Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
223/14.5T8FAF.G1
Relator: EUGÉNIA MARIA DE MOURA MARINHO DA CUNHA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
ACIDENTE PESSOAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/01/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- O seguro de acidentes pessoais tem por objeto a reparação dos danos sofridos pelo segurado na sua pessoa em virtude de acidente;
2- Estipulando a apólice do contrato de seguro de acidentes pessoais a que a segurada aderiu que o risco coberto é o de acidente, aí definido como “acontecimento devido a causa súbita, externa, violenta e alheia à vontade do tomador de seguro, da pessoa segura e do beneficiário, que produza lesões corporais, invalidez temporária ou permanente ou morte, clínica e objectivamente constatadas”, para que a morte esteja coberta pelo seguro o beneficiário do mesmo tem de demonstrar (nos termos da regra geral do nº1, do art 342º, do Código Civil):

- o preenchimento dos requisitos que integram o referido conceito de acidente;
- e a existência de nexo de causalidade entre o evento naturalístico e a lesão e entre esta e a morte;

3- Provado que a segurada sofreu uma tromboembolia pulmonar que lhe causou a morte imediatamente após a alta de uma cirurgia (realizada menos de menos vinte horas antes), revelando as análises e exames prévios à mesma valores normais e nenhuma doença ou, efetiva e concreta, predisposição resultando provada, ficou demonstrada a existência de uma cadeia de factos em que cada um dos elos está sucessivamente ligado com o seguinte por um nexo de causal: (cirurgia – tromboembolia pulmonar – morte);

4- Causa externa, para efeitos da supra referida cláusula da apólice, não é apenas um evento produtor de lesões instantâneas, violento e súbito que causa dano imediato e inevitável, podendo ser um conjunto de circunstâncias, próximas no tempo e sequenciais em relação a um evento estranho à vontade do segurado, fortuito, anormal e súbito, como é o colapso ou falência do corpo humano, se esse colapso não tiver como causa doença preexistente ou predisposição para o evento que se manifestou, o que se verifica in casu;

5- Sendo o acidente externo e a doença interna, ambos por referência ao corpo da vítima, este critério deles diferenciador não exclui do conceito de acidente fatores que, pelo seu carácter fortuito, imprevisível e alheio à vontade do segurado, causem danos na sua saúde, como é o caso de troboembolia, num quadro em que a vítima não apresentava sinais de doença nem concretos fatores predisponentes, como é o caso;

6- Não se tendo provado doença nem predisposição para a lesão, ficando a morte, ocorrida imediatamente após o processo cirúrgico (cerca de uma hora após a alta), a dever-se a fatores súbitos e imprevistos, tem de se concluir, em termos de causalidade adequada, que a tromboembolia resultou da cirurgia, único fator que se provou existir;

7- Preenchido o conceito de acidente, cumpre à seguradora, a pretender eximir-se ao pagamento, o ónus de alegação e de prova do circunstancialismo impeditivo do direito da beneficiária do seguro.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

N. C., residente na Urbanização da Ribeirinha, nº 216, freguesia de Travassós, concelho de Fafe, na qualidade de progenitor e representante legal do menor G. C., solteiro, menor, residente na Urbanização …, freguesia de … e concelho de Fafe, intentou a presente ação declarativa com processo comum contra BANCO X S.A., pessoa coletiva nº …, com sede na rua do … Lisboa, COMPANHIA DE SEGUROS A, S.A., pessoa coletiva nº …, com sede na rua de … Lisboa, COMPANHIA DE SEGUROS A S.A., pessoa coletiva nº …, com sede na Avenida … Lisboa, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 5000,00 e ainda na quantia mensal de € 500,00, durante 50 meses, acrescidas de juros de mora desde a citação.

Alega, para tanto, que a mãe do menor G. C. celebrou com a Ré Companhia de Seguros A, SA., um contrato de seguro de acidentes pessoais, titulado pela apólice junta, que, na sequência de uma cirurgia, para remoção de um quisto no ovário, a mesma veio a falecer, tendo sido apurada como causa da morte, uma tromboembolia pulmonar, evento que consubstancia um acidente para os efeitos do seguro celebrado e que portanto, lhe assiste, enquanto beneficiário do mesmo, direito a receber as quantias aí previstas, ou seja, € 5000,00, acrescidos de € 500,00 mensais durante 50 meses.

A Ré contestou, impugnando que o evento que levou à morte da sua segurada tenha sido um acidente por o mesmo não ter origem em qualquer causa externa à mesma, mas sim no seu próprio corpo.
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Foi proferida decisão a homologar a desistência do pedido contra a Ré Companhia de Seguros A Vida, S. A. – cfr. ata de fls. 144 e 145.
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Foi admitida a intervenção principal provocada passiva da Banco X – cfr. ata de fls. 144 e 145 –, a qual veio contestar afirmando que o contrato de seguro celebrado foi com a Ré Companhia de Seguros A S. A. e que ela, chamada, é tomadora do mesmo, tendo apenas a obrigação de proceder ao pagamento à 2ª ré dos prémios daquele seguro, não lhe cabendo a obrigação de segurar nem de cobrir os riscos a que se reporta a respetiva apólice.
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Foi proferida decisão a homologar a desistência do pedido contra a Ré Banco X– Associação Mutualista IPSS – ata de fls. 184 a 186 verso.
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Foi realizada audiência prévia, na qual se identificou o objeto do litígio e se fixaram os temas da prova (cfr. ata de fls. 184 a 186 verso).
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Realizou-se a audiência de julgamento com observância das formalidades legais.
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Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

Em conformidade com o exposto, decido condenar a Ré COMPANHIA DE SEGUROS A, S.A., no pagamento ao Autor G. C. da quantia de € 5000,00 (cinco mil euros) e ainda na quantia de 22.000 (vinte dois mil euros) correspondente a 44 (quarenta e quatro) rendas de € 500,00 cada uma; condena-se ainda a Ré no pagamento das 6 rendas mensais, ainda em dívida ao autor, nesta data; sobre a quantia de € 5000,00 e a quantia de € 6500,00 (referente às rendas vencidas até à citação) são devidos de juros de mora, à taxa legal, desde a citação; sobre as restantes rendas vencidas após a citação e até esta data são devidos juros à taxa legal desde a respectiva data de vencimento.
Mais, decido absolver do pedido a Ré BANCO X S.A.”.
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A Ré COMPANHIA DE SEGUROS A, S.A apresentou recurso de apelação, pugnando pela revogação da sentença recorrida e pela sua absolvição do pedido.

