Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
109/15.6T8CBC.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
ENCRAVE ABSOLUTO E RELATIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

-. O proprietário de um prédio sem comunicação com a via pública não está obrigado a requerer ao tribunal que constitua uma servidão legal de passagem a seu favor. A circunstância de um prédio se encontrar encravado e estarem reunidas as condições para se exigir a constituição, por sentença, de uma servidão legal , não obsta a que o proprietário do prédio dominante/encravado, opte por demandar o proprietário do prédio serviente, com base na aquisição de um direito de passagem por usucapião, e, se assim o entender, formular pedido subsidiário, para a eventualidade de não lograr provar os requisitos necessários para a usucapião, pedindo a constituição de uma servidão legal de passagem.

-. Confinando o prédio dos AA. com mais do que um prédio, a servidão legal deve ser constituída sobre o prédio que tiver menor prejuízo com a sua constituição.

-. Caberá ao julgador a ponderação dos critérios, físicos e económicos, e dos elementos prevalentes que conduzam à afirmação do princípio do menor prejuízo para o prédio serviente, tendo em consideração o equilíbrio de interesses exigido pelo legislador nesta matéria.

- Se a passagem através do prédio do R. já existe há mais de 70 anos, com o leito em terra batida perfeitamente compactada e a passagem situada a poente é um caminho recente, constituído a pedido do A., após a instauração da ação, é o prédio do R. o que sofre com a passagem uma menor diferença relativamente ao seu estado anterior.

- E se o prédio do R. se encontra inculto, no quadro dos critérios económicos, a diminuição da utilidade pela privação do uso exclusivo da faixa de faixa de terreno de passagem, em pouco se vai repercutir no prédio do R., pelo que o prédio do R. é o que sofre menor prejuízo com a constituição da servidão.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

Albino (…) e mulher, Glória (…), propuseram acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Manuel (…), pedindo a condenação do Réu a reconhecer os Autores como legítimos proprietários do prédio rústico denominado “Cerca (…)”, situado no lugar de (…), com a área de trinta mil seiscentos e quarenta e um metros quadrados, a confrontar a Norte com Herdeiros de Maria (…); a Sul com caminho público e Paulino (…) ; a Nascente com caminho público; e a Poente com Cristina (…) ; descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º (…) e inscrito na respectiva matriz sob o art.º (…).º, a reconhecer a existência, há mais de 70 anos, de um caminho em terra batida que tem início numa Estrada Municipal e que atravessa a propriedade do Réu, durante cerca de 220 metros, até a estrema norte do prédio dos Autores, por aí prosseguindo até à sua estrema sul e terminando junto a um outro caminho público, utilizado pelos Autores e por proprietários de terrenos vizinhos, a reconhecer que o seu prédio se encontra onerado com uma servidão de passagem para acesso ao terreno dos Autores para a passagem a pé, de carros de bois, com tractores agrícolas e outros veículos automóveis, constituída por usucapião ou, caso assim não se entenda, a reconhecer que o prédio dos Autores se encontra encravado, devendo ser declarada a constituição de servidão por via legal, a abster-se de impedir ou dificultar o acesso ao terreno dos Autores e a efectuar o corte de árvores que crescem no limite norte do terreno dos Autores, bem como a proceder ao pagamento de uma indemnização pelos prejuízos sofridos pelos Autores com a sua conduta, a liquidar em execução de sentença.

Para tanto, os Autores alegaram que adquiriram o seu prédio por compra e venda, tendo procedido à sua limpeza e vedação física, bem como à sua transformação para implantação de uma vinha e plantação de árvores; que existia um caminho que se iniciava numa Estrada Municipal e terminava num caminho público e que atravessava, entre outros, o tereno dos Autores e do Réu; que tal caminho era utilizado pelos anteriores proprietários do terreno dos Autores para acesso ao seu terreno, bem como outros proprietários para acesso aos respectivos terrenos, e demais população; que para acesso à sua propriedade através de viaturas automóveis, os Autores apenas podem utilizar a faixa de caminho que atravessa o terreno do Réu e que prossegue até ao lado norte do terreno dos Autores; que, na parte do caminho que prossegue até ao lado sul, não é possível o acesso através de veículos automóveis; que o prédio dos Autores não dispõe de nenhum outro acesso, designadamente acesso directo à via pública; que o Réu ordenou a colocação de pedras de grande porte no lado norte de tal caminho, impedindo o acesso dos Autores ao seu terreno; que o Réu intentou uma acção contra os Autores, o que lhes causou prejuízos e transtornos; e que o Réu não tem procedido ao corte das árvores que confrontam com o terreno dos Autores.

O Réu contestou e deduziu reconvenção, peticionando o reconhecimento da propriedade do imóvel denominado “Cerca (…)”, sito em (…), da freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ..., sob o artigo nº (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº (…) e a declaração que a delimitação do prédio dos Autores e do Réu é feito por uma vala destruída pelos Réus, a condenar os Réus a restituir uma parcela de 1.200m2 por si retirada ao terreno dos Autores, bem como a desocuparem tal parcela, procedendo para o efeito à demolição de um tanque de armazenagem de água bem como de um furo de captação, a retirar os postes de madeira e rede de vedação, a abster-se de circularem pelo interior do prédio do Réu, a pé, com carros de bois, tractores agrícolas ou outros veículos automóveis, bem como ao pagamento de uma indemnização a fixar em liquidação de sentença para ressarcir os Réus dos danos por si sofridos.

Para tal alegou, em súmula, que os Autores se apropriaram de uma parcela de terreno que lhe pertencia, tendo destruído várias árvores; que nunca existiu qualquer caminho de acesso ao terreno dos Autores através do seu imóvel; que o terreno dos Autores não se encontra encravado, confrontando com caminhos públicos e de servidão; e que os Autores construíram o caminho de acesso ao seu terreno através do terreno dos Réus, tendo para o efeito derrubado árvores e nivelado tal caminho, sem qualquer autorização.

Os Autores replicaram, negando os factos relativos à reconvenção e pugnando pelo já referido em sede de petição inicial.

Autores e Réu foram convidados a aperfeiçoar os articulados, o que fizeram.

Foi realizada audiência prévia, na qual foi admitida a reconvenção, foram fixados os termos do litígio e os temas de prova.

Iniciada a audiência de discussão e julgamento com a ida ao local, as partes elaboraram um projecto de acordo que ficou dependente da confirmação da natureza de caminho público do caminho que vai de (…) (...) até (…), pelo que requereram ao tribunal que oficiasse à Câmara Municipal de ... e à Junta de Freguesia de (…), para informarem a natureza do caminho, o que foi deferido.

O Réu veio deduzir articulado superveniente, alegando que os Autores procederam ao alargamento de um caminho existente do lado poente do terreno daquele para acesso ao terreno destes últimos e procederam à vedação do mesmo, sendo tal caminho público.

Os Autores responderam ao articulado superveniente, negando a natureza pública de tal caminho, referindo que o fizeram por autorização dos respectivos proprietários e referindo que o mesmo é meramente provisório (fls 461).
Não tendo sido confirmada a natureza pública do caminho, os autos prosseguiram.
Na audiência de discussão e julgamento foi proferido despacho, o qual admitiu o articulado superveniente e aditou temas de prova (fls 482).

Realizada a audiência de discussão e julgamento e a final foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:

V – Decisão

Em face do exposto, o Tribunal decide julgar a presente acção e reconvenção parcialmente procedentes e, em consequência:

a) Declarar que os Autores são donos e legítimos proprietários do prédio rústico denominado “(…)”, situado no lugar de (…), com a área de trinta mil seiscentos e quarenta e um metros quadrados, a confrontar a Norte com Herdeiros de Maria (…); a Sul com caminho público e Paulino (…); a Nascente com caminho público; e a Poente com Cristina (..); descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º (…) e inscrito na respectiva matriz sob o art.º (…).
b) Declarar que o Réu é dono e legitimo proprietário do prédio rústico denominado “Cerca (…)”, com a área de 16.000 m2, confrontando a Norte com caminho público, a Sul com terra de mato de (…), a Nascente com terra de mato da (…) e a Poente com caminho de servidão sito em (…), da freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ..., sob o artigo nº (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº (…)
;
c) Declarar a constituição de uma servidão legal de passagem a pé, viaturas de tracção mecânica e veículos automóveis, a favor do prédio dos Autores, na área de terreno do prédio do Réu, correspondente a um caminho com cerca de 220 metros de comprimento por uma largura variável entre 2,60 e 3,10 metros, tendo tal caminho o seu início na via pública existente a norte do terreno do Réu e término no limite norte do prédio dos Autores, encontrando-se actualmente em terra batida em toda a sua extensão;
d) Condenar o Réu a abster-se de, por qualquer forma, impedir, limitar ou dificultar o livre exercício de todos os direitos contidos no direito de propriedade dos Autores sobre o seu prédio, bem como o direito de livre passagem no caminho acima referido;
e) Condenar os Autores no pagamento ao Réu do valor total de € 500,00 (quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, acrescido dos juros legalmente devidos desde o trânsito em julgado da decisão até efectivo e integral pagamento;
f) Condenar os Autores a pagar ao Réu uma indemnização pelos prejuízos sofridos em virtude da ocupação da faixa de 440m2 de terreno por si ocupada, a liquidar em execução de sentença;
g) Absolver o Réu do demais peticionado;
h) Absolver os Autores do demais peticionado.”

