Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5688/17.0T8GMR.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA CONTRATUAL
DANOS CAUSADOS POR COISAS
CULPA IN VIGILANDO
CULPA DO LESADO
PEDIDO ALTERNATIVO
CONTRATO DE SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Se o mesmo evento imputável ao empreiteiro provocar danos ao dono da obra e a terceiro estranho à mesma, verifica-se um concurso real entre responsabilidade civil contratual e responsabilidade civil extracontratual (art. 483º do Cód. Civil).
II- Aplicar-se-ão então, embora separadamente, os dois regimes respetivamente convocados se ambos os lesados pedirem a competente indemnização.
III- Do art. 493º, n.º 1, do Cód. Civil resulta a obrigação de indemnizar terceiros lesados por coisas ou animais àqueles que tenham em seu poder com o encargo da sua vigilância, do mesmo passo se estabelecendo uma presunção de culpa para os últimos.
IV- A presunção de culpa e o dever de vigilância da coisa pressuposta no n.º 1 do art. 493º do CC reporta-se ao lesante e não ao lesado.
V- A aplicação do art. 570º, n.º 1, do CC, pressupõe que: i) o lesado tenha praticado um ato que foi concausa do dano sofrido ou que tenha contribuído para agravar o dano; e ii) que esse ato tenha sido culposo.
VI- Uma vez verificados os pressupostos do n.º 1 do art. 570º do CC, o tribunal, na imputação das consequências indemnizatórias e para poder concluir pela concessão, redução ou exclusão da indemnização, terá de ponderar a gravidade das culpas e ter em conta as consequências que delas resultaram.
VII- É de manter toda a indemnização quando a culpa do agente seja de tal modo grave, em confronto com a atuação do lesado, sendo razoável desvalorizar a culpa ligeira do lesado quando esta tem um significado residual.
VIII- Sempre que o empreiteiro entregue pronta uma obra que não tenha sido realizada, totalmente, nos termos devidos, a violação contratual subsume-se ao cumprimento defeituoso.
IX- Em situações de incumprimento (designadamente de cumprimento defeituoso), ao credor/dono da obra basta demonstrar a materialidade do incumprimento, ou seja, a “existência do defeito”, o vício ou desconformidade da obra, cabendo já ao devedor/empreiteiro provar a ausência do nexo de imputação à sua pessoa desse incumprimento, o qual se presume “iuris tantum” (art. 799º, n.º 1, do CC).
X- Se o empreiteiro não afastar a sua responsabilidade pela existência do comprovado defeito – traduzido no deficiente revestimento dos tubos de exaustão de fumos do recuperador de calor, o que determinou a eclosão de um incêndio –, não logrando provar que a causa (defeito) lhe é estranha e não poderia ser por si evitada, indubitável é a sua culpa e a sua responsabilidade.
XI- Pretendendo o dono da obra obter uma indemnização do empreiteiro por deficiente execução da obra que determinou um incêndio, está-se perante um caso de responsabilidade contratual e não delitual, mesmo que o dano a indemnizar se trate de dano incidente sobre objeto diferente do da empreitada contratada; mas como não deixa de ser um dano derivado ou subsequente de uma prestação defeituosa do contrato, há-de tratar-se de responsabilidade contratual.
XII- No âmbito do contrato de empreitada, perante a existência de defeitos a lei concede ao dono da obra vários direitos – eliminação dos defeitos ou nova construção (art. 1221º do CC), redução do preço ou resolução do contrato (1222º do CC) e indemnização nos termos gerais (art. 1223º do CC) –, os quais não podem ser exercidos arbitrariamente, mas sim sucessivamente e pela ordem em que são reconhecidos.
XIII- Tais direitos fundados no art. 1221º e ss. do CC podem ser exercidos na mesma ação, mas em regime de subsidiariedade e não como pedidos alternativos.
XIV- Embora formalmente formulado sob a capa de um pedido alternativo, em sede da respetiva qualificação jurídica é lícito ao juiz concluir que tal pedido corresponde antes a um pedido subsidiário (alternativa aparente).
XV- Ainda que assim não se entendesse, não esclarecendo a lei quais as consequências que derivam da formulação de pedidos alternativos quando não se verifique qualquer das situações previstas no art. 553º do CPC, na ocasião em que decidir do mérito da causa deve o juiz considerar, de entre os pedidos formulados, aquele que tiver acolhimento à luz do direito substantivo.
XVI- No âmbito das cláusulas contratuais gerais, compete, por um lado, ao aderente (e/ou segurado) o ónus de alegação ou invocação da violação dos deveres de comunicação e informação de cuja preterição se pretende prevalecer e, por outro lado, sobre o proponente impende o ónus de prova sobre a adequada comunicação e informação das cláusulas desse tipo inseridas no contrato (art. 5.º, n.º 3 e 6º do DL n.º 446/85, de 25-10).
XVII- Não se mostrando cumprido por parte do segurado o ónus de alegação da violação dos enunciados deveres por parte do segurador, não tem este de alegar nem de demonstrar o respetivo ónus probatório atinente ao cumprimento do dever de comunicação e do dever de informação das condições gerais e condições especiais do contrato de seguro objeto dos autos.
XVIII- Estando em causa um contrato de seguro de responsabilidade civil através do qual a seguradora garante o pagamento das indemnizações emergentes de responsabilidade civil extracontratual que sejam exigíveis ao segurado por força do exercício da sua atividade de construção civil, por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros, o seu âmbito de cobertura restringe-se à responsabilidade civil extracontratual, dele estando excluídos os danos resultantes de responsabilidade civil contratual.
IXX- Em geral, para a delimitação do objeto do contrato de seguro há que interpretar, as condições gerais, especiais e particulares, que o constituem e que constam da apólice do contrato.
XX- O regime imperativo das cláusulas contratuais gerais aplica-se às condições gerais e especiais elaboradas sem prévia negociação individual, mas já não às cláusulas particulares, às quais se aplicam as regras gerais de interpretação do negócio jurídico previstas nos arts. 236º a 238º do Código Civil.
XXI- Um motivo primordial que preside à outorga de um seguro de responsabilidade civil consiste na tutela de terceiros lesados, pretendendo-se que estes não fiquem privados do ressarcimento dos danos, em especial, por via da incapacidade financeira do lesante.
XXII- É precisamente na tutela de danos causados em prédios confinantes e respetivos ocupantes que, regra geral, mais se faz sentir a garantia do seguro de responsabilidade civil extracontratual do empreiteiro.
