Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2884/11.8TBBCL.G1
Relator: JOÃO PERES COELHO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO FACULTATIVO
PRIVAÇÃO DE USO
BOA-FÉ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - No âmbito de um seguro de responsabilidade civil automóvel, com cobertura facultativa de danos próprios, a seguradora, mesmo na ausência de convenção expressa, pode ser responsabilizada pelo dano da privação do uso se, no cumprimento da sua obrigação, não proceder segundo os ditames da boa-fé, nos termos do artigo 762º do Código Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:



I. RELATÓRIO:
B., residente na Rua …, intentou a presente acção, com processo comum sob a forma ordinária, contra “C. Seguros, S.A.”, com sede na Rua…, pedindo que esta seja condenada, com base num contrato de seguro de responsabilidade civil, com a cobertura de danos próprios, a pagar-lhe a quantia de €56.230,32, a título de indemnização pela perda total do veículo seguro, decorrente de um sinistro em que foi interveniente, e bem assim as seguintes quantias:
- a quantia que for devida pela antecipação do vencimento das rendas no contrato de locação financeira celebrado com a D., SA, a remeter para liquidação em execução de sentença;
- o valor das rendas e prémios de seguro suportados desde a data do acidente até à decisão final, a liquidar em execução de sentença;
- uma indemnização pelo incumprimento atempado do contrato de seguro em função da privação do uso do veículo, à razão diária de 30€, até que sejam colocadas à sua disposição as quantias reclamadas a título de perda total e rendas;
- o valor referente à resolução do contrato de leasing e o que se venha a apurar em sede de execução de sentença;
- a quantia de € 1.000,00 por danos patrimoniais sofridos aquando do acidente;
- a quantia de € 2.500,00 a título de danos morais;
- os juros à taxa de 8% ao ano, nos termos do disposto no art.º 43.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, contados desde a data da citação e até efectivo pagamento.
Devidamente citada, a Ré contestou, reconhecendo a existência e condições do contrato de seguro, mas impugnando a ocorrência do sinistro descrito na petição inicial e as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que o mesmo pretensamente ocorreu, defendendo inclusive que os danos que o veículo apresenta são inconciliáveis com as características do local.
Impugnou, também, os danos reclamados e os montantes em que foram avaliados, defendendo que a perda total do veículo é incompatível com o alegado dano emergente da privação de uso do veículo.
Terminou, pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido e requerendo a intervenção principal provocada da locadora “D., S.A.”, como associada do Autor.
Admitido o chamamento e efectuada a competente citação, a chamada apresentou articulado próprio, formulando um pedido de condenação da Ré a pagar-lhe:
- no caso de se tratar de sinistro com perda parcial, sendo o bem reparável, os custos dessa mesma reparação;
- se o sinistro tiver inutilizado definitivamente apenas uma parte do bem, podendo manter-se a locação quanto à parte restante, caso o locatário o deseje e o locador o consinta, deverão as rendas vincendas e o valor residual ser recalculados com base na indemnização paga ao locador por essa inutilização que em sede de execução de sentença se liquidará.
- no caso de perda total do bem locado, o valor do capital ainda não recuperado, acrescido de todos os débitos vencidos e não pagos, bem como dos juros correspondentes ao período que mediar entre o momento em que o contrato se considerar resolvido e o efectivo pagamento, calculada a taxa do contrato, e ainda eventuais prejuízos resultantes da legislação fiscal e despesas administrativas, que liquidou em €15.689,59;
- no caso de não se provar a existência de qualquer sinistro, mas provando-se a alegada perda total do bem locado por destruição, o montante equivalente à perda total do bem locado, que liquidou em €15.689,59.
Notificados, a Ré e o Autor responderam, reiterando o alegado nos respectivos articulados.

Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, meramente tabelar, seguido da selecção da matéria de facto assente e da base instrutória, contra a qual foi apresentada reclamação que foi oportunamente apreciada.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, no início da qual a interveniente declarou que o contrato de locação financeira celebrado com o Autor se encontrava totalmente liquidado desde 09 de Março de 2015, motivo pelo qual desistiu do pedido formulado, desistência essa que foi homologada por sentença, tendo ainda as partes acordado em dar por assente que tais pagamentos foram efectuados.
Conclusos os autos ao Senhor Juiz, foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de €71.690,00, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4% ou outra que estiver em vigor, desde a citação até integral pagamento, bem como a quantia que se vier a fixar em decisão ulterior relativa ao dano da privação do uso do veículo do Autor, desde a presente data até ao efectivo pagamento da indemnização arbitrada, no montante diário de €15,00, e bem ainda a quantia que se vier igualmente a fixar em decisão ulterior referente aos prémios de seguro pagos pelo Autor desde a data do sinistro.
