Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
91/17.5T8PTL.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: EMPREITADA
PAGAMENTO
ÓNUS DA PROVA
OBRIGAÇÕES DE CURTO PRAZO
PRESUNÇÕES DE PAGAMENTO
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Quando alguém contrata outrem para lhe realizar vários trabalhos de recuperação, construção e demolição em prédios, trabalhos de serviços de máquina em limpezas, demolição de casa em ruínas e execução de muro em alvenaria, e serviços de reforço estrutural e de elementos de fachada, fixação de elementos soltos no telhado e beirado, bem como a limpeza de escombros, estamos perante um típico contrato de empreitada.

2. Quando na sequência da conclusão desses trabalhos o empreiteiro emite duas faturas nos valores de €10.083,54 e de €14.244,63, não pode ser aplicado a esse contrato o regime constante do art. 317,b CC, que presume que ocorreu o pagamento, invertendo o ónus da prova do mesmo, pois essa norma fixa presunções de pagamento que se fundam na noção de que as obrigações a que se referem costumam ser pagas em prazo bastante curto e do pagamento não é costume exigir quitação.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Sumário: 1. Quando alguém contrata outrem para lhe realizar vários trabalhos de recuperação, construção e demolição em prédios, trabalhos de serviços de máquina em limpezas, demolição de casa em ruínas e execução de muro em alvenaria, e serviços de reforço estrutural e de elementos de fachada, fixação de elementos soltos no telhado e beirado, bem como a limpeza de escombros, estamos perante um típico contrato de empreitada. 2. Quando na sequência da conclusão desses trabalhos o empreiteiro emite duas facturas nos valores de €10.083,54 e de €14.244,63, não pode ser aplicado a esse contrato o regime constante do art. 317,b CC, que presume que ocorreu o pagamento, invertendo o ónus da prova do mesmo, pois essa norma fixa presunções de pagamento que se fundam na noção de que as obrigações a que se referem costumam ser pagas em prazo bastante curto e do pagamento não é costume exigir quitação.

I- Relatório

Sociedade X – Engenharia & Construção, Lda., NIPC ... intentou contra F. C., J. B. e M.C. acção materializada sob a forma de processo comum peticionando a condenação dos réus no pagamento do montante de €24.328,17, acrescido de juros vencidos à taxa legal, no valor de €4.031,74 e vincendos calculados desde a data de entrada da acção até integral pagamento.

Constituía objecto do litígio:

a) A autora peticiona dos réus – todos eles adquirentes, por partilha, dos bens deixados em herança por óbito Maria – o pagamento do preço acordado por obras de construção civil que executou a pedido daquela.
b) Os réus, por seu lado, entendem que a sua mãe – Maria, de quem foram herdeiros – não celebrou qualquer acordo com a autora, mas antes com outra sociedade, de nome “Y, Lda.”. De todo modo invocam que o preço acordado pela execução das obras, e agora peticionado pela autora, foi pago.

Foram consideradas questões a decidir:

a) se o preço das obras foi pago – pagamento efectivo ou presumido – e, ainda, em face do proferido pelos réus apenas em alegações finais produzidas em audiência de julgamento,
b) se há ou não nulidade do contrato que constitui fonte da obrigação peticionada.

Realizada audiência de julgamento, o Tribunal proferiu sentença que julgou a acção procedente e, consequentemente, condenou os réus a pagar à autora a quantia de € 24.328,17, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos calculados à taxa supletiva prevista para as obrigações civis, contados sobre €10.083,54 desde 28.9.2012 e sobre €14.244,63 desde 6.4.2013 até efectivo e integral pagamento.

Inconformados com esta decisão, os réus interpuseram recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito devolutivo (artigos 644º,1,a, 645º,1,a e 647º,1 do Código de Processo Civil).

Findam as suas alegações com a formulação das seguintes conclusões:

