Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5795/17.0T8GMR.G1
Relator: CRISTINA CERDEIRA
Descritores: CASO JULGADO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I) - A excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado são efeitos distintos da mesma realidade jurídica: o instituto do caso julgado pretende evitar a repetição de uma mesma causa, definida por uma tríplice identidade: de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (artº. 581º do NCPC), ao passo que a autoridade do caso julgado visa preservar o prestígio dos Tribunais e a certeza e segurança jurídicas, evitando instabilidade das relações jurídicas.

II) - Por outro lado, a autoridade de caso julgado é usada para atribuir relevo não apenas ao segmento decisório, mas também aos fundamentos da decisão ou aos pressupostos de que o Tribunal necessariamente partiu para a afirmação do resultado declarado, pressupondo que a decisão de determinada questão não possa voltar a ser discutida.

III) - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, cujo objecto se insere no objecto de uma acção posterior, visando obstar a que a relação jurídica ali definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da identidade de sujeitos, de pedido e da causa de pedir prevista no artº. 581º do NCPC.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

Maria e marido José intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra:

1º - António e mulher M. J.,
2º - A. C.,
3º - T. M.,
4º - X Lda.
5º - Massa Insolvente de António,
pedindo que se:

1. Condenassem os primeiros réus a pagar aos autores a quantia de € 75.000,00, acrescida de juros vencidos na data da apresentação da petição inicial, no montante de € 37.849,32, e dos que continuem a vencer-se até efectivo e integral pagamento, e os demais réus a reconhecer esse crédito dos autores;
2. Declarasse procedente a impugnação pauliana da transmissão, por doação, do PRÉDIO DE R., dos primeiros réus para os segunda e terceiro réus, constante da escritura pública de "doação", outorgada em 4 de Dezembro de 2012, no Cartório Notarial de Carlos, perante este notário, e lavrada a fls. 90, do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º ..., em consequência do que deve:

2.1. declarar-se o direito dos autores a executar esse prédio no património dos segunda e terceiro réus para obtenção do crédito que detêm sobre os primeiros réus referido no pedido anterior; e, caso o alienem por negócio eficaz em relação aos autores (o que não concebem),
2.2. declarar-se o direito dos autores a executar o património dos segunda e terceiro réus, até ao montante que se apurar corresponder ao valor do prédio;
3. Declarasse procedente a impugnação pauliana da transmissão, por "compra e venda", do PRÉDIO DE J., da primeira ré, com o consentimento do primeiro réu, para os segunda e terceiro réus, constante do "título de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança", outorgada em 28 de Maio de 2014, na Conservatória do registo Predial, perante a respectiva conservadora, e lavrada no "Processo Casa Pronta n.º .../2014", em consequência do que deve:

3.1. declarar-se o direito dos autores a executar esse prédio no património dos segunda e terceiro réus para obtenção do crédito que detém sobre os primeiros réus referido no pedido anterior; e, caso o alienem por negócio eficaz em relação aos autores (o que não crêem),
3.2. declarar-se o direito dos autores a executar o património dos segunda e terceiro réus, até ao montante que se apurar corresponder ao valor do prédio;
4. Declarasse procedente a impugnação pauliana da transmissão do veículo automóvel, de marca CITROEN, de matrícula CR, dos primeiros réus para o terceiro réu, em consequência do que deve:

4.1. declarar-se o direito dos autores a executar esse veículo no património do terceiro réu para obtenção do crédito que detém sobre os primeiros réus referido no pedido número um; e, caso o aliene por negócio eficaz em relação aos autores (o que não crêem),
4.2. declarar-se o direito dos autores a executar o património do terceiro réu, até ao montante que se apurar corresponder ao valor do veículo;
5. Declarasse procedente a impugnação pauliana da transmissão do veículo automóvel, de marca VOLKSWAGEN, de matrícula TI, dos primeiros réus para a segunda ré, em consequência do que deve:
5.1. declarar-se o direito dos autores a executar esse veículo no património da segunda ré para obtenção do crédito que detém sobre os primeiros réus referido no pedido número um; e, caso o aliene por negócio eficaz em relação aos autores (o que não crêem),
5.2. declarar-se o direito dos autores a executar o património da segunda ré, até ao montante que se apurar corresponder ao valor do veículo;
6. Declarasse procedente a impugnação pauliana da transmissão do veículo automóvel, de marca BMW, de matrícula LH, dos primeiros réus para a segunda ré, em consequência do que deve:
6.1. declarar-se o direito dos autores a executar esse veículo no património da segunda ré para obtenção do crédito que detém sobre os primeiros réus referido no pedido número um; e, caso o aliene por negócio eficaz em relação aos autores (o que não crêem),
6.2. declarar-se o direito dos autores a executar o património da segunda ré, até ao montante que se apurar corresponder ao valor do veículo;
7. Declarasse procedente a impugnação pauliana da transmissão do veículo automóvel, de marca MAZDA, de matrícula BV, do veículo automóvel, de marca MITSUBISHI, de matrícula TF, e dos EQUIPAMENTOS enumerados nos artigos 51º e 96º da petição inicial, dos primeiros réus para a quarta ré, em consequência do que deve:

7.1. declarar-se o direito dos autores a executar esses bens no património da quarta ré para obtenção do crédito que detém sobre os primeiros réus referido no pedido número um; e, caso aliene qualquer dos referidos bens por negócio eficaz em relação aos autores,
7.2. declarar-se o direito dos autores a executar o património da quarta ré, até ao montante que se apurar corresponder ao valor de cada um dos bens alienados.

A TÍTULO SUBSIDIÁRIO

8. Condenasse os primeiros réus a pagar aos autores a quantia de € 75.000,00, acrescida de juros vencidos na data da apresentação da petição inicial, no montante de € 37.849,32, e dos que continuem a vencer-se até efectivo e integral pagamento, e os demais réus a reconhecer esse crédito dos autores;
9. Declarasse nulo, por simulado ou por se tratar de negócio indirecto, o contrato de doação, do PRÉDIO DE R., dos primeiros réus para os segunda e terceiro réus, constante da escritura pública de "doação", outorgada em 4 de Dezembro de 2012, no Cartório Notarial de Carlos, perante este notário, e lavrada a fls. 90, do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º ..., e, em consequência, restituir-se ao património dos primeiros réus o prédio aí identificado;
10. Declarasse nulo, por simulado ou por se tratar de negócio indirecto, o negócio de "compra e venda", do PRÉDIO DE J., da primeira ré, com o consentimento do primeiro réu, para os segunda e terceiro réus, constante do "título de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança", outorgada em 28 de Maio de 2014, na Conservatória do registo Predial, perante a respectiva conservadora, e lavrada no "Processo Casa Pronta n.º .../2014", e, em consequência, restituir-se ao património dos primeiros réus o prédio aí identificado;
11. Declarasse nulo, por simulado ou por se tratar de negócio indirecto, o negócio de transmissão do veículo automóvel, de marca CITROEN, de matrícula CR, dos primeiros réus para o terceiro réu, e, em consequência, restituir-se ao património dos primeiros réus o referido veículo;
12. Declarasse nulo, por simulado ou por se tratar de negócio indirecto, o negócio de transmissão do veículo automóvel, de marca VOLKSWAGEN, de matrícula TI, dos primeiros réus para a segunda ré, e, em consequência, restituir-se ao património dos primeiros réus o referido veículo;
13. Declarasse nulo, por simulado ou por se tratar de negócio indirecto, o negócio de transmissão do veículo automóvel, de marca BMW, de matrícula LH, dos primeiros réus para a segunda ré, e, em consequência, restituir-se ao património dos primeiros réus o referido veículo;
14. Declarasse nulo, por simulado ou por se tratar de negócio indirecto, o negócio de transmissão do veículo automóvel, de marca MAZDA, de matrícula BV, do veículo automóvel, de marca MITSUBISHI, de matrícula TF, e dos EQUIPAMENTOS enumerados nos artigos 51º e 96º da petição inicial, dos primeiros réus para a quarta ré, e, em consequência, restituir-se ao património dos primeiros réus os referidos bens;
15. Ordenasse o cancelamento de todas as inscrições feitas, quer no Registo Predial, quer no Registo Automóvel, com base nos referidos negócios, apesar da presunção do artigo 8º do Código de Registo Predial.