XXIII- Dada a relevância económica que uma cláusula de delimitação da cobertura – que descreve o objeto seguro como a responsabilidade civil extracontratual da atividade de “construção civil s/danos nos prédios contíguos” – pode assumir num seguro de responsabilidade civil de empreiteiro, para efeitos da sua formalização negocial não é adequado que a mesma seja dissimuladamente acoplada à definição da atividade segurada, sem qualquer destaque e sem a sua inserção no campo das coberturas constante das Condições Particulares, posto poder facilmente passar despercebida a um contraente normal, colocado na posição do contraente real.
XXIV- Mas mesmo a entender-se que a referida menção possa valer como cláusula de delimitação do objeto seguro, excluindo da cobertura todos e quaisquer danos provocados em prédios contíguos, dada a sua amplitude ela mostrar-se-ia uma restrição desproporcionada dos direitos do segurado, impedindo o contrato de cumprir devidamente a sua finalidade prática, posto que os prédios contíguos e as pessoas que neles permaneçam são inegavelmente os bens mais expostos aos riscos de responsabilidade extracontratual associada à construção civil.
XXV- O afastamento da cobertura de todos os danos em prédios contíguos – não se restringindo ao âmbito da cláusula específica de exclusão prevista no art. 3.º, n.º 2, al. d) da Condição Especial n.º 226 – seria incompatível com a finalidade prática do contrato e conduziria a um considerável esvaziamento do objeto do contrato de seguro.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

D. L., Lda intentaram, no Juízo Central Cível de Guimarães – Juiz 3 – do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra 1) A. M. Lda., 2) Lareiras ... – Sistemas de Aquecimento Lda. e 3) X – Companhia de Seguros S.A., pedindo:

Relativamente à 2.ª Autora:
a) Devem as rés ser condenadas solidariamente na reparação in natura, mediante a construção de obra nova do prédio n.º ...;

Ou, em alternativa,
b) Devem as rés ser solidariamente condenadas no pagamento de indemnização correspondente ao valor de construção de obra nova, ou seja, € 132.909,37, acrescido de IVA à taxa legal em vigor e de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento;
E sempre,
c) Serem as rés condenadas solidariamente no pagamento das rendas vencidas, no valor de € 5.500,00 e vincendas até à reparação in natura ou pagamento da indemnização correspondente;
d) Serem as rés condenadas solidariamente no pagamento da quantia de € 18.333,24 a título de compensação pela perda do recheio; e) Serem as rés condenadas no pagamento das custas do processo.

Relativamente à 1.ª Autora:
f) Devem as rés ser condenadas solidariamente na reparação in natura, mediante a construção de obra nova do prédio n.º ...; Ou, em alternativa,
g) Devem as rés ser solidariamente condenadas no pagamento de indemnização correspondente ao valor de construção de obra nova, cuja liquidação se relega para momento ulterior, acrescido de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento;
E sempre,
h) Serem as rés condenadas solidariamente no pagamento da quantia de € 93.688,97 a título de compensação pela perda do recheio; i) Serem as rés condenadas solidariamente no pagamento de valor não inferior a € 30.000,00, a título de danos morais;
j) Serem as rés condenadas no pagamento das custas do processo”.

Para tanto, alegaram, em resumo, serem, cada uma, donas de dois imóveis distintos que identificam, tendo a 2ª Autora celebrado um contrato de empreitada com a 1ª Ré, pelo preço final de € 132.909,37, com vista a reabilitar e converter um dos referidos imóveis numa moradia unifamiliar (o nº. .. de polícia), sendo que, à data de 23 de Outubro de 2016, a respectiva obra não se encontrava acabada, faltando concluir os seguintes trabalhos: a) isolamento das portas da garagem e da cozinha; b) remate das ombreiras do acesso a despensa/lavandaria; d) rusticar as juntas de alvenaria de pedra existente; e) colocação de vidro duplo na porta da cozinha; f) fornecimento e execução de trabalhos de aplicação de tomadas eléctricas.
No dia 23 de Outubro de 2016, pelas 18 horas, deflagrou um incêndio no imóvel correspondente ao referido nº. .. que se propagou e atingiu também o imóvel sito no n.º ... de polícia, este propriedade da 1ª Autora.
A causa do sinistro resultou da errada e descuidada instalação e isolamento das tubagens e de um sistema de aquecimento, composto de recuperador de calor e tubagens, uma vez que não foram respeitadas as legis artis e o previsto no manual de instalação e utilização do equipamento e o prescrito no Decreto-Lei nº. 220/2008, de 12 de Novembro e na Portaria nº. 1532/2008 de 29 de Dezembro, mormente as particularidades do prédio, a saber, entre outras, travejamento e forro em madeira do telhado com isolamento por placas de onduline e roofmate, paredes em tabique, soalho e armários em madeira.
A instalação desse recuperador de calor foi acordada entre a 2ª Autora e a 1ª Ré, tendo, para o efeito, a 2ª Autora escolhido, de entre as referências apresentadas e propostas pela 1ª Ré, o equipamento térmico Recuperador de Calor serie Vista 80 modelo RC 820NMV, da marca Y, proposto pela 1ª Ré, tendo a 2ª Ré garantido à Autora como adequado, apto e com as qualidades necessárias ao fim a que se destinava.
Para tal a 1ª Ré contratou, por sua iniciativa e por sua exclusiva escolha, conta e risco e responsabilidade, atendendo ao equipamento escolhido, a ora 2ª Ré, empresa especializada e que exerce habitual e lucrativamente a actividade de fornecimento e instalação de lareiras, salamandras, recuperadores de calor, caldeiras, sistemas de aquecimento e outros.
Nessa instalação não foram cumpridas as referidas regras, dado que as condutas e o equipamento estavam instalados a uma distância muito inferior a 1000 mm face aos materiais combustíveis (travejamento e forro em madeira) e os tubos de exaustão e de calor não se encontravam devidamente isolados, não evitando, por isso, fugas de calor, como aconteceu aquando do sinistro, pelo que as Autoras concluíram que a instalação foi efectuada de modo defeituoso e ilícito.
Descreveram os danos sofridos em consequência do dito incêndio, quer ao nível da construção existente, quer ao nível do recheio nela existente, tendo, ainda, a 1ª Autora invocado o padecimento de danos não patrimoniais.
Por fim, pugnaram pela responsabilização das Rés, mais invocando a existência de um contrato de seguro firmado entre a 1ª e a 3ª Rés, pelo qual aquela transferiu para esta a responsabilidade civil emergente da sua actividade, nesta estando incluído o fornecimento e instalação do equipamento do sistema de aquecimento já identificado.
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Citadas, todas as Rés apresentaram contestação, pugnando pela improcedência da ação.
A 1ª Ré, A. M., Lda pugnou pela procedência da invocada caducidade e pela improcedência da demanda (cfr. fls. 284 a 296).