A) O sentido que as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deveriam ter sido interpretadas e aplicadas: da qualificação do contrato em causa e da prescrição do crédito nos termos do artigo 317º, al. b) do código civil
I. Ficou provado que “(…) no ano de 2012 foram realizados trabalhos de serviços de máquina em limpezas, demolição de casa em ruínas e execução de muro em alvenaria, na freguesia de ... (…)” e “(…) já no ano de 2013 foram prestados serviços de reforço estrutural e de elementos de fachada, fixação de elementos soltos no telhado e beirado, bem como a limpeza de escombros no Edifício ... sita no Largo ..., freguesia de ..., referido concelho de Ponte de Lima (…)” (Factos Provados C e E).
II. Consta da sentença que “Perante os factos apurados é inequívoco que entre autora e a falecida Maria se estabeleceu uma relação no âmbito de dois contratos de empreitada: um, em 2012, que tinha por objecto a limpeza, demolição e execução de muro em alvenaria em prédio de ... e outro, em 2013, que tinha por objecto o reforço estrutural e de elementos de fachada, fixação de elementos soltos no telhado e beirado, bem como a limpeza de escombros.” Sendo “O contrato de empreitada é definido pela lei como aquele em que uma das partes se obriga a realizar determinada obra, mediante um preço – artigo 1207º do Código Civil.
III. É claro que inexiste um contrato de empreitada celebrado entre as partes, mas somente mera “execução de trabalhos”.
IV. A realização de “(…) serviços de máquinas em limpezas, demolição de casa em ruínas e execução de muro em alvenaria (…)” e de “(…) serviços de reforço estrutural e de elementos de fachada, fixação de elementos soltos no telhado e beirado, bem como a limpeza de escombros (…)”, não configuram um contrato de empreitada, entendido legalmente nos termos do artigo 1207º do Código Civil.
V. Os serviços prestados pela Autora/Recorrida não têm por objecto a construção de um imóvel de longa duração mas tão somente a realização de pequenos serviços, situação em que a dívida deveria e foi solvida num curto prazo (atente-se que as facturas se venceram em trinta dias), porquanto a conclusão dos trabalhos também foi de reduzido prazo.
VI. O Tribunal ad quem já se pronunciou, e bem, sobre esta questão, tendo concluído que um contrato de empreitada incluem obras que “(…) se estendem por vários meses e mesmo anos, sendo certo que a garantia de reparação dos respectivos defeitos é, nesses casos, de 5 anos. (artigos 916º, nº 3 e 1225º, nº 1 do CC e artº 5º, nº 1 do DL 67/2003, de 08.04) (…)” – in www.dgsi.pt/jtrg.
VII. Não podia o Tribunal ad quo afirmar na sentença recorrida que nos autos estamos perante “(…) obras que habitualmente demoram largos meses e que, no caso dos autos, envolvem prazos de garantia elevados (cinco anos, por força do artigo 1225º, 1 do Código Civil) (…)".
VIII. Não se presta a garantia de serviços de máquinas em limpezas, demolição de casa em ruínas, execução de muro em alvenaria, reforço estrutural e de elementos de fachada bem como a fixação de elementos soltos no telhado e beirado de uma casa em ruínas e ainda limpeza de escombros. A Autora/Recorrida certamente que não garante cinco anos limpezas, demolições, muros em alvenaria e reforço de uma casa em ruínas.
IX. Nos presentes autos não estamos perante uma empreitada porquanto se tratam de “(…) ''trabalhos ocasionais que normalmente são executados e pagos de imediato, sejam eles resultantes de prestação de serviços de execução rápida ou não, em que a maior parte das vezes nem sequer são emitidas facturas ou recibos de quitação'', como acontece ''com frequência na generalidade dos contratos de empreitada relativos a reparações de automóveis, electrodomésticos, computadores e outros tantos bens imóveis não consumíveis.'' (…)” (sublinhado nosso)– in www.dgsi.pt/jtrg.
X. No caso em apreço não estamos perante obras de execução de contratos de empreitadas que respeitem a reparações efectuadas em imóveis destinados a longa duração, mas sim serviços de máquinas em limpezas, demolição de casa em ruínas, execução de muro em alvenaria, reforço estrutural e de elementos de fachada bem como a fixação de elementos soltos no telhado e beirado de uma casa em ruínas e ainda limpeza de escombros. XI. Conclui-se então que não estamos perante um contrato de empreitada, mas perante um contrato de prestação de serviços genérico, regulado no artigo 1154º do Código Civil.
XII. “(…) O contrato de empreitada é uma espécie do género «contrato de prestação de serviços». Este é definido como aquele «em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.» - artº 1154º do CC. Já a empreitada é substanciada como o contrato «pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra mediante um preço»- artº 1207º do CC. Sendo que «os materiais e utensílios necessários à execução da obra devem ser fornecidos pelo empreiteiro, salvo convenção ou uso em contrário» - artº 1210º do CC (…)” – in www.dgsi.pt/jtrc.
XIII. Em qualquer momento dos presentes autos foi questionado quem procedeu ao fornecimento dos materiais e utensílios necessários à execução da obra, pois nos serviços de máquinas em limpezas e demolição de casa em ruínas, poderiam ter sido utilizadas máquinas da falecida Maria; na execução de muro em alvenaria, poderia ter sido utilizado material, nomeadamente pedras, do muro já existente; no reforço estrutural e de elementos de fachada bem como a fixação de elementos soltos no telhado e beirado de uma casa em ruínas, neste caso os materiais poderiam ter sido usados os que se encontravam na casa em ruínas.
XIV. Estando nós perante um contrato de prestação de serviços, dispõe o artigo 317º, alínea b) do Código Civil que prescrevem no prazo de dois anos os créditos dos comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio, e bem assim os créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas que hajam efectuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do vendedor.
XV. Todavia, acolhendo a tese plasmada na sentença, estando nós perante um contrato de empreitada, “(…) A prescrição de curto prazo da al. b) do artº 317º do CC não se aplica aos contratos de empreitada, excepto se os mesmos respeitarem a empreitadas de rápida execução e com valores diminutos e usualmente de pagamento imediato ou a breve trecho (…)” – in www.dgsi.pt/jtrc.
XVI. Os serviços prestados pela Autora/Recorrida tiveram por objecto a realização de pequenos serviços, situação em que a dívida deveria e foi solvida num curto prazo (atente-se que as facturas se venceram em trinta dias), porquanto a conclusão dos trabalhos também foi de reduzido prazo.
XVII. Deste modo, estas obras de rápida execução e com valores diminutos e usualmente de pagamento imediato ou a breve trecho (sublinhado nosso), enquadram-se na expressão execução de trabalhos prevista no artigo 317º, alínea b) do Código Civil e, consequentemente, as obrigações do pagamento respectivo estão sujeitas à prescrição presuntiva que tal norma igualmente prevê – in http://www.dgsi.pt/jtrc.
XVIII. Ora, os serviços foram prestados aquando da emissão das referidas facturas em 29/08/2012 e em 07/03/2013, pelo que, os referidos créditos encontram-se prescritos desde 29/08/2014 e 07/03/2015, respectivamente.
XIX. O Meritíssimo Juiz deveria ter concluído pela aplicação da prescrição no caso dos autos com base em dois argumentos nucleares: os Réus alegaram que pagaram e o instituto aplica-se aos contratos de prestação de serviços, bem como aos contratos de empreitada pois, no caso em apreço, respeitam a empreitadas de rápida execução e com valores diminutos e usualmente de pagamento imediato ou a breve trecho.
XX. Por força da prescrição presuntiva o devedor está apenas dispensado de provar que procedeu ao pagamento, transferindo para o credor a prova de que tal pagamento não ocorreu, sem que determine a extinção da obrigação (…)” – in http://www.dgsi.pt/jtrc.
XXI. Ora, os Réus invocaram o pagamento e alegaram a prescrição presuntiva. Pelos que os Réus beneficiam da presunção de pagamento.
XXII. “(…) Destarte, invocada a prescrição, e se o credor a não ilidir, provando o não pagamento, a presunção do pagamento ínsita naquela, produz, independentemente da alegação do efetivo pagamento, os seus efeitos e o réu tem de ser absolvido (…)” – in www.dgsi.pt/jtrc.
XXIII. Neste sentido, não era aos Réus que competia a prova do não pagamento da totalidade do preço, que efectivamente foi pago, mas sim à Autora e nas palavras do Meritíssimo Juiz, como “(…) de nenhum dos depoimentos prestados pelas testemunhas resultou, com a certeza mínima que uma decisão judicial impõe, a demonstração de que quer a falecida quer os réus pagaram o preço peticionado (…)”, jamais o Tribunal a quo deveria ter dado tal facto como provado.
XXIV. Pelo que, nos factos provados H e I deveria ler-se: “prazo no qual a falecida Maria se tinha comprometido a proceder à sua liquidação”, sendo que o fez no referido prazo, operando a presunção de pagamento.
XXV. Por todo o exposto se conclui que a sentença apelada padece de falta de fundamentação e motivação, nos termos dos artigos 154º e números 4 e 5 do artigo 607º do C.P.C., bem como de obscuridade e ambiguidade, existindo oposição entre a fundamentação e a decisão conducentes à sua nulidade, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do artigo. 615º do C.P.C..