Alegam, para tanto, que:

- a 1ª Ré mulher adquiriu, em 9/04/1981 e ainda solteira, por doação de seus pais, o prédio de J. identificado nos artºs 2º e 4º da petição inicial;
- em 16/05/1982 os 1ºs RR. casaram um com o outro, sob o regime da comunhão de adquiridos, sendo pais da 2ª e 3º Réus;
- em 1/01/1986 o 1º R. marido declarou, no Serviço de Finanças, ter iniciado a actividade de construtor de edifícios, como empresário em nome individual;
- os 1ºs RR. construíram no prédio de J. um edifício de rés-do- chão e andar, que terminaram em 1992, e que foi erguido pelo 1º R. marido e seus empregados;
- na constância do matrimónio, nas datas indicadas na petição inicial, os 1ºs RR. adquiriram os veículos Mazda, Volkswagen, Mitsubishi e Citroen, que foram usados na actividade de construtor do 1º R. marido, bem como o veículo BMW para ser usado pela família aos fins-de-semana, habitualmente conduzido pelo 1º R. marido;
- em 20/07/1998, os 1ºs RR., em conjunto com a irmã do 1º R. marido, compraram a raiz ou nua propriedade do prédio de R. identificado no artº. 23º da petição inicial, cujo usufruto ficou reservado para os vendedores, vindo a ser cancelado em 3/07/2008; - em 18/02/2005 os AA. constituíram o 1º R. marido seu procurador, conferindo-lhe poderes para vender o prédio identificado nos artºs 29º e 30º da petição inicial, o que este fez em 18/03/2005, recebendo o respectivo preço, do qual não entregou aos AA. a quantia de € 75.000,00, que utilizou na sua actividade de construtor civil, para adquirir materiais e pagar os ordenados dos seus funcionários e outras despesas;
- em 3/06/2011 foi registada na Conservatória do Registo Predial a desanexação de uma das duas casas que compunham o prédio de R., ficando este composto por apenas uma casa de cave e rés-do-chão, e em 4/11/2011 aqueles prédios foram objecto de divisão, ficando o prédio de R. registado em nome dos 1ºs RR. e o desanexado em nome dos outros comproprietários;
- entre 1986 e 2012, os 1ºs RR. foram adquirindo um conjunto de equipamentos máquinas e utensílios para a actividade do 1º R. marido, tendo em 2012, pelo menos, os bens discriminados no artº. 51º da petição inicial;
- no final de 2012 os 1ºs RR. decidiram não pagar aos credores e "passar" todo o património para os filhos e uma empresa de construção civil, que estes constituiriam, por meio da qual o 1º R. continuaria a exercer a actividade de construtor civil;
- em execução daquele plano, em 4/12/2012 os 1ºs RR. declararam doar aos 2ª e 3º RR., seus filhos, o prédio de R., que valia não menos de € 72.350,00;
- em 20/12/2012 os 1ºs RR. declararam transmitir ao 3º R. o veículo Citroen, que valia não menos de € 6.800,00 e à 2ª Ré os veículos Volkswagen e BMW, de valor não inferior a € 7.000,00 e € 5.000,00 respectivamente, sem nada terem recebido em troca;
- em 26/12/2012 os 2ª e 3º RR. declararam constituir a sociedade X, Lda. (a 4ª Ré), com sede no prédio de R., tendo por objecto, entre outras, a actividade de construção civil, a qual continuou com as obras que vinham sendo feitas pelo 1º R. marido;
- em 31/12/2012 o 1º R. marido “encerrou a actividade” e declarou vender à 4ª Ré, empresa dos filhos, todos os equipamentos da sua actividade, bem como os veículos Mitsubishi e Mazda pelos preços indicados no artº. 96º da petição inicial, sendo que a sociedade “adquirente” nada pagou e o 1º R. marido continuou a servir-se desses veículos e equipamentos;
- o 1º R. marido sempre proveu aos encargos da vida familiar com o rendimento que obtinha da sua actividade de construtor civil;
- no seguimento do plano delineado, em 11/03/2014 o 1º R. marido (e apenas este) apresentou-se à insolvência, alegando, para além do mais, que não era dono de quaisquer bens e que "não dispõe, nem dispôs, nos últimos cinco anos, de qualquer património, que garanta, nos termos gerais, o pagamento das dívidas vencidas”, sugerindo a nomeação do administrador de insolvência que indicou;
- em 24/03/2014 foi declarada a insolvência do 1º R. marido e designado o administrador sugerido;
- em 14/05/2014 o administrador escolhido apresentou no processo de insolvência o seu relatório, dele constando, entre o mais, que "não foram indicados nem são conhecidos bens susceptíveis de serem apreendidos”, terminando a sugerir o encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente;
- na assembleia de credores do 1º R. marido, realizada em 21/05/2014, um credor declarou que havia apurado que o insolvente era titular, até há pouco tempo, de vários prédios, veículos automóveis e equipamentos, requerendo prazo para vir aos autos fornecer todas as informações obtidas, tendo o administrador da insolvência se pronunciado no sentido dos autos ficarem a aguardar que fosse fornecida toda a informação necessária ao apuramento de bens pertencentes ao insolvente;
- em 28/05/2014, para não correr riscos, a 1ª Ré mulher (nunca declarada insolvente) declarou vender aos 2ª e 3º RR., seus filhos, o prédio de J., que valia não menos de € 70.000,00, o que fez com o consentimento do 1º R. marido, tendo os 1ºs RR. continuado a residir naquele prédio;
- estes negócios foram expostos no processo de insolvência do 1º R. marido, por requerimento de um credor em 2/06/2014, na sequência do que declarara na assembleia de credores, tendo o administrador da insolvência, em 25/09/2014, apresentado uma exposição sobre o que aconteceu ao património do insolvente;
- em 22/10/2014 os AA. intentaram, por apenso ao processo de insolvência do 1º R. marido, uma acção pedindo a verificação do crédito com origem na venda que o 1º R. marido havia feito, em representação dos AA., do prédio destes, crédito esse no valor de € 75.000,00, na qual foi proferida sentença, em 26/05/2017, que reconheceu aquele crédito dos AA. sobre a massa insolvente;
- o administrador da insolvência, "depois de muita insistência", em 5/06/2015 enviou cartas registadas sem aviso de recepção aos 2º a 4º RR., comunicando que resolvia os negócios ali (e aqui) referidos;
- os 2º a 4º RR. impugnaram as referidas resoluções, por acção de impugnação da resolução alegando, além do mais, que caducara o direito à resolução e que não foi observada a forma legal da comunicação por carta registada com aviso de recepção.

Mais alegam que os negócios translativos da propriedade dos bens móveis e imóveis em causa nos autos tiveram como fim subtrair os mesmos à cobrança coerciva do crédito que os AA. detinham sobre os RR., tudo de forma conluiada entre todos e por modo a prejudicar os AA., já que nenhum outro património restou para pagamento da dívida.

Os RR. contestaram, alegando, em síntese, que:

- os negócios dos bens identificados nos autos foram objecto de resolução pelo administrador da massa insolvente de António (1º R. marido), sendo que a instauração da presente acção viola o disposto no artº. 127º do CIRE;
- na audiência prévia realizada em 28/09/2017, na acção de impugnação da resolução (apenso E do processo de insolvência do 1º R. marido), os 2ª e 3º RR. celebraram com o administrador da insolvência uma transacção, que ficou sujeita a ratificação pelos credores da insolvência, o que veio a acontecer, tendo a mesma sido homologada por sentença;
- se a referida sentença homologatória vier a transitar em julgado, a presente acção de impugnação pauliana representa uma clara ofensa ao caso julgado, no que concerne ao pedido de impugnação pauliana e de declaração de nulidade constantes da petição inicial;
- a transação judicial homologada por sentença, transitada em julgado, confere ao acordo determinados efeitos processuais, atribuindo-lhe eficácia executiva e autoridade de caso julgado;
- por força da autoridade do caso julgado ficam os AA. e os 2ª, 3º e 4º RR. vinculados às obrigações fixadas na transacção judicialmente homologada;
- o crédito dos AA. identificado sob o nº. 1 do pedido principal e o nº. 8 do pedido subsidiário foi reconhecido por sentença transitada em julgado, proferida no apenso da verificação ulterior de créditos do processo de insolvência do 1º R. marido, pelo que não poderá ser objecto de nova apreciação nestes autos;
- os pedidos subsidiários efectuados pelos AA. sob os nºs 9 a 15 são inviáveis em face do disposto nos artºs 123º e 127º do CIRE.

Alegam, ainda, que os juros de mora reclamados pelos AA. na petição inicial estão prescritos, por força do disposto na al. d) do artº. 310º do Código Civil, e que à data da celebração da doação, em 4/12/2012, o 1º R. dispunha de património suficiente para pagamento do crédito dos Autores.

Concluem, pugnando pela improcedência da acção e consequente absolvição dos RR. do pedido.

Os AA. apresentaram réplica, na qual responderam às excepções invocadas pelos RR., designadamente de ofensa do artº. 127º do CIRE, existência de caso julgado, impossibilidade legal da declaração de nulidade por simulação após a declaração de insolvência e trânsito em julgado da sentença proferida na acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente e prescrição dos juros.

Terminam, pugnando pela improcedência das excepções invocadas pelos RR. e concluindo, no mais, como na petição inicial.

Em 26/04/2018 foi proferido despacho a dar conhecimento às partes de que o estado dos autos habilitava o Tribunal a proferir decisão de mérito quanto aos pedidos de impugnação formulados relativamente aos bens que também foram objecto de resolução pelo Administrador da Insolvência (doravante AI), bem assim como quanto aos pedidos subsidiários de simulação, e a determinar a notificação das mesmas para se pronunciarem nos termos e para os efeitos do disposto no artº. 3º, nº. 3 do NCPC.