Inconformada, a Ré interpôs recurso, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:

1. Os presentes autos fundam-se na responsabilidade civil contratual emergente de acidente de viação;
2. Em face da matéria de facto considerada provada, o douto Tribunal “a quo” proferiu a douta decisão ora posta em crise, de acordo com a qual julgou a acção parcialmente procedente;
3. Ora, salvo o devido respeito por diversa opinião, não pode a Apelante concordar com a apreciação da prova levada a cabo, discordando, consequentemente dos fundamentos que suportam a douta decisão prolatada, quanto à matéria de facto e quanto à solução de direito;
REAPRECIAÇÃO DA PROVA:
4. O presente recurso sobre a douta decisão proferida quanto à matéria de facto funda-se na convicção da Apelante de que o Douto Tribunal “a quo” terá efectuado uma incorrecta apreciação da prova, e concretamente na instrução da matéria factual plasmada nos arts. 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 20º do elenco da factualidade considerada provada, os quais, pelos motivos que infra se demonstrará, deveriam ter sido considerados não provados ou parcialmente não provados;
5. Salvo o devido respeito por diverso entendimento, estamos em crer que o Meritíssimo Tribunal “a quo” não ajuizou bem a prova produzida pois a mesma não se mostrou minimamente suficiente para alicerçar a convicção aduzida na douta sentença proferida;
6. Salvo o devido respeito por diverso entendimento, jamais poderia o Meritíssimo Tribunal “a quo” considerar suficientemente demonstrada a ocorrência e a dinâmica do alegado acidente, quando, de forma clara ficou devidamente evidenciada a existência de variadas contradições que, segundo as regras da experiencia, nos levam forçosamente a crer que as circunstancias em que terá ocorrido o sinistro participado jamais poderiam ser aquelas invocadas pelo A/recorrido;
7. A saber:
- os danos que o veículo apresenta não são coincidentes com a dinâmica do sinistro vertida nos autos pelo A., e desde logo na própria participação do sinistro;
- a dinâmica do evento descrita pelo A. não é coincidente com a que foi vertida no auto de ocorrência e na participação à Seguradora recorrente, onde não se alude a qualquer capotamento;
- a inexistência de vestígios no local indicado como o do evento;
8. Estamos em crer que o Meritíssimo Tribunal “a quo” não atendeu e não valorou devidamente, como se lhe impunha, a todos os elementos probatórios juntos aos autos, nomeadamente o teor do auto de ocorrência, o depoimento das testemunhas JOÃO e PAULO o teor do laudo pericial maioritário e esclarecimentos prestados em sede de audiência de julgamento pelos Senhores Peritos;
9. Adicionalmente, temos por demais evidente que andou mal o Meritíssimo Tribunal “a quo” ao dar como provados os factos atinentes à dinâmica do evento em apreço nos autos, fundando-se nos depoimentos das testemunhas SÉRGIO e JOÃO CARLOS, que, para além de não terem presenciado o alegado embate entre as viaturas, são testemunhas notoriamente interessadas, atenta a sua relação de proximidade com o recorrido;
10. Os concretos meios probatórios que foram erradamente apreciados cujo reexame se solicita a este Venerando Tribunal da Relação, e que impunham decisão diversa da proferida são os que se passam a elencar:
- Depoimentos testemunhais:
- JOÃO, depoimento prestado em audiência de julgamento de 22/10/2015, gravado no ficheiro 20151022152712_3939915_2870510, com inicio entre 15:27:13 e 15:39:27 e cujos trechos se encontram devidamente transcritos e assinalados no corpo das presentes alegações
- PAULO depoimento prestado em audiência de julgamento de 05/11/2015, gravado no ficheiro 20151105142551_3939915_2870510, entre as 14:25:52 e as14:52:27 e cujos trechos se encontram devidamente transcritos e assinalados no corpo das presentes alegações
- Prova documental:
- Auto de ocorrência de fls …
- Participação do sinistro à Seguradora recorrente de fls…
- Prova pericial:
- Laudo pericial, concretamente no que diz respeito ao voto de vencido
- Esclarecimentos prestados em audiência de julgamento pelos Senhores Peritos gravados em suporte digital, ficheiro 20151022111724_3939915_2870510, de 11:17:25 a 11:49:24 (devidamente transcritos no corpo das presentes alegações)
11. Salvo o devido respeito por entendimento diverso, estamos em crer que o Meritíssimo Tribunal “a quo” não atentou devidamente aos meios probatórios acabados de recordar.
12. De todo o exposto e perante as várias contradições verificadas quanto à questão da existência ou inexistência de vestígios do embate, e bem assim da própria dinâmica retratada pelo Apelado e pelas testemunhas no que diz respeito à questão do alegado capotamento do EJ, decorre, e salvo o devido respeito por diverso entendimento, que o Meritíssimo Tribunal “a quo” não estava munido de prova bastante para considerar cabalmente demonstrado o vertido nos arts. 1º a 5º e 20º (este apenas quanto à imputação causal) do elenco dos factos provados;
13. Por outro lado, não se compreende como se pode dar como provada a dinâmica do evento com recurso aos depoimentos de duas testemunhas que, para além de não terem presenciado a ocorrência do mesmo, se mostram manifestamente interessadas e carecidas de imparcialidade, atenta a sua relação próxima com o Apelado, como é o caso das testemunhas SERGIO e JOÃO.