Formula as seguintes
CONCLUSÕES:

1. Os contratos de seguro regem-se, em primeiro lugar, pelas estipulações constantes da respetiva apólice, não proibidas por lei e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições legais aplicáveis.
2. Importa, pois, atender, na determinação do risco assumido, antes de mais, às disposições contratuais, nomeadamente às que excluem determinados riscos ou limitam um certo risco.
3. Ora, a determinação do âmbito do risco assumido, das suas exclusões ou limitações, pode ser feita contratualmente, vingando, neste domínio, o princípio da autonomia privada, embora com os limites da boa fé e, caso sejam pré-determinadas, desde que comunicadas e observado o dever de informação, o que não foi colocado em crise na sentença recorrida.
4. No caso dos autos, do contrato de seguro, que se encontra junto aos autos, resultam claros quer o conceito de acidente, quer os riscos cobertos e as suas exclusões.
5. Em primeiro lugar, estabelece o contrato, na sua Cláusula 1ª, alínea j) que um acidente é um “acontecimento devido a causa súbita, externa, violenta e alheia à vontade do tomador do seguro, da pessoa segura e do beneficiário, que produza lesões corporais, invalidez temporária ou morte, clínica e objetivamente constatadas”.
6. Em segundo lugar, a Cláusula 6ª, que estabelece quais são as exclusões absolutas, no seu n.º 2, alínea f) refere expressamente que “ficam sempre excluídas (das coberturas do contrato) as consequências de sinistros que se traduzam em: (…) “Quaisquer outras doenças, quando não se prove, por diagnóstico médico inequívoco e indiscutível, que são consequência direta do acidente”.
7. Para que um evento possa ser qualificado como um acidente é necessário que se verifiquem todos os elementos integradores deste conceito: evento involuntário, externo, violento e súbito – José Vasques Contrato de Seguro, Coimbra Editora – págs. 60 e 61.
8. A exterioridade do evento relativamente ao corpo afasta (do acidente) os danos sofridos sem intervenção de forças exteriores (sirva de exemplo a doença).
9. A exterioridade deve ser vista como não inerente à própria pessoa da vítima.
10. Ora, no caso dos presentes autos, a causa da morte da segurada não foi um acidente pois resultou provado que a morte foi consequência duma tromboembolia, um evento interno do corpo da segurada ao qual falta o elemento da exterioridade para que possa ser qualificado como acidente.
11. Concluindo, a causa direta da morte da segurada foi uma tromboembolia pulmonar, que apesar de súbita e imprevista é uma doença e não um acidente.
12. Como tal, não tem enquadramento nas coberturas do contrato de acidentes pessoais celebrado com a ora Recorrente que exige que a morte fosse consequência de um acidente – o que não foi, pois foi consequência de uma doença.
13. Recorre, porém, a sentença recorrida à teria da causalidade adequada para tentar estabelecer o nexo causal entre a cirurgia realizada no dia 31 de Outubro de 2013, pelas 16h30 e a tromboembolia pulmonar que veio, por sua vez, a causar uma paragem cardiorespiratória e a morte da segurada já no dia 1 de Novembro, pelas 12h05, após ter sido dada alta à segurada, por volta das 11h deste último dia.
14. Ora, conforme foi corretamente considerado como provado na sentença recorrida, no dia 31 de Outubro de 2013, a progenitora do A. foi operada pelas 16h30, para a realização de anexectomia por via laparoscópica por quisto do ovário direito na SCM, operação cirúrgica de risco diminuto.
15. Operação essa que foi bem-sucedida, tendo a mesma tido alta clínica no dia seguinte por volta das 11 horas, 1 de Novembro de 2013.
16. No entanto, logo após ter recebida alta clínica, pelas 12h05, a mesma entrou em paragem cardiorrespiratória, tendo falecido.
17. Ao exposto acresce que o Relatório de Anatomia Patológica Forense, junto aos autos a fls. , refere, expressamente e de forma clara, que a causa da morte da segurada foi uma tromboembolia pulmonar, sendo esta uma causa de MORTE NATURAL, não estabelecendo qualquer conexão da tromboembolia com cirurgia a que a segurada havia sido submetida.
18. No sentido de estabelecer o nexo causal entre a cirurgia e a tromboembolia e, indiretamente, a morte da segurada, a sentença recorrida refere que:

- “Para que a morte da autora (nota da Recorrente: embora, na verdade, não se trate da Autora, mas, sim da segurada) esteja coberta pelo seguro importa estabelecer o nexo causal entre a cirurgia e o tromboembolismo e entre este e a morte”;
- “Este último nexo está assegurado pelo teor do relatório médico-legal, pelo que não oferece dúvidas”;
- “Quanto ao primeiro dos nexos a estabelecer, temos que a autora (melhor dito, a segurada) foi submetida a uma cirurgia laparoscópica para a remoção de um quisto no ovário esquerdo, tendo no dia seguinte sido acometida de um tromboembolismo que resultou na sua morte”;
- “Cremos que desta cadeia de factos, não pode deixar de se vislumbrar o nexo causal sucessivo, necessário à responsabilização da Ré”.
19. Ora, a discordância da Recorrente assenta neste último nexo de causalidade que a sentença recorrida dá como provado.
20. Na verdade, nada no processo aponta para que tal nexo causal exista, nomeadamente a conclusão objetiva do relatório médico-legal quando este refere que a morte da segurada foi uma morte natural. Apesar de ser do conhecimento do perito médico o facto da segurada ter sido submetida a uma cirurgia laparoscópica, em momento algum refere que tal cirurgia concorreu para a ocorrência da tromboembolia e, indiretamente, a morte da segurada.
21. O próprio relatório da perícia realizada nos autos (Aditamento ao Relatório/Prestação de Esclarecimentos/Resposta a Quesitos) que se encontra junto aos autos a fls. não conclui de forma inequívoca que a cirurgia a que a segurada foi submetida foi a causa da tromboembolia, referindo que tal será apenas um “fator de risco e, portanto, aumentar a probabilidade de ocorrência de TEV”. Esclarecendo, ainda, que “No entanto, o nível de risco estará dependente do tipo de cirurgia, da duração da mesma e da coexistência de outros fatores de risco” e que “o TEV pode também ocorrer em doentes não submetidos a tratamento cirúrgico ou mesmo na ausência de qualquer fator de risco conhecido e/ou atualmente descrito na literatura”.
22. Refere-se, ainda, no mesmo relatório que a segurada apresentava outros fatores de risco, a saber “hábitos tabágicos recentes (terá parado de fumar cerca de um mês e meio antes da intervenção cirúrgica) e a toma de contracetivo hormonal (Belara®).
23. Assim, toda a sucessão de factos e o lapso de tempo que decorreu entre a referida e bem sucedida cirurgia e a morte da paciente, estão em oposição com a tese da existência de um nexo de causalidade entre a referida cirurgia e a tromboembolia e, indiretamente, a morte da paciente, como refere pretende a sentença fazer crer, na parte onde conclui: “A cirurgia, sendo uma das causas medicamente assinaladas para a ocorrência de tromboembolismo atuou como condição do mesmo, nada havendo que permita afastar tal nexo”, entendendo a cirurgia como a circunstância exterior ao organismo da segurada.
24. Para a boa decisão da causa, apenas foi dado como provado na sentença recorrida a morte foi devida a uma tromboembolia pulmonar e que a segurada foi operada no dia anterior a um quisto do ovário, operação cirúrgica de um risco diminuto e que foi bem sucedida.
25. Ou seja, a matéria dada como provada aponta, ao contrário do que conclui, em nossa opinião erradamente, a sentença, para a não existência de qualquer nexo de causalidade adequada entre a cirurgia e a tromboembolia.
26. Consequentemente, não se encontra preenchido o nexo causal – e, mesmo assim, este seria meramente indireto – entre a cirurgia e a morte.
27. Ainda sem prescindir, existindo um contrato de seguro e decorrendo do clausulado deste a obrigação, ou não, da Recorrente indemnizar o Autor, nunca a sentença recorrida deveria ter-se socorrido da teoria da causalidade adequada sem, previamente, verificar se, face à matéria provada, a situação tem, ou não, enquadramento nas coberturas do contrato.
28. Na realidade, esquece-se totalmente a sentença recorrida de analisar corretamente o clausulado do contrato de seguro celebrado entre a Recorrente e a segurada e verificar se os factos provados permitem o enquadramento nas coberturas contratadas e, consequentemente, se existe por parte da seguradora obrigação de indemnizar.
29. Em primeiro lugar, estabelecendo o contrato que um acidente é um “acontecimento devido a causa súbita, externa, violenta e alheia à vontade do tomador do seguro, da pessoa segura e do beneficiário, que produza lesões corporais, invalidez temporária ou morte, clínica e objetivamente constatadas”, e tendo a morte resultado da ocorrência de uma tromboembolia – que é uma doença, embora de caráter súbito e imprevisto, logo um evento do foro interno e não externo à pessoa da segurada – não se encontra preenchido o fator de exterioridade do evento que conduziu à morte.
30. Logo não foi um acidente que causou diretamente a morte e, como tal, não tem a situação em discussão nos autos enquadramento nas coberturas do contrato.
31. Admitindo-se, meramente para efeito de raciocínio, que a operação teria sido o tal fator externo, sucede, porém, que o contrato estabelece que ficam sempre excluídas as consequências de sinistros que se traduzam em (…) “Quaisquer outras doenças, quando não se prove, por diagnóstico médico inequívoco e indiscutível, que são consequência direta do acidente”.
32. Neste caso, não resultou inequivocamente provado que a cirurgia causou diretamente a tromboembolia e, indiretamente, a morte da segurada, suportando-se a sentença recorrida numa mera probabilidade ao abrigo da teoria da causalidade adequada.
33. A verdade é que não logrou o Autor provar, como lhe competia, por diagnóstico médico inequívoco e indiscutível, que tal sucedeu.
34. Perante o teor das cláusulas que excluem ou limitam os riscos cobertos pelo contrato, não há que recorrer à teoria da causalidade adequada, como o fez a sentença recorrida, uma vez que resulta expressamente do contrato que o Autor teria de provar, por diagnóstico médico inequívoco e indiscutível, a existência de um nexo causal direto entre o acidente (mesmo considerando como tal a cirurgia) e a doença (tromboembolia cujas consequências levaram à morte da segurada) para que o seguro cobrisse o sinistro.
35. Assim, não andou bem o Tribunal a quo ao condenar a ora Recorrente, devendo, antes, tê-la absolvido integralmente do pedido.
36. Deverá, assim, por tudo o supra exposto, a sentença recorrida ser revogada e proferido acórdão que absolva a Recorrente integralmente do pedido formulado pelo Autor.
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Não foram apresentadas contra alegações.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
- OBJETO DO RECURSO

Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Assim, as questões a decidir são as seguintes:

1. Qualificação e regime jurídico do contrato;
2. Se a tromboembolia pulmonar que provocou a morte da mãe do autor se integra ou não no âmbito de cobertura do contrato de seguro de acidentes pessoais em causa nos autos.
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II. A - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

São os seguintes os factos que resultaram provados, com relevância para a decisão da causa:

1. O menor, G. C., A. na presente ação é filho de M. N.;
2. A progenitora do A., acima identificada, celebrou com a Ré Companhia de Seguros A S.A., no dia 5 de Janeiro de 2009, um contrato e certificado de seguro, ramo Vida nº … e ramo acidentes pessoais n.º …, certificado …;
3. No dia 31 de Outubro de 2013, a progenitora foi operada pelas 16 h30, para a realização de anexectomia por via laparoscópica por quisto do ovário direito na SCM, operação cirúrgica de risco diminuto;
4. Operação essa que foi bem sucedida, tendo a mesma tido alta clínica no dia seguinte por volta das 11 horas, 1 de Novembro de 2013;
5. No entanto, logo após ter recebida alta clínica, pelas 12h05, a mesma entrou em paragem cardio-respiratória, tendo falecido;
6. A morte da mesma foi devida a uma trombo-embolia pulmonar;
7. As análises e exames clínicos prévios à operação cirúrgica, nada de anormal indicavam, antes pelo contrário, as análises apresentavam valores normais para a correspondente operação cirúrgica.
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Factos não provados