Os AA. vieram a fls. 295 e 296 pronunciar-se pela procedência da impugnação pauliana, no que respeita aos negócios gratuitos, pois que, quanto a estes, não carece sequer haver demonstração da má-fé dos “adquirentes”, nos termos do disposto na 2ª parte do n.º 1 do artº. 612º do Código Civil, entendendo que, relativamente aos outros requisitos, parecem já todos preenchidos porque admitidos, porquanto o crédito é anterior a todos os “negócios” impugnados e deles resultou a impossibilidade de obtenção do crédito, sendo que tudo foi feito com o propósito de nada deixar no “património” dos 1ºs Réus.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido saneador-sentença no qual se decidiu julgar a acção manifestamente improcedente e absolver os RR da totalidade dos pedidos formulados.

Inconformados com tal decisão, os Autores dela interpuseram recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:

QUANTO AOS FACTOS SELECCIONADOS

1.ª Numa acção de impugnação pauliana, em que se acham impugnados vários negócios, uns realizados pelo cônjuge de um insolvente, outros realizados pela comunhão conjugal do insolvente e seu cônjuge não insolvente, para a verificação, nos termos do disposto no artigo 127º do CIRE, dos efeitos da resolução pelo administrador da insolvência, importa seleccionar os factos relativos à propriedade dos bens alienados nos negócios impugnados, na exacta medida em que a eventual resolução feita pelo administrador de uma insolvência apenas pode operar sobre negócios realizados pelo insolvente e nunca sobre os negócios realizados por outrem que não o insolvente.
2.ª Assim e estando aqueles factos alegados pelas partes, não pode tal questão decidir-se sem se seleccionar os factos, alegados pelas partes e indicados na motivação deste recurso, relativos à data e regime de bens do casamento do insolvente e seu cônjuge, à data e regime da aquisição de cada um dos bens, tudo por forma a verificar se se trata de bens próprios do insolvente ou até do cônjuge não insolvente, ou se se trata de bens comuns do casal, pois que o administrador do insolvente apenas pode resolver os negócios celebrados pelo insolvente e não já os celebrados pelo seu cônjuge, nem os celebrados pelo casal, para além, claro, dos factos relativos à dívida e sua comunicabilidade ao cônjuge.
3.ª Ao decidir a questão das implicações da resolução pelo administrador da insolvência na impugnação pauliana sem seleccionar aqueles factos, o tribunal violou o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 595º, para além do que parece mesmo ter cometido a nulidade da omissão de pronúncia sobre factos essenciais alegados pelas partes, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615º, em conjugação com o n.º 4 do artigo 607º, e o n.º 1 do artigo 5º, todos do Código de Processo Civil, a qual, no entanto e no caso, uma vez que se trata de um saneador-sentença, sempre deverá resultar na sua revogação e consequente prosseguimento do processo para os apurar - nos termos sugeridos, em caso semelhante, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão de 16 de Fevereiro de 2017, onde se sumariou que
"II. O conhecimento imediato do mérito da causa no despacho saneador, permitido na alínea b) do n.º 1 do artigo 595º do CPC, só poderá acontecer (i) quando toda a matéria de facto se encontre provada por confissão expressa ou tácita, por acordo ou por documentos, (ii) quando seja indiferente, para qualquer das soluções plausíveis, a prova dos factos que permanecem controvertidos, e (iii) quando todos os factos controvertidos careçam de prova documental.
III. Nessa medida, mostrando-se ainda controvertidos factos alegados pelo Autor que, com relevância, contendem com a causa de pedir subjacente aos pedidos sobre os quais o Tribunal decidiu pronunciar-se no despacho saneador, estava vedado àquele Tribunal conhecer imediatamente, nessa fase processual, do mérito desses pedidos."

QUANTO AOS BENS OBJECTO DA RESOLUÇÃO PELO ADMINISTRADOR

AS IMPLICAÇÕES NA ACÇÃO PAULlANA

4.ª Estando em causa a impugnação pauliana de negócios celebrados pelo cônjuge do insolvente (e não pelo insolvente), no qual transmitiu um bem próprio seu, bem como de negócios celebrados pelo casal (o insolvente e o seu cônjuge), de bens comuns, não há que analisar sequer as implicações da resolução pelo administrador, mesmo que este a tenha feito, por se tratar de um acto irrelevante, na medida em que os poderes conferidos pelo artigo 120º do CIRE, ao administrador de uma insolvência para resolver os negócios prejudiciais à massa, se limitam aos negócios celebrados pelo insolvente, únicos que podem ser prejudiciais à massa insolvente.
5.ª Ainda que se entendesse de outro modo, que o administrador da insolvência pode resolver negócios de alienação celebrados pelo cônjuge do insolvente ou pelo casal, sempre, sendo a resolução dada sem efeito, nenhuma implicação ela terá nas acções de impugnação pauliana que os credores do cônjuge do insolvente decidam intentar, como nenhuma implicação teria sobre os negócios celebrados pelo insolvente cuja resolução pelo administrador fosse dada sem efeito, uma vez que, num caso como no outro, "dar sem efeito" a resolução é trata-la como se não tivesse acontecido.
6.ª E isso mesmo que a resolução do administrador seja dada sem efeito numa transacção assinada pelo administrador da insolvência e os adquirentes dos bens, por se tratar de rés inter alios relativamente aos credores, sobretudo aos credores que a não aprovaram, antes a ela se tenham oposto.
7.ª A isso não obsta a circunstância de a transacção ter sido homologada por sentença, se esta se limitou a verificar se a transacção é valida atenta a qualidade das partes (se nela intervieram as partes naqueles autos, o administrador da insolvência e os adquirentes dos bens), bem como o objecto da lide (se nela estão em causa direitos disponíveis, como era o caso, uma vez que o administrador, da mesma forma que tem poderes para resolver negócios celebrados pelo insolvente, também tem poderes para não os resolver ou desistir das resoluções que tenha feito) e nela não intervieram os credores do insolvente, nem e com muito relevo, os credores do cônjuge do insolvente. De resto e na única vez que o tribunal da insolvência se pronunciou sobre os factos, fê-lo para julgar culposa a insolvência, fixando em nove anos o período da inibição para o comércio.

AINDA QUANTO AOS BENS OBJECTO DA RESOLUÇÃO PELO ADMINISTRADOR

AS IMPLICAÇÕES NA ACÇÃO DE NULIDADE

8.ª Estando em causa o pedido de declaração de nulidade de negócios celebrados pelo cônjuge do insolvente (e não pelo insolvente), no qual transmitiu um bem próprio seu, bem como de negócios celebrados pelo casal (o insolvente e o seu cônjuge), de bens comuns, não há que analisar sequer as implicações da insolvência de apenas um dos cônjuges, estando aqueles negócios sujeitos à livre impugnação pelos credores do cônjuge não declarado insolvente, bem como dos credores do casal.
9.ª Da mesma sorte e ainda que se considerasse o contrário, aquela via de impugnação daqueles negócios sempre estaria livre, sobretudo depois de terem disso declaradas sem efeito as possíveis resoluções feitas pelo administrador da insolvência.

QUANTO AOS BENS QUE NÃO FORAM OBJECTO DA RESOLUÇÃO PELO ADMINISTRADOR

10.ª Não há qualquer obstáculo à impugnação pauliana de negócios celebrados pelo insolvente se eles não foram objecto de resolução pelo administrador da insolvência.

POR FIM,
11.ª A decisão recorrida violou ou não fez a melhor interpretação e aplicação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 595º, ocasião em que parece mesmo ter cometido a nulidade apontada na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º, em conjugação com o n.º 4 do artigo 607º, e o n.º 1 do artigo 5.º, todos do Código de Processo Civil;
12.ª A decisão recorrida violou ou não fez a melhor interpretação e aplicação do disposto nos artigos 120º e 127º do CIRE, para além do disposto no artigo 1717º, alínea a), do n.º 1 do artigo 1722º, alínea b) do artigo 1724º, alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 do artigo 1691º, artigos 605º e 610º, todos do Código Civil.

Terminam entendendo que deve ser dado provimento ao presente recurso, em consequência do que deve ser revogada a decisão recorrida e ser substituída por deliberação que determine o prosseguimento dos autos para julgamento dos factos e pedidos principal e subsidiário, dos Autores:

− Em relação ao denominado prédio de J., por se tratar de bem que pertencia em exclusivo à 1ª Ré mulher, cônjuge do insolvente e não ao insolvente, e porque, de todo o modo, a resolução foi dada sem efeito;
− Em relação ao denominado Prédio de R., aos veículos BMW, Citroen e Mitsubishi e aos equipamentos referidos no artigo 51º da petição inicial, que foram objecto de resolução pelo administrador da insolvência, por se tratar de bens que pertenciam à comunhão conjugal e não ao insolvente, e porque a resolução foi dada sem efeito;
− Em relação aos veículos Volkswagen e Mazda e aos outros equipamentos referidos no artigo 51º da petição inicial, por se tratar de bens comuns do casal e por nunca terem sido alvo de resolução pelo administrador da insolvência do 1º R. marido.

A Ré Massa Insolvente de António contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 333.
Pelo juiz relator foi proferido despacho, nos termos do artº. 3º, n.º 3 do NCPC, a determinar a notificação das partes para se pronunciarem “quanto à possibilidade de, por força da sentença de homologação da transacção celebrada no processo 537/14.4 TJVNF-E, se concluir que aí se reconheceu a validade dos negócios jurídicos em questão na presente lide, pelo que, no que toca aos pedidos formulados sob 2 a 7 e 9 a 14, pode haver caso julgado em relação aos réus que nele foram sujeitos processuais e autoridade de caso julgado relativamente aos restantes” (fls. 336).