14. A matéria ínsita nos artigos 1º a 5º dos factos provados deveriam ter sido considerada NÃO PROVADA;
15. E o art. 20º deveria ser considerado parcialmente provado, mas com a seguinte redacção:
“O EJ ficou destruído, com o pára-choques, capot, pára-brisas, frisos, dobradiças, portas, escovas, jantes, vidros, borrachas, amortecedores, suportes, correia, entre outras peças, inutilizados e impossibilitados de circular”;
16. Ao contemplar diverso entendimento, o Meritíssimo Tribunal “a quo” efectuou uma errada apreciação da prova, incorrendo, pois, em erro de julgamento;
II - DO DIREITO:
17. A propugnada alteração da decisão sobre a matéria de facto implicaria, como consequência directa e necessária e salvo o devido respeito por diverso entendimento, a improcedência da presente acção;
18. Não se logrou demonstrar que o evento ocorreu tal como foi participado e que teve caracter acidental, e bem assim que os danos que o veículo EJ apresenta foram causados pelo acidente participado e em causa nos presentes autos;
19. E não estando demonstrados tais factos, a presente acção está votada ao insucesso;
20. Ao contemplar diverso entendimento, o Meritíssimo Tribunal “a quo” incorreu em violação do disposto nos arts. 342º do Cód. Civil e 516º do Cód. Proc. Civil, entre outros, motivo pelo qual a douta decisão ora posta em crise se mostra, assim, inquinada, devendo, pois, ser revogada na íntegra;
II – DA INDEMNIZAÇÃO ARBITRADA A TÍTULO DE PRIVAÇÃO DO USO:
21. Na eventualidade de assim não ser doutamente entendido e se considerar que a prova não se acha incorrectamente apreciada, sempre se dirá que, mesmo assim, e em função da factualidade dada como provada, e dado que estamos perante responsabilidade contratual decorrente do accionamento da responsabilidade facultativa contratada ao abrigo da apólice de seguro (choque, colisão ou capotamento), jamais poderia ter sido fixada ao Apelado qualquer indemnização a título de privação do uso do veículo;
22. In casu, estamos perante um seguro automóvel, mas estribando-se a presente acção nas coberturas do mesmo que revestem natureza facultativa – “choque, colisão e capotamento”;
23. A presente acção deriva, pois, da responsabilidade contratual emergente do invocado incumprimento do contrato de seguro;
24. A Seguradora R. só poderá ser, pois, responsabilizada nos precisos termos em que se vinculou mediante a outorga do contrato de seguro;
25. Ora, tal como decorre do teor das Condições Particulares da Apólice juntas aos autos, de entre as coberturas facultativas não foi contratada a cobertura de “veículo de substituição” ou qualquer outra que abranja o dano da privação do uso;
26. Tratando-se de responsabilidade contratual, jamais poderá a Recorrente ser condenada a liquidar ao recorrido o que quer que seja que não se ache devidamente incluído no contrato de seguro;
27. É inegável que as coberturas facultativas contratadas são as que se acham especificadas nas condições particulares da apólice e que a responsabilidade da Seguradora Apelante é apenas, e em sede de responsabilidade facultativa, aquela que decorre do vertido nas aludidas disposições contratadas pelas partes;
28. Igualmente nesta sede, andou mal a douta sentença proferida;
29. Devendo, nos termos supra exposto, ser a mesma revogada e absolvendo-se a ora Apelante do pagamento da indemnização arbitrada a título de privação do uso do veículo;
30. Ao contemplar diverso entendimento, a douta sentença ora posta em crise incorreu em verdadeira violação do disposto nos arts. 562º e 798º do Cõd. Civil, entre outros;
31. Devendo, igualmente nesta parte, ser revogada;
SEM PRESCINDIR:
DO QUANTUM DA INDEMNIZAÇÃO FIXADA A TÍTULO DE PRIVAÇÃO DO USO:
32. Ainda que assim não seja doutamente entendido, sempre se dirá que o valor de € 15,00/diários fixados a título de indemnização pela privação do uso, se mostra extraordinariamente empolado, sendo excessivo face aos parcos factos provados e aos critérios habitualmente seguidos nos nossos tribunais em situações análogas;
33. Salvo o devido respeito por diverso entendimento, constata-se que com a privação do uso do veículo sinistrado, não sofreu o Apelado mais do que meros transtornos (cfr. arts. 24º e 25º dos factos provados);
34. Transtornos esses que, na nossa modesta opinião, se mostraram excessivamente valorizados, na medida em que se fixou para seu ressarcimento a quantia de Euro 15,00/dia;
35. Face à factualidade provada e face ao supra expendido, impunha-se que a indemnização pela privação do uso fixada se quedasse na quantia global de Euro 10,00/dia;
36. Ao consignar diverso entendimento, o Meritíssimo Tribunal “a quo” incorreu em flagrante violação do disposto no art. 562º, 564º n.º 1 e 566º n.º 3 do Cód. Civil;
37. Por tal motivo, deverá a douta sentença proferida ser, nesta parte, revogada.

O Autor contra-alegou, pugnando pela confirmação do julgado
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
*
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do NCPC).