O R. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

1.- A matéria de facto declarada provada aos pontos 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 14 deveria antes ter sido declarada não provada.
2.- A matéria de facto declarada não provada aos pontos 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13 deveria antes ter sido declarada provada.
3.- Existem documentos nos autos que impunham decisão diversa da recorrida, designadamente quanto ao encravamento e necessidade de constituição de uma servidão:

a) A certidão predial de fls 29 e a caderneta predial de fls.31, e a própria confissão dos Autores, no artigo 1.º da sua P.I., é elucidativa que o seu prédio confronta com a via pública a sul e nascente;
c) A memória descritiva de fls 60 e 61, e a licença de fls.42 demonstra que os Autores pediram o licenciamento de uma construção para o seu prédio, que obtiveram da Câmara Municipal, invocando que o mesmo confrontava e era servido por caminho público;
d) E tal construção foi erigida ao abrigo do processo 145/2014, sem que a essa data existisse qualquer servidão de passagem criada sobre o prédio do Réu, e com recurso a movimentações de terra e terraplanagens, com execução de fundações, muros de suporte, tubagens para ligação de redes de água, saneamento e eletricidade à rede pública, conforme decorre de fls.64 dos autos;
e) A fls. 51 e 52 e 54 dos autos observa-se o caminho a sul do prédio dos Autores, e a confrontar com o mesmo.
f) A fls.35 e 36 (doc. 12 e 13 da P.I.), em 28 de outubro de 2011 já havia sido aprovado pelo Ministério da Agricultura um projeto de reestruturação e reconversão de vinha para o terreno dos Autores, mediante o qual os Autores se comprometiam a melhorar as infraestruturas fundiárias, executando muros de suporte e fazendo plantações.
g) A fls.41 (Doc.15 da P.I.) os Autores juntam o auto de execução dos trabalhos de movimentação de terras para preparação do seu terreno para cultivo de vinha, com serviço de giratória PC 210 e de Buldozer D65 EX.

Por outro lado, e sem prescindir,

h) Também o depoimento das testemunhas Miguel (…), Jorge (…), José (…) e as declarações de parte do Réu, Manuel (…), e depoimento da Autora Glória (…), e transcritos, são adequados a demonstrar que os pontos 3 a 8 deveriam antes ter sido declarados não provados e ainda o ponto 14 da matéria de facto provada merece e requer ser reformulado na sua redação e ser declarado antes provado que os Autores procederam à abertura e alargamento de um caminho onde outrora existiu – mas já não existia - um trilho utilizado por populares ou pelos caseiros, assim como deveriam ter sido declarados provados os pontos 6 a 13 da matéria de facto que na sentença foi declarada não provada.

Ainda sem prescindir,

i) A ata de inspeção ao local de fls 442 e seguintes revela, à saciedade, que existem outros caminhos, mais diretos, à casa e prédio dos Autores, vindo do caminho público existente a norte, e correspondente à servidão de passagem situada a poente do prédio do Réu.

Sem prescindir,

j) A douta sentença recorrida violou, na sua interpretação e aplicação, o disposto aos artigos 1550.º a 1553.º do C.C.
k) Pressuposto do direito de exigir o acesso à via pública através do prédio do vizinho é, conforme resulta do disposto no artigo 1550.º do Código Civil, a situação de encrave (absoluto ou relativo), o que inexiste no caso dos Autores;
l) Os Autores não alegaram, nem demonstraram, pelo que tampouco resultou provado, que a alteração à afetação do seu prédio, anteriormente de terreno inculto, e atualmente de exploração de vinha, lhes trouxesse excessivo incómodo ou dispêndio na alteração dos acessos à via pública.
m) A douta sentença de que se recorre preferiu a decisão mais fácil, escamoteando a realidade dos factos:
a) Os Autores adquiriram um terreno inculto que pretenderam transformar, e transformaram efetivamente, em terreno de vinha;
b) Os Autores promoveram a alteração da composição do seu terreno, movimentando terras, por forma a cultivar vinhas em socalcos;
c) Os Autores promoveram o licenciamento de uma construção no interior do seu prédio, comunicando ao Município de ... que a mesma era servida por caminho público (a estrada que liga (…)) e que, por isso, reunia os requisitos para a ocupação, organização e tipologia a implantar na área prevista;
d) Os Autores erigiram efetivamente tal construção, servindo-se do referido caminho público, e, atente-se aos trabalhos que os Autores tiveram que realizar para a edificação de tal edificação, e constantes de fls. 64:
- Terraplanagem;
- Execução de estruturas e muros de suportes;
- Execução de alvenarias;
- Instalação de redes de águas, saneamento, eletricidade, telefones e gás.
- Nenhuma dessas obras, e equipamentos e meios humanos e materiais necessários a executá-las atravessou ou atravessa o terreno do Réu, o que significa que tais ligações à rede pública estão realizadas diretamente à estrada ou caminho público que liga (…) a (…).

E agora que todas essas obras estão realizadas, sem detrimento e sem necessidade de passagem no prédio do Réu, os Autores pretendem que o seu prédio está encravado e querem – e incredulamente conseguiram – obter uma servidão de passagem legal sobre o prédio do Réu.
n) É incontestado, pelas razões aduzidas na sentença – que aqui se têm por reproduzidas nessa parte – que deve afastar-se, no caso, a constituição de uma servidão de passagem por usucapião sobre o prédio do R. a favor do pertencente aos AA..
o) A existir uma qualquer servidão dos Autores sobre o prédio do Réu, o que não se aceita existir, ela foi alterada.
p) Assim, se a servidão de passagem tem originariamente – de harmonia com o respectivo título - por conteúdo o trânsito de pessoas, verifica-se uma alteração dessa mesma servidão se se utiliza o caminho também para o trânsito de veículos. O trânsito de veículos, nestas condições agrava, como é óbvio, a servidão: esta não fica sendo a mesma, torna-se mais onerosa: a servidão altera-se dado que não é o mesmo o seu conteúdo ou extensão. Neste caso, haverá realmente alteração da servidão e, salvo prévio acordo dos interessados, tal alteração só pode dar-se, verificando-se pelo mesmo modo que para a constituição da servidão, se há ou não direito a ela.
q) Quanto à determinação do lugar para o exercício da servidão, a lei manda, compreensivelmente, escolher o menos prejudicial ou menos inconveniente para os prédios sujeitos (artigo 1553 do Código Civil). E tal não foi objeto de alegação ou apreciação pelo Tribunal.
r) Daí decorre que para a constituição de uma servidão legal sobre o prédio do R. a favor do indicado prédio pertencente aos AA., e na falta de acordo dos interessados, seria mister a demonstração de que do conjunto dos prédios rústicos vizinhos é o prédio do R. que sofre menor prejuízo com a constituição da servidão (artigo 1553 do C.C.) ou que a passagem reclamada pelos AA. é aquela que, pelo modo e lugar, menos inconvenientes apresenta para os prédios do mesmo R. (idem).
s) Tal matéria não foi discutida na ação já que os AA. assentavam primordialmente na usucapião a constituição da servidão de passagem peticionada. Assim, não foi feita a prova correspondente, como, de resto, flui dos factos supra assentes.
t) E, não sendo esta feita, jamais poderia concluir-se pela verificação dos pressupostos para a constituição de uma servidão legal de passagem nos moldes sentenciados.
u) Em resumo: estava vedado ao Tribunal a quo conhecer da existência de uma servidão legal, por manifesta falta de alegação e prova dos respetivos pressupostos.
v) Daí que, face a tudo quanto se deixa dito, não se mostrando, por outro lado, constituída a reclamada servidão de passagem por usucapião, outra solução não pode ter o Direito que não a improcedência da causa.

Para além disso, e sem prescindir,

w) Sempre deveria, pois, o Tribunal ter declarado o abuso de direito e não ter reconhecido o direito de passagem dos Autores sobre o prédio do Réu, pois que a atuação daqueles viola flagrantemente os limites impostos pela boa-fé e pelo fim social e económico do direito que se arrogam.

Termos em que, concluindo pela revogação da douta sentença recorrida, e substituindo-a por outra que declare totalmente improcedente a pretensão dos Autores e procedente o pedido reconvencional do Réu, condenando-se aqueles Autores/Reconvindo a reconhecer que a delimitação/divisão entre esse prédio pertença do R. Reconvinte e o prédio denominado “(…)” pertença do AA Reconvindos é feita pela vala descrita nos artºs 73º a 75º da contestação-reconvenção; que a parcela de terreno com cerca de 1200 m2 que se descreve nos artºs 76º e 77º da contestação-reconvenção faz parte integrante do prédio supra mencionado em a); d) Serem os AA Reconvindos condenados a reconhecerem o direito de propriedade do R. sobre o prédio e parcela de terreno supra mencionados; Serem os AA Reconvindos condenados a desocuparem a referida parcela, entregando-a ao R. Reconvinte devoluta de pessoas e coisas, procedendo, a suas custas, à demolição do tanque de armazenagem de água que lá construíram bem como à tapagem do furo de captação de água que lá fizeram;

Serem os AA Reconvindos condenados a retirar os marcos em pedra os postes de madeira e rede de vedação que colocaram no interior do prédio do R. Reconvinte colocando-os, como linha de demarcação entre ambos os prédios, no local onde se situava a vala descrita nos artºs 73º a 75º da contestação-reconvenção; Serem os AA Reconvindos condenados a abster-se de, por qualquer forma, circular ou passar pelo interior do prédio do R., designadamente a pé , de carro de bois, com tractores agrícolas, com outros veículos automóveis, ligeiros de passageiros e de mercadorias e/ou pesados, motos e motociclos.

A parte contrária contra-alegou, tendo pugnado pela manutenção da decisão recorrida.

II – Objeto do recurso

Considerando que:

. o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

as questões a decidir são as seguintes:

. se os factos constantes dos pontos 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 14 dos factos provados deveriam ter sido considerados não provados;
. se os factos constantes dos pontos 6 a 13 dos factos não provados, deveriam ter sido considerados provados;
. se não estão reunidos os pressupostos para a constituição de uma servidão legal de passagem;
. se a estarem, o A. age em abuso de direito; e,
. se a reconvenção deve proceder.