1. É do conhecimento do A. que a sua progenitora apenas celebrou o referido contrato em 2009, convicta de que o mesmo garantiria o cumprimento das garantias, ora em discussão, acordadas e explicadas no sentido presentemente exposto, no caso de acontecer o seu falecimento nas condições supra descritas.
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II. B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1. Qualificação e regime jurídico do contrato

Assente está que a progenitora do Autor celebrou com a Ré Companhia de Seguros A S.A., no dia 5 de Janeiro de 2009, um contrato de seguro do ramo acidentes pessoais.
Cumpre, no âmbito deste recurso, analisar e decidir se a tromboembolia pulmonar que provocou a morte da mãe do autor se integra ou não no âmbito das coberturas do contrato de seguro de acidentes pessoais em causa nos autos.

Vejamos, antes disso, a qualificação jurídica do contrato em causa e o regime jurídico aplicável.
Trata-se, antes de mais, de um contrato de seguro, que é a convenção pela qual uma das partes (segurador) se obriga, mediante retribuição (prémio) paga pela outra parte (segurado), a assumir um risco ou conjunto de riscos e, caso a situação de risco se concretize, a satisfazer ao segurado ou a terceiro, uma indemnização pelos prejuízos sofridos ou um determinado montante previamente estipulado, cfr. Almeida Costa, in RLJ, ano 129, pág. 20. É um contrato “pelo qual alguém se obriga a proporcionar a outrem, a segurança de pessoas ou bens, relativamente a determinados riscos, mediante o pagamento de uma contraprestação, chamada "prémio"(1).
O contrato de seguro, na definição de Moitinho de Almeida, “É aquele em que uma das partes, o segurador, compensando segundo as leis da estatística um conjunto de riscos por ele assumidos, se obriga, mediante o pagamento de uma soma determinada, a, no caso de realização de um risco, indemnizar o segurado pelos prejuízos sofridos, ou, tratando-se de evento relativo à pessoa humana, entregar um capital ou renda, ao segurado ou a terceiro, dentro dos limites convencionalmente estabelecidos, ou a dispensar o pagamento dos prémios tratando-se de prestações a realizar em data indeterminada” (2).
O contrato de seguro, como qualquer outro contrato, tem elementos essenciais, naturais e acidentais.
São elementos essenciais do contrato de seguro aqueles de que depende a sua validade, isto é, os que são imperativamente previstos na lei. São elementos essenciais do contrato de seguro os intervenientes (seguradora, tomador de seguro), as obrigações dos intervenientes (pagamento do prémio pelo tomador do seguro, suportação do risco e realização da prestação pela seguradora) e objeto (risco).
O contrato de seguro é regulado pelas condições gerais, particulares e especiais - art.º 32º do Decreto-Lei 72/2008, de 16 de Abril (abreviadamente LCS) -, que passou a vigorar a partir de 1 de Janeiro de 2009 para os contratos celebrados após aquela data (cfr. art. 2º e 7º) e que veio estabelecer o regime jurídico do contrato de seguro harmonizando soluções, adaptando as diversas regras em vigor, procedendo a uma atualização e concatenação de conceitos dispersos em vários diplomas e preencher lacunas, procedendo, assim, a uma consolidação do direito do contrato de seguro e introduziu diversas soluções inovadoras, mais conformes às necessidades atuais.
O seguro configura-se como um contrato bilateral ou sinalagmático, por dele emergirem obrigações para ambas as partes, oneroso, por implicar vantagens também para ambas, e de execução continuada.
Em regra, surge como um contrato de adesão, pois a vinculação do segurado faz-se através da subscrição de um esquema contratual preestabelecido pelo segurador, consubstanciado nas condições gerais da apólice que são elaboradas sem prévia negociação individual, limitando-se os proponentes ou destinatários a subscrever o contrato, aderindo a elas.
José Vasques, in Contrato de Seguro, Coimbra, 1999, pág. 94, define Contrato de Seguro como sendo “ um contrato pelo qual a seguradora, mediante retribuição pelo tomador do seguro, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, à indemnização de prejuízos resultantes, ou ao pagamento de valor pré-definido, no caso de se realizar um determinado evento futuro e incerto”.
Preceitua o artigo 1.º, do Decreto-Lei 72/2008, de 16 de Abril, que, “por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente”.
E dispõe o art.º 210º do Decreto-Lei 72/2008 de 16 de Abril que “no seguro de acidentes pessoais, o segurador cobre o risco da verificação de lesão corporal, invalidez, temporária ou permanente, ou morte da pessoa segura por causa súbita, externa e imprevisível”.
O contrato de seguro em benefício de terceiro constitui, assim, um verdadeiro contrato a favor de terceiro, definido pelo artigo 443.º do Código Civil, como aquele em que um dos contraentes (o promitente) atribui, por conta e à ordem de outro (o promissário) uma vantagem a um terceiro (o beneficiário) estranho à relação contratual, mas titular definitivo e autónomo do direito de crédito de exigir do promitente o cumprimento da prestação, e não um simples destinatário da prestação (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, I, 1970, 251 e 252; ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 2ª edição, revista e atualizada, 134; STJ, de 21-6-97, BMJ nº 468, 384).
“O Segurado é a pessoa no interesse da qual o contrato é celebrado ou a pessoa (pessoa segura) cuja vida, saúde ou integridade física se segura” José Vasques, ob. cit. pag 102.
“O Tomador do Seguro é a entidade que celebra o contrato de seguro com a seguradora…” José Vasques, ob. cit. pag 102.