Em abono da sua defesa invocou a exceção de caducidade do direito da 2ª Autora, pelo facto de esta ter intentado a presente acção no dia 23 de Outubro de 2017, tendo a Ré sido citada apenas no dia 31 de Outubro de 2018, data em que, pela primeira vez, lhe foi comunicado o alegado defeito de instalação do recuperador, ou seja, mais de um ano após a ocorrência do sinistro.
Mais impugnou a factualidade alegada pelas Autoras, afirmando ter entregue a obra à 2ª Autora no dia 17 de Junho de 2016, cujo preço final ascendeu a € 130.522,87.
A instalação de um recuperador de calor na sala do prédio n.º ... e respectivo sistema de aquecimento ao serviço dos quartos e casa-de-banho localizados no piso superior já estava prevista no projecto de arquitectura que foi enviado pela 2ª Autora à Ré com vista à execução da obra, tendo a 1ª. Ré executado a obra de forma a que o recuperador de calor e sistema de aquecimento fossem instalados no local e nos precisos termos e condições constantes do projecto de arquitectura, o que foi cumprido.
Confirmou que a 2ª Ré foi por si subcontratada (mas que a 2ª Autora aprovou tal escolha), mais tendo alegado que não teve qualquer intervenção técnica no trabalho de instalação do recuperador de calor, tendo sido a 2ª Ré quem executou todo esse trabalho, por sua direcção, conta e risco.
Verificou e confirmou que a 2ª Ré forneceu e aplicou todos os materiais contratados, mais tendo verificado que o trabalho foi executado nos termos e condições previstos no projecto, tendo ainda verificado, no termo da instalação, que o recuperador funcionava em condições de segurança.
O equipamento e as condutas ficaram instalados nos locais definidos no projecto de instalação e foram instalados exactamente nos termos e condições aí previstas, sendo que a tubagem de aço inox foi isolada termicamente em todo o seu comprimento e todos os tubos de exaustão e de calor ficaram devidamente isolados. As condutas de saída de fumo tiveram a mesma largura desde a saída do equipamento até à evacuação dos fumos para a atmosfera.
Por outro lado, logo após a conclusão da instalação do recuperador de calor e sistema de aquecimento, o mesmo foi testado durante cerca de quatro a cinco horas na presença de um representante da Ré, o qual verificou que o mesmo funcionava normalmente e em condições de segurança.
O incêndio não teve origem no sistema de aquecimento e tubagem da parede divisória dos quartos e casa de banho, mas antes teve origem desconhecida, podendo ter tido origem num curto circuito ou num raio de trovoada, que, segundo algumas pessoas, caiu sobre o telhado da casa.
Aludiu ao incumprimento, pela 1ª Autora, do manual de utilização do recuperador de calor, mormente por não se encontrar em casa aquando da ocorrência, tendo deixado aquele aparelho em funcionamento.
Mesmo que se apure que a distância entre o equipamento e os materiais de combustão não garantia condições de segurança, tal anomalia não lhe é imputável porquanto, tendo executado a obra de acordo com o projecto aprovado pela Câmara Municipal ..., nunca lhe foi comunicada tal anomalia, seja pela 2ª Ré, seja pelo arquitecto que acompanhou a execução de toda a obra, mais qualificando tal anomalia de defeito aparente, do conhecimento da 2ª Autora.
Pugnou pelo não preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual nos termos da qual foi demandada pela 1ª Autora, mais invocando a existência de seguro de responsabilidade civil emergente da sua actividade contratado junto da 3ª Ré.
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A 2ª Ré, Lareiras ... – Sistemas de Aquecimento, Lda, pugnou pela sua ilegitimidade e excepcionou a caducidade do eventual exercício do direito de regresso da 1ª Ré, mais concluindo pela improcedência da acção (cfr. fls. 302 a 316).
Invocou, também, a caducidade do direito de acção da Autora por ter sido citada no dia 2 de Novembro de 2017, pese embora o defeito tenha sido comunicado à 1ª Ré no dia 23 de Outubro de 2016 e a acção dado entrada em juízo no dia 23 de Outubro de 2017.
Impugnou a factualidade alegada pelas Autoras e alegou não ter tido qualquer intervenção na escolha do recuperador, nem ter sido incumbida de realizar todas as obras de instalação e acabamentos do recuperador e do sistema de aquecimento.
Rejeitou que sobre si impenda qualquer presunção e alegou que as Autoras esquecem que tinham carpetes e mobiliário em madeira a distância inferior a cinquenta centímetros da parte frontal do recuperador.
Mais considerou que era à 1ª Ré que competia revestir os espaços onde foram instalados o recuperador de calor, a tubagem e a chaminé, fazer os remates e terminar a execução do trabalho, tendo a 1ª Ré orçamentado à 2ª Autora a colocação de aço corten à volta do recuperador, pelo que rejeitou qualquer obrigação de colocar o recuperador apto a funcionar.
Acrescentou que a tubagem foi instalada em conformidade com o livro de instruções e é certificada e apropriada para o local e lembrou que a 1ª Autora foi habitar o local sem que estivessem reunidas as condições de segurança contra incêndios exigidas pelo Regime Jurídico da Segurança contra Incêndios em Edifícios uma vez que não estava terminada a instalação eléctrica.
Por fim, alegou desconhecer os invocados prejuízos e rejeitou a responsabilidade pelo seu ressarcimento.
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A 3ª Ré, X Companhia de Seguros, S.A., pugnou pela sua ilegitimidade ou, assim não se entendendo, pela improcedência da acção (cfr. fls. 345 a 351).
Alegou, em síntese, a existência de um contrato de seguro do ramo “Responsabilidade Civil Exploração”, sob a apólice n.º ……16, nos termos das condições particulares que juntou, sendo o objecto do seguro a responsabilidade civil extracontratual perante terceiros por danos causados com a exploração da actividade de “construção civil s/danos prédios contíguos” da Ré A. M., Lda., tendo a apólice um limite máximo de indemnização de € 250.000,00 por ano e sinistro e sujeita a uma franquia por sinistro de 10% dos prejuízos com um mínimo € 250,00.
Contudo, excepcionou a sua ilegitimidade alegando ser alheia às relações jurídicas invocadas em sede de petição inicial, mais tendo afirmado que as pretensões indemnizatórias das Autoras não têm cobertura no contrato de seguro em apreço, tanto mais que o sinistro ocorreu já depois do termo da obra.
Impugnou a factualidade alegada pelas Autoras e alegou que o sinistro se deu por causa acidental quando a 1ª Autora se ausentou de casa deixando o recuperador ligado, do que concluiu pelo afastamento ou pela redução da eventual responsabilidade do lesante, nos termos do disposto no artigo 570º do Código Civil.