III – Fundamentação

Na 1ª instância foram considerados provados e não provados os seguintes factos:

FACTOS PROVADOS

1. Os Autores são donos e legítimos proprietários do prédio rústico denominado “(…)”, situado no lugar de (…), com a área de trinta mil seiscentos e quarenta e um metros quadrados, a confrontar a Norte com Herdeiros de Maria (…); a Sul com caminho público e Paulino (…); a Nascente com caminho público; e a Poente com Cristina; descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º (…) e inscrito na respectiva matriz sob o art.º (…)º, por aquisição em 12/11/2010, através de doação feita pelo seu anterior proprietário, Jorge (…)
2. Por sua vez, o Réu é dono e legitimo proprietário do prédio rústico denominado “Cerca (…)”, com a área de 16.000m2, confrontando a Norte com caminho público, a Sul com terra de mato de (…), a Nascente com terra de mato da Casa (…) e a Poente com caminho de servidão sito em (…) da freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ..., sob o artigo nº (...)e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº (…), tendo o mesmo sido adquirido a Maria (…) por escritura pública de compra e venda celebrada no dia 8 de Maio de 2001, no Sétimo Cartório Notarial do (…).
3. O terreno dos Autores não confronta directamente com a via pública.
4. Há mais de 70 anos que existe um caminho com o leito em terra batida e que, considerando o sentido norte-sul, tem o início junto à estrada municipal em alcatrão que liga os lugares de (…) ao (..) , que se prolonga, mantendo a sua natureza pública, ao longo de cerca de 100 metros, e, de seguida, atravessa o prédio que agora é propriedade do Réu, ao longo de cerca de 220 metros, até à estrema norte do prédio dos Autores, e, aí, prossegue através do seu, ao longo de cerca de 280 metros, até à sua estrema sul, passando para além dos limites do mesmo cerca de mais 100 metros, atravessando o prédio de Paulino (…), terminando junto ao caminho público que liga os lugares de (…) a (…).
5. Tal caminho foi regularmente utilizado a partir da estrada municipal atrás referida e que liga os lugares de Santa (…) ao Bairro da (…), a pé, de carro de bois, com tractores agrícolas, quer pelos anteriores proprietários do prédio que agora pertence aos autores e para acederem ao mesmo, quer por outros proprietários de terrenos vizinhos que, através do mesmo ou de parte dele, sempre acederam àquela estrada municipal, quer ainda por quem mais do dito caminho se quisesse servir, nomeadamente para aceder ao outro caminho que contorna o prédio dos autores pelo lado Oeste, assim como pelas pessoas provenientes do lugar de (…) e que nele passavam para irem aos "matos e às lenhas", o que sempre sucedeu contínua e ininterruptamente, com ânimo de quem sempre dispôs do direito de passar pelo descrito caminho, com o conhecimento de todas a pessoas do lugar e freguesia de sua situação, e tudo sem a oposição de ninguém.
6. O descrito caminho, actualmente, no referido sentido norte-sul, apresenta uma ligeira inclinação descendente, nos primeiros 400 metros, até ao local onde os Autores estão a construir um anexo agrícola, com uma largura que, ao longo de toda a sua extensão e até a estrema norte do prédio dos autores, varia entre os 2,6 e os 3,10 metros, com o leito em terra batida, perfeitamente compactada, sendo que, depois de atravessar para o prédio dos Autores passa a ter uma largura que varia entre os 1,80 metros e 2,20 metros.
7. A partir do anexo agrícola atrás referido e até à estrema sul do prédio dos Autores, o caminho sofre uma acentuada inclinação descendente, passando o seu leito a ser constituído, na sua maior parte, por pedra solta e terra de saibro, descendo da quota de 498.91 metros desde a estrema norte do identificado prédio dos Autores, até quota de 450.49 metros, na estrema sul do mesmo.
8. Os acessos à estrada municipal que liga os lugares de (...) a (…), a partir da estrema sul do prédio dos Autores, fruto da sua inclinação e composição, não permitem a passagem de veículos automóveis ligeiros, de passageiros e de mercadorias, apenas se conseguindo circular pelos mesmos com veículos de todo o terreno e tracção às quatro rodas e, muito dificilmente, com alguns tractores agrícolas.
9. Após a aquisição do seu terreno, os Autores procederam à limpeza e desmatação do seu identificado prédio, e, de seguida, à sua delimitação física e vedação, através da colocação de postes de madeira.
10. Durante o ano de 2011, os Autores levaram a cabo no seu identificado prédio obras de transformação de terreno inculto para uma vinha, tendo ainda procedido à plantação de diversas árvores de fruto e outras plantas, bem como à implantação de sistemas de rega e represamento de águas e diversos outros melhoramentos.
11. Os Autores efectuaram, designadamente, um furo de captação de água e construíram um tanque de armazenagem de água no interior da área de terreno por si vedada.
12. Com a reconversão do terreno, os Autores despenderam um valor inicial de € 30.953,42 e com a construção do anexo.
13. Durante o ano de 2014, os Autores iniciaram no seu terreno a construção de um anexo agrícola, tendo despendido o valor de € 29.856,84.
14. Após terem adquirido o seu terreno, os Autores procederam ainda ao alargamento, em mais de dois metros, de todo o caminho existente no interior do prédio do Réu, acima descrito, passando o mesmo a ter a largura actual, tendo para o efeito procedido à movimentação de terras.
15. Logo que teve conhecimento desta última situação, o Réu interpelou os Autores, verbalmente e através de cartas registadas com aviso de recepção, instando-os a tapar o caminho que abusivamente haviam alterado.
16. Em virtude da inércia dos Autores, em data anterior a 16/09/2013, o Réu mandou colocar diversas pedras de grande porte na estrema norte do prédio daqueles, impedindo-lhes a passagem pelo caminho através do terreno daquele, tendo acusado o Autor-marido de "ter aberto" um caminho no prédio de que aquele era proprietário.
17. O Autor-marido mandou retirar para o lado as pedras em causa, desobstruindo a passagem, suportando os respectivos custos e trabalho.
18. Em consequência, o Réu participou criminalmente contra o Autor, tendo o respectivo processo corrido os seus termos sob o n.º 242/13.9GACBC, Comarca de Braga – Inst. Central – 2.ª Secção de Instrução Criminal – J2, o qual, em fase de instrução, terminou com uma desistência da queixa apresentada pelo ora Réu, condicionada à propositura da presente acção pelos Autores, a fim de a questão civil poder ser devidamente apreciada pelo tribunal competente para esse efeito.
19. Com o referido processo-crime, os Autores assumiram despesas relacionadas com o patrocínio forense, designadamente com deslocações para reuniões com o advogado, respectivos honorários e despesas com deslocações de testemunhas e sofreram transtornos e incómodos por o Autor-marido ter sido constituído arguido e ser obrigado a defender-se num processo movido pelo Réu.
20. A densidade de eucaliptos média no terreno do Réu é de 18 eucaliptos por 5m2.
21. Em virtude do comportamento do Autor, o Réu sentiu-se desrespeitado e violentado nos seus direitos, o que lhe vem provocando desgaste psíquico e emocional.
22. Após a propositura da acção, os Autores solicitaram autorização ao proprietário do terreno existente a poente do terreno do Réu para procederam ao alargamento do caminho existente nesse limite, a título provisório.
23. Uma vez que obtiveram tal autorização, os Autores procederam ao alargamento do caminho situado a poente do prédio do Réu, passando a fazer uso do mesmo para aceder ao seu prédio, e colocaram uma corrente no limite norte de tal caminho.
24. Tal caminho é composto por terra batida e apresenta inclinação descendente, encontrando-se actualmente em mau estado.

FACTOS NÃO PROVADOS

1. Que a delimitação física realizada pelos Autores tenha sido feita ao longo das suas estremas, no alinhamento dos marcos de pedra anteriormente aí existentes.
2. Que o caminho existente entre o terreno dos Autores e dos Réus tenha a configuração que sempre teve.
3. Que o caminho em causa, anteriormente à aquisição do terreno pelos Autores, tenha sido regularmente utilizado por veículos automóveis, ligeiros ou pesados.
4. Que ao longo de cerca de 150 metros da estrema norte do prédio dos autores, o Réu não tenha mandado efectuar o corte e desbaste das árvores de diversas espécies que crescem no seu prédio, nomeadamente, eucaliptos, acácias e sobreiros, bem como mato e arbustos, sendo que os ramos e as raízes daquelas têm vindo a crescer sobrepondo-se à rede de vedação colocada pelos autores, podendo vir a danificá-la e propendendo para o interior do prédio dos autores, prejudicando as culturas de regadio que os Autores aí têm vindo a implementar.
5. Que a conduta do Réu tenha causado prejuízos aos Autores em virtude da impossibilidade de utilização do seu terreno.
6. Que desde tempos imemoriais que a divisão entre o prédio dos Autores e do Réu fosse feita, na sua quase totalidade, por uma vala de cerca 0,50 metros de profundidade por 1 metro de largura e no centro da qual existiam, há muitas dezenas ou centenas de anos, marcos em pedra de formato tosco e afiado.
7. Que após ter adquirido a “(…)” os Autores, ou alguém a seu mando, tenham destruído a vala que a dividia ambos os terrenos e feito desaparecer os marcos em pedra tosca que nela existiam.
8. Que nessa altura os Autores tenham entrado no prédio do Réu, onde cortaram vários eucaliptos, alguns de grande porte, bem como a demais vegetação aí que aí existia e colocado a Norte do local onde se situava a referida vala, já dentro do prédio do Réu, novos marcos em pedra, junto aos quais colocaram postes de madeira e rede de vedação.
9. Que com essa alteração da delimitação entre ambos os terrenos, os Autores se tenham apropriado de uma parcela do prédio do Réu com uma largura que varia entre os 8 metros de largura na estrema Nascente e os 15 metros de largura ao centro, numa área total de quase 1.200 m2 que pertence ao prédio do Réu.
10. Que o Réu se encontre impossibilitado de utilizar uma parcela de 1.200m2 de terreno.
11. Que o prédio dos Autores fosse servido por um caminho de servidão que delimita a Poente o prédio do Réu e ainda por um caminho público a Norte situado a norte e que o circunda.
12. Que os Autores tenham aberto no prédio do Réu um caminho com uma extensão superior a 100 metros e largura de 4 metros.
13. Que os Autores tenham destruído eucaliptos do Réu.

Da alteração da matéria de facto

Nos termos do artº 662º, nº 1 do CPC a Relação deve alterar a matéria de facto se a prova produzida impuser decisão diversa.

O apelante deu de modo de modo satisfatório cumprimento ao disposto no artº 640º do CPC.