“O Beneficiário é a pessoa singular ou coletiva a favor de quem reverte a prestação da seguradora decorrente do contrato de seguro ou de uma operação de capitalização” José Vasques, ob. cit. pag. 98.
O contrato de seguro é um contrato bilateral ou sinalagmático, formal e aleatório, sendo-o na medida em que a prestação da seguradora fica dependente de um evento futuro e incerto.
Os elementos naturais do contrato de seguro são aqueles que não são essenciais à validade de tal contrato, resultando de normas supletivas – o contrato de seguro regular-se-á pelas estipulações da respetiva apólice não proibidas pela lei e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições do Código Comercial (cfr. artº 427º, do C. Comercial), atualmente DL nº 72/2008, de 16/4.
Para que exista contrato de seguro é necessário, desde logo, que exista uma proposta e que essa proposta seja aceite pela Seguradora destinatária.
O artigo 426º, do Código Comercial, regime anteriormente vigente, estipulava que o contrato de seguro deve ser reduzido a escrito num instrumento que constituirá a apólice de seguro. O contrato de seguro era, pois, um contrato formal já que a lei impunha, para a sua válida celebração, não só o consenso de vontades das partes mas ainda a redução a escrito. Assim, no contrato de seguro, a forma não era exigida apenas para prova do negócio mas para que o mesmo se considerasse existente e válido. A apólice surgia como a forma necessária para a própria existência do contrato (forma “ad substantiam”). Sem apólice não havia seguro. Aquela era ao mesmo tempo título constitutivo e documento probatório do contrato de seguro. O facto de o contrato de seguro ser um contrato solene, sendo “ad substantiam” a sua redução a escrito, significava que o negócio jurídico não tinha existência legal enquanto não estivesse lavrada a apólice ou o documento equivalente. Acresce ainda que e conforme exigido no § único, do artº 426º, do C.Comercial, a apólice de seguro devia ser datada e assinada pelo segurador, enunciar: o nome ou firma, residência ou domicilio do segurador; o nome ou firma, qualidade, residência ou domicílio do que faz segurar; o objeto do seguro e a sua natureza e valor; os riscos contra que se faz o seguro; o tempo em que começam e acabam os riscos; a quantia segurada, o prémio do seguro; e, em geral, todas as circunstâncias cujo conhecimento pudessem interessar o segurador, e todas as condições estipuladas pelas partes. A apólice é, assim, o documento que titula o contrato celebrado entre o tomador do seguro e a seguradora e de onde constam as respetivas condições gerais, especiais, se as houver, e particulares.
A aceitação da proposta de seguro pela seguradora, manifesta-se pela emissão da respetiva apólice.
Com o Decreto-Lei nº 72/2008, de 16/4, que entrou em vigor em 1/1/2009, deixou de se exigir forma escrita para os contratos posteriormente celebrados.
Atualmente o art. 32º, do DL nº 72/2008, de 16/4, estabelece no seu nº1 que “a validade do contrato de seguro não depende de observância de forma especial” e no nº2 que “o segurador é obrigado a formalizar o contrato num instrumento escrito, que se designa por apólice de seguro, e a entregá-lo ao tomador do seguro”. Pode, assim, não ser papel, pode ser outro instrumento escrito. O nº3, do referido preceito dispõe que a apólice deve ser datada e assinada pelo segurador, consagrando os artigos seguintes regras sobre a apólice, designadamente o art. 37º, o que deve constar da apólice.
Quanto à forma, e superando as dificuldades decorrentes do artigo 426º, do Código Comercial, sem descurar a necessidade de o contrato de seguro ser reduzido a escrito na apólice, admite-se a sua validade sem observância de forma especial. Apesar de não ser exigida forma especial para a celebração do contrato, bastando o mero consenso, mantém-se a obrigatoriedade de redução a escrito na apólice. Assim, a validade do contrato não depende, presentemente, de observância de forma especial.
O contrato de seguro é também um contrato de adesão, isto é, um contrato em que um dos contraentes não tem a menor participação na preparação e redação das cláusulas do mesmo, limitando-se a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado –, cfr. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, pág. 262 .
O contrato de seguro que está em causa nos autos é do ramo acidentes pessoais.
Afirma José Vasques que o seguro de acidentes pessoais “tem por objeto a reparação, seja na forma de indemnização ou renda, seja em forma de assistência médica, dos danos sofridos pelo segurado na sua pessoa em virtude de acidente – acontecimento fortuito, súbito e anormal, devido a acção de uma causa exterior e estranha à vontade da pessoa segura e que nesta origine lesões corporais” (3).
Refere-se no Acórdão da Relação de Guimarães de 12/11/2015, Processo 558/13.4TBBGC.G1 queO seguro de Acidentes Pessoais tem por objetivo garantir a proteção contra os prejuízos, que podem advir em consequência de um acidente suscetível de ocorrer na nossa vida quotidiana, no exercício da nossa atividade profissional ou na nossa vida privada, na prática desportiva ou no decurso de viagens. (4)

In casu, sabemos que a mãe do Autor celebrou com a apelada um contrato de seguro do ramo acidentes pessoais, que abrangia o risco de morte.

Trata-se de um seguro pessoal contratado pela Ré e do qual é beneficiário o Autor, único herdeiro da falecida.
É, também de atentar em que o contrato de “seguro de acidentes pessoais” celebrado, para além das condições contratuais, se rege pelo Regime Jurídico do Contrato de Seguro, constante da Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, que, como vimos, passou a vigorar a partir de 1 de Janeiro de 2009 para os contratos celebrados após aquela data (cfr. art. 2º e segs), como é o caso.