Na sequência do aludido despacho, vieram os AA., ora recorrentes, pronunciar-se nos termos constantes de fls. 340 a 346, defendendo, no final, que não ocorre, “in casu”, a excepção do caso julgado nem a autoridade do caso julgado, nem também a excepção da transacção porque, em qualquer dos casos, o Autor (recorrente) e os alienantes dos bens não foram partes na referida acção, nem intervieram na transacção.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2, 635º, nº. 4 e 639º, nº. 1 todos do Novo Código de Processo Civil (doravante NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6.

Nos presentes autos, o objecto do recurso, delimitado pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:

I) - Questão prévia:

- Rectificação dos lapsos materiais, inexactidões e imprecisões existentes nas alíneas c), d), e), f) e h) da matéria de facto assente na sentença recorrida;
- Reformulação da redacção da alínea g) dos factos assentes;

II) - Saber se se verifica a situação de caso julgado e autoridade de caso julgado ou se os autos devem prosseguir os seus termos para julgamento dos factos alegados pelas partes e dos pedidos principal e subsidiário formulados pelos Autores.

Na sentença recorrida foram considerados assentes os seguintes factos [transcrição]:

a) Foi constituído a favor dos AA. um crédito de 75.000,00 euros sobre o réu António que se constituiu em 18 de Março de 2005.
b) O réu António foi declarado insolvente por sentença transitada em julgado de 24 de Março de 2014, proferida nos autos n.º 537/14.4TJVNF, pelo 5.º Juízo Cível dos Juízos de Competência Cível de Vila Nova de Famalicão.
c) Por sentença transitada, no apenso da verificação ulterior de créditos do processo de insolvência do 1.º R. marido, que corre termos no Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão - Juiz 2, sob o n.º 537/14.4TJVNF-D, o crédito referido em a) foi declarado reconhecido como crédito sobre a massa insolvente, acrescido de juros à taxa de 4%, desde a citação e até pagamento, crédito este de natureza subordinada a graduar no lugar que lhe competir, foi declarado reconhecido como crédito sobre a massa insolvente.
d) Por carta datada de 5 de Junho de 2015, assinada pelo Exmo. Senhor Administrador de Insolvência, enviada à X, Lda., foi resolvido o negócio relativo à venda dos bens móveis:
Mitsubishi, de matricula EP,
200 escoras metálicas,
e, máquina de cortar ferro,
central eléctrica de betão,
auto betoneira,
grua,
máquina grua (telescópio),
2 betoneiras
diversa ferramenta de mão.
e) Por carta registada, enviada à ré A. C., assinada pelo Exmo. Senhor Administrador de Insolvência, foram resolvidos seguintes negócios:

i. Venda do prédio urbano, casa de habitação de rés-do-chão, andar e quintal, sito no Lugar …, na freguesia de J., concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na CRP sob o n.º ..., inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ...,
ii. Doação do prédio urbano, composto de duas casas, sito em R., descrito na CRP de Guimarães, inscrito na respectiva matriz predial sob os artigos n.º ... cave e ... rés-do-chão e a
iii. Venda do veículo automóvel de marca BMW Série 5, matricula LH.
f) Por carta registada, assinada pelo Exmo. Senhor Administrador de Insolvência, foram resolvidos seguintes negócios:
i. Venda do veículo automóvel de marca Citroen, matricula CR.
g) Foi intentada acção de impugnação das resoluções referidas na qual foi lavrada transacção pelas partes cujos termos foi aprovado pelos credores reconhecidos no processo de insolvência.
h) A transacção foi homologada por sentença transitada de 4/12/2017.
i) Em 26 de Maio de 2017 foi proferida sentença nos autos de verificação ulterior de crédito que declarou reconhecer o crédito, no montante de capital de EUR 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), dos aqui autores sobre a massa insolvente, acrescido de juros, calculados à taxa anual de 4%, contados desde a citação para aqueles autos - cfr. sentença de que se junta impressão como documento n.º 43.

Para fundamentar a sua convicção quanto à decisão de facto, o Tribunal recorrido refere o seguinte [transcrição]:

“Os factos assentes resultaram dos documentos juntos aos autos não impugnados.

A sorte dos demais factos não assume relevância no desfecho da ação, sendo o seu julgamento a pratica de ato inútil”.
*
I) - Questão prévia:

- Rectificação dos lapsos materiais, inexactidões e imprecisões existentes nas alíneas c), d), e), f) e h) da matéria de facto assente da sentença recorrida:

Como questão prévia à apreciação de fundo da questão supra enunciada, e porque está correlacionada com a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal “a quo”, afigura-se-nos existir nas alíneas c), d), e), f) e h) dos “factos assentes” enunciados na sentença recorrida alguns lapsos materiais ou de escrita, inexactidões e imprecisões, relacionados com o número do apenso de verificação ulterior de créditos do processo de insolvência do 1º R. marido e com a sentença nele proferida, com as cartas de resolução dos negócios em causa enviadas pelo AI aos 2º a 4º RR. e com a sentença homologatória da transacção efectuada na acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, que se tornam manifestos em face da matéria alegada pelos AA. na petição inicial e pelos RR. nas contestações no âmbito da excepção de caso julgado, que não foi impugnada, bem como dos seguintes documentos juntos aos autos, aceites pelas partes:

- sentença proferida na acção de verificação ulterior de créditos constante de fls. 170vº a 174, onde se constata que aquela acção constitui o Apenso B (e não D, como se refere na al. c) dos “factos assentes”);
- cartas de resolução dos negócios relativos aos bens móveis e imóveis identificados nos autos, enviadas pelo AI aos 2º a 4º RR. e respectivos talões de registo postal (cfr. fls. 158 a 165), nas quais consta a respectiva data de emissão e estão devidamente identificados os bens cuja venda e doação foram objecto de resolução pelo AI e os destinatários daquelas, o que não consta com exactidão das alíneas d), e) e f) dos “factos assentes”;
- sentença homologatória da transacção efectuada na acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente constante de fls. 194vº, na qual se verifica que a mesma foi proferida em 4/12/2017, não correspondendo esta data ao trânsito da mesma, como parece resultar da al. h) dos “factos assentes”.

Em nosso entender importaria, pois, corrigir na sentença recorrida os seguintes lapsos de escrita, inexactidões e imprecisões, nos termos dos artºs 613º, nº. 2 e 614º ambos do NCPC, por forma a haver consonância entre a factualidade dada como provada, a matéria alegada na petição inicial e nas contestações no âmbito da excepção de caso julgado, que não foi impugnada, e os documentos juntos aos autos, aceites pelas partes:

a) – na alínea c) dos “factos assentes”, onde se refere “537/14.4TJVNF-D”, deveria constar “537/14.4TJVNF-B”, para além de ser suprimida da parte final da alínea a expressão “foi declarado reconhecido como crédito sobre a massa insolvente”, por esta já constar no texto da mesma, tratando-se de uma repetição;
b) – na alínea d) dos “factos assentes” não consta que a carta de resolução enviada pelo AI é registada [a exemplo do que acontece nas alíneas e) e f)] e há uma incorrecção quanto ao nome da sociedade destinatária da carta, pelo que deveria passar a constar que:
d) Por carta registada datada de 5 de Junho de 2015, assinada pelo Exmo. Senhor Administrador de Insolvência, enviada à X, Lda., foi resolvido o negócio relativo à venda dos bens móveis:
Veículo automóvel de marca Mitsubishi, matrícula EP,
200 escoras metálicas,
máquina de cortar ferro,
central eléctrica de betão,
auto betoneira,
grua,
máquina grua (telescópio),
2 betoneiras
diversa ferramenta de mão.
c) - na alínea e) dos “factos assentes” não consta a data da carta de resolução enviada pelo AI [a exemplo do que acontece na alínea d)], nem a identificação completa do prédio urbano que foi objecto de doação (falta o número da descrição na CRP de Guimarães), sendo ainda feita uma menção incompleta à CRP onde o prédio urbano objecto de venda se encontra descrito, pelo que deveria passar a constar que:

e) Por carta registada datada de 5 de Junho de 2015, assinada pelo Exmo. Senhor Administrador de Insolvência, enviada à Ré A. C., foram resolvidos os seguintes negócios:

i. Contrato de compra e venda do prédio urbano, casa de habitação de rés-do-chão, andar e quintal, sito no Lugar ..., na freguesia de J., concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na CRP de Vila Nova de Famalicão sob o n.º ..., inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo n.º ...,
ii. Doação do prédio urbano, composto de duas casas, sito em R., descrito na CRP de Guimarães sob o n.º ..., inscrito na respectiva matriz predial sob os artigos n.ºs ... cave e ... rés-do-chão,
iii. Venda do veículo automóvel de marca BMW Série 5, matrícula LH.
d) - na alínea f) dos “factos assentes” não consta o nome do destinatário e a data da carta de resolução enviada pelo AI [a exemplo do que acontece nas alíneas d) e e)], nem são indicados todos os negócios que foram resolvidos pelo AI, em relação ao R. T M., e que são referidos nessa carta [o contrato de compra e venda e a doação dos imóveis mencionados na alínea e)], pelo que deveria passar a constar que:
f) Por carta registada datada de 5 de Junho de 2015, assinada pelo Exmo. Senhor Administrador de Insolvência, enviada ao R. T M., foram resolvidos os seguintes negócios:
i. Contrato de compra e venda do prédio urbano, casa de habitação de rés-do-chão, andar e quintal, sito no Lugar ..., na freguesia de J., concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na CRP de Vila Nova de Famalicão sob o n.º ..., inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo n.º ...,
ii. Doação do prédio urbano, composto de duas casas, sito em R., descrito na CRP de Guimarães sob o n.º ..., inscrito na respectiva matriz predial sob os artigos n.ºs ... cave e ... rés-do-chão,
iii. Venda do veículo automóvel de marca Citroen, matrícula CR.
e) - na alínea h) dos “factos assentes”, onde se refere “a transação foi homologada por sentença transitada de 4/12/2017”, passaria a constar “A transacção referida em g) foi homologada por sentença de 4/12/2017, que não foi objecto de recurso por nenhuma das partes naquela acção”, uma vez que os AA., ora recorrentes, na resposta à excepção de caso julgado deduzida pelos RR., não aceitam que a referida sentença homologatória tenha transitado em relação a eles, pelas razões que mais adiante se explanarão.
Acresce, ainda, referir que a alínea i) dos “factos assentes” trata-se em parte de uma repetição da alínea c), transcrevendo apenas uma parte do dispositivo da sentença proferida no apenso de verificação ulterior de créditos, atinente ao reconhecimento do crédito dos aqui AA., sendo que na mesma consta a data de prolação da sentença, o que não se verifica na alínea c).
*
- Reformulação da redacção da alínea g) dos factos assentes:

Referem o recorrentes nas suas alegações que não pode considerar-se provado o facto descrito na alínea g) dos “factos assentes”, por não estar demonstrado e ser conclusivo.

Na alínea g) dos “factos assentes” consta que “foi intentada ação de impugnação das resoluções referidas na qual foi lavrada transação pelas partes cujos termos foi aprovado pelos credores reconhecidos no processo de insolvência”, com base na matéria alegada no artº. 142º da petição inicial, artºs 3º a 8º da contestação dos 2º a 4º RR. e 9º a 12º da contestação da 5ª Ré (Massa Insolvente de António) e nos documentos juntos a fls. 167 a 170 (petição inicial da acção de impugnação da resolução nº. 537/14.4TJVNF-E apensa ao processo de insolvência), 193 e 194 (acta da audiência prévia realizada no aludido Apenso E, onde foi celebrada a referida transacção) e 210 (despacho proferido no Apenso E a considerar ratificada a transacção).

Ora, conforme resulta dos autos, no artº. 142º da petição inicial é alegado que em Setembro de 2015, os 2ª, 3º e 4ª RR. opuseram-se às resoluções efectuadas pelo AI, por acção de impugnação da resolução, nos termos constantes do documento nº. 42 (junto a fls. 167 a 170) cujo teor é dado por reproduzido, tendo no artº 9º da contestação da 5ª Ré sido também feita menção à instauração dessa acção, com identificação do número do processo e do Tribunal onde corre termos, tendo tais factos e documentos sido aceites pelas partes.

Nos artºs 3º a 7º da contestação dos 2º a 4ª RR. é alegada a seguinte matéria, no âmbito da excepção de caso julgado ali suscitada (que corresponde à alegada nos artºs 10º e 11º da contestação da 5ª Ré, também no âmbito da mesma excepção por ela suscitada):

3º. Acontece que em 28 de Setembro de 2017, os 2º e 3º RR. celebraram com os Administrador de Insolvência, em audiência prévia com tentativa de conciliação, no apenso E do processo de insolvência do 1º R. marido, que corre termos no Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão – Juiz 2, sob o n.º 537/14.4TJVNF-E, uma transação judicial onde ao acordaram que:
4º. “1. As partes acordam em dar em sem efeito as resoluções dos negócios em benefício da massa insolvente efetuadas pelas cartas resolutivas juntas com a petição inicial e impugnadas nestes autos.
5º. 2. Os autores comprometem-se, solidariamente, a pagar à massa insolvente a quantia de 7.000 € (sete mil euros), em 14 (catorze) prestações mensais, iguais e sucessivas, de 500 € (quinhentos euros) cada, vencendo-se a primeira em 15 de outubro de 2017, e as restantes em igual dia dos meses subsequentes, por transferência bancária para a conta da massa insolvente.
6º. 3. As custas serão suportadas a meias, por autores e ré, prescindindo ambas de custas de parte.”
7º. Este acordo ficou contudo sujeito a prévia ratificação dos credores da insolvência, conforme se pode verificar pela acta da audiência prévia, que se junta e dá por integralmente reproduzida (doc. 1).

Não tendo todos os factos supra referidos sido impugnados e estando comprovados pelos documentos de fls. 167 a 170, 193 e 194 acima referidos, aceites pelas partes, entendemos que os mesmos poderiam integrar a al. g) dos “factos assentes”, pese embora com uma redacção reformulada, por forma a estar em conformidade com a referida matéria alegada pelas partes, que não foi impugnada, e com os aludidos documentos que constam dos autos, não devendo, em nosso entender, constar da mencionada alínea g) a expressão “cujos termos foi aprovado pelos credores reconhecidos no processo de insolvência”, contrariamente ao que acontece na decisão recorrida – que assentou na matéria alegada no artº. 8º da contestação dos 2º a 4ª RR. e no artº. 12º da contestação da 5ª Ré, no âmbito da excepção de caso julgado ali suscitada - uma vez que se trata de um facto que não poderá ser dado como provado no saneador, em virtude de não ter sido aceite pelos AA. na sua resposta à excepção de caso julgado (sendo, por isso, controvertido) e não se mostrar sustentado pelos elementos que constam da aludida acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente nº. 537/14.4TJVNF-E apensa ao processo de insolvência, disponível na plataforma Citius, como adiante se explanará.

Assim sendo, entendemos que a alínea g) dos “factos assentes” deveria ser reformulada, passando a ter a seguinte redacção:

g) Em Setembro de 2015 os ora 2º, 3º e 4º RR. intentaram contra a aqui Ré Massa Insolvente de António acção de impugnação das resoluções efectuadas pelo AI supra referidas em d), e) e f), nos termos constantes do documento junto a fls. 167 a 170 que aqui se dá por reproduzido, que corre termos no Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão – Juiz 2 sob o n.º 537/14.4TJVNF-E, por apenso ao processo de insolvência do 1º R. marido, tendo em audiência prévia com tentativa de conciliação realizada naquela acção em 28/09/2017, sido celebrada uma transacção entre as partes nos seguintes termos:

“1. As partes acordam em dar em sem efeito as resoluções dos negócios em benefício da massa insolvente efetuadas pelas cartas resolutivas juntas com a petição inicial e impugnadas nestes autos.
2. Os autores comprometem-se, solidariamente, a pagar à massa insolvente a quantia de 7.000 € (sete mil euros), em 14 (catorze) prestações mensais, iguais e sucessivas, de 500 € (quinhentos euros) cada, vencendo-se a primeira em 15 de outubro de 2017, e as restantes em igual dia dos meses subsequentes, por transferência bancária para a conta da massa insolvente.
(…)”;
transacção esta que ficou sujeita à previa ratificação dos credores da insolvência, aos quais foi concedido o prazo de 10 dias para confirmar nos autos tal ratificação, com vista à respectiva homologação.

Uma vez que foi interposto recurso do saneador-sentença proferido pelo Tribunal de 1ª instância, entendemos, em face do disposto no artº. 614º, nº. 2 do NCPC, que a rectificação dos apontados lapsos materiais, inexactidões e imprecisões detectadas nos factos assentes e a reformulação da redacção da alínea g) dos factos assentes nos termos acima expostos, devem ser feitas pelo Tribunal “a quo”, tanto mais que os presentes autos irão ser remetidos novamente à 1ª instância para prosseguimento dos seus ulteriores termos, pela razões que mais adiante se mencionarão.
*
II) - Saber se se verifica a situação de caso julgado e autoridade de caso julgado ou se os autos devem prosseguir os seus termos para julgamento dos factos alegados pelas partes e dos pedidos principal e subsidiário formulados pelos Autores:

Insurgem-se os AA., ora recorrentes, contra a decisão recorrida que, no saneador, julgou a presente acção improcedente e absolveu os RR. da totalidade dos pedidos formulados na petição inicial, alegando que nesta acção de impugnação pauliana, em que são impugnados vários negócios que envolvem a transmissão do direito de propriedade de determinados bens móveis e imóveis para os 2º a 4º RR. - uns realizados pelo cônjuge do insolvente (o aqui 1º R. marido) e outros realizados pelo casal formado pelo insolvente e seu cônjuge não insolvente – não se pode decidir a questão das implicações da resolução de alguns desses negócios efectuada pelo AI e do disposto no artº. 127º do CIRE na presente acção de impugnação pauliana instaurada por um credor do insolvente, bem como a questão da sentença homologatória da transacção proferida no processo nº. 537/14.4TJVNF-E ter o efeito de caso julgado em relação aos AA. nesta acção, sem serem seleccionados outros factos alegados pelas partes e por eles indicados na motivação de recurso, por os considerarem relevantes para a decisão da causa, dando-os como assentes (por constarem dos documentos não impugnados, que serviram para considerar assentes os factos seleccionados, e porque confessados), ou como controvertidos (por terem sido impugnados e carecerem de produção de prova), o que não aconteceu na decisão sob censura, para além de defenderem que não pode considerar-se provado o facto descrito na alínea g) dos “factos assentes”, por não estar demonstrado.