Vejamos os pontos impugnados, seguindo a sistematização adoptada pelos apelantes para simplificação e melhor compreensão:

Pontos 3 a 8 e 14 dos factos provados:

Ponto 3 cuja redacção é a seguinte:

3. O terreno dos Autores não confronta directamente com a via pública.

O apelante fundamenta-se no documento junto a fls 29 (Doc. nº 3 junto com a p.i.) – certidão da Conservatória do Registo Predial -, na caderneta predial de fls 31 (doc. nº 4 junto com a p.i), no documento de fls 60 (doc. 26 junto com a p.i.) – memória descritiva e justificativa que os AA. apresentaram para instruir o pedido de licenciamento de uma construção para arrumos, dos quais resulta, em seu entender, que o prédio dos AA. confronta com caminho público, pelo que ocorreu erro de julgamento do tribunal ao dar como provados os factos constantes do ponto 3.

Fundamenta-se ainda no depoimento de Miguel (…) para demonstrar a existência de um caminho de servidão com início no prédio da herança aberta por morte do pai da testemunha e que serve o prédio dos AA., com ele confinando.

Vejamos:

Nos presentes autos o A. veio alegar a existência de um caminho que tem início junto à estrada municipal que liga os lugares de Santa (..) ao Bairro de (…)que se prolonga por 100 metros, até entrar no prédio do R., onde percorre 220 metros até à estrema norte do prédio dos AA., prosseguindo através dele ao longo de 280 m, até à sua estrema sul, passando para além dos limites do mesmo mais cerca de 100 metros, atravessando o prédio de Paulino (…), terminado junto ao caminho público que liga os lugares de (…) a (…). Este é utilizado desde tempos imemoriais a partir da estrada municipal que liga os lugares de Santa (…) ao Bairro da (…), a pé, de carro de bois, com tractores agrícolas, quer pelos anteriores proprietários do prédio que agora é dos AA. quer por outros proprietários de terrenos vizinhos à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e com ânimo de quem sempre dispôs do direito de passar pelo descrito caminho.

Peticionaram a título principal o reconhecimento de uma servidão de passagem constituída por usucapião sobre o prédio do R. e subsidiariamente, a constituição de uma servidão legal de passagem, uma vez que o prédio está encravado para efeitos da aplicação do artº 1550º do CC.

O prédio dos AA. é denominado de (…) (que pertenceu à Casa de (…), confrontado na extrema nascente com a Casa de (..) – terra de mato) e o prédio do R. é conhecido como Cerca ou Sorte (…) (que pertenceu à “Casa do (…)”).

Por sua vez, o R. defende que a delimitação entre os dois prédios era feita por uma vala com cerca de 0,5 m de profundidade e cerca de 1 m de largura, vala essa que ainda existe na delimitação do prédio do R. do da casa de (…). Nunca existiu dentro do interior do prédio do R. o caminho de servidão reclamado pelos AA., não tendo os antecessores dos AA. utilizado o prédio pertença do R. para passarem. O caminho através do qual os AA. reivindicam o direito de passar, foi aberto pelos próprios AA., abusivamente, depois de terem adquirido o prédio, ou seja, após Novembro de 2010 e vai da estrema nascente do prédio do R., desde a entrada para as terras da Casa de (…), até à extrema norte do prédio dos AA., tendo os AA. movimentado terras e procedido ao corte de centenas de eucaliptos, deslocando para norte a delimitação em vala que existia entre ambos os prédios que destruíram, invadido uma área de cerca de 1200 m2 do prédio do R. e nesta área efectuaram um furo de captação de água e construíram um tanque de armazenagem de água. Procederam à abertura no prédio do R. de um caminho com uma extensão superior a 100 m e com uma largura de cerca de 4 m (artº 36º da contestação aperfeiçoada) e procederam ainda ao alargamento em mais 2 metros e numa extensão de cerca de 120 m, do troço do caminho já existente no prédio do R., na parte que vai da estrema nascente do caminho particular que apenas era utilizado pelos antecessores do R. e, com o seu acordo, pelos caseiros da Casa de (…), até à estrema norte do mesmo (artº 87º da p.i. aperfeiçoada).

Mais alegaram que os antigos proprietários do prédio que é hoje dos AA. sempre utilizaram a entrada de sul do seu prédio, utilizando o caminho proveniente de (...)- (…) q ue contrariamente ao alegado pelos AA., liga directamente ao seu prédio. Para além do acesso directo ao caminho público o prédio dos AA. é igualmente servido pelo caminho de servidão que delimita a poente e ainda por um caminho público situado a norte e que o circunda.

O R. deduziu reconvenção pedindo o reconhecimento do direito de propriedade sobre a área de 1200 m2 e a condenação dos AA. a desocupá-la, demolindo, à sua custa, o tanque de armazenagem de água que lá construíram, bem como a taparem o furo de captação de água, assim como a retirarem os marcos em pedra e os postes de madeira que lá colocaram, repondo a situação como existia, antes da sua intervenção e a pagar a importância que vier a ser liquidada para ressarci-lo dos danos causados.
O Mmo Juiz a quo foi ao local, procedendo a inspecção judicial, por três vezes, a saber:

. Em 16.06.2016, tendo na altura as partes elaborado um projecto de acordo, como se já se referiu no relatório (fls 325).

. Tendo se gorado as negociações, face às dúvidas sobre a natureza do referido caminho, o tribunal, deslocou-se de novo ao local, em 09.02.2017(pelas 11 horas), onde fez consignar em ata o que inspeccionou, documentando com fotografias (fls 442 a 455).
. Reaberta a audiência, pelas 15 horas, procedeu-se à inquirição da testemunha Miguel (…) e após a sua inquirição, o Mmo Juiz a quo deslocou-se de novo ao local, tendo consignado em ata o resultado da inspecção, acompanhado de fotografias (fls 456 a 459).

O Mmo Juiz a quo fundamentou de modo pormenorizado a matéria de facto que considerou provada e não provada.

Quanto ao facto nº 3, consignou o seguinte: “No que concerne ao facto provado n.º 3, o Tribunal considerou desde logo o teor da inspecção realizada ao local, no âmbito da qual foi facilmente perceptível concluir que o terreno não confronta com a via pública, sendo o seu acesso apenas realizado através de terrenos particulares.

Neste ponto, embora se tenha discutido a natureza do caminho existente do lado poente do terreno do Autor, não foram trazidos factos suficientes para permitir firmar a convicção que tal caminho é público, conforme se verifica das informações camarárias de fls. 341 a 354, 397, 398 e 420 a 424. Aliás, cumpre salientar que tal caminho apenas passou a dar acesso ao terreno do Autor após a propositura da acção, como melhor se verifica do teor do articulado superveniente formulado pelo Réu.”

Procedemos à audição do depoimento da testemunha indicada pelo apelante – Miguel (…) - o qual é herdeiro de Miguel (…) que foi dono do prédio designado pela Quinta da (…), o qual integra a herança aberta pela sua morte.

Se atentarmos no auto de inspecção elaborado aquando da 3ª ida ao local, constata-se que a sul do prédio dos AA. a ligação do prédio dos AA. ao caminho público é feita atravessando terreno de terceiros, como se fez constar na ata da inspecção. O mesmo se diga relativamente ao acesso pelo lado poente que é efectuado através de prédio pertencente à herança por óbito de Miguel (…) (Monte da (…)), tendo sido dada autorização para a passagem a título transitório, enquanto não fosse decidida a presente ação, como foi confirmado pela testemunha Miguel (…).

O facto de na certidão predial do prédio dos AA. se indicar que a sul, o prédio confina com caminho público e Paulino (…), não prova que efectivamente confronte nesses termos. Conforme é entendimento jurisprudencial dominante, a presunção do art. 7º do CRPredial não abrange a área, confrontações e/ou limites dos imóveis registados (não obstante a expressão legal “nos precisos termos em que o registo o define”. Neste sentido, v.g. os acórdãos do STJ de 11 de Fevereiro de 2016, proferido no processo nº 6500/07.4TBBRG.G2. S3, e de 14 de Novembro de 2013, proferido no processo nº 74/07.3TCGMR.G1. S1). E bem se compreende o alcance limitado de tal presunção, na medida em que aqueles elementos da descrição, não são percecionados pelo Conservador do Registo Predial que procede ao registo, antes derivam de declarações dos interessados, ainda que documentadas, mas sem a garantia de fiabilidade dos documentos que titulam a realização dos negócios com eficácia real, por falta da intervenção de uma entidade certificadora e dotada de fé pública na recolha e perceção dos dados de facto que vão instruir as declarações dos interessados.

E também o facto de na caderneta predial do prédio constar que confronta a nascente e a sul com caminho público também não prova as efetivas confrontações.

A memória descritiva junta pelo AA. a instruir o seu pedido de licenciamento para obras assenta em declarações do técnico contratado pelo A., onde se menciona que o terreno se encontra inserido em espaço florestal, sendo servido pelo caminho público e também não prova que confronte com o referido caminho.

Face à não coincidência dos limites constantes da certidão predial com os que existem efectivamente no local, importa a correção do ponto 1 dos factos provados, de modo a que passe a constar claramente que os limites referidos no ponto 1 são os que constam na descrição predial.

Baseou-se ainda o apelante nos documentos de fls 51, 52 e 54 (doc.18, 20 e 21 juntos com a p.i.), 35 e 36 (doc. 12 e 13 junto com a p.i.) e fls 41 (doc. 15 junto com a p.i.). Os documentos de fls 51, 52 e 54 não são elucidativos da existência do referido caminho, não contendo qualquer legenda. Os documentos de fls 35 e 36 dizem respeito à aprovação da candidatura do apelado ao apoio e reconversão da vinha e o documento de fls 41 refere-se ao número de horas que terão sido despendidas na execução de movimentação das terras dos apelados, documentos que não demostram a existência de qualquer caminho público, confrontado com o prédio dos AA.

A testemunha em que o R. se baseia para fundamentar a alteração deste ponto 3 da matéria de facto, não referiu de modo claro que o prédio dos AA. comunicasse directamente com caminho público a sul, nem tal resulta claramente das transcrições efectuadas pelo apelante. Mas ainda que a testemunha o tivesse referido, a perceção que o tribunal teve no local, onde se deslocou com os mandatários, as partes e testemunhas, e que puderam auxiliar o tribunal na inspecção a que procedeu, indicando os limites do prédio dos AA., deve prevalecer. O tribunal teve a oportunidade de indagar dos limites do prédio e constatá-los in loco, em termos que não nos suscitam dúvidas, demonstrado os autos de inspecção o cuidado que foi colocado pelo Mmo Juiz na inspecção a que procedeu.