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As Autoras responderam às excepções invocadas nas contestações, concluindo pela sua improcedência (cfr. fls. 391 a 395).
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Por despacho de fls. 399 e ss. foi dispensada a audiência prévia.
De seguida, foi elaborado despacho saneador, no qual foi julgada procedente a exceção de ilegitimidade invocada pela 3ª Ré, X – Companhia de Seguros, S.A., com a consequente absolvição desta da instância, tendo as demais excepções invocadas sido julgadas improcedentes.
Após procedeu-se à identificação do objeto do processo, à enunciação dos temas da prova, com reclamação da 2ª Ré, parcialmente deferida, bem como foram admitidos os meios de prova.
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A fls. 428 e 429, as Autoras requereram a rectificação do pedido nos seguintes termos:

“- que o pedido formulado sob a alínea j) passe a ter a seguinte redacção: Serem as rés condenadas na demolição e remoção dos escombros existentes no prédio ou no pagamento da despesa inerente a esses trabalhos, cujo valor se desconhece, mas se relega para momento posterior;
- que o actual pedido formulado sob a alínea j) passe a constar da alínea l) a aditar o elenco dos pedidos formulados”.
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O requerimento de rectificação do pedido foi deferido por despacho de fls. 462.
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Foram, entretanto, apensados aos presentes os autos de produção antecipada de prova intentados pelas Autoras no dia 6 de Julho de 2017 (anterior processo com o nº. 3890/17.4T8GMR).
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Inconformada com a decisão que julgou parte ilegítima a Ré Seguradora, a 1ª Ré interpôs recurso em separado, tendo este Tribunal da Relação, por acórdão de 14 de junho de 2018, julgado procedente tal recurso (cfr. apenso C).
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Em consequência, por despacho de fls. 649 e ss., procedeu-se à reformulação dos temas da prova.
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Foi realizada a audiência de julgamento (cfr. fls. 730 a 733, 751 a 755 e 757 a 761).
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Posteriormente, o Mm.º Julgador “a quo” proferiu sentença, datada de 29-05-2020 (cfr. fls. 856 a 929), nos termos da qual, julgando a ação parcialmente procedente, decidiu:
«1 – absolver as Rés “Lareiras ... – Sistemas de Aquecimento, Lda.” e “X – Companhia de Seguros, S.A.” todos os pedidos formulados.
2 – condenar a Ré “A. M., Lda.”:
a). no pagamento à Autora D. L. da quantia de € 62.459,31 (sessenta e dois mil, quatrocentos e cinquenta e nove euros e trinta e um cêntimos);
b). no pagamento à Autora D. L. da quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros);
c). no pagamento à Autora D. L. da quantia correspondente à construção de obra nova do prédio n.º ..., na proporção de 2/3, a liquidar em incidente póstumo;
d). no pagamento à Autora D. L. da quantia necessária à demolição e remoção dos escombros existentes no prédio n.º ..., na proporção de 2/3, a liquidar em incidente póstumo;
e). no pagamento à Autora D. L., Lda., da quantia correspondente à construção de obra nova do prédio nº. .., na proporção de 2/3, a liquidar em incidente póstumo;
f). no pagamento à Autora D. L., Lda., da quantia de € 12.222,16 (doze mil, duzentos e vinte e dois euros e dezasseis cêntimos);
g). no pagamento à Autora D. L., Lda., da quantia de € 3.666,66 (três mil, seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos) e da quantia mensal de € 366,66 (trezentos e sessenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), desde 1 de Novembro de 2017 e até integral liquidação da quantia referida em e)
(…)».
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Inconformadas, quer a 1ª Ré, A. M. Lda, quer as autoras, D. L., Lda, interpuseram recurso da sentença (cfr. fls. 930 a 989 e 991 a 1041).

A 1ª Ré, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«1- A Recorrente entende que se encontram incorretamente julgados como provados os factos constantes nos pontos 6, 86, 87 e 88 da matéria de facto provada.
2- Desde logo, a Recorrente entende que a matéria de facto dada como provada nos referidos pontos está em contradição com os pontos 20 e 93 da matéria de facto provada, os quais foram corretamente julgados.
O Tribunal recorrido não podia entender, por um lado, que o prédio n.º ... se destinava à instalação e funcionamento da sede da 2ª Autora e ao exercício da sua atividade e, por outro lado, que o prédio se destinou à habitação da 1ª Autora.
3- Do conjunto da prova produzida nos autos resultou, à saciedade, que o prédio n.º ..., apesar de ser propriedade da 2ª Autora, não se destinou ao exercício da sua atividade, mas sim à habitação da 1ª Autora e família: tal facto é confessado pelas Autoras no artigo 21º da P.I; resulta dos documentos juntos aos autos, designadamente do projeto de arquitetura, alvará de construção, livro de obra e licença de utilização; resulta ainda do depoimento de parte prestado pela 1ª Autora, conforme se pode verificar pela audição do seu depoimento prestado no dia 21-10-2019, entre os minutos 00:05:19 e 00:05:40, o qual se encontra gravado em sistema digital, na parte que supra se transcreveu, entre os minutos 00:00:00 e 02:03:52; do depoimento da testemunha Dr. G. R., que vive em união de facto com a 1ª Autora, como resulta do seu depoimento prestado no dia 21-10-2019, entre os minutos 00:00:33 e 00:00:39, o qual se encontra gravado em sistema digital, na parte que supra se transcreveu, entre os minutos 00:00:00 e 02:03:34; e do depoimento da testemunha C. T., funcionário da Recorrente, onde exerce as funções de trolha, que prestou no dia 18-02-2019, entre os minutos 00:23:30 a 00:24:01, o qual se encontra gravado em sistema digital, na parte que supra se transcreveu entre os minutos 00:00:00 e 00:34:09.
4- Da análise dos referidos elementos de prova, bem como da análise das moradas das próprias Autoras indicadas na PI, resulta que o prédio n.º ... se destinou à habitação da 1ª Autora e família e ainda que quem passou a viver no apartamento situado na Avenida de ... a que se referem os recibos de renda juntos com a petição inicial, em consequência do incêndio, foi a 1ª Autora e não a 2ª Autora.
5- Tal matéria, no entender da Recorrente, deve, assim, ser considerada não provada, por total ausência de prova. Em consequência deve ser alterada a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, designadamente na sua alínea g), a qual deve ser julgada improcedente.
6- Acresce que, mesmo que assim se não entenda, face à prova testemunhal que supra se transcreveu, a Recorrente apenas poderia ser condenada no pagamento de tais rendas relativamente ao período que supra se referiu, ou seja, entre Janeiro de 2017 e Agosto de 2018, e não até integral liquidação da quantia referida em e), nos termos decididos.