Entendem os recorrentes que os presentes autos devem prosseguir os seus termos para julgamento dos aludidos factos e dos pedidos principal e subsidiário por eles formulados em relação:

− ao denominado prédio de J., por se tratar de bem que pertencia em exclusivo à 1ª Ré mulher, cônjuge do insolvente e não ao insolvente, e porque, de todo o modo, a resolução da venda daquele imóvel operada pelo AI foi dada sem efeito;
− ao denominado prédio de R., aos veículos BMW, Citroen e Mitsubishi e aos equipamentos referidos no artº. 51º da petição inicial, em que os negócios atinentes a estes bens foram objecto de resolução pelo AI, por se tratar de bens que pertenciam ao casal, e não apenas ao insolvente, e porque a resolução foi dada sem efeito;
− aos veículos Volkswagen e Mazda e aos outros equipamentos referidos no artº. 51º da petição inicial, por se tratar de bens comuns do casal e nunca terem sido alvo de resolução pelo AI do 1º R. marido.

Debrucemo-nos, em primeiro lugar, sobre os pedidos nºs 1 e 8 (este último a título subsidiário) da petição inicial, com os quais os AA. pretendem que os 1ºs RR. sejam condenados a pagar-lhes a quantia de € 75.000,00, acrescida de juros vencidos na data da apresentação da petição inicial, no montante de € 37.849,32, e dos que continuem a vencer-se até efectivo e integral pagamento, e os demais réus a reconhecer esse crédito dos Autores.

A sentença recorrida não se pronunciou concreta e especificadamente sobre estes pedidos, tendo-o feito de uma forma muito genérica, quando apreciou os pedidos de impugnação pauliana formulados quanto aos veículos Mazda, de matrícula BV e Volkswagen, de matrícula TI (bens que não foram objecto de resolução pelo administrador da insolvência do 1º R. marido), ao referir o seguinte [transcrição]:

“Estes pedidos assentam: Condenar-se os primeiros réus a pagar aos autores a quantia de EUR 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), acrescido de juros vencidos na data da apresentação deste articulado, no montante de EUR 37.849,32 (trinta e sete mil oitocentos e quarenta e nove euros e trinta e dois cêntimos), e dos que continuem a vencer-se até efectivo e integral pagamento, e os demais réus a reconhecer esse crédito dos autores (…) e a declarar-se o direito dos AA a executar tais bens no património dos RR … para obtenção do crédito que detém sobre os primeiros RR.
Ora, flui do exposto, em nosso entendimento que, também neste segmento, a ação é manifestamente improcedente.
É que, conforme resulta do nº 3 do artigo 127º do CIRE «Julgada procedente a acção de impugnação, o interesse do credor que a tenha instaurado é aferido, para efeitos do artigo 616º do Código Civil, com abstração das modificações introduzidas ao seu crédito por um eventual plano de insolvência ou de pagamentos».

Isto significa que o crédito a ter em conta é o crédito reclamado e verificado na insolvência, todavia em caso algum admite que possa ser reconhecido um crédito anterior à insolvência do devedor e sobretudo que o tribunal possa condenar o devedor insolvente no pagamento desse crédito como vem requerido e declarar na verificação dos demais requisitos a ineficácia dos negócios «para obtenção do crédito que detém sobre os primeiros RR».

Posto isto e atento ao disposto no artigo 609º do Código de Processo Civil é manifesta também aqui a improcedência da acção”.

Ora, analisando a factualidade assente na decisão recorrida e os documentos juntos a fls. 118 a 121 e 170vº a 174, aceites pelas partes, verificamos que, nas alíneas a), c) e i) dos “factos assentes”, foi considerada provada matéria atinente à acção de verificação ulterior de créditos nº. 537/14.4TJVNF-B, que correu por apenso ao processo de insolvência do 1º R. marido, na qual intervieram como Autores os aqui AA. Maria e marido José e como Réus os aqui RR. António (devedor insolvente) e Massa Insolvente de António, para além dos Credores da Massa Insolvente, tendo por sentença proferida naquela acção em 26/05/2017 e transitada em julgado, sido declarado reconhecido como crédito sobre a Massa Insolvente o crédito dos aqui AA., no montante de € 75.000,00 acrescido de juros à taxa de 4%, desde a citação até ao seu pagamento, “crédito este de natureza subordinada a graduar no lugar que lhe competir”, com base nos mesmos factos que foram alegados pelos AA. nos artºs 29º a 32º da petição inicial destes autos, e que também foram considerados provados naquela acção.

Coloca-se aqui a questão de saber se se verifica a situação de caso julgado em relação aos AA. e aos RR. António e Massa Insolvente de António que foram sujeitos processuais na mencionada acção e de autoridade de caso julgado relativamente aos restantes Réus.

De acordo com o disposto no artº. 580°, nº. 1 do NCPC, as excepções de litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar a litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção de caso julgado, referindo o nº. 2 que ambas as excepções visam evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 567 e 574).

O artº. 581º do NCPC estabelece os requisitos da litispendência e do caso julgado: “repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”, definindo, ainda, quando há identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.

Por outro lado, o artº. 619°, nº. 1 do NCPC estipula que “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580° e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696° a 702°”, dispondo, por sua vez, o artº. 621º do mesmo diploma que "A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (...)."

Estes preceitos legais referem-se ao caso julgado material, ou seja, ao efeito imperativo atribuído à decisão transitada em julgado que tenha recaído sobre a relação jurídica substancial (artº. 628° do NCPC).

Como é sabido, divergem, quer na doutrina quer na jurisprudência, os entendimentos sobre qual o âmbito e o alcance do caso julgado material, se deverá abranger tão-somente a decisão e nada mais, ou se deverá abranger igualmente os fundamentos dessa decisão.

No caso em apreço, para além do conceito de caso julgado material, há que analisar e equacionar o conceito de autoridade de caso julgado. Entendemos que a excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado são efeitos distintos da mesma realidade jurídica, sendo que, em concreto, o instituto do caso julgado pretende evitar a repetição de uma mesma causa, definida por uma tríplice identidade: de sujeitos, de pedido e de causa de pedir; ao passo que a autoridade do caso julgado visa preservar o prestígio dos Tribunais e a certeza e segurança jurídicas, evitando instabilidade das relações jurídicas, tendo este conceito sido usado para extrair efeitos de uma sentença em determinadas situações em que não se verifica a conjugação dos três elementos de identidade: sujeitos, pedido e causa de pedir (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 306).

Por outro lado, a autoridade de caso julgado é usada para atribuir relevo não apenas ao segmento decisório, mas também aos fundamentos da decisão ou aos pressupostos de que o Tribunal necessariamente partiu para a afirmação do resultado declarado, pressupondo que a decisão de determinada questão não possa voltar a ser discutida.

O Prof. José Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 4ª edição, Coimbra Editora, pág. 94) define e explica o sentido da autoridade do caso julgado da seguinte forma:

“A razão da força e autoridade do caso julgado é a necessidade da certeza do direito, da segurança nas relações jurídicas. Desde que uma sentença, transitada em julgado, reconhece a alguém certo benefício, certo direito, certos bens, é absolutamente indispensável, para que haja confiança e segurança nas relações sociais, que esse benefício, esse direito, esses bens constituam aquisições definitivas, isto é, que não lhe possam ser tirados por uma sentença posterior. Se assim não fosse, se uma nova sentença pudesse negar o que a primeira concedeu, ninguém podia estar seguro e tranquilo; a vida social, em vez de assentar sobre uma base de segurança e de certeza, ofereceria o aspecto da insegurança, da inquietação e da anarquia. (...) Depois de esgotados todos os meios que a lei processual põe à disposição dos litigantes para se assegurar o triunfo do direito, a sentença fica revestida de força obrigatória e de autoridade incontestável (…)."

Na jurisprudência do STJ encontramos plasmado o entendimento de que a autoridade de caso julgado pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o artº. 581º do NCPC, pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida – ou seja, a autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, cujo objecto se insere no objecto de uma acção posterior, visando obstar a que a relação jurídica ali definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da identidade de sujeitos, de pedido e da causa de pedir prevista no supra citado preceito legal (cfr. acórdãos do STJ de 23/11/2011, proc. nº. 644/08.2TBVFR, de 30/03/2017, proc. nº. 1375/06.3TBSTR e de 27/02/2018, proc. nº. 2472/05.8TBSTR, todos acessíveis em www.dgsi.pt).

Também é entendimento dominante na jurisprudência que a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado (cfr. acórdãos do STJ de 6/03/2008, proc. nº. 08B402 e de 12/07/2011, proc. nº. 129/07.4TBPST, ambos acessíveis em www.dgsi.pt). O que tem apoio na doutrina de Miguel Teixeira de Sousa (in Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 579) ao afirmar que “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”.