Mantêm-se consequentemente inalterado o ponto 3 da matéria de facto, alterando-se o ponto 1 dos factos provados, de modo a evitar contradições (que o apelante assinalou) que passa a ter a seguinte redacção:

1. Os Autores são donos e legítimos proprietários do prédio rústico denominado “Cerca (…)”, situado no lugar de (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º (…) como tendo a área total de trinta mil seiscentos e quarenta e um metros quadrados e como confrontando a Norte com Herdeiros de Maria (…); a Sul com caminho público e Paulino (…); a Nascente com caminho público; e a Poente com Cristina (…); inscrito na respectiva matriz sob o art.º (…).º, por aquisição em 12/11/2010, através de doação feita pelo seu anterior proprietário, Jorge (…)

Pontos 4 a 6 da matéria provada cuja redacção é a seguinte:

4. Há mais de 70 anos que existe um caminho com o leito em terra batida e que, considerando o sentido norte-sul, tem o início junto à estrada municipal em alcatrão que liga os lugares de (..) ao Bairro da (…), que se prolonga, mantendo a sua natureza pública, ao longo de cerca de 100 metros, e, de seguida, atravessa o prédio que agora é propriedade do Réu, ao longo de cerca de 220 metros, até à estrema norte do prédio dos Autores, e, aí, prossegue através do seu, ao longo de cerca de 280 metros, até à sua estrema sul, passando para além dos limites do mesmo cerca de mais 100 metros, atravessando o prédio de Paulino (…), terminando junto ao caminho público que liga os lugares de (…) a (…).
5. Tal caminho foi regularmente utilizado a partir da estrada municipal atrás referida e que liga os lugares de Santa (…) ao Bairro (…), a pé, de carro de bois, com tractores agrícolas, quer pelos anteriores proprietários do prédio que agora pertence aos autores e para acederem ao mesmo, quer por outros proprietários de terrenos vizinhos que, através do mesmo ou de parte dele, sempre acederam àquela estrada municipal, quer ainda por quem mais do dito caminho se quisesse servir, nomeadamente para aceder ao outro caminho que contorna o prédio dos autores pelo lado Oeste, assim como pelas pessoas provenientes do lugar de (…) e que nele passavam para irem aos "matos e às lenhas", o que sempre sucedeu contínua e ininterruptamente, com ânimo de quem sempre dispôs do direito de passar pelo descrito caminho, com o conhecimento de todas a pessoas do lugar e freguesia de sua situação, e tudo sem a oposição de ninguém.
6. O descrito caminho, actualmente, no referido sentido norte-sul, apresenta uma ligeira inclinação descendente, nos primeiros 400 metros, até ao local onde os Autores estão a construir um anexo agrícola, com uma largura que, ao longo de toda a sua extensão e até a estrema norte do prédio dos autores, varia entre os 2,6 e os 3,10 metros, com o leito em terra batida, perfeitamente compactada, sendo que, depois de atravessar para o prédio dos Autores passa a ter uma largura que varia entre os 1,80 metros e 2,20 metros.

O apelante fundamenta-se no depoimento da testemunha Miguel (…) que, em seu entender, foi no sentido da inexistência do caminho dado como provado nos pontos impugnados, existindo antes um trilho que era utilizado pelos garotos, no passado, para atalharem caminho e que atravessavam com bastante dificuldade, para não terem de “dar a volta”.

Alega ainda o apelante que tendo o prédio acesso a sul a caminho público não faz sentido o dado como provado e mesmo que assim não se considerasse, sendo o acesso a sul através do terreno de terceiro com um trajeto de 100 metros, não faz qualquer sentido ir pelo caminho mais longo através do terreno do R. Por outro lado, qualquer vizinho que quisesse aceder a qualquer das estradas com que o prédio confronta, servir-se-ia das estradas, circundando o prédio e não atravessado terreno inculto, de difícil acesso e inclinação. O prédio dos AA foi objecto de movimentação de terras que alterou substancialmente a sua composição, tendo conduzido erradamente a prova de factos que não têm correspondência com a realidade existente.

Vejamos:

Ao longo do recurso o apelante faz repetida alusão à movimentação de terras no prédio dos AA. que originou a que ele ficasse com deficiente acesso ao caminho público a sul. Só que, embora tenha sido dado como provado que os AA. durante o ano de 2011 levaram a cabo no seu prédio obras de transformação de terreno inculto para uma vinha, não se provaram quaisquer factos no sentido de que essas obras de movimentação tenham tornado mais difícil o acesso a sul, através de prédio também de terceiros, ao caminho público, pressuposto de que o apelante parte para requerer a alteração da decisão.

O Mmo Juiz a quo consignou o seguinte relativamente a estes pontos impugnados:

“Relativamente aos factos provados n.ºs 4 e 5, foi essencialmente analisada toda a prova produzida. O Réu negou a existência do aludido caminho anteriormente à aquisição do terreno pelo Autor. O seu depoimento foi em parte corroborado por Manuel (…) e Francisco (…).

Tais testemunhas referiram que o aludido caminho não existia, sendo o acesso apenas pelo lado sul. Porém Manuel (…) declarou que se deslocava ao terreno com regularidade há 60 anos, sendo que a última vez que visitou o mesmo foi no final dos anos 80, o que coloca em causa a actualidade do seu conhecimento. Alfredo (…), por seu turno, não mereceu credibilidade, já que referiu ter-se deslocado ao local uma única vez, em 2001. Ora, não faz sentido que a testemunha se recorde com detalhe de um terreno que visitou uma única vez, há 15 anos, e que não lhe dizia respeito. Por último, apesar de a testemunha Francisco (…) ter sido considerada isenta e genuína, a mesma referiu apenas ter presenciado o terreno há 35 anos, pelo que o seu depoimento igualmente não se mostra actual, podendo igualmente ter havido lugar a lapso de memória, atento o período temporal entretanto decorrido. Para além disso, as suas declarações foram infirmadas pelos depoimentos prestados pelas testemunhas infra, que igualmente mereceram credibilidade.

Por seu turno, o Autor declarou que o caminho já existia anteriormente à aquisição do terreno e que passavam carros no mesmo, embora tenha admitido que o caminho possa ter sido alargado devido à passagem de camiões aquando da alteração do seu terreno. Idênticas declarações foram prestadas pela Autora.

O seu depoimento foi corroborado pelo teor das declarações de Manuel (…), Bernardino (…), Jorge (…), José (…), Bernardino (…), José (…)¸ João (…) e Carlos (…) que confirmaram a existência do caminho anteriormente à aquisição do terreno pelo Autor e, inclusivamente, há mais de 35 anos. Admitiram que o mesmo actualmente se apresenta mais largo, apresentando várias justificações para tal alargamento.

Para além de tais depoimentos terem merecido credibilidade, a verdade é que da consulta dos ortofotomapas de fls. 81 a 85 é possível verificar a existência do aludido caminho pelo menos desde 2006.

Assim, embora do ortofotomapas de fls. 216, datado do ano 2000, não seja possível concluir pela existência do caminho, a verdade é que os depoimentos das testemunhas, conjugados com os demais ortofotomapas, permitem concluir que o caminho em causa já existiria anteriormente à aquisição do terreno pelo Autor. Aliás, atenta a fraca qualidade do ortofotomapa em questão, o facto de o mesmo não ser visível não implica que o caminho não existisse. Por outro lado, atenta a quantidade de testemunhas (consideradas imparciais e genuínas) que confirmaram a existência de tal caminho há vários anos, decidiu o Tribunal dar como demonstrado que o mesmo, efectivamente, existia.

A utilização do caminho por toda a comunidade local foi igualmente confirmada pelas diversas testemunhas.
No que respeita aos factos provados n.ºs 6 a 8, a sua prova resulta essencialmente da inspecção realizada ao local, na qual foi possível verificar a constituição actual do caminho na sua totalidade.
O Autor, bem como as testemunhas Bernardino (…), João (…) e Francisco (…) referiram igualmente que tal caminho sempre existiu, embora fosse demasiado íngreme para permitir a sua utilização com viaturas automóveis, tendo prestado depoimentos descritivos e que atestam a tal impossibilidade.”

O Mmo Juiz a quo não fez referência ao depoimento da testemunha Miguel (…) (a não ser que tivesse pretendido referir-se a esta testemunha quando refere a testemunha Manuel (…) a que não consta como tendo prestado depoimento) e fundamentou-se ainda no depoimento das testemunhas Bernardino (…), Jorge (…), José (…), Bernardino (…), José (…), João (…) e Carlos (…). O apelante na apreciação que faz da matéria de facto não explica porque razão o tribunal deve privilegiar a versão dos factos que apresenta e que é essencialmente a que declarou em tribunal quando foi ouvido, em detrimento da que o tribunal entendeu valorar.
O Tribunal também se baseou nos ortofotomapas de fls 81 a 85, o que o apelante não pôs em causa no recurso.
Procedemos também à audição dos depoimentos em que o Mmo Juiz a quo se fundamentou (artº 640º, nº 2, alínea b) - 1ª parte do CPC).
Nas acções em que se discute a existência de caminhos de servidão ou públicos e o seu traçado, a ida ao local é um auxiliar precioso para a descoberta da verdade.
Note-se que na inquirição das testemunhas não houve a preocupação de identificar os caminhos que as testemunhas vinham referindo, nem os pontos de referência, esquecendo que o tribunal de recurso não foi ao local, apenas se podendo basear nas atas da inspecção, as quais foram elaboradas com pormenor, juntando fotografias ilustrativas do caminho em discussão.