2 – Do âmbito do contrato de seguro: conceito de acidente

Definido o contrato celebrado e o regime jurídico que lhe é aplicável, entremos no objeto do recurso.
Sustenta a Apelante que o evento não se pode considerar acidente em função do conceito que consta da apólice, sendo que na determinação do risco assumido se tem de atentar, antes de mais nas disposições contratuais, nomeadamente nas que excluem determinados riscos ou limitam um certo risco e a determinação do âmbito do risco assumido, das suas exclusões ou limitações, pode ser feita contratualmente, vingando, neste domínio, o princípio da autonomia privada, embora com os limites da boa fé e, caso sejam pré-determinadas, desde que comunicadas e observado o dever de informação, o que não foi colocado em crise na sentença recorrida. A apelante, reconhecendo ocorrer caráter súbito e imprevisto do evento naturalístico, considera não se encontrar preenchido o fator exterioridade do evento que conduziu à morte da segurada, logo entende não estarmos perante um acidente, mas, sim, doença, e, não se enquadrando a situação nas coberturas, não há dever de indemnizar.
A questão que opõe o Autor à Ré é a de saber se a falecida foi vítima de um acidente ou de uma doença, sendo que se se considerar que foi um acidente a Ré será responsável nos termos previstos no contrato. Ao invés, se se entender que aquela sofreu de uma doença ou que as circunstâncias em que ocorreu a morte não se deveram a um acidente, tal como a apólice o define, a Ré tem de ser absolvida dos pedidos que contra ela são formulados.
Vejamos, pois, se estamos ou não perante um acidente coberto pelo seguro em causa.
Resultou provado, e é pacífico entre as partes, que a mãe do autor entrou em paragem cardio-respiratória e faleceu e que a morte se ficou a dever a uma tromboembolia pulmonar.
Cumpre, pois, analisar se a tromboembolia pulmonar que provocou a morte da mãe do autor se integra ou não no âmbito do contrato de seguro de acidentes pessoais em causa nos autos, celebrado entre a Apelante e a mãe do Autor e se aquela se constituiu na obrigação de indemnizar.
Regendo-se os contratos de seguro, em primeira linha, pelas estipulações constantes da respetiva apólice, desde que não proibidas por lei e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições legais aplicáveis, cabe, efetivamente, para tal, atentar no convencionado entre as partes, nessa matéria. Deste modo, e para o que no caso releva, na determinação do risco, assumido ter-se-ão de considerar as disposições contratuais, nomeadamente as relativas à exclusão de certos riscos ou à limitação de determinados riscos.
Assim, sendo o objeto do contrato acidente com a pessoa segura e estando no âmbito de cobertura acidentes ocorridos em qualquer parte do mundo que provoquem morte da mesma (v. cláusulas 2ª, 3ª e 4ª, das referidas Condições Gerais da Apólice), vejamos se a morte da mãe do Autor (pessoa segura) foi ou não causada por acidente.
As condições contratuais dão uma definição de acidente, sendo, por isso, como vimos, de atentar nela.
Define a cláusula 1ª, das Condições Gerais da Apólice, Acidente como sendo o acontecimento devido a causa súbita, externa, violenta e alheia à vontade do tomador de seguro, da pessoa segura e do beneficiário, que produza lesões corporais, invalidez temporária ou permanente ou morte, clínica e objectivamente constatadas”.
E, como supra se referiu, de acordo com o art. 210º, da LCS, “no seguro de acidentes pessoais, o segurador cobre o risco da verificação de lesão corporal, invalidez, temporária ou permanente, ou morte da pessoa segura, por causa súbita, externa e imprevisível.”
O conceito acolhido na LCS segue, de algum modo, uma das conceções possíveis da noção de caso fortuito. A ideia de causa súbita permite distinguir o seguro de acidentes pessoais do seguro de saúde (máxime, doença) nomeadamente quanto à causa interna e insidiosa (5).
São convocados os conceitos de lesão corporal, o seu carácter involuntário, a exterioridade do evento, a violência e a subitaneidade.
Refere José Vasques que “O conceito de acidente (…) parece dever construir-se a partir dos seus elementos integradores, isto é: a lesão corporal há-de consubstanciar-se na invalidez (parcial ou total) ou na morte, e resultar de um evento involuntário, externo, violento e súbito.
O carácter involuntário não pretende excluir os actos voluntários, mas apenas os intencionais, já que devem considerar-se cobertas as lesões que produzam como consequência imprevista de actos voluntários (neste sentido hão-de considerar-se voluntárias as lesões resultantes de um esforço físico contínuo ou repetido). A exterioridade do evento relativamente ao corpo afasta os danos sofridos sem intervenção de forças exteriores (:sirva de exemplo a doença). A violência não consistirá necessariamente em lesão traumática, devendo entender-se que são violentas, designadamente, as descargas eléctricas, as mordeduras ou picadas de animais e as insolações. Finalmente, o carácter súbito afasta as lesões resultantes da reiteração de factos, pelo que, também por este critério, ficaria afastada a doença, embora devam considerar-se incluídos os transtornos orgânicos e as doenças que sejam consequentes a factos repentinos” (6) (negrito nosso).

Olhando ao caso concreto, verifica-se que se provou-se que:

- a mãe do Autor, no dia 1/11/2013, pelas 12h05, entrou em paragem cardio-respiratória e faleceu, ficando a morte a dever-se a tromboembolia pulmonar;
- no dia imediatamente anterior ao óbito, a mesma foi operada, pelas 16.30 horas, para a realização de anexectomia por via laparoscópica por quisto do ovário direito;
- as análises e exames clínicos prévios à operação cirúrgica, nada de anormal indicavam, antes pelo contrário, as análises apresentavam valores normais para a correspondente operação cirúrgica.
A Ré Companhia de Seguros A S.A., concluiu não estamos perante um acidente, no sentido pretendido no contrato de seguro de acidentes pessoais que celebrou com a mãe do autor, por se tratar de um evento interno do corpo da segurada, ou seja, porque o mesmo não foi resultado de uma ação exterior ao mencionado corpo.
Vejamos a jurisprudência.