No caso vertente, as questões a decidir que ressaltam as conclusões recursórias são as seguintes:
- erro na apreciação da prova e na subsunção jurídica dos factos, sendo este consequência daquele;
- saber se, atentas as coberturas facultativas contratadas, existe fundamento para atribuir ao Autor uma indemnização pela privação do uso do veículo seguro e, no caso afirmativo, adequação do montante que lhe foi arbitrado a esse título.
*
III. FUNDAMENTOS:
Os factos.
Na primeira instância foi dada como provada a seguinte factualidade:
1. No dia 24 de Setembro de 2010, cerca das 23 horas, na E.N. 308, Km 19,7, na freguesia de Calvelo, concelho e comarca de Ponte de Lima, ocorreu o despiste do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula …EJ-…, que na altura era conduzido pelo Autor;
2. O EJ circulava no sentido Barcelos – Ponte de Lima e, quando se preparava para fazer uma curva à direita, no final de uma recta, o Autor perdeu o controlo do veículo;
3. O EJ invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha;
4. Nesse momento circulava pela mesma estrada o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula …-…VM, propriedade de E., no sentido Ponte de Lima – Barcelos, tendo o EJ embatido com a sua parte frontal esquerda, na parte frontal esquerda do VM;
5. A dada altura o EJ capotou;
6. A faixa de rodagem da EN 308 era, no local, divida por uma linha longitudinal descontínua, sendo delimitada, pelo lado direito, atento o sentido de marcha do EJ, por uma berma;
7. Por contrato de locação financeira datado de 31-12-2007, a interveniente declarou locar ao Autor um veículo automóvel de marca Alfa Romeu, modelo 159, Sport Wagon D 159 SW 1.9 JTDM 16 v 280, adquirido por aquela no estado de novo, pelo preço de 44.380,00€, mediante prévia escolha deste último;
8. O prazo da locação foi estipulado em 85 meses e a renda variável, com periodicidade antecipada mensal, à taxa de juro nominal de 7,50%, acrescida de spread de 2,85%, sendo as mesmas variáveis em função de alterações da taxa de referência Euribor a 3 meses, sempre que a variação seja superior a 0,25%, sendo arredondada para 1/8 do ponto superior;
9. A 1.ª renda foi fixada no valor de 8.876,00€, que se venceu no dia 27/12/2007 e as restantes no valor de 444.36€, vencendo-se em igual dia dos meses subsequentes;
10. Caso o Autor pretendesse, no final do contrato de locação financeira, adquirir para si a referida viatura, aquele teria que pagar à locadora a quantia de 11.095€ referente ao valor residual do contrato;
11. Nos termos do disposto na cláusula 11.ª das Cláusulas Gerais do Contrato de Locação Financeira, “No caso de Sinistro sofrido pelo Bem locado o Locatário deve nas vinte e quatro horas seguintes informar o Locador e notificar a Companhia de Seguros – por carta registada com aviso de recepção para a respectiva sede social, delegação ou morada constante da respectiva apólice – precisando a data, hora, local, e circunstâncias do sinistro, bem como a natureza e extensão dos danos, solicitando desde logo, uma peritagem do bem”;
12. De acordo com a alínea c) da cláusula 11.ª das Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira, o sinistro tiver definitivamente inutilizado apenas uma parte do Bem podendo manter-se a Locação quanto à parte do Bem restante, caso o Locatário o deseje e o Locador o consinta, deverão as rendas vincendas e o valor residual ser recalculados com base na indemnização paga ao Locador”;
13. De acordo com a alínea d) da cláusula 11.ª das Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira, com a perda total do Bem o contrato considera-se “automaticamente resolvido para todos os efeitos, devendo o locatário pagar na mesma data ao locador o valor do capital ainda não recuperado, acrescido de todos os débitos vencidos e não pagos, bem como dos juros correspondentes ao período que mediar entre o momento em que o contrato se considerar resolvido e o efectivo pagamento calculada a taxa do contrato e ainda eventuais prejuízos resultantes da legislação fiscal e despesas administrativas. O Locador devolverá ao locatário o valor da indemnização paga pela Companhia de Seguros, logo após ter recebido do Locatário as importâncias anteriormente recebidas”;
14. O Autor procedeu ao pagamento de todas as rendas e do referido valor residual, tendo adquirido o veículo em 09-03-2015;
15. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº …, em vigor à data referida em 1º, a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo de matrícula …-EJ-… encontrava-se transferida para a Ré, com a cobertura de danos causados a terceiros e de danos sofridos pelo próprio veículo em consequência de choque, colisão ou capotamento, com franquia de 2% sobre o capital seguro;