Por exemplo na inquirição da testemunha Miguel … é perguntado se o caminho que a testemunha percorreu (subentende-se na ida ao local com o tribunal) já existia. Qual é o caminho que a testemunha percorreu? É o que está em discussão nesta ação? Refere-se também na inquirição ao caminho onde todos parámos os carros. Que caminho é esse? É o que está em discussão?
São também exibidos documentos à testemunha sem que seja feita referência qual é o documento que lhe está a ser exibido, cuidados que deveriam ter sido tomados, prevenindo a hipótese de recurso.
Aquando da confrontação da testemunha com os doc. nºs 41 a 43 juntos com a p.i. e nº 26 junto com a réplica, não é possível a esta Relação aperceber-se do que a testemunha está a apontar nesses documentos, nem qual o caminho que a testemunha efectuava quando era mais novo, ainda rapaz.
O depoimento desta testemunha com as condicionantes descritas revela-se pouco esclarecedor.
Para melhor demonstrar o que dizemos, passamos a transcrever um segmento do depoimento transcrito pelo apelante que demonstra bem a falta de clareza do depoimento desta testemunha.

Advogado do Autor
Passando, passando já por aquilo que é o prédio do senhor, actualmente do senhor Albino?
Testemunha Miguel (…):
Também se podia passar. Mas nós fazíamos normalmente era mais na diagonal. Chegávamos cá acima ao topo, para não fazer inflexão íamos para baixo, eh, direitinhos à esquina da, da, para não, quer dizer, vínhamos com as minhas irmãs, fazíamos esse caminho. Os rapazes de calças, que as meninas andavam de saias (risos) tinham que fazer pelo caminho do lado. Nós tinham, como vínhamos com calças, era mais fácil, por causa do mato, cortávamos”.
Deste extracto não é possível perceber o caminho traçado. Do topo aonde? Para baixo, para onde? À esquina de aonde?

Por sua vez, as testemunhas em que o tribunal se baseou foram claras no sentido da existência do caminho nos termos alegados pelo A.. Assim:

.A testemunha Bernardino (…), com 81 anos, que relatou ter o caminho tido o traçado que sempre teve através do prédio do R., conhecendo bem aquele local por em miúdo ir para um prédio próximo tomar conta do jumentinho do seu avô (referindo que a sua escola era essa, pretendendo referir que em vez de ir à escola, tinha de ir realizar esses trabalhos), embora se lhe afigure que está mais largo do que nessa altura ;
.A testemunha Jorge (…) que foi quem doou ao A. o prédio em causa nesta ação para o acesso ao qual se atravessa o prédio do R. e que igualmente confirmou que o caminho que existia e que passava pelo prédio do R. é o que ainda se encontra marcado, caminho esse que também usou diversas vezes, a pé e de carro, e que vai dar ao local onde existe o tanque que é visível na fotografia de fls 451 do auto da inspecção judicial;
José (…) (Casa de (…)), cujo prédio confronta com o do R. a nascente e que igualmente confirmou que o caminho que vai dar ao tanque do A. é o que já existia à data em que adquiriu o seu prédio, em 1979;
Bernardino (..) que igualmente confirmou a existência do caminho desde há muitos anos, tendo referido conhecer bem o local por costumar percorrer a pé os montes que ali existem e conhecer bem os caminhos que por ali passam e referiu que o caminho em causa era utilizado pelos madeireiros e chegou ver um autotanque a passar por lá, por causa dos incêndios.
No sentido da existência do caminho, mas com um conhecimento mais recente, o depoimento das seguintes testemunhas:
José (…), engenheiro agrícola, que efectuou já dois projectos para o A. e que conhece o local desde 2010, tendo também confirmado a existência do caminho, confirmando também o seu traçado nas plantas juntas.
João (…), desenhador, que mandou fazer o levantamento topográfico junto a fls 105, porque na altura estava interessado na aquisição do prédio que é actualmente dos AA. para o seu pai, tendo perdido posteriormente o interesse na sua aquisição por a sua área ser inferior à pretendida.
Carlos (…), engenheiro civil, prestou serviços profissionais ao A., mas visitou o prédio do A. em 2009, com vista a sua aquisição para aterro e acedeu ao prédio através do caminho em discussão.

Também nós, após a audição destes depoimentos, ficámos com o convencimento do Mmo Juiz a quo a propósito destes factos, pois que estas testemunhas foram todas claras no sentido dado como provado e se afiguraram isentas, pelo que nada há a alterar, quanto ao traçado do caminho.

Ponto 7 com a seguinte redacção: A partir do anexo agrícola atrás referido e até à estrema sul do prédio dos Autores, o caminho sofre uma acentuada inclinação descendente, passando o seu leito a ser constituído, na sua maior parte por pedra solta terra de saibro, descendo da quota(sic) de 498,91desde a estrema norte do identificado prédio dos AA., até quota(sic) de 450,49 metros, na estrema sul do prédio.

Alega o apelante que o tribunal se socorreu de uma conclusão ao dar como provado a existência de uma acentuada inclinação.

Ora, embora tenha sido utilizada a expressão “acentuada”, o Mmo Juiz concretizou a expressão utilizada, mencionado que o prédio desce da cota de 498,91 para 450,94.

Mais invoca o apelante que nenhuma testemunha atestou a cota ou grau de inclinação entre o anexo agrícola que os AA. declararam junto da Câmara Municipal de ... e o caminho público ((…) - (…)).
O Mmo Juiz a quo baseou-se na inspecção ao local e no depoimento das testemunhas Bernardino (…), João (…) e Francisco (…) que referiram que o caminho era muito íngreme para permitir a sua utilização com viaturas automóveis.
Também a testemunha José (…) se referiu à inclinação acentuada, assim como a testemunha Miguel (…), tendo até mencionado que o A. precisava de “ter um bom baú com notas” para pôr um caminho com o declive que tem a funcionar.
E igualmente a testemunha João (…), o confirmou, tendo sido a testemunha que mandou fazer o levantamento topográfico junto a fls 105.

Assim, da conjugação dos referidos depoimentos com o levantamento topográfico junto a fls 105, também coadjuvado com o que foi percecionado na inspecção judicial, resulta o acerto do dado como julgado no ponto 7.

Ponto 8 cuja redacção é a seguinte: os acessos à estrada municipal que liga os lugares de (…) a (…), a partir da estrema sul do prédio dos Autores, fruto da sua inclinação e composição, não permitem a passagem de veículos automóveis ligeiros, de passageiros e de mercadorias, apenas se conseguindo circular pelos mesmos com veículos de todo o terreno e tracção às quatro rodas e, muito dificilmente, com alguns tractores agrícolas.
Alega o apelante que este ponto está em contradição com o ponto 3 da matéria de facto.
Ora, não se entende assim. Este ponto tem de ser entendido como se reportando ao caminho até ao terreno de terceiro que há ainda de atravessar até chegar ao caminho público que liga (…) a (…), não resultando deste artigo que o acesso seja directo do prédio do A. ao caminho público.

Pelas razões já referidas a propósito do ponto 7 mantém-se igualmente inalterada a redacção deste ponto 8.

Ponto 14 cuja redacção é a seguinte:
Após terem adquirido o seu terreno, os Autores procederam ainda ao alargamento, em mais de dois metros, de todo o caminho existente no interior do prédio do Réu, acima descrito, passando o mesmo a ter a largura actual, tendo para o efeito procedido à movimentação de terras.
Alega o apelante que na decorrência do dito a propósito dos pontos anteriores, este ponto deve ser dado como não provado, pois que os AA. procederam à abertura de um caminho que não existia.
Tendo em consideração tudo o que foi dito relativamente ao acerto da decisão quanto ao ter sido dado como provado a existência do caminho, mantém-se também inalterado este ponto da matéria de facto.

Pontos 6 a 13 dos factos não provados, cuja redacção é a seguinte:

6. Que desde tempos imemoriais que a divisão entre o prédio dos Autores e do Réu fosse feita, na sua quase totalidade, por uma vala de cerca 0,50 metros de profundidade por 1 metro de largura e no centro da qual existiam, há muitas dezenas ou centenas de anos, marcos em pedra de formato tosco e afiado.
7. Que após ter adquirido a “Cerca (…)” os Autores, ou alguém a seu mando, tenham destruído a vala que a dividia ambos os terrenos e feito desaparecer os marcos em pedra tosca que nela existiam.
8. Que nessa altura os Autores tenham entrado no prédio do Réu, onde cortaram vários eucaliptos, alguns de grande porte, bem como a demais vegetações aí que aí existia e colocado a Norte do local onde se situava a referida vala, já dentro do prédio do Réu, novos marcos em pedra, junto aos quais colocaram postes de madeira e rede de vedação.
9. Que com essa alteração da delimitação entre ambos os terrenos, os Autores se tenham apropriado de uma parcela do prédio do Réu com uma largura que varia entre os 8 metros de largura na estrema Nascente e os 15 metros de largura ao centro, numa área total de quase 1.200 m2 que pertence ao prédio do Réu.
10. Que o Réu se encontre impossibilitado de utilizar uma parcela de 1.200m2 de terreno.
11. Que o prédio dos Autores fosse servido por um caminho de servidão que delimita a Poente o prédio do Réu e ainda por um caminho público a Norte situado a norte e que o circunda.
12. Que os Autores tenham aberto no prédio do Réu um caminho com uma extensão superior a 100 metros e largura de 4 metros.
13. Que os Autores tenham destruído eucaliptos do Réu.

O apelante baseia-se no seu próprio depoimento que ouvimos e se mostra posto em causa pelo depoimento da testemunha Bernardino (..) que declarou que os marcos se encontravam no local onde ainda se encontram, desde há pelo menos 70 anos, uma vez que frequenta o local desde essa altura, assim como pela testemunha Jorge (..) que foi quem doou o prédio ao A. e que declarou que os marcos já se encontram no local “há décadas”. No mesmo sentido depuseram as testemunhas Carlos (…) e João (…) que foram ao terreno em 2009 e que foram claras no sentido de que os marcos existentes no local, “no meio do mato”, apresentavam sinais de já ali se encontrarem há muitos anos. O apelante baseia-se no depoimento das testemunhas Jorge (…) e José (…), mas estas testemunhas nada disseram no sentido por si defendido.

A testemunha José (…) confirmou a existência de uma vala (um rego grande, uma rota) que pensa que dividirá o seu prédio do R., mas acabou por admitir que nunca ninguém lhe disse que a divisão se procedia desse modo. Não mencionou qualquer alteração do traçado do caminho. Como a testemunha referiu “Nem eu conheci lá alteração nenhuma”, referindo-se ao caminho e, mais à frente, “o caminho sempre foi por ali. Agora, se era mais largo ou mais estreito, isso não, não posso dizer”. A testemunha Jorge (…) falou da existência de uma vala e de uns “mecos” (marcos?) a dividir os prédios em questão, mas nunca referiu que a divisão entre o prédio do A. e do R., por ocasião da doação, em 12 de Novembro de 2010, não fosse a que lá se encontrava aquando da inspecção ao local.