7- A Recorrente entende que se encontram incorretamente julgados como provados os factos constantes nos pontos 34, 35, 40, 41, 42 e 54 da matéria de facto provada e nos pontos 16, 17, 18, 21, 22 e 28 da matéria de facto não provada.
8- O Tribunal recorrido fundamentou a sua decisão quanto aos referidos pontos da matéria de facto dada como provada e não provada essencialmente no relatório pericial e respetivos esclarecimentos, que se encontram juntos ao apenso de produção antecipada de prova – Apenso A dos autos. Porém, no entender da Recorrente as causas de deflagração do incêndio não foram apuradas nos autos com a certeza que se impunha para que a ação fosse julgada procedente e a Recorrente condenada, porquanto o relatório pericial e ulteriores esclarecimentos não é conclusivo quanto às causas do incêndio, revelando-se, em boa verdade, obscuro e até contraditório, nos termos que supra se alegaram.
9- Acresce que, em obediência ao disposto no artigo 389º do C.C, o Tribunal recorrido, na análise do relatório pericial, deveria ter tido em conta também os depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento, designadamente os funcionários da Recorrente e que executaram a obra da 2ª Autora: Eng.º R. S., que exerce as funções de engenheiro civil e que foi o diretor técnico desta obra em particular, no depoimento que prestou no dia 11-02-2019, entre os minutos 00:13:38 a 00:18:11, o qual se encontra gravado em sistema digital, na parte que supra se transcreveu entre os minutos 00:00:00 e 01:32:40; D. F., que exerce as funções de técnico de obras, no depoimento que prestou no dia 18-02-2019, entre os minutos 00:09:30 e 00:10:45, o qual se encontra gravado em sistema digital, na parte que supra se transcreveu entre os minutos 00:00:00 a 01:13:06; P. S., que exerce as funções de carpinteiro, no depoimento que prestou no dia 18-02-2019, entre os minutos 00:01:56 e 00:07:23, o qual se encontra gravado em sistema digital, na parte que supra se transcreveu entre os minutos 00:00:00 a 00:01:11 e 00:00:00 a 00:23:19; e C. T., que exerce as funções de trolha, no depoimento que prestou no dia 18-02-2019, entre os minutos 00:01:40 e 00:08:34, o qual se encontra gravado em sistema digital, na parte que supra se transcreveu entre os minutos 00:00:00 a 00:34:09; bem como o Arquiteto P. F., autor do projeto de arquitetura da obra em causa nos autos, no depoimento que prestou no dia 11-02-2019, entre os minutos 01:13:50 a 01:15:22, o qual se encontra gravado em sistema digital, na parte que supra se transcreveu entre os minutos 00:00:00 e 01:40:44.
10- As referidas testemunhas foram unânimes em afirmar que o recuperador de calor e o sistema de aquecimento e respetivas tubagens foram aplicados pela 2ª Ré, limitando-se a Recorrente a dar o apoio à execução do referido trabalho pela 2ª Ré ao nível da construção civil, designadamente na abertura dos buracos para a passagem dos tubos; que a Recorrente cumpriu o projeto de arquitetura que lhe foi enviado pela 2ª Autora e que foi aprovado pela Câmara Municipal ..., e que as distâncias máximas possíveis entre a tubagem de exaustão e os materiais de combustão já constavam do projeto elaborado pelo arquiteto responsável pela obra, facto que foi dado como provado pelo Tribunal recorrido nos pontos 89 e 117 dos factos provados; que a distância existente nesta obra entre os materiais combustíveis e a conduta de exaustão do sistema de aquecimento corresponde à distância normalmente existente em obras similares à dos autos, facto que, aliás, também foi dado como provado pelo Tribunal recorrido no ponto 120 dos factos provados; que o tipo de tubagem aplicada pela 2ª Ré, por ser em inox e de dupla face, era estanque de calor e, como tal, não precisava de qualquer tipo de revestimento pelo exterior, mas que, mesmo assim, de acordo com o que é prática corrente na construção civil, ainda revestiram toda a tubagem com lã de rocha, que é o material usado habitualmente para estancar o calor; que o tipo de tubo aplicado pela 2ª Ré, tubo em inox com revestimento interior de lã de rocha, é que garantia a segurança em relação aos materiais de construção e não o revestimento que era feito ao exterior do tubo, o qual não era necessário porque o tubo era estanque de calor.
11- Os factos referidos pelas identificadas testemunhas são confirmados pelo relatório pericial, que descreve pormenorizadamente as características da tubagem aplicada, juntando, inclusive, fotografias da mesma, e conclui que a mesma foi aplicada de acordo com as regras legais, é adequada ao tipo de recuperador de calor aplicado e não apresenta defeito.
12- Acresce que, nos autos ficou demonstrado que o incêndio ocorreu num momento em que a 1ª Autora e o seu companheiro não se encontravam no imóvel (ponto 126 da matéria de facto provada). Na ótica da Recorrente importa contrapor a conclusão dos Senhores Peritos no relatório pericial com as declarações prestadas em sede de Audiência de Julgamento pela 1ª Autora, no dia 21-10-2019, entre os minutos 00:21:50 e 00:23:30, o qual se encontra gravado em sistema digital, na parte que supra se transcreveu, entre os minutos 00:00:00 a 02:03:52, e o depoimento prestado pelo seu companheiro, a testemunha Dr. G. R., no dia 21-10-2019, entre os minutos 00:28:09 a 00:34:12, o qual se encontra gravado em sistema digital, na parte que supra se transcreveu, nas quais os mesmos referem que o recuperador de calor terá estado a ser utilizado normalmente ao longo da tarde e que, antes de saírem de casa, diminuíram a quantidade de lenha que aí haviam colocado, reduzindo-a a brasas.
13- Na opinião da Recorrente, a versão dos factos apresentada pela Autora e pelo seu companheiro não é compatível com as conclusões apresentadas pelos senhores peritos no relatório pericial e com a causa do incêndio por eles indicada pelas razões que supra se alegaram detalhadamente. De acordo com as regras da experiência, ou os senhores peritos estão errados quanto à alegada causa do incêndio ou a versão dos factos apresentada pela 1ª Autora e pelo seu companheiro não corresponde à verdade, porquanto esta afasta, por completo, a causa do incêndio proposta pelos senhores peritos.
14- Na opinião da Recorrente, pelo confronto do relatório pericial com a versão dos factos apresentada pela Autora e pelo seu companheiro e de acordo ainda com as regras da experiência, o companheiro da 1ª Autora, precisamente porque iriam sair de casa para a ela regressar passado algum tempo, terá carregado com lenha a mais o recuperador de calor, de forma a garantir que a casa permanecesse quente quando a ela voltassem, tendo sido esta sobrecarga do recuperador de calor que esteve na origem do incêndio.