B) Da anulação da decisão, por erro quanto ao objecto de litígio, inexistência do tema de prova e violação do princípio do contraditório, dos princípios constitucionalmente consagrados da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos e ainda do princípio da boa decisão da causa e do dever de administrar justiça
XXI. Na fundamentação, como factos provados, relevantes em sede de recurso, constam que a falecida Maria se tinha comprometido a proceder à liquidação das facturas no prazo de trinta dias após a sua emissão, mas não o fez neste prazo, nem em data posterior (FACTOS G, H e I).
XXII. Como factos não provados: “1. O preço referido nos factos provados foi pago.
XXIII. No que respeita à Motivação: “(…) Quanto ao facto dado como não provado: de nenhum dos depoimentos prestados pelas testemunhas resultou, com a certeza mínima que uma decisão judicial impõe, a demonstração de que quer a falecida quer os réus pagaram o preço peticionado. E tal ónus da prova de pagamento (por constituir facto extintivo do direito da autora) apenas aos réus cabia, conforme se explicará na motivação de direito. Não se presume.”
XXIV. Atento que nas palavras do Meritíssimo Juiz “(…) de nenhum dos depoimentos prestados pelas testemunhas resultou, com a certeza mínima que uma decisão judicial impõe, a demonstração de que quer a falecida quer os réus pagaram o preço peticionado (…)”, e as testemunhas apenas se resumem a uma sócia da Autora e a um antigo sócio gerente da Autora, impõem-se a questão: como podem os Réus ser condenados ao pagamento de tais facturas se não há certeza do pagamento do preço?
XXV. Aliás jamais os Réus deveriam ter sido condenados pois o ónus da prova do não pagamento era da Autora, como já se deixou demonstrado.
XXVI. Os Réus alegaram o pagamento e invocaram a prescrição presuntiva que podia ser ilidida pela Autora, mas nas palavras do Meritíssimo Juiz “(…) de nenhum dos depoimentos prestados pelas testemunhas resultou, com a certeza mínima que uma decisão judicial impõe, a demonstração de que quer a falecida quer os réus pagaram o preço peticionado (…)”, tendo, contrariamente ao expectável, dado como provado o não pagamento.
XXVII. É nítida a violação dos princípios constitucionalmente consagrados da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, previsto no artigo 2º da CRP. Jamais alguma decisão judicial deveria ser proferida sem a mínima certeza, pois ao juiz é dado o poder de iniciativa na descoberta da verdade.
XXVIII. Por seu turno, compulsados os autos, constata-se que o objecto do litígio e os temos de prova foram definidos nos seguintes termos: No que respeita à identificação do objecto do litígio: “A autora peticiona dos réus – todos eles adquirentes, por partilha, dos bens deixados em herança por Maria – o pagamento do preço acordado por obras de construção civil que executou a pedido daquela. Os réus entendem que a sua mãe – Maria, de quem foram herdeiros – não celebrou qualquer acordo com a autora, mas antes com outra sociedade, de nome “Y, Lda.”. De todo modo invocam que esse preço acordado pela execução das obras, e agora peticionado pela autora, foi pago.” E “(…) constituem tema da prova os factos atinentes: 1. À emissão, pela autora e ré, das declarações de vontade que determinaram para a autora a execução das obras alegadas na p.i. e para a ré o pagamento; ou então, a prova, tão simplesmente, de que autora e “Y, Lda.” são a mesma pessoa jurídica (que apenas teve alteração de denominação social); e 2. Ao pagamento do preço.
XXIX. Efectuada a audiência de julgamento deu o tribunal como provada, relevante em sede de recurso, a seguinte factualidade relevante em sede de recurso: -
Perante os factos apurados é inequívoco que entre autora e a falecida Maria se estabeleceu uma relação no âmbito de dois contratos de empreitada (…)”; - “(…) obras que habitualmente demoram largos meses e que, no caso dos autos, envolvem prazos de garantia elevados (cinco anos, por força do artigo 1225º, 1 do Código Civil) (…)". - Cumpre por fim dizer que não há qualquer nulidade dos contratos de empreitada por falta de forma, nos termos do disposto no artigo 29.º, 1 do DL 12/2004 de 9 de Janeiro, o aplicável aos contratos em apreço por força do disposto no artigo 12.º, 2 do CC. É que não só o valor acordado das empreitadas (obra particular) não ultrapassa 10 % do limite fixado para a classe 1 (cfr. as Portarias aplicáveis n.º 57/2011 de 28.1 e 119/2012 de 30.4) como o conhecimento dessa eventual nulidade não é oficioso, ou seja, teria a nulidade, para ser conhecida, de ser invocada no prazo para a contestação (cfr. AC da RP de 16.6.2014, processo 5910/11.7TBMAI.P1), o que não aconteceu.”
XXX. Ora nenhum destes factos dados como provados se encontra contido nos temas de prova enunciados.
XXXI. Dado o carácter acentuadamente restrito dos temas de prova enunciados (que apenas versam sobre a “1. À emissão, pela autora e ré, das declarações de vontade que determinaram para a autora a execução das obras alegadas na p.i. e para a ré o pagamento; ou então, a prova, tão simplesmente, de que autora e “Y, Lda.” são a mesma pessoa jurídica (que apenas teve alteração de denominação social); e 2. Ao pagamento do preço."), e não tendo sido enunciado qualquer tema de prova em cujo núcleo de factos essenciais possa ter inserção a supra aludida materialidade tida como demonstrada, e que tenha por objectivo a resolução do litígio atinente à qualificação do contrato em causa e bem assim se o mesmo é nulo (alegação que foi invocada em requerimento apresentado ao abrigo do princípio do contraditório e que jamais poderia ter sido em sede de contestação, pois somente após a alegação do instituto da prescrição, a Autora veio invocar que estamos perante contrato de empreitada, a não ser que os Réus tivessem dotes de adivinhação), afigura-se-nos que, efectivamente, uma tal factualidade se não insere nos temas de prova enunciados.
XXXII. Os temas de prova permitem delimitar a instrução da causa e garantir o princípio da prova e do respectivo contraditório. Qualquer facto que se mostre essencial para a causa que não conste dos temas probatórios, coloca em causa o contraditório e toda a panóplia de prova produzida. Se determinado facto julgado pelo Juiz, e que se mostre determinante para a decisão, não tenha sido alvo de produção de prova, inevitavelmente acarretará a anulação da decisão.
XXXIII. Com os temas de prova pretende garantir-se que a verdade material estará salvaguardada e que a sentença consegue alcançar todos os vértices da realidade. Assim segundo JOÃO ABRANTES, o fim do processo é a composição justa do litígio, o que implica a pesquisa da verdade: não há composição justa de um litígio sem verdade – in Cf. ABRANTES, José João, Prova ilícita (Da sua relevância no processo civil)”, Revista Jurídica, n.º 7 , nova série, AAFDL, Lisboa, Jul / Set 1986, p. 33.
XXXIV. A matéria de facto que venha a constar da sentença, não pode assentar em meras enunciações genéricas, ou conclusões abrangentes e não especificadas, pois exige-se que em sede de fundamentação se sedimente com veemência os factos provados e não provados.
XXXV. Nos presentes autos, de cuja decisão se recorre, o Tribunal a quo, na sua fundamentação de direito e ao decidir sobre a qualificação do contrato, bem como da não nulidade do mesmo, não poderia concluir que se trata de um contrato de empreitada não nulo por falta de forma, por tal situação não ter ficado demonstrada.
XXXVI. O Tribunal a quo se subsumisse os presentes autos a outro contrato, nomeadamente ao de prestação de serviços, ou ao de empreitada (mas que respeite a empreitadas de rápida execução e com valores diminutos e usualmente de pagamento imediato ou a breve trecho), a decisão seria outra, como já se deixou plasmado.
XXXVII. Inelutavelmente tem de se admitir ter existido uma violação do direito do contraditório, que configura um princípio basilar do processo civil e cuja omissão poderá mesmo ser atacada com o vício da nulidade, porquanto, reitera-se a título exemplificativo que, contrariamente ao defendido pelo Tribunal a quo, os Réus jamais poderiam ter alegado a nulidade do contrato por vício de forma na contestação, uma vez que a Autora apenas caracterizou o contrato como sendo de empreitada em resposta à excepção de prescrição deduzida pelos Réus
XXXVIII. Poderemos inclusivamente, assumir, que o Tribunal a quo, emitiu uma decisão surpresa, quando decide sobre um tema probatório que as Partes, não tiveram conhecimento e direito de pronúncia.
XXXIX. Quanto ao conceito de decisão surpresa, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, enuncia: “(…) Ou seja, estaremos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela, ou, no mínimo e concedendo, quando a decisão coloca a discussão jurídica num módulo ou plano diferente daquele em que a parte o havia feito. A violação do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do artº 201º, nº 1 do Código do Processo Civil - a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influenciar a decisão da causa. E dada a importância do contraditório é indiscutível que a sua inobservância pelo Tribunal é susceptível de influir no exame ou decisão da causa (…)”. – in www.dgsi.pt/jtrc.
XL. E outro, não poderá ser o entendimento dos Recorrentes, que apelam em sede de Recurso de Decisão, que se verifique o erro quanto ao objecto do litígio, inexistência do tema de prova e violação do princípio do contraditório, com a correspectiva anulação da decisão proferida, por se verificar omissão de actos que influem na decisão da causa.