Relativamente ao limite entre o terreno dos AA. e do R. também não ficámos convencidos que a divisão entre os prédios, fosse a que o apelante reclama (através de uma vala), face ao depoimento das testemunhas Miguel (…) e Bernardino (…) que asseguraram que a casa Baixo (..) (anterior dona do prédio do R.) delimitava as suas propriedades com eucaliptos (plantando eucaliptos de 8 em 8 ou de 10 em 10 metros, como referiu a testemunha Bernardino (…)), o que era do conhecimento daqueles que por ali têm prédios, como é o caso das testemunhas, pelo que não é possível concluir com segurança nos termos pretendidos.

E não se tendo apurado que o AA. tenham procedido à alteração dos marcos e destruído qualquer vala que delimitasse o seu prédio do prédio do R., também não se pode dar como provado que os AA. se apropriaram de cerca de 1200 metros do prédio daquele. E tendo se mantido inalterado o ponto 3 que dá como provado que o terreno dos AA. não confronta directamente com a via pública, não assiste razão ao apelante quando reclama que se dê como provado que o prédio dos AA. confronta com caminho público a norte. Relativamente ao alegado caminho de servidão que atravessa a Quinta da (…), trata-se de um acesso recente, que a mãe da testemunha Miguel (…), na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por morte do pai da testemunha, autorizou, a título transitório, até à decisão desta ação, como foi explicado pela referida testemunha que referiu ainda que não pretende manter este acesso, pois que tenciona também utilizar o seu prédio para a produção de uvas.

Mantém-se assim também inalterados os pontos 6 a 11 dos factos não provados.

Relativamente ao ponto 12: baseia-se o apelante no depoimento de parte da A. Glória (…) que nada soube (ou não quis) esclarecer, tendo repetidamente referido que foi com o seu marido ao local e que não gostou nada do que viu, tendo até discutido com o seu marido por causa daquele prédio e ao longo do seu depoimento foi, repetidamente, referindo não saber responder ao que lhe estava a ser perguntado. Baseia-se ainda no seu próprio depoimento que foi posto em causa, pelo depoimento das testemunhas em que o Mmo Juiz a quo se baseou. O depoimento da testemunha Miguel (…) não foi esclarecedor pelas razões já referidas. No entanto, face às atas da inspecção ao local e ao depoimento das testemunhas que depuseram, reiteradamente, no sentido da existência do caminho em causa com o traçado que ainda hoje detém, só que mais largo, não se afigura necessário a este tribunal recorrer ao disposto no artº 662º, nº 2, alínea a) do CPC (o que também não foi requerido).

Baseia-se ainda o apelante na ata de inspecção ao local de 9 de Fevereiro de 2017, onde resulta que os AA. procederam à alteração dos terrenos.

Na acta de 9 de Fevereiro de 2017 (fls 445) foi feito constar que o caminho foi alterado desde a data da realização da inspecção antecedente, mas tal em nada corrobora a sua tese.

O caminho a que o apelante se refere e que se encontra a poente do prédio do A., e que não existia em 9 de Fevereiro de 2017, é o caminho transitório que atravessa o prédio da herança aberta pela morte do pai da testemunha Miguel (…) e cuja utilização foi permitida a título transitório e de modo a permitir aos AA. o acesso de carro ao seu prédio, como já referimos por várias vezes, pois que os AA. estão impedidos de usar o caminho que atravessa o prédio do R..

O apelante na impugnação do ponto 12 continuam a insistir que o prédio dos AA. confronta a sul com caminho público, o que nada tem a ver com este ponto 12, e requerem até a correcção do que consta na ata da inspecção, no segmento em que é referido que o prédio dos AA. a sul confronta com terreno de terceiros (fls 457), pois que este terreno é dos AA.

Ora, não só o apelante deveria se ter insurgido relativamente ao que foi feito constar na ata na altura da diligência, pois que se encontrava presente, afigurando-se a referência agora feita totalmente extemporânea, não se pode deixar de se realçar que o apelante também não prova o que alega. O apelante invoca que o terreno com o qual o prédio em causa nesta ação dos AA. confronta a sul é também dos AA.(e não de terceiros), pelo que assim confrontaria directamente com o caminho público, mas não junta qualquer documento a comprová-lo, nem invoca testemunhas que tenham deposto nesse sentido.

Mantém-se assim também inalterado o ponto 12.

Por último, relativamente aos factos constantes do ponto 13 o apelante não indica quaisquer meios de prova, pelo que terá de ser rejeitada relativamente a este ponto a impugnação, por falta de cumprimento do disposto no artº 640º, nº 1 e 640º, nº 2, alínea a) do CPC.

Ainda que assim não se entendesse e se considerasse também impugnado com base na prova indicada quanto aos demais factos não provados, a prova produzida não permite que se conclua com segurança no sentido alegado no ponto 13.

A matéria de facto a considerar é pois a que foi dada como provada e não provada na sentença recorrida, com a alteração introduzida ao ponto 1 dos factos provados.

Do Direito

Entende o apelante que ainda que a matéria de facto não seja alterada que a decisão de direito da sentença recorrida é totalmente injusta e viola o disposto nos artigos 1550º e 1553º do CC.

Na sentença recorrida não foi julgado procedente o pedido principal de reconhecimento de uma servidão de passagem por usucapião e foi julgado procedente o pedido subsidiário, de constituição de uma servidão legal de passagem.

Servidão legal é a que, não tendo sido constituída voluntáriamente, pode ser constituída coercivamente, por sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos (artº 1547º, n2 CC).

São servidões legais as de passagem (artº 1550º e ss do CC) e as de água (artº 1557º e ss CC).
A servidão legal de passagem tem na sua base um direito potestativo, permitindo ao seu titular a constituição de um direito real independentemente da vontade do dono do prédio serviente.
A lei não exige que seja total, abrangendo o encravamento absoluto ou relativo.

O encravamento absoluto é quando o prédio não tem qualquer acesso à via pública, por haver outros prédios de permeio, concedendo-se igual tratamento ao encrave relativo que se verifica quando o prédio tem comunicação insuficiente com a via pública ou só pode obtê-la com excessivo incómodo ou dispêndio.

Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela (CC Anotado, anotação ao artº 1550º) “a exigência do encrave absoluto aparece, de facto, ultrapassada num duplo aspecto. Por um lado, equiparam-se aos prédios encravados aqueles que só com excessivo incómodo ou dispêndio teriam comunicação com a via pública (critério que obriga a confrontar o custo das obras de comunicação da passagem subterrânea, do viaduto, da ponte, etc., com o rendimento do prédio); por outro, concede-se igual tratamento jurídico aos prédios que tiverem comunicação insuficiente com a via pública. Resumindo, pode dizer-se que a lei considera encravado (para o efeito de lhe conceder a servidão legal de passagem) não só o prédio que carece de qualquer comunicação com a via pública (encrave absoluto), mas também aquele que dispõe de uma comunicação insuficiente para as suas necessidades normais e aquele que só poderia comunicar com a via pública através de obras cujo custo esteja em manifesta desproporção com os lucros prováveis da exploração do prédio ou com as vantagens que ele proporciona (encrave relativo).

Para efeitos de constituição de uma servidão legal de passagem com fundamento em encravamento relativo, nos termos previstos no artigo 1550.º, n.º 2, do CC, a comunicação insuficiente deve ser aferida em função do leque de utilidades normais inerentes à afetação específica do prédio dominante, de modo a proporcionar ao seu proprietário um aproveitamento objetivo dessas utilidades, condizente com o destino económico da coisa e com a função social do respetivo direito de propriedade (cfr. se defende no Ac. do STJ de 12.10.2017, proc. 361/14.4TBVVD.G1.S1).

Dispõe o artº 1553º, do CC, que define o lugar da constituição da servidão, que “a passagem deve ser concedida através do prédio ou prédios que sofram menor prejuízo, e pelo modo e lugar menos inconvenientes para os prédios onerados”.
Com efeito, são dois os princípios definidos pelo artigo 1553º, do CC, referindo-se o primeiro à determinação do prédio por onde há-de estabelecer-se a comunicação com a via pública, e o segundo ao lugar e ao modo de exercício da servidão, uma vez fixado o prédio onerado.


Para tanto, o proprietário do prédio encravado não pode limitar-se a alegar factos demonstrativos do encrave e da confinância com esse prédio por onde pode alcançar a via pública, devendo ainda alegar factos que permitam concluir que é, através do mesmo e pelo modo e local escolhidos, que a passagem causa menor prejuízo e se torna menos gravosa, tomando-se em consideração “o uso efetivamente dado ao prédio encravado” ( cfr. Ac. do STJ de 10.12.2013, proc. 719/07.5TBBCL.G1.S1).

Como se refere no mencionado acórdão de 10.12.2013, “a lei não define o conceito de «menor prejuízo», que deverá ser obtido de acordo com uma visão global do instituto, formado por diversos elementos que permitam concluir que o prédio serviente sofre menos diferença em relação ao estado em que estaria se não fosse constituída a servidão e como o seu proprietário tem do mesmo uma utilização mais aproximada à natural.

Dispunha o artigo 2310º, do Código Civil de 1967, que continha o lugar paralelo ao actual artigo 1553º, do Código Civil, que
“a passagem será concedida pelo lado por onde haja de ser menos prejudicial aos donos dos prédios sujeitos”.
O termo «menos prejudicial» era, então, entendido, como equivalente ao trajeto mais curto, mas subordinando-se sempre este critério do trajeto mais curto ao princípio do «menor prejuízo» para o prédio serviente, “tanto na escolha dos prédios, dentre os que circundam o encravado, como na fixação neste do ponto de partida do traçado do caminho”.

Caberá, pois, ao julgador a ponderação dos critérios, físicos e económicos, e dos elementos prevalentes que conduzam à afirmação do princípio do menor prejuízo para o prédio serviente, ou do “lugar menos inconveniente para os prédios sujeitos”, no âmbito do equilíbrio de interesses que o legislador pretende prosseguir nesta matéria”.