15- Acresce ainda que as testemunhas J. F., no depoimento que prestou no dia 11-02-2020, minutos 00:15:06 a 00:16:26, na parte que supra se transcreveu, e o Eng.º R. S., no depoimento que prestou no dia 11.02.2020, minutos 00:55:40 a 00:00:56:01, na parte que supra se transcreveu, também aludiram à ocorrência de um raio sobre a moradia, nos minutos que antecederam o incêndio, e que o mesmo, inclusive, foi mencionado na televisão. Por outro lado, o relatório do incêndio elaborado pelos bombeiros e que se encontra junto aos autos, bem como o inquérito que fez a investigação das causas do incêndio, concluíram pelo desconhecimento das causas do incêndio.
16- Face a tudo quanto se alegou, da prova produzida nos autos resulta que o incêndio pode ter tido várias causas, a qual não se conseguiu determinar com o rigor que se impunha. Atento o exposto, o Tribunal recorrido deveria ter ficado na dúvida quanto à causa do incêndio e, em consequência, os pontos 34, 35, 40, 41, 42 e 54 da matéria de facto provada deviam ser julgados não provados e os pontos 16, 17, 21, 22 e 28 da matéria de facto não provada deviam ser julgados como provados. Em consequência, a ação devia ter sido julgada improcedente por falta de prova do alegado defeito de construção e facto ilícito por parte da Recorrente - “os tubos de exaustão de fumos não se encontravam devidamente isolados”, cuja prova se impunha que fosse feita pelas Autoras de acordo com o disposto no artigo 324º do C.C.
17- A Recorrente entende que se encontram incorretamente julgados como não provados os factos constantes nos pontos 25, 26, 27 e 31 da matéria de facto não provada, os quais devem ser dados como provados. Porquanto, face ao que supra se alegou, a ser verdade a conclusão dos Senhores Peritos de que o incêndio teve origem no sobreaquecimento da madeira, teve que ocorrer necessariamente uma sobrecarga do recuperador de calor por parte da 1ª Autora quando se ausentou de casa, e terá sido esta a causa do incêndio.
18- É verdade que nenhuma das testemunhas afirmou que a 1ª Autora sobrecarregou o recuperador de calor antes de sair de casa, nem podia tê-lo feito, porquanto das declarações da Autora e do depoimento da testemunha Dr. G. R., na parte que supra se transcreveram, resulta que quem acendeu o recuperador de calor foi o companheiro da 1ª Autora, com quem vive em união de facto. Nenhuma outra testemunha estava presente no local nesse momento, para além da 1ª Autora e do seu companheiro. É manifesto, porém, que esta testemunha, pela ligação afetiva que tem à 1ª Autora, é parte interessada no desfecho desta ação judicial, pelo que não era expectável que o afirmasse em Tribunal.
19- Todavia, tendo em conta as contradições e incoerências existentes no relatório pericial que supra se demonstraram, por contraposição com as declarações da 1ª Autora e do seu companheiro, a testemunha Dr. G. R., nas partes que supra se transcreveram e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais, impunha-se que o Tribunal, face às regras da experiência, em obediência ao disposto no artigo 412º do CPC, chegasse àquela conclusão.
20- A Recorrente entende que se encontram incorretamente julgados como provados os factos constantes nos pontos 51 e 52 da matéria de facto provada, os quais devem ter a seguinte redação:
“A 2ª Ré nunca deu formação sobre a utilização do equipamento” – ponto 51 “Nem forneceu o manual de instalação e utilização” – ponto 52
21- Os referidos pontos da matéria de facto dada como provada padecem de erro, na medida em que da restante matéria de facto provada, designadamente nos pontos 27, 28, 29, 31, 99 e 101 resulta que quem forneceu e instalou o recuperador de calor e sistema de aquecimento foi a 2ª Ré. Atento o exposto, não cabia à Recorrente dar formação sobre a utilização do equipamento, nem sequer fornecer o manual de instalação e utilização. Esses deveres impendiam sobre a 2ª Ré.
22- A Recorrente entende que se encontram incorretamente julgados como provados os factos constantes nos pontos 69 e 85 da matéria de facto provada, porquanto do conjunto da prova produzida apenas resultou provado que os prédios das Autoras ficaram destruídos, bem como todo o recheio que não foi possível retirar do seu interior no dia do incêndio. Todavia, não foram apurados os concretos bens que foram destruídos, e muito menos o seu valor e a sua propriedade, o que se impunha, uma vez que as Autoras intentaram a presente ação judicial em coligação.
23- Com efeito, apesar de terem sido juntos ao processo vários documentos que visavam comprovar a propriedade dos objetos neles identificados, não foi possível apurar se esses bens eram pertença da 1ª Autora ou da 2ª Autora, até porque ficou demonstrado que a 1ª Autora vivia, juntamente com a sua família no prédio n.º ...º, que era propriedade da 2ª Autora. Como supra se referiu, não ficou demonstrado que a 2º Autora destinasse o prédio n.º ... ao exercício da sua atividade, logo, não é crível que os supra identificados bens se encontrassem no interior do imóvel n.º .... Por outro lado, a 2ª Autora não juntou aos autos qualquer documento que comprovasse que os referidos bens lhe pertenciam, sendo certo que, não obstante a ocorrência do incêndio, tratando-se de uma sociedade comercial, era natural que tivesse cópia dos documentos comprovativos da compra e pagamento na sua contabilidade. Também nenhuma das testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento referiu ter conhecimento de um único bem que pertencesse à 2ª Autora, designadamente o Sr. Professor A. P., no depoimento que prestou no dia 21-10-2019, entre os minutos 00:05:50 a 00:10:01, o qual se encontra gravado em sistema digital, na parte que supra se transcreveu, entre os minutos 00:00:00 a 00:13:04; o Dr. L. E., no depoimento que prestou no dia 21-10-2019, entre os minutos 00:02:40 e 00:07:21, o qual se encontra gravado em sistema digital, na parte que supra se transcreveu, entre os minutos 00:00:00 a 00:12:05; e o Dr. J. M., no depoimento que prestou no dia 11-02-2020, entre os minutos 00:08:56 e 00:09:50, o qual se encontra gravado em sistema digital, na parte que supra se transcreveu, entre os minutos 00:08:56 a 00:10:07. Com efeito estas foram as únicas testemunhas que depuseram acerca desta matéria, cujos depoimentos fundamentaram a convicção do Tribunal recorrido, e todas referiram que os bens pertenciam ao casal. Estas testemunhas não identificaram um único bem que fosse pertença da 2ª Autora ou exclusivamente da 1ª Autora.