Refere-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/4/2009, processo 09A0449, relatado pelo Ilustre Sr. Juiz Conselheiro Fonseca Ramos, que “Acidente, em sentido comum, é um acontecimento casual, fortuito, inesperado.
Doença é a alteração biológica do estado de saúde de um ser, manifesta-se por um conjunto de sintomas perceptíveis ou não; a doença aguda é a alteração do organismo como um todo ou de qualquer das suas partes, marcada por rápida evolução dos sintomas que têm carácter mais ou menos violento, terminando (geralmente em período curto) na recuperação ou morte – citado Dicionário Houaiss”. (…)
O acidente pessoal é externo à vítima, a doença é um facto que ocorre no interior do seu corpo por factores vários que nem sequer o estado da ciência pode determinar com rigor, pense-se no caso do cancro. Mas este critério simplista não exclui que factores que possam ocorrer …” (negrito nosso).
A recorrente não aceita estarmos perante um acidente por considerar que a tromboembolia, que causou a morte é um evento interno do corpo da segurada, faltando o elemento da exterioridade para que possa ser qualificado como acidente, sendo aquela uma doença e não um acidente.
Ora, como vem fazendo a jurisprudência, também nós entendemos não se pode seguir cegamente este critério simplista, redutor e cego. Não se pode sufragar, in casu, tal entendimento, pois que se não provou qualquer doença nem concreta e efetiva, predisposição.
In casu, surgiu, sim, provada, uma causa exterior capaz de gerar coágulos que provoquem obstrução de vasos sanguíneos - a cirurgia. Esta causa resultou provada e verificou-se horas antes, sendo, até, que a tromboembolia (com o inerente coágulo em desenvolvimento) se manifestou poucos minutos após o termo do processo cirúrgico, que chegou ao fim com a alta (estando, ainda, a falecida no hospital).
Foi no quadro cirúrgico que se desencadeou a tromboembolia que logo se manifestou mal teve alta (certamente quando se levantou para deixar o hospital).
A lesão resultou de um conjunto de factos que ocorreram no corpo da Autora, vindos de fora – da cirurgia. Não estamos perante um colapso devido a doença. A falência do organismo ficou a dever-se a fatores externos, exógenos que se manifestaram logo após a alta.
Na verdade, embolia é de acordo com a definição do dicionário de língua portuguesa, uma obstrução súbita de um vaso.
Tromboembolia pulmonar é uma obstrução aguda da circulação arterial pulmonar (por trombo - êmbolos) que se originaram em localização a montante da mesma (habitualmente circulação venosa sistémica) - cfr. relatório pericial fls 245-246.
A tromboembolia, que não é uma doença, mas sim um coágulo de sangue que surge num vaso sanguíneo a não deixar o sangue circular, que não existia antes da cirurgia, desenvolveu-se, causando a morte da Autora menos de 20 horas após o início da cirurgia.
A tromboembolia pulmunar surgiu, para além de de modo súbito e inesperado, imediatamente após o processo cirúrgico. Deste modo, estando as análises e exames clínicos prévios à cirúrgia normais, só esta (onde são realizados atos traumáticos no corpo do paciente) aparece como causa do evento anormal.
A tromboembolia é uma obstrução súbita e aguda que, muitas vezes, causa a morte da pessoa, como foi o caso dos autos.
Assim, a morte da segurada ocorreu devido a causa súbita, externa, violenta e alheia à vontade do tomador de seguro, da pessoa segura e do beneficiário.
E tal morte foi clínica e objetivamente constatada.
Preenchida se encontra, in casu, a definição de acidente constante da cláusula 1ª, das Condições Gerais da Apólice - acontecimento devido a causa súbita, externa, violenta e alheia à vontade do tomador de seguro, da pessoa segura e do beneficiário, que produza lesões corporais, invalidez temporária ou permanente ou morte, clínica e objectivamente constatadas”.
Mas pode dizer-se, ainda, como se afirma no acórdão do STJ de 21-04-2009, supra citado, que a “causa exterior estranha à vontade da pessoa segura”, para efeitos da cláusula da apólice em apreço, não é um evento produtor de lesões instantâneas, violento e súbito que causa dano imediato e inevitável, [como seria o facto de alguém caminhando na via pública ser subitamente atropelado ou lesionado pela queda de um muro ou atacado fisicamente], pode ser um conjunto de circunstâncias próximas no tempo e sequenciais em relação a um evento estranho à vontade do segurado, fortuito, anormal e súbito, como é o colapso do corpo humano, se esse colapso não tiver como causa doença preexistente ou predisposição para o evento que se manifestou”.
Concluímos, pois, que a tromboembolia verificada configura um acidente e não uma doença, que provocou paragem cardio-respiratória e falência de todo o organismo.
Demonstrada se encontra a existência de nexo de causalidade entre o evento naturalístico (cirurgia) e a lesão (a tromboembolia) e entre esta e a morte, não tendo a Ré logrado fazer prova de qualquer doença existente.
Verifica-se, assim, uma cadeia de factos em que cada um dos respetivos elos está ligado ao seguinte por um nexo de causal, cuja prova foi feita pelo Autor, como lhe cabia, nos termos da regra geral do nº1, do art. 342º, do CC.
Tendo em conta a matéria provada, verifica-se que a morte da mãe do Autor se pode inserir no quadro de acidentes pessoais, estando coberta pelo contrato de seguro dos autos.
Como bem considerou o Tribunal a quo, verifica-se nexo de causalidade entre a cirurgia e a tromboembolia e entre esta e a morte. Este último nexo está assegurado pelo teor do relatório médico-legal e o primeiro também se verifica, pois que a autora foi submetida, pelas 16.30 h, a uma cirurgia laparoscópica para remoção de um quisto no ovário esquerdo, tendo logo no dia seguinte, pelo meio dia, sido acometida por uma tromboembolia que resultou na sua morte, sendo que a cirurgia, que é uma das causas medicamente assinaladas para a ocorrência de tromboembolias, atuou como condição da mesma, ocorrida num espaço temporal muito próximo, poucos minutos após o fim do processo cirúrgico.
Na verdade, ficou suficientemente provado que foi a verificação de um determinado evento súbito e exterior à vítima (coágulo que surgiu em vaso sanguíneo imediatamente após a cirurgia - menos de 20 horas após o início da mesma) que lhe ocasionou a tromboembolia e que foi causa da morte.
Assim, ficou amplamente demonstrado que a causa da morte foi um acidente, nenhuma doença resultando provado existir.