16. Em conformidade com o previsto na referida apólice do contrato de seguro outorgado com a Ré, entre outras coberturas, esta assumiu a obrigação de garantia do valor do veículo em novo, por perda total, como consequência de sinistro garantido, até 36 meses, uma vez que se tratava de um veículo ligeiro novo;
17. No contrato de seguro, salvaguardou-se expressamente que a interveniente tinha interesse no seguro;
18. Após a ocorrência do evento, o Autor pagou nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2010 a quantia mensal de 74,57€ e desde Janeiro de 2011 a quantia mensal de 74,68€ a título de prémio de seguro;
19. A 27 de Setembro de 2010, o Autor efectuou a participação do sinistro junto dos serviços da Ré;
20. Em consequência do evento descrito, o EJ ficou destruído, com o pára-choques, capôt, pára-brisas, frisos, dobradiças, portas, escovas, jantes, vidros, borrachas, amortecedores, suportes, correia, entre outras peças, inutilizados e impossibilitado de continuar a circular;
21. Após peritagem efectuada pelos serviços da Ré em 29/09/2010, esta comunicou ao Autor, por carta de 12 de Outubro de 2010, que considerava o EJ em situação de perda total, tendo avaliado o respectivo salvado em € 2.000,00 e declarado que o valor de seguro era de € 44.000,00 e a franquia de €880,00;
22. Por carta registada datada de 12 de Novembro de 2010, a Ré comunicou ao Autor que não iria proceder à “regularização do sinistro participado” pelo facto de os seus serviços técnicos terem concluído que “o sinistro não ocorre de acordo com os termos e circunstâncias participadas”;
23. A Ré não disponibilizou qualquer viatura ao Autor em substituição do EJ;
24. O Autor e a sua família necessitavam da viatura para se fazerem transportar para o trabalho, nas deslocações do seu quotidiano como seja para fazer compras, visitar os familiares e amigos, dirigirem-se a repartições públicas ou até aos serviços da Ré para a resolução do litígio;
25. O Autor e o seu agregado familiar não dispõem de outro veículo, nem de meios financeiros que lhes permitam a aquisição de um novo veículo.

Inversamente, foi dada como não provada seguinte factualdide:
a) O EJ seguia à velocidade de 70 Km/hora;
b) O Autor deixou descair o EJ para a berma direita, atento o seu sentido de marcha e guinou o veículo para esquerda, tentando levá-lo de volta para a plataforma da estrada;
c) A EN 308, no local do evento, dispunha de uma faixa de rodagem com 5,70 metros de largura em cada metade e o piso era em betaminoso flexível, encontrando-se em razoável estado de conservação;
d) Como consequência directa e imediata do acidente, o Autor danificou uma camisa, um casaco em pele, umas calças e um par de sapatos, no valor total de € 1.000,00;
e) O Autor sentiu-se e sente-se transtornado, frustrado e angustiado por não obter uma razão para o incumprimento do contrato de seguro pela Ré, assim como pelo facto de se ver impedido de utilizar um veículo automóvel seu;

Fundamentando a sua decisão sobre essa matéria, o Senhor Juiz “a quo” escreveu o seguine:

“A convicção do tribunal, quanto aos factos provados e não provados, teve por base, essencialmente, o conjunto dos elementos de prova apresentados, nomeadamente documental, testemunhal e pericial (para além da factualidade admitida por acordo das partes nos articulados).
Em concreto, no que respeita ao contrato de seguro, ao contrato de locação financeira, à participação do acidente e à posição assumida pela Ré quanto à regularização do sinistro, o tribunal considerou o acervo documental carreado para os autos pelas partes, com destaque para a carta de 12-10-2010 (fls. 26-vº), onde a Ré assume os valores (do seguro, da franquia e do salvado) e de 12-11-2010 (fls. 29), através da qual a Ré informa que não irá proceder à regularização do sinistro, justificando esta tomada de posição apenas com a conclusão dos seus serviços técnicos de que o sinistro não se teria dado de acordo com os termos e circunstâncias participadas.
Relativamente ao sinistro e à forma pela qual o mesmo ocorreu, o tribunal considerou essenciais os depoimentos das testemunhas inquiridas, com destaque para Sérgio (colega de trabalho do Autor), João Carlos (irmão do Autor) e E. (condutor do veículo no qual o EJ embateu).
Com efeito, da conjugação do depoimento destas testemunhas o tribunal ficou seguro da eclosão do acidente e de que os danos ocorridos no EJ foram resultantes do mesmo.