A recorrida contra-alegou, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (transcrição):

I - Da inadmissibilidade do recurso

A. Os apelantes vêm recorrer da douta sentença proferida em 05/11/2018, no âmbito do qual, o tribunal a quo julgou a acção procedente e consequentemente condenou os réus a pagar á autora a quantia de 24.328,17€, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos calculados à taxa supletiva prevista para as obrigações civis, contados sobre 10.083,54€ desde 28/09/2012 e sobre 14.244,63€ desde 6/04/2013 até efectivo e integral pagamento.
B. Porém, com todo o respeito por opinião em contrário, aquele recurso não pode, legalmente, ser admitido, uma vez que é manifestamente extemporaneamente.

Senão vejamos:

C. Afirmam os próprios apelantes (no artigo 28º do recurso que ora se contra-alega) que foram notificados da sentença proferida no dia 5 de Novembro de 2018.
D. O artigo 638º, n.º 1 do CPC fixa o prazo processual para a interposição do recurso em 30 dias a contar da notificação da decisão. Sendo o prazo processual continuo (art.º 138º, n.º 1 do CPC), os recorrentes podiam praticar o ato até quarta-feira, dia 5 de Dezembro de 2018, ou, dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa (cf. artigo 139º, n.º 5 do CPC).
E. Contando, esse terceiro e último dia seria a segunda-feira 10 de Dezembro de 2018.
F. Ora, o recurso deu entrada no dia 12/12/2018, com pagamento imediato de multa nos termos da alínea b) do nº 5 do artigo 139º do CPC, por ter sido praticado no segundo dia subsequente ao termo do prazo, quando, na verdade, esse prazo já tinha findado há 5 dias úteis.
G. Pelo exposto, o recurso de que ora se recorre foi apresentado fora do prazo legalmente fixado no artigo 638º, n.º 1 do CPC, sendo por isso inadmissível.

II Da qualificação do contrato em causa e da prescrição do crédito nos termos do artigo 317, al b) do CC.

Caso assim não se entenda, o que meramente se pondera, ainda devemos fitar o seguinte:

H. Os apelantes vêm apregoando, desde a contestação, que os contratos celebrados com a falecida Maria não consubstanciam contratos de empreitada, mas simplesmente meras “execuções de trabalhos”.
I. O que lhes seria muito conveniente, pois, a ser assim, poderiam aproveitar-se da prescrição do crédito nos termos do artigo 317, al. b) do CC, a qual é de dois anos, em vez de se remeterem ao prazo de prescrição ordinário de 20 anos, nos termos do artigo 309º do CC.
J. Na verdade, isto mais parece uma tentativa destemida de “sacudir a água do capote” em relação a uma dívida que sabem não ter sido honrada e que não pretendem honrar, procurando enriquecer indevidamente às custas da recorrida. Pois, se tivessem a certeza de que os valores reclamados foram devidamente pagos (o que não foram), em vez de tentar fugir a questão com o tema da prescrição, antes procuravam, com igual fervor, arranjar meios de prova do efectivo pagamento (o que nunca fizeram, nem tentaram fazer).
K. Contudo, a lei providencia-nos uma noção legal daquilo que é o contrato de empreitada: “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço” (artigo 1207º do CC).

Sendo que por sua vez, a Jurisprudência, não nos deixa confundir a empreitada com qualquer outro contrato de prestação de serviço dizendo que “o que individualiza os contratos de empreitada do âmbito da figura mais vasta dos contratos de prestação de serviço é o de que o resultado a que se obriga o empreiteiro é o de realização de uma obra – art.º 1207º do C. Civil –, devendo esta traduzir-se por uma alteração física de coisa corpórea” (cf. Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 18/02/2014).
L. Contudo, a lei não nos dá nenhuma noção exacta do que considera “execução de trabalhos” nos termos do artigo 317º, al. b), nem nos indica quais os elementos de distinção entre esse conceito e conceito de empreitada, o que, forçosamente, nos reencaminha para o âmbito da interpretação e do alcance das normas legais.
M. Quanto a isso, e por mandato impositivo do Legislador, a interpretação de uma qualquer norma jurídica tem imperativamente que obedecer aos critérios consubstanciados nos três números do art.º 9º do Código Civil, aos quais acrescem, para a construção do conceito de “solução mais acertada” (nº 3), às exigências inscritas no artigo 334º do mesmo Código, destacando-se neste último a atenção que é dada, em primeira linha, à boa fé e aos bons costumes.
N. Aqui chegados e para boa aplicação do direito, devemos deter-nos sobre o tipo de prescrição que está subjacente ao artigo 317º, sendo essa, como bem o formula o apelante, uma prescrição presuntiva.
O. A prescrição presuntiva tem por objectivo proteger o devedor da dificuldade de prova do pagamento e corresponde em regra a dívidas que normalmente se pagam em prazos curtos e, muitas vezes, sem que ao devedor seja entregue documento de quitação, ou relativamente às quais, pelo menos, é corrente que se não conserve tal documento. Pretende a lei, ao fim e ao cabo, nos casos que inclui no regime, proteger o devedor contra o risco de se ver obrigado a pagar duas vezes dívidas de que não é costume pedir ou guardar recibo ou que, elas próprias, habitualmente não constam de documento (cfr. entre outros, Acs. do STJ de 29.11.2006, de 22.01.2009 e de 09.02.2010, in dgsi.pt, ps. 06A3693,08B3032 e 2614/06.6TBMTS.S1).
P. Trata-se, como afirma o Prof. Menezes Cordeiro no Tratado de Direito Civil Português, de uma presunção “muito forte”, cujo alcance deve ser muito ponderado.
Q. Assim, a interpretação mais consonante com a letra e a ratio de tal segmento normativo passa por entender que ele se reporta a dívidas de pequenos montantes, e a pequenos trabalhos que, destarte, é suposto poderem ser satisfeitas em curto lapso de tempo e relativamente às quais nem sequer é usual pedir e emitir factura e recibo de quitação, sendo que, a prova do seu pagamento poderia revelar-se difícil.
R. Voltando agora ao nosso caso, não podem os serviços prestados serem qualificados como o fazem os apelantes de “pequenos serviços” pois, do teor discriminativo das facturas em dívida, estamos a falar entre outros de demolição de casa em ruína, execução de muro, reforço estrutural e de elementos de fachada, fixação de elementos soltos no telhado e beirado e limpeza de escombros…
S. Com todo o devido respeito, e a título de exemplo, a construção de um muro, por um preço superior a 5.000,00€, não deve ser um muro “pequeno”, a não ser que seja de ouro... Para além de que, tal muro consubstancia uma edificação de longa duração, sendo a demolição da casa em ruína ainda mais de longa duração, na medida em que é definitiva.
T. Tudo isso para dizer que são obras vistosas, de longa duração, de difícil execução e caras, em tudo alheias a qualificação de “pequenos trabalhos”, mas consubstanciando, sem margem para dúvidas, uma alteração física de coisa corpórea, e como tal, enquadrando-se perfeitamente no conceito de contrato de empreitada.
U. Por outro lado, também se refira que não estamos a falar de uma quantia insignificante ou irrisória como o querem fazer valer os apelantes, mas sim, perante um valor significativo.
V. Estão em causa duas facturas, sendo uma de 10.083,54€ e outra de 14.244,63€, emitidas com um intervalo de cinco meses de diferença. Não sendo tais valores quantia que um qualquer particular pode pagar assim de um dia para o outro.
W. Nem se trata de quantias tão reduzidas que qualquer devedor não se preocupe em guardar prova do pagamento.
X. Efectivamente, se a quantia foi paga, como os réus invocam, é suposto que facilmente seja provado tal pagamento. Pois, não desaparecem assim 25.000,00€ de uma esfera patrimonial sem deixar qualquer rasto.
Y. Não podem é os réus acobertarem-se, cómoda e formalmente, na invocação de uma figura jurídica que dificulta grandemente a posição do credor. Entrando por essa via, numa interpretação da norma que vai ao encontro do abuso de direito suprarreferido, infringindo a boa fé e até contrariando a simples sensatez.
Z. Assim, bem vistas as coisas, tem de concluir-se, razoável e sensatamente, que no caso vertente, a invocada prescrição presuntiva do pagamento não pode relevar sendo que a dívida reclamada no processo não está prescrita, uma vez que se deve aplicar o prazo geral de 20 anos por se tratar de verdadeiros contratos de empreitada.
AA. Sendo, aliás, este entendimento que melhor se coaduna com a interpretação das normas legais e com a realização da justiça.

