIRE, decorrido o período de 3 meses referido no seu nº 1, podem ser intentadas acções, declarativas ou executivas, relativas às dívidas da massa insolvente (cfr. nº 2 do mesmo preceito), as quais correm por apenso ao processo de insolvência. Contudo, o mesmo nº 2 do art. 89º prescreve que, as execuções por dívidas de natureza tributária, têm de ser instauradas no tribunal competente que é o Tribunal Administrativo e Fiscal.
Ora, no caso dos autos, parece demonstrado que o Estado se considerou credor da massa insolvente, instaurando a competente execução.
Assim, tal matéria deve ser discutida nesse processo. É aí que a Sra. AI pode questionar (na acção própria e no tribunal competente) a obrigação de ser a massa a suportar o pagamento.
Não deve ser o tribunal comum a apreciar aquilo que é, nos termos do n.º 2 do artigo 89.º do CIRE, da competência do Tribunal Administrativo e Fiscal.
Com efeito, como se afirma no Acórdão da Relação do Porto de 11/04/2018 (Relator Aristides Rodrigues de Almeida), disponível in www.dgsi.pt, que se vem, em parte, seguindo, “Não parece que se possa distinguir se estamos perante uma questão do processo de insolvência a decidir pelo juiz comum ou uma questão de natureza tributária a decidir pelo juiz fiscal. A questão tem as duas dimensões e naturezas em simultâneo: é uma questão tributária, na medida em que se trata de um crédito tributário, cuja origem e natureza é um imposto sobre rendimentos de mais-valias geradas por uma venda e, consequentemente, a discussão sobre a incidência objectiva e subjectiva do imposto passará pela aplicação de disposições de natureza fiscal; é uma questão do processo de insolvência na medida em que o pagamento das dívidas da massa tem lugar no processo de insolvência sobre o qual tem jurisdição o respectivo juiz.
Mas precisamente por se tratar de um crédito que pode suscitar dúvidas jurídicas quanto à identidade do onerado com o pagamento, o juiz do processo de insolvência não deve, uma vez encerrado o processo de insolvência no qual tal crédito não foi reclamado sobre a massa nem é reconhecido pelo administrador de insolvência, sobrepor-se à discussão jurídica na sede própria (repete-se, definida pelo próprio Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas no n.º 2 do artigo 89.º) e impedir a discussão da questão” determinando, no nosso caso, um pagamento que não foi sequer reclamado ao aqui credor/apelante.
Assim, e em conclusão, pelas razões supra expostas, nunca ao credor reclamante, ora apelante, pode ser imputado o pagamento da quantia em causa.
Por outro lado, estando pendente execução contra a massa insolvente para pagamento de tal quantia, por se tratar de um crédito que pode suscitar dúvidas jurídicas quanto à identidade do onerado com o pagamento, o juiz do processo de insolvência não deve, uma vez encerrado o processo de insolvência no qual tal crédito não foi reclamado sobre a massa nem é reconhecido pelo administrador de insolvência, sobrepor-se à discussão jurídica na sede própria e impedir a discussão da questão.
Procede pois a apelação.
*
*
V. Decisão.

Perante o exposto, acordam as Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, e, em consequência, revogar a decisão recorrida.
Sem custas.
*
Guimarães, 5 de Novembro de 2020

Assinado electronicamente por:
Fernanda Proença Fernandes
Alexandra Viana Lopes
Anizabel Pereira
(O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico, com excepção das “citações” efectuadas que o sigam)