A testemunha Sérgio deslocou-se ao local do embate logo a seguir à ocorrência e referiu que era de noite, mas mesmo assim viu os vestígios do embate no solo (vidros partidos, plásticos, óleo e um espelho) com o auxílio da luz do seu telemóvel, referindo ainda que o Autor saiu do local numa ambulância do INEM e que não conhecia o condutor do outro veículo envolvido. Dada a relação de amizade que o liga ao Autor conseguiu esclarecer que, ao que sabe, o EJ era o único veículo de que este dispunha.
Também o irmão do Autor se deslocou ao local, tendo constatado os vestígios no local e que o mesmo se encontrava imobilizado no interior da ambulância. Quanto à privação do veículo, referiu que o Autor não tinha dinheiro para comprar um outro veículo e que foi tentando que lhe disponibilizassem um meio de transporte para a esposa se deslocar para o trabalho.
Por sua vez, o condutor do VM, E., descreveu a ocorrência da forma que pôde, já que era de noite e viu o EJ a dirigir-se na sua direcção com as luzes ligadas, tendo sido projectado para a valeta, após o que mencionou a existência de fumo. Confirmou o local do embate em cada um dos veículos, os danos e os diversos vestígios no chão.
Não conseguiu descrever o que terá sucedido ao EJ após o embate (devido ao facto dos airbags terem disparado e de existir muito fumo), pois só alguns instantes a seguir conseguiu sair do interior do seu veículo e ver onde aquele tinha ficado imobilizado.
Não obstante a existência de vestígios não ter sido referida na participação do acidente elaborada pela testemunha João (guarda da GNR que se deslocou ao local da ocorrência), a verdade é que o tribunal não ficou com quaisquer dúvidas sobre a sua existência, perante depoimentos tão seguros, peremptórios e assertivos (características que não foram encontradas no depoimento daquele guarda da GNR, o qual, como é natural, já pouco ou nada revelou recordar-se sobre o evento).
Também a testemunha Paulo (perito de seguros) não prestou um depoimento relevante, já que apenas se deslocou ao local dias depois, tendo-se limitado a mencionar a constatação de que não visualizou a existência de vestígios na via.
Perante aqueles depoimentos das testemunhas Sérgio, João Carlos e E. não restaram quaisquer dúvidas sobre a ocorrência de um forte embate entre ambos os veículos, derivado de um despiste do EJ que invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, não tendo sido recolhido um único indício de uma eventual simulação de acidente (que, aliás, a Ré não chegou sequer a equacionar de forma expressa, tendo-se limitado a concluir que o acidente não teria ocorrido nos moldes participados).
A verdade é que, perante todas estas circunstâncias que rodearam o evento, certamente que, em face da violência do embate, não seria de esperar que o Autor estivesse em condições de relatar à Ré com precisão e detalhe toda a dinâmica do acidente, a totalidade dos danos sofridos pelo EJ e o que terá sucedido após o embate, nomeadamente se ocorreu ou não um capotamento.
Quanto à ocorrência de um capotamento também não ficaram dúvidas da sua ocorrência, perante as declarações prestadas pelo perito averiguador José e em face das conclusões do exame pericial realizado ao EJ (cujo relatório se encontra junto ao processo físico a fls. 265 a 267).
Os Srs. Peritos atestaram, então, de forma maioritária que os danos do EJ são compatíveis e mesmo semelhantes aos apresentados na frente esquerda do VM, concluindo de forma inquestionável que terão chocado entre si.
Os danos apresentados no tejadilho e da parte direita do EJ, por sua vez, são compatíveis com despiste e capotamento, conclusão que, desta feita, foi unânime, tendo o dissenso resultado apenas de um dos peritos (aquele que foi indicado pela Ré) se ter preocupado não tanto com o objecto da perícia em si, mas antes com eventuais discrepâncias com aquilo que ficou descrito no auto policial e na participação do sinistro dirigido pelo Autor à Ré (o que constitui um extravasamento claro das suas funções de perito).
A verdade é que a mera omissão na participação deste sinistro da referência a um capotamento não pode justificar, por si só, que o mesmo não tenha ocorrido e que, por via, disso, a Ré esteja legitimada a não regularizar o sinistro perante o Autor e a não cumprir o contratado, com base em meras hipóteses, conjecturas ou suposições de eventual fraude ou simulação (circunstâncias que a Ré nem sequer invoca frontalmente, quer na missiva que remeteu ao Autor, quer nos presentes autos).
No que respeita, agora, aos restantes factos dados como não provados, nomeadamente quanto aos objectos destruídos e aos danos não patrimoniais, os mesmos resultaram na total ausência de prova produzida nesse sentido em julgamento.
Esta foi, em suma, a análise crítica do conjunto dos elementos probatórios já identificados, efectuada segundo o princípio da livre apreciação da prova e ponderada também pelas regras da normalidade e experiência comum, que levou o tribunal a concluir inequivocamente pela resposta dada aos factos provados e não provados”.