Ainda no mesmo sentido se pronunciou o acórdão desta Relação de 12/07/2011, proferido no proc. nº. 4959/10.1TBBRG (acessível em www.dgsi.pt) ao referir que “tanto na excepção do caso julgado como na autoridade do caso julgado, na determinação dos seus limites e eficácia, deve atender-se não só à parte decisória mas também aos respectivos fundamentos”.

Ora, em face dos elementos constantes dos autos, constata-se que em ambos os processos as partes apenas são as mesmas quanto aos Autores e aos RR. António e Massa Insolvente de António.

De todo o modo, os pedidos e a causa de pedir, no que se refere ao crédito dos AA. sobre o R. António, no valor de € 75.000,00, emergem da mesma materialidade fáctica e realidade, estando o Tribunal “a quo” confrontado, nestes autos, com a situação de ter de decidir sobre os mesmos factos relacionados com o aludido crédito, quando já os considerou provados e os julgou na acção de verificação ulterior de créditos nº. 537/14.4TJVNF-B, na qual foi proferida sentença, transitada em julgado, que reconheceu tal crédito dos AA. como crédito sobre a Massa Insolvente do 1º R. marido e determinou que o mesmo fosse graduado no lugar que lhe competir, sendo no âmbito do processo de insolvência do 1º R. marido que os AA. poderão obter o pagamento do seu crédito.

Nesta conformidade, havendo uma decisão judicial proferida numa acção em que os AA. e os RR. António e Massa Insolvente de António eram sujeitos processuais, que reconhece o crédito dos AA. como crédito da Massa Insolvente e determina a sua graduação no lugar que lhe competir, tendo em vista o seu pagamento, essa decisão vincula os aqui AA., bem como os aqui RR. António e Massa Insolvente, pelo que, na sequência do acima exposto, torne-se claro que, nesta parte, há caso julgado.

Por outro lado, relativamente aos RR. M. J., A. C., T M. e X, Lda., que não intervieram no processo de insolvência, nem na mencionada acção de verificação ulterior de créditos, e seguindo de perto a posição defendida na doutrina e na jurisprudência supra citadas, entendemos que os AA. estão limitados pela autoridade de caso julgado, que não se confina apenas à parte decisória, mas também à factualidade dada como provada – ou seja, a factualidade dada como assente no mencionado processo nº. 537/14.4TJVNF-B e a decisão nele proferida, não podem deixar de ser consideradas abrangidas pela autoridade de caso julgado.
Com efeito, se no processo de insolvência os aqui AA. aceitaram ver reconhecido o crédito que detinham sobre o R. António como crédito da Massa Insolvente e que o mesmo fosse graduado naquele processo para ali obterem pagamento, entendemos que, com essa aceitação, pela autoridade de caso julgado, ficaram impedidos de, numa acção posterior, a questionarem ou virem novamente discutir a decisão no que toca aos RR. M. J., A. C., T M. e X, Lda.

Se assim não se entendesse, a situação poderia desaguar na negação de factos tidos como provados no anterior processo de verificação ulterior de créditos e determinantes, em termos lógico-jurídicos, do sentido da decisão aí proferida, com o inerente desprestígio e desautorização dos tribunais e fomento da insegurança e incerteza jurídicas.

Não poderá o Tribunal ver-se confrontado com a possibilidade de decidir os mesmos factos, em ambas as acções, de modo contraditório - ou seja, numa já considerou assentes factos relacionados com a constituição do crédito dos AA. sobre o R. António e proferiu decisão que reconheceu tal crédito como crédito sobre a Massa Insolvente e determinou a sua graduação no lugar que lhe competir, e agora, no âmbito desta acção, poder vir a julgar em sentido contrário.

Assim, em face do exposto e nos termos do disposto nos artºs 576º, n.º 2 e 577º, al. i) do NCPC, impõe-se a absolvição dos RR. da instância, em relação aos pedidos formulados sob os nºs 1 e 8.

No que concerne aos restantes pedidos formulados pelos AA. na petição inicial (sob os nºs 2 a 7 e 9 a 15), o Tribunal “a quo”, após fazer uma introdução sobre a natureza da acção de impugnação pauliana, seus requisitos e efeitos, refere na sentença recorrida, apreciando as implicações do artº. 127º do CIRE no que respeita aos bens objecto de resolução pelo AI, o seguinte [transcrição]:

«Maria do Rosário Epifânio In Manual de Direito da Insolvência, 2016, 6ª Edição, Almedina, p. 219, discorre sobre esta estatuição legal: “(…) se um ato não for objeto de resolução pode ser objeto de impugnação pauliana (art. 127º, n.º 1, a contrario, e n.º 2). (…) se a ação for julgada procedente, o interesse do credor impugnante será aferido em função do crédito, tal qual foi reclamado, e é independente das alterações resultantes de um eventual plano de pagamentos ou de insolvência (n.º 3 do art. 127º).”

Carvalho Fernandes e João Labareda In Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição, 2015, Quid Juris, p. 518, sustentam que a lei dá prevalência à resolução operada pelo administrador, em face dos seus efeitos quando confrontada com os da impugnação. “Na verdade, aquela aproveita a todos os credores, pois é feita em benefício da massa, enquanto a impugnação só aproveita ao impugnante.”

(…)
Donde que, o atual regime insolvencial impede a pendência e/ou interposição de ação de impugnação pauliana se, e na medida em que esta possa contender com resolução do ato respetivo levada a cabo pelo Administrador da Insolvência.

O CIRE dá prevalência à resolução operada pelo administrador, por se tratar de ato que aproveita a todos os credores da massa insolvente, ao contrário da impugnação pauliana que, como vimos, só aproveita ao próprio impugnante e na exata medida do seu crédito.

Não tendo ocorrido resolução do ato jurídico em causa pelo Administrador da Insolvência (ou vindo a mesma a revelar-se improcedente) o objeto do ato translativo para terceiro, considerando-se o negócio válido e eficaz, não pode ser considerado como integrando a massa insolvente (por, como é evidente, pertencer a terceiro) e como tal é admissível a impugnação.

Donde também que o facto do crédito ter sido reclamado e graduado na insolvência é irrelevante para efeito de prosseguimento da ação de impugnação pauliana - neste sentido Ac. do TRG de 26.01.2016 relator Desemb. Lina Castro Baptista.

Da aplicação deste regime aos presentes autos:

Dos factos assentes resulta, não só, que o administrador da insolvência procedeu à resolução de parte dos negócios aqui discutidos, como ainda que esta resolução foi objeto de impugnação.

Ainda que os credores, aqui AA, reclamaram o seu crédito na insolvência que foi graduado e reconhecido.

Mais ainda, que na respetiva ação de impugnação da resolução em benefício da MI, foi lavrada transação, ratificada pelos credores da insolvência e homologada por sentença transitada.
A transação efetuada na impugnação da resolução traduz-se no pagamento pelos RR adquirentes da quantia de 7.000,00 euros à massa, em substituição dos pedidos de resolução formulados.
Os seus termos, a nosso ver, só podem ter-se por equivalentes aos da improcedência da ação para estes efeitos do disposto no art. 127º do CIRE uma vez que por este modo, são reconhecidos pelos RR direitos aos credores, que na procedência da impugnação não seriam e, por outro lado, admitir-se que poderia em tal caso prosseguir a impugnação quanto aos mesmos bens por credor reconhecido e graduado na insolvência estaríamos a admitir um efeito contrário ao pretendido na lei que é o de privilegiar a resolução em detrimento da impugnação.
Conclui-se pois que dos fundamentos expostos a presente ação é inviável por inadmissível face ao disposto no artº 127º nº 1 do CIRE quanto à totalidade dos bens objeto de resolução os quais identificados nas alíneas d) a f) supra.»

Os recorrentes manifestam a sua discordância em relação a esta decisão por entenderem que deveriam ter sido seleccionados outros factos alegados pelas partes e indicados na motivação de recurso, por os considerarem relevantes para a decisão da causa, dando-os como assentes (por constarem dos documentos não impugnados, que serviram para considerar assentes os factos seleccionados, e porque confessados), ou como controvertidos (por terem sido impugnados e carecerem de produção de prova), para além de que não poderia considerar-se provado o facto descrito na alínea g) dos “factos assentes”, por não estar demonstrado.

Com efeito, nesta acção de impugnação pauliana, em que são impugnados vários negócios que envolvem a transmissão do direito de propriedade de determinados bens móveis e imóveis para os 2º a 4º RR. - um realizado pela Ré M. J. (cônjuge do 1º R. António, único declarado insolvente) e outros realizados pelo casal formado pelo insolvente e seu cônjuge não insolvente – para se poder decidir a questão das implicações da resolução de alguns desses negócios efectuada pelo AI e do disposto no artº. 127º do CIRE na presente acção instaurada por um credor do insolvente, bem como a questão dos efeitos da sentença homologatória da transacção proferida no processo nº. 537/14.4TJVNF-E em relação aos AA. nesta acção, e ainda as questões relacionadas com os pedidos subsidiários, importa apurar determinados factos que foram alegados pelas partes nos articulados e que entendemos serem relevantes para a decisão da causa, considerando-os assentes (por não terem sido impugnados ou por constarem de documentos aceites pelas partes), ou controvertidos (por estarem impugnados e carecerem de produção de prova).