III – Da anulação da decisão por erro quanto ao objecto do litígio, inexistência do tema da prova e violação do princípio do contraditório, dos princípios constitucionalmente consagrados da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos e ainda o princípio da boa decisão da causa e do dever de administrar a justiça.

AB. Depois de jogada a principal e única cartada (ainda que num flop), os réus, deixando o desespero falar, começaram a disparar para tudo quanto era princípios, numa lista interminável de violações legais e inconstitucionalidades da sentença proferida, com a esperança de que no meio de tanta bala perdida, ao menos uma posso atingir o alvo. Mas não.
AC. Alegam em primeira via a violação da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, dizendo em suma que, uma vez que não se provou que a dívida foi paga, o juiz não podia daí concluir que a mesma não foi paga e condenar os réus no pagamento. Sublinham ainda que o Meritíssimo Juiz a quo tem a sua motivação para considerar o pagamento como facto não provado no facto de que “nenhum dos depoimentos prestados pelas testemunhas resultou com a certeza mínima que uma decisão judicial impõe a demonstração de que quer os réus, quer a falecida pagaram o preço peticionado”.
AD. Ora, sem querer fazer aqui nenhuma equação matemática, se não se consegue provar a verificação de um facto positivo, é legítimo concluir-se que esse facto não ocorreu.
AE. Na frase transcrita, e que parece incomodar os apelantes, o juiz está a expor os motivos pelos quais considerou aquele facto como não provado.
Sendo a motivação alegada (“dos depoimentos prestados pelas testemunhas não resultou com a certeza mínima”) bastante para tal classificação. Impossível seria outra qualificação que não a que foi dada.
AF. Uma vez não provado o pagamento, é fundamento suficiente para que haja condenação, não existindo nenhum contra senso em tal entendimento.
AG. Por outras palavras, não é preciso que conste como facto provado o não pagamento da dívida para que os réus sejam condenados no pagamento da mesma. Basta ficar como não provado que esse pagamento foi feito para motivar a condenação.
AH. Assim, para garantir a segurança jurídica e a protecção da confiança dos cidadãos, impunha-se, uma vez não provado o pagamento, concluir no sentido da condenação dos réus a esse mesmo pagamento.
AI. Por fim, e por outro lado, os apelantes defendem também que a decisão recorrida é nula por erro quanto ao objecto do litígio, inexistência do tema da prova e violação do princípio do contraditório na medida em que o tribunal decidiu sobre a questão da nulidade do contrato de empreitada sem que tal constasse dos temas de prova, brotando numa decisão surpresa que viola, entre outros, o princípio do contraditório.
AJ. Quanto a isso também se diga que se a “decisão surpresa” fosse no sentido da declaração de nulidade dos contratos, não lhes teria feito mossa, aos apelantes, que o tribunal se tivesse pronunciado sobre ela, apesar de não constar dos temas de prova. Mas como foi no sentido oposto….
AK. E ainda se diga que a única que não teve oportunidade para se pronunciar sobre a questão da nulidade dos contratos de empreitada foi a ora recorrida, na medida em que os apelantes já se pronunciaram sobre o assunto nos articulados. Assim, a invocar falta de contraditório, por ter sido tomada uma decisão sobre essa questão não constante dos temas de prova, sempre seria a recorrida a poder fazê-lo e não os apelantes.
AL. Voltando a citar o mesmo Acórdão ao Tribunal da Relação de Coimbra trazido aos autos pelos apelantes, “estaremos perante uma decisão surpresa (…) quando a decisão coloca a discussão jurídica num módulo ou plano diferente em que a parte o havia feito”.
AM. Ora, foram precisamente os apelantes que colocaram a discussão jurídica nesses termos, fazendo, a questão da apreciação de nulidade dos contratos de empreitada, parte do pedido formulado pelos apelantes no articulado por estes apresentado em 19/09/2018, e que se transcreve: ”Sem prescindir, deve a acção julgada totalmente improcedente, e em consequência, serem os réus absolvidos do pedido, ser declarado, caso assim se entenda, o alegado contrato de empreitada nulo, com as legais consequências, tudo sem prejuízo do instituo do enriquecimento sem causa que aqui se invoca”.
AN. Dispõe o artigo 608º n.º 2 do CPC que O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido a sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela decisão dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso das outras” (nosso negrito).
AO. Assim sendo, o Meritíssimo Juiz a quo não só podia como devia se pronunciar sobre o pedido formulado pelos apelantes quanto a declaração de nulidade dos contratos de empreitada, o que fez, e bem.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir consistem em saber se:

a) da tempestividade da interposição de recurso
b) do alegado pagamento presumido

III
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

A. A autora, antes com a denominação social, que inicialmente adoptou, de Y, Lda.”, tem por objecto social a construção civil e obras públicas e a compra e venda de bens imobiliários.
B. No âmbito da sua actividade, e a pedido da falecida Maria, a autora realizou vários trabalhos de recuperação, construção e demolição em prédios da propriedade da mesma, todos sitos no concelho de Ponte de Lima.
C. Assim, no ano de 2012 foram realizados trabalhos de serviços de máquina em limpezas, demolição de casa em ruínas e execução de muro em alvenaria, na freguesia de ....
D. Por conseguinte, relativamente aos trabalhos acima referidos foi, a 29.8.2012, emitida a factura n.º 71 no valor de €10.083,54.
E. Já no ano de 2013 foram prestados serviços de reforço estrutural e de elementos de fachada, fixação de elementos soltos no telhado e beirado, bem como a limpeza de escombros no Edifício ... sita no Largo ..., freguesia de ..., referido concelho de Ponte de Lima.
F. Do mesmo modo, foi a 7.3.2013 emitida a factura n.º 1/27/2013 no valor de €14.244,63 relativa aos serviços mencionados no artigo anterior.
G. As citadas facturas venciam-se no prazo de trinta dias após a sua emissão.
H. Prazo no qual a falecida Maria se tinha comprometido a proceder à sua liquidação.
I. Sendo que não o fez neste prazo, nem em data posterior.
J. A falecida Maria nunca reclamou dos valores constantes nas indicadas facturas, nem nunca alegou qualquer defeito de obra.
K. Maria faleceu no dia .. de … de 2014.
L. No estado de viúva de P. C..
M. Deixou três filhos, os ora réus F. C., J. B. e M.C., únicos e universais herdeiros da herança aberta por óbito de Maria.
N. Não tendo ainda a falecida Maria deixado testamento ou qualquer outra disposição de última vontade.
O. A herança já foi partilhada pelos réus.

Factos não provados

1. O preço referido nos factos provados foi pago.

IV

Conhecendo do recurso.