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O Direito.
Impugnação da matéria de facto:
Sustenta a recorrente que houve erro na apreciação da prova, porquanto deveria ter sido dada como não provada a matéria vertida nos pontos 1, 2, 3, 4 e 5 do elenco dos factos provados constante da sentença recorrida e como parcialmente provada a vertida no ponto 20 do mesmo elenco, com a seguinte redacção: “O EJ ficou destruído, com o pára-choques, capot, pára-brisas, frisos, dobradiças, portas, escovas, jantes, vidros, borrachas, amortecedores, suportes, correia, entre outras peças, inutilizados e impossibilitados de circular”.
Vejamos.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do Código de Processo Civil, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
Por sua vez, estatui o n.º 1 do artigo 662º do mesmo diploma legal que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Incumbe à Relação, como se pode ler no acórdão deste Tribunal de 7.4.2016, “enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto”.
Apesar disso, não se pode olvidar que o juiz da 1ª instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para a avaliar, surpreendendo no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação.
No caso vertente, a recorrente fundamenta a sua discordância quanto à decisão dos pontos de facto impugnados nos depoimentos prestados pelas testemunhas João e Paulo, conjugados com a prova documental constante dos autos, concretamente com o teor da participação de sinistro e da declaração amigável de acidente automóvel constantes de fls. 20 a 21 e 308 a 309, respectivamente, e com o teor do relatório pericial constante de fls. 265 a 267, este no que diz respeito ao voto de vencido e complementado com os esclarecimentos prestados oralmente em sede de audiência de julgamento pelos Senhores Peritos.
Todavia, pensamos que nenhuma razão lhe assiste.
Com efeito, é incontroverso, resultando do depoimento do próprio agente da GNR que tomou conta da ocorrência e elaborou a participação de sinistro, o indicado João, que este se deslocou ao local imediatamente após a comunicação do sinistro e que, aí chegado, viu o EJ e o VM acidentados, ostentando danos visíveis, submeteu os respectivos condutores ao teste de alcoolemia e confirmou que ambos foram transportados pelo INEM para o Centro Hospitalar do Alto Minho.
Ora, desvalorizando esse quadro global, percepcionado pela mencionada testemunha, mormente as lesões sofridas pelos condutores dos dois veículos, a demandarem assistência hospitalar, a recorrente questiona a ocorrência do sinistro nos termos e circunstâncias participados porque não existiriam vestígios no local, os danos que os veículos apresentavam seriam incompatíveis entre si e porque não lhe foi reportado o capotamento de um deles (o EJ).
Analisemos então cada um desses argumentos.
Quanto aos vestígios, lembra-se apenas que o citado agente da GNR, depois de confirmar a menção a esse respeito aposta na participação, se contradisse, já que, perguntado sobre se é normal existirem marcas na via quando ocorre um capotamento, respondeu “eu (…) não posso esclarecer bem isso, não sei se deixou ou não vestígios de arrastamento”.
Admitiu, por conseguinte, que poderiam existir vestígios que não foram por si assinalados, porventura porque os condutores de ambos os veículos apresentaram versões coincidentes do sinistro!
Relativamente aos danos que os veículos vieram a apresentar, os Senhores Peritos concluíram, por maioria, que os mesmos são compatíveis entre si e, unanimemente, que os danos no tejadilho e na parte direita do EJ são compatíveis com despiste e capotamento.
A posição sufragada pela maioria dos peritos, incluindo o nomeado pelo Tribunal, sobre a compatibilidade dos danos não pode deixar de merecer a nossa adesão, na medida em que se baseia na análise estritamente objectiva dos estragos apresentados pelos veículos, ao invés do que sucede com a posição, divergente da daqueles, defendida pelo perito indicado pela recorrente.
Por último, não nos suscita qualquer estranheza a circunstância de o A. não ter reportado o capotamento do veículo ao agente da autoridade que tomou conta da ocorrência, nem à Ré, na participação que posteriormente enviou a esta. Aliás, o relato feito pelo A. àquele agente, evidenciando o estado de confusão em que o mesmo naturalmente se encontrava, não exclui a ocorrência do capotamento. Recorda-se o seu teor: “(…) ao final da recta despistei-me entrei na valeta e só me lembro de embater contra qualquer outra coisa e não me lembro de mais nada porque só vi fumo à frente (…)” (sublinhado nosso).
Resta acrescentar que não retiramos qualquer contributo probatório relevante do depoimento prestado pela testemunha Paulo, perito que, a solicitação da seguradora para a qual se encontrava transferida a responsabilidade civil emergente da circulação do VM, averiguou as circunstâncias do sinistro e que, a partir da pretensa ausência de vestígios na via (não os terá visualizado na visita que efectuou ao local dias depois), se limitou a veicular as suas, quanto a nós infundadas, suspeitas sobre a ocorrência do sinistro, sugerindo uma eventual fraude ou simulação, desmentida por todos os demais elementos de prova recolhidos, mormente pelo depoimento, descomprometido e credível, prestado por E., condutor do VM.