Assim, tendo em conta a matéria de facto alegada na petição inicial e na contestação dos 1º ao 4º RR., para além dos factos dados como assentes na decisão recorrida, importa seleccionar, entre outros, designadamente:

- a data e o regime de bens do casamento dos 1ºs RR. (factos estes que se mostram comprovados pela certidão de casamento junta aos autos) – artºs 7º e 8 da petição inicial;
- os factos relativos à aquisição pelos 1ºs RR. de cada um dos bens em causa (data e regime de aquisição), por forma a verificar se se tratam de bens comuns do casal ou próprios de qualquer um dos cônjuges, uma vez que se alega que só o 1º R. marido foi declarado insolvente e o AI apenas pode resolver os negócios celebrados pelo insolvente, e não os celebrados pelo seu cônjuge, nem os celebrados pelo casal – artºs 1º, 2º, 15º, 16º, 19º, 22º, 23º, 26º, 35º, 39º a 41º, 44º, 47º, 50º e 51º da petição inicial;
- os factos relacionados com a actividade exercida pelo 1º R. marido e a utilização dos proventos auferidos por ele no exercício dessa actividade, bem como com a constituição da Ré sociedade e a actividade exercida por esta – artºs 11º, 83º, 85º, 86º, 91º a 94º, 100º a 104º da petição inicial;
- os factos relacionados com a transmissão para a titularidade dos 2º a 4º RR. dos bens móveis e imóveis em causa nestes autos – artºs 63º, 64º, 70º, 71º, 74º, 75º, 78º, 79º, 96º a 99º, 123º, 124º, 127º e 128º da petição inicial;
- os factos relativos à dívida do 1º R. marido para com os AA. e sua comunicabilidade ao seu cônjuge, uma vez que se alega que a dívida aos AA. é comum aos 1ºs Réus – artºs 33º e 34º da petição inicial.

Por outro lado, o Tribunal “a quo” não apreciou devidamente quem ratificou a transacção celebrada na acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente nº. 537/14.4TJVNF-E (apensa ao processo de insolvência) e os efeitos da sentença homologatória dessa transacção em relação aos aqui Autores, ao dar como assente na alínea g) que os termos da transacção celebrada entre as partes naquele processo “foi aprovado pelos credores reconhecidos no processo de insolvência”, não obstante ter sido impugnado pelos AA., e ao referir na fundamentação da sentença recorrida que os termos dessa transacção “só podem ter-se por equivalentes aos da improcedência da ação para estes efeitos do disposto no art. 127º do CIRE uma vez que por este modo, são reconhecidos pelos RR direitos aos credores, que na procedência da impugnação não seriam (…)”.

Ora, pela consulta do mencionado processo nº. 537/14.4TJVNF-E, disponível na plataforma Citius, verifica-se que o AI juntou àqueles autos um requerimento (refª Citius 6116212), acompanhado de cópia das cartas e emails que refere ter enviado aos credores, a dar conhecimento da proposta apresentada na audiência prévia realizada em 28/09/2018, pelos Autores X, Lda., A. C. e T. M., com a advertência de que a ausência de resposta, no prazo de 5 dias, seria entendida como concordância com a proposta apresentada.

Mais alega o AI naquele requerimento que “responderam os seguintes credores:

José e Maria – Não concorda
A. F. – Não concorda
Ycontas - A. M. - Concorda
J. C. – Não concorda
(…)
Percentagem de votos desfavaráveis: 48%
Percentagem de votos favoráveis: 2.91%
Tendo em consideração que a ausência de resposta dos credores que não se pronunciaram é entendida como concordância com a proposta apresentada, conclui-se que a proposta deverá ser aceite”.

Com efeito, os aqui AA., através de requerimento apresentado na acção de impugnação da resolução em 6/10/2017 (refª Citius 6097105), manifestaram expressamente a sua não ratificação da transacção, sendo que o AI contou as “abstenções” (aqueles credores que não se pronunciaram) como votos a favor da transacção.

De todo o modo, entendemos que o AI, salvo o devido respeito, fez uma incorrecta aplicação do silêncio, pois resulta do disposto no artº. 218º do Código Civil que o silêncio não tem valor negocial, excepto nos casos previstos na lei.

Por outro lado, no âmbito das deliberações dos credores no processo de insolvência, as abstenções não são consideradas como votos a favor (cfr. artº. 77º do CIRE), circunstância a que o AI não atentou, pelo que os credores teriam de manifestar expressamente a sua concordância ou discordância com o acordo celebrado entre as partes naquela acção.

Tendo os aqui AA. referido expressamente que não ratificavam a transacção e impugnado, na sua resposta à excepção de caso julgado, que os termos da transacção tivesse sido aprovado pelos credores reconhecidos no processo de insolvência, estamos perante matéria controvertida que foi alegada na presente acção e que tem interesse para a decisão da causa, devendo, por isso, ser objecto de produção de prova.

Acresce referir que na acção de impugnação da resolução foram partes activas os “adquirentes" dos bens, filhos dos 1ºs RR. e a sociedade X, Lda., e foi parte passiva a Massa Insolvente, representada pelo AI. Os credores, como os aqui AA., não foram partes naquela acção, nem tiveram intervenção na transacção ali celebrada, tendo ao AA., aliás, manifestado naquele processo a sua discordância em relação à mesma.

Ademais, resulta da acção de impugnação da resolução nº. 537/14.4TJVNF-E, disponível na plataforma Citius, que a referida sentença homologatória da transacção apenas foi notificada aos mandatários das partes naquele processo e ao AI. Não tendo os aqui AA. sido notificados daquela sentença, não puderam reagir contra a mesma nos termos do artº. 631º, nº. 2 do NCPC, segundo o qual “as pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias”.

Por outro lado, não resulta dos autos que os negócios relativos à transmissão dos veículos Volkswagen e Mazda e dos restantes equipamentos referidos nos artºs 51º e 96º da petição inicial e que não constam da alínea d) dos “factos assentes”, tenham sido alvo de resolução pelo AI, não se colocando, por isso, quanto a estes a questão da inadmissibilidade da acção de impugnação pauliana em face do disposto no artº. 127º do CIRE.

Assim, porque deverão ser seleccionados outros factos, para além daqueles considerados assentes na decisão recorrida, que foram alegados pelas partes nos articulados e que entendemos serem relevantes para a decisão da causa, que poderão ser dados como assentes, por não terem sido impugnados ou por constarem de documentos aceites pelas partes, ou considerados controvertidos, por estarem impugnados e carecerem de produção de prova, terão os presentes autos de prosseguir os seus termos para apuramento desses factos e prolação da decisão final no que concerne aos pedidos formulados pelos AA. sob os nºs 2 a 7 e 9 a 15.

Por tudo o que se deixou exposto, entendemos que a decisão recorrida, quanto aos pedidos formulados pelos AA. sob os nºs 2 a 7 e 9 a 15, deverá ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos para apuramento dos restantes factos alegados pelas partes, que ainda não foram objecto de discussão e produção de prova, com a selecção dos factos que se mostrem assentes e a enunciação dos temas de prova abarcando toda a matéria controvertida que se mostre relevante para a boa decisão da causa nos moldes acima expostos, marcação da audiência de julgamento para discussão da causa e produção de prova sobre os factos controvertidos e, em resultado da prova produzida, prolação da sentença final.
*
SUMÁRIO:

I) - A excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado são efeitos distintos da mesma realidade jurídica: o instituto do caso julgado pretende evitar a repetição de uma mesma causa, definida por uma tríplice identidade: de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (artº. 581º do NCPC), ao passo que a autoridade do caso julgado visa preservar o prestígio dos Tribunais e a certeza e segurança jurídicas, evitando instabilidade das relações jurídicas.
II) - Por outro lado, a autoridade de caso julgado é usada para atribuir relevo não apenas ao segmento decisório, mas também aos fundamentos da decisão ou aos pressupostos de que o Tribunal necessariamente partiu para a afirmação do resultado declarado, pressupondo que a decisão de determinada questão não possa voltar a ser discutida.
III) - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, cujo objecto se insere no objecto de uma acção posterior, visando obstar a que a relação jurídica ali definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da identidade de sujeitos, de pedido e da causa de pedir prevista no artº. 581º do NCPC.

III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelos Autores Maria e marido José e, em consequência, revogar a sentença recorrida, decidindo:

a) absolver os RR. da instância, em relação aos pedidos formulados sob os nºs 1 e 8;
b) ordenar o prosseguimento dos autos para rectificação dos apontados lapsos materiais, inexactidões e imprecisões detectadas nas alíneas c), d), e), f) e h) da matéria de facto assente e reformulação da redacção da alínea g) dos factos assentes na sentença recorrida, nos termos acima expostos, bem como para apuramento dos restantes factos alegados pelas partes, que ainda não foram objecto de discussão e produção de prova, e posterior prolação da sentença final, relativamente aos pedidos formulados pelos Autores sob os nºs 2 a 7 e 9 a 15, nos termos atrás explanados.

Custas pelos recorridos.
Notifique.
Guimarães, 8 de Novembro de 2018
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)

(Maria Cristina Cerdeira)
(Raquel Baptista Tavares)
(Margarida Almeida Fernandes)