A primeira questão que temos de decidir é a da tempestividade do recurso, trazida pela recorrida nas suas contra-alegações, e que pela sua própria natureza tem de ser conhecida previamente, pois da sua procedência ou improcedência depende o conhecimento do recurso dos apelantes.

Ora, rapidamente: o acto de notificação da sentença à Ilustre Mandatária dos recorrentes data de 5/11/2018. O que quer dizer que a mesma se considera notificada, para todos os efeitos legais, em 8/11/2018 (art. 248º CPC). Não releva para aqui o que a própria veio afirmar no acto de interposição do recurso, pois tal afirmação pode ser apenas resultado de lapso, ou distracção, e não pode ter consequências preclusivas; o cômputo dos prazos faz-se com base na data efectiva ou legalmente presumida da prática dos variados actos processuais, e não com base no que a esse respeito alegam as partes. Donde, o prazo de 30 dias para praticar o acto terminaria a 8/12, sábado, transferindo-se para 10/12 (primeiro dia útil), e, logo, o dia 12 de Dezembro de 2018 corresponde, de facto, ao 2.º dia útil posterior ao termo do prazo de recurso. Tudo como aliás já decidido no despacho da primeira instância que admitiu o recurso.

Improcede pois esta questão da intempestividade trazida pela recorrida.

Para conhecer da segunda questão suscitada, temos de começar por qualificar juridicamente o contrato celebrado entre a autora e a mãe dos réus, coisa que à primeira vista deveria ser simples, mas sobre a qual incidiu grande parte do esforço argumentativo das partes.
Ficou provado que a autora, que tem por objecto social a construção civil e obras públicas e a compra e venda de bens imobiliários, no âmbito da sua actividade, e a pedido da falecida Maria, realizou vários trabalhos de recuperação, construção e demolição em prédios da propriedade da mesma, todos sitos no concelho de Ponte de Lima. No ano de 2012 foram realizados trabalhos de serviços de máquina em limpezas, demolição de casa em ruínas e execução de muro em alvenaria, na freguesia de .... E no ano de 2013 foram prestados serviços de reforço estrutural e de elementos de fachada, fixação de elementos soltos no telhado e beirado, bem como a limpeza de escombros no Edifício ... sita no Largo ..., freguesia de ..., referido concelho de Ponte de Lima. Na sequência desses trabalhos, a autora emitiu duas facturas nos valores de €10.083,54 e de €14.244,63.
Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço (art. 1207º CC).
Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição (art. 1154º CC).
O mandato, o depósito e a empreitada, regulados nos capítulos subsequentes, são modalidades do contrato de prestação de serviço (art. 1155º CC).
Recorrendo aos ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela, in CC anotado, os 3 contratos referidos no art. 1155º “constituem modalidades da prestação de serviços. No mandato obriga-se o mandatário a praticar um ou mais actos jurídicos por conta do mandante; no depósito, obriga-se o depositário a guardar e restituir ao depositante a coisa depositada; e na empreitada, obriga-se o empreiteiro a realizar certa obra. Em qualquer dos casos, o contrato tem por objecto não o trabalho realizado sob a direcção do outro contraente, mas o resultado desse trabalho, e que é o acto jurídico, a guarda da coisa ou a realização da obra.”
Assim, quando os recorrentes afirmam que não estamos perante um contrato de empreitada, mas perante um contrato de prestação de serviços genérico, regulado no artigo 1154º do Código Civil, estão a proferir afirmação com pouco conteúdo. À partida, sendo o contrato celebrado um contrato de prestação de serviços, e sendo óbvio que o mesmo não cabe de todo no conceito de mandato, nem do de depósito, resta a figura da empreitada. Mas adiante voltaremos a este tópico.
Recorrendo ainda aos ensinamentos da Doutrina, para ajudar a interpretar devidamente o art. 1207º CC, “essencial para que haja empreitada é que o contrato tenha por objecto a realização duma obra (a construção de um edifício, de um barco ou de um simples andar; a terraplanagem de uma zona, a abertura de um poço, a dragagem de um porto, etc), e não um serviço pessoal”, Por realização de uma obra deve entender-se não só a construção ou criação, como a reparação, a modificação ou a demolição de uma coisa. Do que não pode prescindir-se é de um resultado material, por ser esse o sentido usual, normal, do vocábulo obra e tudo indicar que é esse o sentido visado no art. 1207º. Resumindo, pode dizer-se assim que a noção legal de empreitada atende simultaneamente ao requisito do resultado (realizar certa obra) e ao critério da autonomia (falta de subordinação própria do contrato de trabalho) (1).

Pedro Romano Martinez escreve: “por via de regra, o contrato de empreitada encontra-se associado à construção de edifícios, até porque o sector da construção civil tem conhecido, nas últimas décadas, uma importância e um desenvolvimento consideráveis, e muitos dos edifícios são construídos por empreiteiros, relacionados com os proprietários dos terrenos mediante contratos de empreitada. Daí que o legislador tenha, sobretudo, feito incidir a sua acção neste sector da actividade económica. Mas o objecto do contrato de empreitada não se esgota na construção e reparação de edifícios. Os negócios mediante os quais se acorda a construção ou reparação de bens móveis, tais como automóveis, navios, mobiliário, também se enquadram na noção de empreitada. E podem igualmente ser objecto do contrato em apreço o desaterro e a remoção de terras, a perfuração de túneis e poços, a abertura ou reparação de estradas, a dragagem de portos e de estuários, a drenagem de pântanos, etc” (2).