24- Acresce que ficou demonstrado que a 1ª Autora vivia em união de facto com a testemunha Dr. G. R.. Ora, não sendo o companheiro da 1ª Autora parte na ação, impunha-se que a 1ª Autora provasse quais os bens que lhe pertenciam em exclusivo, sob pena de o Tribunal ter de concluir que os mesmos pertenciam em partes iguais aos dois membros do casal, que formavam à data do incêndio e que continuam a formar, nos termos do disposto no artigo 1403º, n.º 2 do C.C. Assim sendo, o Tribunal recorrido não podia ter reconhecido que todo o recheio que existia no prédio destruído pelo incêndio pertencia à 1ª Autora, pelo que a alínea a) da decisão recorrida deve ser revogada.
25- A Recorrente entende que se encontra incorretamente julgado como provado o facto constante no ponto 125 da matéria de facto provada. Com efeito, não obstante constar do livro de obra que a responsabilidade pela direção de fiscalização da obra ficava a cargo do Eng.º R. S., da prova testemunhal produzida, designadamente o Eng.º R. S., na parte que supra se transcreveu (dia 11-02-2020, entre os minutos 00:02:17 a 00:02:46), e o Dr. G. R., na parte que supra se transcreveu (minutos 00:15:05 a 00:15:23), em conjunto com as declarações de parte da 1ª Autora, na parte que supra se transcreveu (minutos 00:00:00 a 02:03:52), resulta que o mesmo apenas fazia a direção técnica da obra por conta da Recorrente. Aliás, nem sequer faria sentido que assim fosse, tendo em conta que tais funções são incompatíveis entre si. Da prova testemunhal resulta que quem fazia o acompanhamento da obra era o arquiteto contratado pela Autora para a elaboração do projeto de arquitetura – o Arquiteto P. F..
26- Atento tudo o que se alegou, o ponto 125 da matéria de facto provada deve passar a ter a seguinte redação: “A obra não era fiscalizada pelo técnico responsável pela direção de fiscalização da obra identificado no livro de obra.”
27- A Recorrente entende que se encontram incorretamente julgados como provados os factos constantes nos pontos 132, 133, 134 e 135 da matéria de facto provada.
28- No entender da Recorrente há uma contradição manifesta entre a matéria de facto dada como provada no ponto 101 e a matéria de facto dada como provada nos pontos 132, 133 e 134. Por outro lado, da prova testemunhal resulta que a Recorrente se limitou a dar o apoio de construção civil necessário à execução do referido serviço subcontratado à 2ª Ré, para a abertura dos lugares de passagem dos tubos, conforme resulta do depoimento da testemunha Eng.º R. S., na parte que supra se transcreveu (minutos 00:13:50 a 00:14:46), D. F., na parte que supra se transcreveu (minutos 00:00:00 a 01:13:06), C. T., na parte que supra se transcreveu (00:20:45 e 00:21:35).
29- Da prova testemunhal, designadamente dos depoimentos das testemunhas Eng.º R. S., D. F., C. T., P. S. e Arq.º P. F., nas partes que supra se transcreveram na análise da resposta aos pontos 34, 35, 40, 41, 42 e 54 da matéria de facto provada e aos pontos 16, 17, 21, 22 e 28 da matéria de facto não provada, resulta ainda que a Recorrente, não obstante saber que o tubo aplicado pela 2ª Ré não carecia de ser revestido pelo exterior, por ser um tubo em inox de dupla face e, por isso, estanque do calor, mesmo assim, revestiu o exterior do tubo com lá de rocha, depois do trabalho de instalação do recuperador de calor e sistema de aquecimento se encontrar concluído por parte da 2ª Ré, por ser prática habitual na construção civil fazer o revestimento dos referidos tubos com este tipo de material, para garantir uma maior segurança. Face ao exposto, não é verdade que era à Recorrente que cabia proceder ao revestimento da tubagem.
30- Por outro lado, da prova produzida também não resultou que a distância de 1200 mm a que alude o manual de instruções é indicativa e pode ser reduzida até 15 centímetros se os elementos combustíveis de construção forem protegidos com materiais adequados para o efeito. Da prova produzida, designadamente do manual de instalação e utilização junto aos autos resulta que a distância de 1200 mm aí recomendada se refere apenas ao recuperador de calor e não à tubagem que faz a condução do calor desde o recuperador de calor até à chaminé. Tal facto decorre ainda das regras da experiência, porquanto é do conhecimento geral que os tubos que fazem a condução do calor desde o recuperador de calor até à chaminé não podem ficar a uma distância de 1200 mm em relação aos materiais de construção, desde logo, pela impossibilidade técnica disso se verificar, designadamente, ao nível da chaminé. Tal facto resulta ainda da prova testemunhal, designadamente as testemunhas Eng.º R. S. (minutos 00:42:11 e 00:45:14), e P. S. (minutos 00:04:12 e 00:05:21), funcionários da Recorrente, que referiram que a distância que normalmente é deixada entre o tubo e os materiais de construção é de cerca de 10 a 15 cm, distância essa que também foi observada no caso dos autos.
31- Acresce que, da matéria de facto provada, resulta ainda que a distância existente nesta obra entre os materiais combustíveis e a conduta de exaustão do sistema de aquecimento (os referidos 10 a 15 cm) corresponde à distância normalmente existente em obras similares à dos autos – ponto 120; que a tubagem utilizada e instalada no local pela 2ª Ré é certificada e apropriada para o local – ponto 136; e que a tubagem de exaustão foi instalada pela 2ª Ré de acordo com as normas técnicas de montagem e segurança para tal tipo de tubagens.
32- Atento o exposto, os pontos 132, 133, 134 e 135 da matéria de facto provada devem passar a ter a seguinte redação:
“A 2ª Ré acordou com a 1ª Ré a colocação do recuperador de calor apto a ser utilizado pelo cliente”
– ponto 132
“A instalação do recuperador de calor, a respetiva tubagem e chaminé foram feitas pela 2ª Ré, a quem cabia fazer tais trabalhos e, bem assim, fazer remates e terminar a execução do trabalho” - ponto 133
“A 1ª Ré apenas executou o revestimento do espaço à volta do recuperador de calor, na sala” – ponto 134
“A distância de 1200 mm a que alude o manual de instruções apenas se refere ao recuperador de calor. A distância que normalmente é deixada entre o tubo que conduz o calor desde o recuperador de calor até à chaminé e os materiais de construção é de 10 a 15 centímetros, tendo sido esta a distância que foi deixada no prédio da 2ª Autora” - ponto 135.