Tal acidente foi súbito e imprevisto, na medida em que nada fazia supor que a vítima fosse sofrer tromboembolia, sendo certo que ficou provado que as análises e exames clínicos prévios à operação cirúrgica, nada de anormal indicavam, antes pelo contrário, as análises apresentavam valores normais para a correspondente operação cirúrgica.
A causa geradora desse acidente foi, como resulta do acima exposto, a cirurgia, e não qualquer doença, enquadrando-se no âmbito do contrato.
Assim vêm decidindo os Tribunal, citando-se dois casos num contexto de AVC:
- No Acórdão da Relação de Lisboa de 13/5/2004, Processo 1762/2004-6, considerou-se “O seguro de acidentes pessoais tem por objecto a reparação dos danos sofridos pelo segurado na sua pessoa em virtude de acidente – acontecimento fortuito, súbito e anormal, devido a acção de uma causa exterior e estranha à vontade da pessoa segura e que nesta origine lesões corporais.
(…)Para que a morte esteja coberta pelo seguro de acidentes importa a demonstração do nexo de causalidade entre o evento naturalístico e a lesão e entre esta lesão e a morte.
Ficando provado que foi em consequência do estado de grande ansiedade, tensão e stress que a vítima sofreu um enfarte agudo do miocárdio que lhe provocou a morte, ficou demonstrada a existência de uma cadeia de factos em que cada um dos elos está entre si sucessivamente interligado por um nexo de causal.
Comprovada a morte e o acidente por parte da beneficiária, cumpre à seguradora a prova do circunstancialismo impeditivo do direito da beneficiária do seguro (7);
- No referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/4/2009, processo 09A0449 refere-se“I) - Estipulando a apólice de um contrato de seguro de acidentes pessoais que o risco coberto é o de acidente definido como “o acontecimento fortuito, súbito, anormal, devido a causa exterior e estranha à vontade do Autor e que nele origine lesões físicas”, constitui acidente e não doença, o facto do segurado ter durante a execução do seu trabalho, em circunstâncias climatéricas hostis e em estado de cansaço e stress, ter sido acometido subitamente de sintomas reveladores da existência de um acidente vascular cerebral (AVC).
II)A causa exterior estranha à vontade da pessoa segura”, para efeitos daquela cláusula da apólice, não é apenas um evento produtor de lesões instantâneas, violento e súbito que causa dano imediato e inevitável, [como seria o facto de alguém caminhando na via pública ser subitamente atropelado ou lesionado pela queda de um muro ou atacado fisicamente] pode ser um conjunto de circunstâncias, próximas no tempo e sequenciais em relação a um evento estranho à vontade do segurado, fortuito, anormal e súbito, como é o colapso do corpo humano, se esse colapso não tiver como causa doença preexistente ou predisposição para o evento que se manifestou.
III)O acidente pessoal é externo à vítima, a doença é um facto que ocorre no interior do seu corpo por factores vários que nem sequer o estado da ciência pode determinar com rigor, pense-se no caso do cancro. Este critério não exclui que factores que possam ocorrer no decurso de actividade profissional, possam ser incluídos no conceito de acidente pessoal, se pelo seu carácter fortuito, imprevisível e alheio à vontade do segurado causarem danos na sua saúde, como será o caso da existência de enfarto de miocárdio, num quadro em que a vítima não apresentava sinais de doença ou factores predisponentes.
(…)V) - Em termos de causalidade adequada, não se tendo provado que o Autor/segurado adoptou comportamento que voluntariamente concorreu para o acidente, antes sendo patente que as consequências para si drásticas, se deveram a factores imprevisíveis, súbitos e imprevistos, importa concluir que as sequelas das lesões foram consequência do acidente que sofreu enquanto desempenhava a sua actividade, pelo que estamos, ainda aí, no domínio de uma causalidade indirecta que o art. 563º do Código Civil não exclui (8).
Aí se cita o Acórdão do S.T.J. de 17.4.2007 – Proc. 07A701 – in www.dgsi.pt, de que foi Relator o Ex.mo Conselheiro Dr. Azevedo Ramos, onde pode ler-se:
“A teoria da causalidade adequada apresenta duas variantes: uma formulação positiva e uma formulação negativa. Segundo a formulação positiva (mais restrita), o facto só será causa do dano, sempre que verificado o facto, se possa prever o dano como consequência natural ou como efeito provável dessa verificação. Na formulação negativa (mais ampla), o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído, decisivamente, circunstâncias anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto. Por mais criteriosa, deve reputar-se adoptada pela nossa lei a formulação negativa da teoria da causalidade adequada (Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 9ª ed., págs 921, 922 e 930; Pedro Nunes de Carvalho, “Omissão e Dever de Agir em Direito Civil”, pág. 61; Ac. S.T.J. de 15-1-02, CJ Ac. S.T.J., X, 1º, 36: Ac. S.T.J. de 1-7-03, proferido na revista nº 1902/03, da 6ª secção, também relatado pelo mesmo Relator, entre outros)”.
Nenhuma doença ou predisposição para o evento resultando existir e tendo a morte da pessoa segura, causada por tromboembolia pulmonar, ocorrido poucos minutos após o termo do processo cirúrgico, e preenchido se mostrando o conceito de acidente, tal como definido nas Cláusulas Contratuais Gerais do contrato de seguro de acidentes pessoais celebrado, a Ré responde, tal como contratualmente se obrigou. Bem decidiu, pois, o Tribunal a quo.

Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pela apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.

III. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
Custas pela apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.
Guimarães, 1 de fevereiro de 2018

Dr. Eugénia Marinho da Cunha
Dr. José Manuel Alves Flores
Dr. Sandra Melo


1. José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999, pags. 87 a 140
2. Moitinho de Almeida, in “Contrato de Seguro”, 23,
3. José Vasques, ibidem, pags.60-61
4. Acórdão da Relação de Guimarães de 12/11/2015, Processo 558/13.4TBBGC.G1, in dgsi.net
5. Pedro Romano Martinez e outros, Lei do Contrato de Seguro Anotada, 2016, 3ª Edição, Almedina pág 574.
6. José Vasques, ibidem, pags.61
7. Acórdão da Relação de Lisboa de 13/5/2004, Processo 1762/2004-6, in dgsi.net
8. Acórdão do Supremo Tribunal de Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/4/2009, processo 09A0449, in dgsi.net