Acresce que, como bem salienta o Autor nas suas contra-alegações de recurso, a credibilidade daquele perito averiguador mostra-se afectada, porquanto, tendo afirmado categoricamente que foi solicitada e feita, com a sua própria colaboração, uma reconstituição técnica do acidente e que a mesma teria corroborado as suas suspeitas, concluindo que “não havia enquadramento dos danos no local”, a Companhia de Seguros desmentiu essa afirmação, informando, a fls. 344, que não chegou a ser efectuada a dita reconstituição.
Por tudo o exposto, mantêm-se inalterados os pontos da matéria de facto impugnada.
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Subsunção jurídica dos factos:
Mantendo-se inalterada a matéria de facto, não se verifica o erro de direito alicerçado na sua propugnada modificação e que a tinha como pressuposto, pelo que a recorrente é responsável pela regularização do sinistro nos termos doutamente expendidos na sentença recorrida, para a qual se remete.
Insurge-se ainda a recorrente contra a sua condenação a pagar ao Autor uma indemnização pela privação do uso do veículo, por não estar incluída nas coberturas facultativas contratadas, e, em qualquer caso, contra o montante diário da indemnização arbitrada a esse título, reputando-o excessivo e pugnando pela sua redução para €10,00 diários.
Mais uma vez sem razão.
Na verdade, esse segmento da condenação tem por base, não uma cobertura do contrato de seguro, mas antes, como expressamente se refere na sentença recorrida, o “incumprimento do dever contratualmente assumido pela ré de pagar uma indemnização em caso de sinistro ocorrido com o veículo segurado (…)”, em clara violação do princípio da boa fé que deve presidir ao cumprimento das obrigações, tal como consagrado no artigo 762º do Código Civil.
Não se trata, portanto, de fazer funcionar uma cobertura facultativa, reconhecidamente inexistente e cuja falta não poderia deixar de enquadrar, limitando-a, a responsabilidade da recorrente, nos termos previstos nos números 2 e 3 do artigo 130º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo DL 72/2008, de 16 de Abril, mas antes de indemnizar o “dano positivo” que a recorrente causou ao Autor, por protelar, indefinida e infundadamente, o cumprimento do contrato celebrado, pagando o valor do veículo seguro à data do sinistro, com o qual aquele teria podido prover à substituição deste e, desse modo, evitar os danos que a privação do seu uso lhe acarretou.
Ora, não se ignorando o melindre da questão, aflorada em vários arestos jurisprudenciais, de que são exemplo o acórdão desta Relação de 5/12/2013 e os acórdãos da Relação do Porto de 13.6/2013 e de 23/6/2015, todos disponíveis em WWW.dgsi.pt, julgamos que a conduta da recorrente atenta claramente contra o citado princípio geral enformador do direito das obrigações.
É que, aquando do sinistro, o Autor era locatário do veículo há quase três anos e vinha pagando pontualmente os prémios do contrato de seguro celebrado com a recorrente, contemporâneo do contrato de locação financeira e com direitos ressalvados a favor da locadora.
Acresce que, não obstante essa relação, que se pode considerar duradoura, a recorrente, baseando-se em meras suposições acerca de uma eventual fraude ou simulação, desprovidas de qualquer fundamento, vem protelando o cumprimento da obrigação a que se encontra adstrita desde finais de 2010, indiferente aos prejuízos causados ao Autor, vinculado ao pagamento das rendas devidas como contrapartida pelo gozo de um bem de que há muito se encontra privado.
Justifica-se, por isso, a indemnização do citado dano, mostrando-se adequado e proporcional o montante diário arbitrado a esse título pela 1ª instância, aliás muito inferior ao custo corrente de um veículo de aluguer, tanto mais que se provou que “O Autor e a sua família necessitavam da viatura para se fazerem transportar para o trabalho, nas deslocações do seu quotidiano como seja para fazer compras, visitar os familiares e amigos, dirigirem-se a repartições públicas ou até aos serviços da Ré para a resolução do litígio” e bem assim que “não dispõem de outro veículo, nem de meios financeiros que lhes permitam a aquisição de um novo veículo”.
Improcede, por conseguinte, a apelação.
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IV. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Guimarães, 20 de Outubro de 2016


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Relator
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1º Adjunto
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2º Adjunto

Sumário: I - No âmbito de um seguro de responsabilidade civil automóvel, com cobertura facultativa de danos próprios, a seguradora, mesmo na ausência de convenção expressa, pode ser responsabilizada pelo dano da privação do uso se, no cumprimento da sua obrigação, não proceder segundo os ditames da boa-fé, nos termos do artigo 762º do Código Civil.
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Relator