Este mesmo autor escreve ainda: “o contrato de empreitada é uma modalidade da prestação de serviços, e as diferenças entre aquele e as formas atípicas deste não são muito claras. Mas sempre se poderá dizer que no contrato de prestação de serviços se promete uma actividade através da utilização do trabalho, quando na empreitada se promete o resultado desse trabalho; e que na prestação de serviço é o beneficiário dessa actividade que corre o risco, enquanto na empreitada o risco corre por conta do empreiteiro. Assim, o médico, que é consultado por um paciente, promete uma actividade e tem direito à remuneração, mesmo que o doente não fique curado; a situação é diversa no caso do empreiteiro, que se obriga a construir uma casa, pois a prestação deste é de resultado, e, caso não o obtenha, o dono da obra fica dispensado de pagar o preço. (…) A linha divisória é muito ténue e são várias as situações que suscitam polémica quanto à sua qualificação. Um dos casos duvidosos reporta-se ao contrato celebrado com o arquitecto, para este elaborar o plano da casa a construir. Também é discutível a qualificação de certos contratos celebrados com médicos; por exemplo, o contrato mediante o qual o dentista se obriga a fazer e colocar uma dentadura no paciente aproxima-se mais da empreitada do que da prestação de serviços. Quanto a esta dificuldade de qualificação, tem cabimento referir o caso debatido no Supremo Tribunal de Justiça (Ac. de 3/11/1983, BMJ, 1983, 489) onde era discutido se o contrato pelo qual uma empresa se obrigara a realizar uma série de doze programas para a Televisão … era de empreitada ou de prestação de serviço”.
O que já fica dito só permite uma conclusão, e essa é a de concluir que assiste razão à sentença recorrida, falecendo a mesma aos recorrentes. Os dois contratos que emergiram provados nos autos são dois típicos contratos de empreitada: é essa a única conclusão que os factos provados suportam. Começando pelos indícios, o primeiro é logo o objecto social da autora, que é, para o que agora interessa, a construção civil e obras públicas. A construção civil é uma das áreas clássicas de implantação desta forma contratual da empreitada. Assim, se uma empresa é contratada para prestar serviços que se inserem no seu objecto social de construção civil, a probabilidade de estarmos perante um contrato de empreitada é logo à partida enorme.
E olhando para os contratos em si mesmos, qualquer dúvida se dissipa. Repare-se o que foi pedido à ré: recuperação, construção e demolição em prédios; limpezas, demolição de casa em ruínas e execução de muro em alvenaria; serviços de reforço estrutural e de elementos de fachada, fixação de elementos soltos no telhado e beirado, e limpeza de escombros num edifício, serviços no valor total de € 24.328,17 (€ 10.083,54 + € 14.244,63). Podemos dizer que é um exemplo paradigmático de um contrato de empreitada, onde estão presentes todos os elementos diferenciadores da figura: o objecto do contrato é a realização de obras, no sentido de actuação sobre realidades corpóreas, alterando-as, quer através de construção, quer destruição, quer alteração. Igualmente nos parece óbvio que o que quem contratou pretende é o resultado final, e não um serviço pessoal. Igualmente não temos dúvidas sobre a existência de autonomia técnica de quem prestou o serviço.
Repare-se a diferença abissal que vai deste caso concreto para aqueles que a doutrina aponta como sendo de fronteira na distinção das espécies contratuais, como o do médico que é consultado por um paciente, promete uma actividade e tem direito à remuneração, mesmo que o doente não fique curado, ou o do contrato celebrado com o arquitecto, para este elaborar o plano da casa a construir, ou o dentista que se obriga a fazer e colocar uma dentadura no paciente.
Na Jurisprudência igualmente encontramos o mesmo critério: “essencial, portanto, para que haja empreitada é que o contrato tenha por objecto a realização duma obra (como é o caso de reparação de uma viatura automóvel numa oficina) e não um serviço pessoal. Para realização de uma obra deve entender-se não só a construção ou criação, como a reparação, a modificação ou a demolição de uma coisa. Do que não pode prescindir-se é dum resultado material, por ser esse o sentido usual, normal, do vocabulário obra e tudo indicar que é esse o sentido visado no artº 1207º – v. neste sentido João Calvão da Silva, em anotação ao Ac. STJ de 03.11.1983, ROA 47 (1987), I, 129 e ss., PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, II, anotação ao artigo 1207.º, pg. 703 e ANTUNES VARELA, Parecer, a propósito do Ac. STJ de 03.11.1983, ROA 45 (1985), I, 159 e ss. e Acs. STJ de 17.6.1998, BMJ 478, 351 e ss.; de 09.02.2006 (05B457); de 21.11.2006 (06A3716), estes últimos acessíveis na Internet, no sítio www.dgsi.pt. Por outro lado, deve atender-se que se no contrato de empreitada se atende ao requisito do resultado (realizar certa obra) e ao critério da autonomia (falta da subordinação própria do contrato de trabalho), no contrato de prestação de serviço falta este último elemento” (Acórdão do TRG de 24.11.2016, Relatora Maria dos Anjos S. Melo Nogueira).
Nenhum dos argumentos apresentados pelos recorrentes, salvo o devido respeito, nos convence: a duração da execução do contrato, por exemplo, não é critério, pois tanto é empreitada a construção de um muro que se faz num dia como de uma casa que se faz num ano. Também o prazo da garantia não é apontado nem na lei nem na Jurisprudência nem na Doutrina como critério para surpreender a figura da empreitada.
Veja-se ainda o acórdão do TRC de 18/2/2014 (Relatora Sílvia Pires), que apreciou situação na qual estava em causa a realização de obras de demolição, reconstrução e ampliação da casa de habitação desta última, e que foi considerado um caso típico de contrato de empreitada.

Em conclusão, o contrato celebrado entre a autora e a falecida mãe dos réus é um típico contrato de empreitada, que reúne todas as características da figura tal como é descrita na Jurisprudência e na Doutrina, e que nem sequer se aproxima da chamada “zona cinzenta” na qual a distinção com as outras figuras da prestação de serviços por vezes se esbate.

A sentença recorrida deu como provado que a falecida dona da obra, apesar de nunca ter reclamado dos valores constantes das facturas e nunca ter alegado qualquer defeito de obra, não pagou o preço acordado, nem no prazo convencionado, nem em data posterior.
Com a acção interposta, a empreiteira veio pedir o cumprimento coercivo da obrigação de pagar preço (art. 817º CC).
O pagamento configura, nestas acções, uma excepção peremptória (art. 576º,3 CPC), pois é um facto extintivo ou modificativo do direito alegado pelo autor (art. 342º,2 CC).
Os réus alegaram, mas não conseguiram provar que a sua mãe tivesse pago o valor acordado para a empreitada.
E o que eles pretendem agora, com este recurso, é que se considere aplicável à situação o disposto no art. 317,b CC: “Prescrevem no prazo de dois anos: … b) Os créditos dos comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio, e bem assim os créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas que hajam efectuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor”.

Comecemos por averiguar o que se decidiu na sentença recorrida: primeiro, em termos puramente probatórios, pode ler-se que, “quanto ao facto dado como não provado: de nenhum dos depoimentos prestados pelas testemunhas resultou, com a certeza mínima que uma decisão judicial impõe, a demonstração de que quer a falecida quer os réus pagaram o preço peticionado. E tal ónus da prova de pagamento (por constituir facto extintivo do direito da autora) apenas aos réus cabia, conforme se explicará na motivação de direito. Não se presume”. E, mais adiante: “a lei não presume o pagamento, pois como vem sendo sucessivamente referido em inúmeros arestos, a prescrição presuntiva do artigo 317.º, b) do Código Civil não tem aplicação no âmbito de créditos emergentes de contrato de empreitada de construção civil, ou relacionados com a construção (de que as empreitadas dos autos são exemplo), pois têm por base a realização de obras que habitualmente demoram largos meses e que, no caso dos autos, envolvem prazos de garantia elevados (cinco anos, por força do artigo 1225.º, 1 do Código Civil), incompatíveis, sob pena de distorção das obrigações contratuais das partes, com um prazo de presunção de pagamento curto – neste sentido veja-se, entre muitos outros, o Acórdão do STJ de 5.8.2013, relatado pelo Sr. Conselheiro Moreira Alves”.

A prescrição invocada pelos réus é uma prescrição presuntiva (art. 312º CC).