Alega o apelante que se a servidão se deve ter constituída por usucapião, não pode ser constituída uma servidão legal, nem pode ser alterada nos termos em que, em seu entender, foi efectuada a alteração, com desrespeito do artº 1568º do CC.

Os AA. formularam um pedido principal de reconhecimento de uma servidão de passagem a onerar o prédio do R. a favor do prédio dos AA., por usucapião.

Na sentença recorrida considerou-se que não se mostrava demonstrada a existência de um poder de facto sobre o caminho a que aludem os pontos 4 a 6 da matéria de facto, e por isso, por falta do elemento objectivo da posse – o corpus – julgou improcedente o pedido principal dos AA. Esta decisão transitou. Os AA. não interpuseram recurso. Não se entende, assim, as vastas referências à servidão constituída por usucapião feitas pelo apelante, uma vez que no caso dos autos se considerou que não estavam reunidos os requisitos para o seu reconhecimento, tendo se considerado que a passagem que era efectuada há mais de 70 anos não era uma servidão de passagem, mas sim um atravessadouro.

O proprietário de um prédio sem comunicação com a via pública não está obrigado a requerer ao tribunal que constitua uma servidão legal de passagem a seu favor. A circunstância de um prédio se encontrar encravado e estarem reunidas as condições para se exigir a constituição, por sentença, de uma servidão legal , não obsta a que o proprietário do prédio dominante/encravado, opte por demandar o proprietário do prédio serviente, com base na aquisição de um direito de passagem por usucapião, como ocorreu no caso e, se assim o entender, formular pedido subsidiário, para a eventualidade de não lograr provar os requisitos necessários para a usucapião, pedindo a constituição de uma servidão legal de passagem, opção que os AA. também tomaram .

Entende ainda o apelante que os AA. não alegaram e muito menos provaram que lhe trouxesse excessivo incómodo ou dispêndio o acesso à via pública a sul, não sendo suficiente a factualidade dada como provada nos pontos 7 e 8 da sentença, nem resulta directamente da factualidade provada que o terreno dos autores não confronta directamente com a via pública, nem suficientemente demonstrado que o acesso através do caminho a que se refere o ponto 24 seja mais incómodo ou dispendioso do que aquele que os AA. pretendem ver reconhecido sobre o prédio do R., por comparação com as características destes.

Ora, face aos factos constantes do ponto 3 que se manteve inalterado, está demonstrado o encrave absoluto do prédio. Verificando-se o encrave absoluto não carece o apelado de demonstrar a excessiva onerosidade do acesso através do limite sul. Mas ainda que o prédio dos AA. confrontasse a sul com caminho público, como defende o apelante, estaria demonstrado o encrave relativo, podendo ser constituída uma servidão de passagem, pois que a comunicação seria insuficiente, porque devido à inclinação do acesso não permitiria o aproveitamento normal do prédio afecto à exploração agrícola para a qual se mostra necessário o trânsito de veículos que possam trazer a matéria prima e demais produtos necessários à exploração e transportar para o exterior o resultado da exploração.

Confinando o prédio dos AA. com mais do que um prédio, a servidão legal deve ser constituída sobre o prédio que tiver menor prejuízo com a sua constituição.

Coexistem três caminhos que que permitem o acesso indirecto do prédio dos AA. a vias públicas distintas:

‒ Um situado a sul do seu prédio, com uma acentuada inclinação descendente, e com leito constituído, na sua maior parte, por pedra solta e terra de saibro, descendo da quota de 498.91 metros desde a estrema norte do identificado prédio dos autores, até quota de 450.49 metros, na estrema sul do mesmo, que não permite a passagem de veículos automóveis ligeiros, de passageiros e de mercadorias, apenas se conseguindo circular pelos mesmos com veículos de todo o terreno e tracção às quatro rodas e, muito dificilmente, com alguns tractores agrícolas ; - ponto 8 dos factos provados
‒ Um caminho a norte do seu prédio, do lado nascente, que atravessa o prédio dos Réus, com uma largura que, ao longo de toda a sua extensão e até a estrema norte do prédio dos Autores, varia entre os 2,6 e os 3,10 metros, com o leito em terra batida, perfeitamente compactada; - ponto 6 dos factos provados
‒ Um outro caminho a norte do seu prédio, do lado poente, constituído na pendência da acção, a título provisório, com o consentimento do proprietário do terreno situado a poente do prédio do Réu, em terra batida, inclinação descendente e em mau estado de conservação – pontos 22 a 24 da matéria de facto.

No elenco dos critérios físicos, destaca-se que é o prédio do R. o que sofre com a passagem uma menor diferença relativamente ao seu estado anterior, pois que se provou que a passagem já existe há mais de 70 anos, com o leito em terra batida perfeitamente compactada, embora tenha sido alargado pelos AA. (ponto 14), sendo que a passagem através do prédio da herança aberta por morte de Miguel … é um caminho recente, constituído após a instauração da ação.

No quadro dos critérios económicos, a diminuição da utilidade pela privação do uso exclusivo da faixa de faixa de terreno de passagem, em pouco se vai repercutir no prédio do R. que se encontra inculto, conforme se refere na sentença recorrida, o que foi percecionado na inspeção.

É certo que nada se apurou relativamente ao prejuízo para o prédio que se interpõe a sul com o caminho público, mas esse caminho, atento o fim do prédio dos AA. não constitui uma alternativa à passagem pelo prédio do R., pois que, atenta a inclinação do prédio dos AA. até a esse prédio, pertença de terceiro, não é possível a passagem das viaturas necessárias à actividade dos AA..

É pois a passagem através do prédio do R. aquela que importa menos prejuízo para os prédios em confronto.

Alega ainda o apelante que os AA. incorrem em abuso de direito pois que os AA. obtiveram o deferimento da sua pretensão de construção dos anexos agrícolas invocando que confrontavam com caminho público quando afinal vieram alegar que não confrontavam e por outro lado alteraram o destino e as plantações do seu prédio, movimentando terras e construído casas, sem terem acautelado em tais projectos os necessários acessos.

O apelante invoca o abuso de direito apenas nas alegações de recurso. No entanto, tem-se entendido que o abuso de direito é de conhecimento oficioso, pelo que esta questão pode ser conhecida pelo tribunal de recurso, ainda que não tenha sido invocada nos articulados.

O instituto do abuso de direito, consagrado no artigo 334 do C.Civil, é uma cláusula geral, que tem por fim temperar o exercício dos direitos subjectivos, intervindo em situações excepcionais, quando, do exercício de qualquer direito, sejam ultrapassados, de forma intolerável, inadmissível, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito. Impõe-se, por isso, para que haja abuso de direito, que o excesso do titular ultrapasse esses limites, de forma manifesta, com o fim de prejudicar outrem, uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico, socialmente, dominante, sendo certo que o abuso de direito é um limite normativo, interno ou imanente dos direitos subjectivos, razão pela qual no comportamento abusivo são os próprios limites normativo-jurídicos do direito particular invocado que são ultrapassados.

Têm sido apontadas diversas modalidades de abuso de direito:

. venire contra factum proprium;
.supressio;
. inalegabilidade formal; e,
.tu quoque.

O apelante não refere que modalidade do abuso de direito considera que o comportamento dos AA. integra.
Os factos apurados não são susceptíveis de configurar qualquer uma das modalidades referidas.
Apurou-se que após a aquisição do prédio por doação, os AA. procederam à limpeza e desmatação do prédio e levaram a cabo obras de transformação de terreno inculto para vinha, tendo ainda procedido à plantação de diversas árvores de fruto e outras plantas.

Ainda que se tivesse provado que foram estas operações que provocaram o encrave do prédio, ainda assim não seria razão para o não reconhecimento do direito de passagem. Mesmo em caso de encrave voluntário, sem justo motivo, não se deixará por isso de se reconhecer um direito de passagem, mediante o pagamento de uma indemnização agravada (artº 1552º, nº 1 do CC).

Efetivamente na memória descritiva e justificativa que integrou o processo de licenciamento da obra de construção do anexo para obtenção do alvará de construção (fls 60 e artº 15º da p.i.) o prédio do A. aparece como sendo servido por caminho público, o que não se apurou.

Mesmo que o prédio confrontasse com caminho público a sul, colocar-se-ia a questão do acesso insuficiente como supra se referiu, pois que o acesso é feito através de um caminho com uma acentuada inclinação descendente, e com leito constituído, na sua maior parte, por pedra solta e terra de saibro, descendo da quota de 498.91 metros desde a estrema norte do identificado prédio dos autores, até quota de 450.49 metros, na estrema sul do mesmo, que não permite a passagem de veículos automóveis ligeiros, de passageiros e de mercadorias, apenas se conseguindo circular pelos mesmos com veículos de todo o terreno e tracção às quatro rodas e, muito dificilmente, com alguns tractores agrícolas( ponto 8 dos factos provados).

Não se considera assim que o apelada aja em abuso de direito ao requerer a constituição de uma servidão legal de passagem, através do prédio do R..

Se os AA., deliberadamente, alteraram a verdade dos factos junto da Câmara Municipal para obterem o licenciamento do anexo, não é objecto de apreciação nesta ação. Não se pode deixar de referir que também a certidão predial que instruiu o processo refere erradamente a existência deste caminho, pelo que a memória está em correspondência com a descrição predial.

Mas mesmo que a CM tivesse indeferido o pedido dos apelados para a construção do anexo agrícola, ainda assim se colocaria a questão do acesso dos apelados às suas culturas e dos meios necessários à sua exploração, o que inclui o trânsito de veículos automóveis, pelo que sempre os apelados poderiam requerer a constituição de uma servidão de passagem.

E considerando a necessidade de aceder com veículos automóveis a agrícolas ao terreno dos AA., atento a afectação que os AA. fizeram do mesmo, há que manter a decisão recorrida quanto à largura do caminho.

A sentença recorrida não merece assim censura.

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Notifique.
Guimarães, 7 de Fevereiro de 2019

Helena Maria Carvalho Gomes Melo
Pedro Alexandre Damião e Cunha
Maria João Marques Pinto Matos