Dispõe o art. 312º CC que “as prescrições de que trata a presente subsecção fundam-se na presunção de cumprimento”. Para explicar esta figura jurídica, escrevem Pires de Lima e Antunes Varela (in CC anotado, volume I, anotação ao artigo em causa), que a expressão prescrição presuntiva indica que ela se funda na presunção de cumprimento, como se diz neste artigo, e se destina, no fundo, a proteger o devedor contra o risco de satisfazer duas vezes dívidas de que não é usual exigir recibo ou guardá-lo durante muito tempo.
São pois presunções de pagamento e fundam-se na noção de que as obrigações a que se referem costumam ser pagas em prazo bastante curto e do pagamento não é costume exigir quitação.
Decorrido o prazo, presume a lei que o pagamento está efectuado, dispensando o devedor da prova deste.
Esta presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão (art. 313º CC).
Assim, desde logo, não é possível olhar para as facturas supra referidas, nos valores de €10.083,54 e de €14.244,63, e pretender ver nelas o aflorar de obrigações de cujo pagamento não é costume exigir quitação. Valores desta grandeza são valores que exigem documentação escrita e a respectiva quitação. E esta afirmação é incontroversa, pois não se concebe com que argumentos é que se pode tentar defender o contrário.
Assim, o critério definitivo aqui nem é a qualificação do contrato como de empreitada, pois em teoria podemos conceber uma empreitada de dimensão muito reduzida, cujo valor não acarrete, em regra, a exigência de facturas e recibos.
Na jurisprudência registamos uma clara maioria de decisões no sentido do que agora defendemos.
Veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/11/2006: “representando o crédito parte do preço de um contrato de empreitada de construção de imóvel, não é aplicável o regime do art. 317º-b) C. Civil.”
Também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/5/2013: “a prescrição presuntiva não tem aplicação no âmbito de créditos emergentes de contrato de empreitada de construção civil ou relacionados com a construção”
E o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8/11/2012: “à dívida emergente de contrato de empreitada não é de aplicar o regime da prescrição presuntiva de cumprimento, uma vez que não se enquadra na expressão “execução de trabalhos” referida na alínea b) do art.º 317.º do Código Civil”.
No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29/4/2008: “à dívida emergente do contrato de empreitada não é de aplicar o regime da prescrição presuntiva de cumprimento, uma vez que não se enquadra na expressão “execução de trabalhos” referida na alínea b) do art. 317º do Código Civil.
E, com especial importância, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/6/2012: “porque as obrigações respeitantes a essa forma de prescrição estão ligadas às necessidades do quotidiano, onde não é usual a exigência de recibo, a sua razão de ser não é compatível com o contrato de empreitada de obras de construção civil ou sua reparação, cujos pagamentos envolvem, por norma, facturas e recibos”. É exactamente o caso destes autos.
Vejam-se ainda no mesmo sentido os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 8/1/2013 e 29/10/2015.
E podemos ainda ir buscar os argumentos expendidos no acórdão do TRC de 6/12/2016 (Carlos Moreira -Relator): “este contrato assume, pelo menos por via de regra, um jaez e características tais que não se coadunam com a ratio e teleologia desta figura jurídica. A qual, como é consabido se destina a proteger o devedor por dívidas de não muito elevado montante, cujo pagamento é suposto ser efectivado imediatamente ou a breve trecho e para as quais nem sequer é usual emitir factura/recibo”. Mas não deixa de se admitir que “casos haverá de empreitadas que assumem foros e natureza tal que sejam compatíveis com a invocação desta figura presuntiva. São aquelas que se concretizam e traduzem em «trabalhos ocasionais que normalmente são executados e pagos de imediato, sejam eles resultantes de prestação de serviços de execução rápida ou não, em que a maior parte das vezes nem sequer são emitidas facturas ou recibos de quitação», como acontece, com frequência na generalidade dos contratos de empreitada relativos a reparações de automóveis, electrodomésticos, computadores e outros tantos bens móveis não consumíveis».

Há ainda um outro argumento que podemos recensear em defesa da interpretação que fazemos. A demonstração de que se está perante um contrato ao qual é aplicável o referido instituto da prescrição presuntiva, o que implica a prova de factos que permitam subsumir o contrato em causa à norma do art. 317º,b CC, sobretudo factos referentes à dimensão reduzida do contrato, duração do mesmo e desnecessidade de facturação e quitação, era ónus que recaía sobre quem se pretende valer da referida presunção (art. 342º,2 CC), ou seja, os réus. Se conseguissem, passavam a beneficiar da presunção, e isso inverteria o ónus da prova do pagamento, que passaria a recair sobre o credor, que teria de demonstrar que não recebeu.
Mas no caso dos autos, como vimos, os réus não demonstraram o conjunto de factos necessários para fazer operar a referida presunção.
Ainda tentaram uma leitura “favorável” dos factos provados, como quando dizem que no caso em apreço se está perante empreitadas de rápida execução e com valores diminutos e usualmente de pagamento imediato ou a breve trecho, mas sem qualquer hipótese de sucesso. Confessamos que apesar do notável esforço desenvolvido, não conseguimos ver como é que se pode dizer que os valores das duas referidas facturas (€10.083,54 e €14.244,63) são valores diminutos (pense-se por contraponto no valor do salário mínimo nacional, que é actualmente de € 600,00).

Donde, não assiste razão aos recorrentes; em contratos de empreitada cujos preços são da ordem do que ficou exposto, não é aplicável a referida prescrição presuntiva do art. 317º CC; o que significa que recaía sobre os réus o ónus de provar o pagamento do preço das empreitadas (art. 342º,2 CC); não o conseguiram.
Assim, a sentença recorrida não padece dos vícios que os recorrentes lhe assacam. Nomeadamente, não padece de falta de fundamentação e motivação (artigos 154º e 607º,4,5 CPC, bem como de obscuridade e ambiguidade, nem existe oposição entre a fundamentação.
Não iremos apreciar a argumentação que os recorrentes desenvolvem posteriormente, na parte em que assenta na afirmação de que o ónus de provar que não ocorreu o pagamento recaía sobre a autora, o que, como acabámos de ver, não é o caso.
E igualmente não iremos analisar o alegado nas conclusões XXIX, XXX, XXXI, XXXII, XXXIII porque, salvo o devido respeito, não lhes assiste qualquer razão, sendo até difícil perceber o que se pretende com essa argumentação. Estamos perante uma simples acção que visa o cumprimento coercivo de uma obrigação de pagamento do preço, que não foi voluntariamente cumprida. E discutiu-se se ocorreu esse pagamento ou não, tendo o Tribunal recorrido concluído que não, julgando a acção procedente. Isto é o essencial do litígio, e é isto que foi alvo de decisão. Tudo o mais, salvo melhor opinião, é desperdício de tempo. É para nós evidente que não houve qualquer violação do contraditório.
As referências feitas nas conclusões XXXV, XXXVI e XXXVII, são também de muito difícil interpretação. Vamos limitar-nos a dizer que os réus não suscitaram qualquer questão sobre nulidades na sua contestação, e que o poderiam ter feito, pois os réus não dependem da qualificação jurídica feita pelos autores no seu articulado para articularem a sua defesa. Apenas estão vinculados aos factos alegados. A sua qualificação jurídica pode ser feita por qualquer um, livremente, inclusive pelo Tribunal (iura novit curia).
Igualmente não nos faz qualquer sentido a referência a decisão surpresa.
A última conclusão do recurso refere que os recorrentes apelam em sede de Recurso de Decisão, que se verifique o erro quanto ao objecto do litígio, inexistência do tema de prova e violação do princípio do contraditório, com a correspectiva anulação da decisão proferida, por se verificar omissão de actos que influem na decisão da causa.
Muito brevemente, a referência a erro sobre o objecto do litígio não se entende, o mesmo devendo ser dito quanto à alegada violação do princípio do contraditório.
Quanto aos temas da prova, como escrevem Abrantes Geraldes e outros in CPC anotado, em anotação ao art. 410º, “seguro é que, com o modelo actual, que pretendeu acabar de vez com os vícios inerentes ao anterior questionário ou com os que, numa visão imobilista, acabaram por afectar a base instrutória instituída na reforma processual de 1995/96- não há mais lugar a obstáculos sustentados na rigidez de uma peça processual que, além de não formar caso julgado positivo ou negativo, desempenha uma função meramente instrumental, permitindo que seja objecto de instrução tudo quanto de algum modo possa interessar à prova dos factos relevantes para a decisão da causa”.

Assim, o recurso improcede na totalidade.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente, confirmando na íntegra a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 13/6/2019

Relator ­(Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Alcides Rodrigues)
2º Adjunto ­­­­­­­(Joaquim Boavida)

1 - CC anotado, Pires de Lima e Antunes Varela, anotação ao art. 1207º.
2 - Direito das Obrigações (Parte especial - contratos), fls. 291 e ss, e jurisprudência aí citada.