32- A Recorrente entende que se encontram incorretamente julgados como não provados os factos constantes nos pontos 29 e 30 da matéria de facto não provada, os quais devem ser julgados como provados, na medida em que estão em contradição com a matéria de facto dada como provada nos pontos 89, 94, 117, 123 e 131 da matéria de facto provada, pelas razões que supra se expuseram. Com efeito, se a 2ª Autora conhecia o projeto de arquitetura da obra e este já contemplava a aplicação do recuperador de calor, sistema de aquecimento e respetivas tubagens, a 2ª Autora era conhecedora dos termos e condições em que o recuperador de calor e sistema de aquecimento foram executados e sabia que a distância existente entre os materiais combustíveis e a conduta de exaustão era inferior a 1200 mm.
33- A Recorrente entende que à matéria de facto provada devem ser acrescentados os seguintes pontos, os quais resultaram provados, pelas razões que supra se alegaram:
- “Na tubagem do recuperador de calor e sistema de aquecimento foi utilizado tubo duplo em inox, com revestimento interior de lã de rocha, em peças de um metro cada, com um diâmetro interno do tubo de 20 cm e externo de 26 cm e terminava a 1,35 cm acima do telhado”. A prova desta matéria resulta da análise do relatório pericial e da prova testemunhal, designadamente dos depoimentos das testemunhas Eng.º R. S., D. F., C. T. e P. S., cujos depoimentos supra se transcreveram, as quais confirmaram as características do tubo constantes do relatório pericial.
- “A 3ª Ré não cumpriu o dever de informação prévia e comunicação das cláusulas contratuais gerais à Recorrente.” Este facto deveria ter sido julgado como aceite pela 3ª Ré, que não o impugnou, atentas as regras do ónus da prova, como supra se alegou. Por outro lado, a 3ª Ré também não logrou provar que cumpriu os referidos deveres através do depoimento da única testemunha que foi ouvida acerca desta matéria, o Senhor J. B., que à data do sinistro dos autos era profissional de seguros contratado pela 3ª Ré, o qual prestou depoimento no dia 18 de Fevereiro de 2020, minutos 00:00:00 a 00:13:57, na parte que supra se transcreveu (minutos 00:07:42 e 00:08:58). Em consequência, a douta sentença recorrida deve ser revogada na parte em que absolveu a 3ª Ré do pedido.
34- A improcedência da ação é imposta pela matéria dada como provada nos pontos 89, 94, 95, 96, 99, 101 a 112, 117, 119, 120 a 122, 136 e 137 da matéria de facto provada.
35- Da matéria de facto provada nos referidos pontos resulta que a Recorrente executou os trabalhos que faziam parte da empreitada de acordo com o projeto que lhe foi dado pela 2ª Autora e que foi aprovado pela Câmara Municipal ..., que cuidou de garantir que a 2ª Ré instalasse o recuperador de calor e sistema de aquecimento de acordo com o referido projeto e verificou que o recuperador de calor funcionava normalmente após a sua instalação e que o trabalho foi executado de acordo com as legis artis e com o que é prática habitual na construção civil, e em cumprimento de todas as normas aplicáveis. Da matéria de facto provada resulta que a Recorrente não teve culpa na ocorrência do incêndio em causa nos autos, pelo que não é responsável pelo ressarcimento dos danos sofridos pelas Autoras.
36- A 1ª Autora fundamenta o seu pedido no facto de o incêndio que se propagou para o seu prédio, e que se iniciou no prédio ..., ter sido consequência exclusiva do comportamento das Rés, designadamente a incorreta instalação do recuperador de calor, com desrespeito pelas legis artis e disposições legais. O direito da 1ª Autora deve ser aferido com base no disposto no artigo 483.º, n.º 1 do C.C, que consagra os pressupostos em que assenta a responsabilidade civil extracontratual, cujo ónus recaía sobre a 1ª Autora.
37- A Recorrente entende que o Tribunal recorrido fez uma incorreta interpretação e aplicação do referido normativo, porquanto, do conjunto da prova produzida nos autos, designadamente nos pontos 89, 94,99, 101, 109, 112, 117, 119, 120 e 121, não resulta que a Recorrente tenha praticado um ato ilícito e, muito menos culposo. Da referida matéria de facto provada resulta que a Recorrente atuou de acordo com as legis artis e não violou qualquer disposição legal.
38- Acresce que, como supra se referiu na análise da matéria de facto, da análise do relatório pericial, em conjugação com a prova testemunhal ouvida nos autos, resulta ainda que, não obstante ter sido aplicado pela 2ª Ré um tubo em inox, de dupla face, que pelas suas características era estanque de calor, a Recorrente ainda revestiu o tubo pelo exterior em toda a sua extensão, com lã de rocha, de forma a reforçar a segurança, de acordo com o que é a prática corrente na construção civil em obras similares. Acresce que, como supra se referiu, face às contradições existentes no relatório pericial, bem como no seu confronto com a restante prova produzida nos autos, impõe-se concluir que as causas do incêndio são desconhecidas.
39- Atento o exposto, na ótica da Recorrente, a 1ª Autora não logrou provar, como se lhe impunha, quais as legis artis e disposições legais que foram violadas pela Recorrente, uma vez que ficou provado que a Recorrente não teve qualquer intervenção na execução técnica do trabalho de instalação do recuperador de calor, da tubagem e sistema de aquecimento e não ficou provado que era à Recorrente que cabia fazer o revestimento da tubagem. Por conseguinte, não pode ser assacado qualquer comportamento ilícito e, menos ainda, culposo à Recorrente, pelo que terá de decair a pretensão da 1ª Autora, na medida em que não logrou fazer prova, como lhe competia, de todos os pressupostos em que assenta a responsabilidade civil extracontratual da Recorrente.
40- Acresce que, na ótica da Recorrente, a sua responsabilidade estaria sempre afastada, atento o disposto no artigo 493º, n.º 1 do C.C, que é aplicável ao caso dos autos atenta a matéria de facto dada como provada nos pontos 113, 114, 115, 116, 126, 127 e 128, o qual foi incorretamente interpretado e aplicado pelo Tribunal recorrido.
41- De acordo com o referido normativo, aquele que tem o encargo da vigilância de quaisquer animais ou coisa só não responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido, ainda que não houvesse culpa sua.”
42- O referido normativo estabelece uma presunção de culpa em relação àquele que detém o dever de vigilância sobre uma coisa ou animais. E impõe sobre o mesmo o ónus da prova dos factos que permitem afastar essa presunção, ou seja, que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido, ainda que não houvesse culpa sua.
43- Tendo em conta o disposto no referido normativo, é forçoso concluir-se que impendia sobre a proprietária do imóvel onde ocorreu o incêndio, isto é, a 2ª Autora, o dever de vigilância em relação ao imóvel e recuperador de calor. Dever que aquela, na pessoa da sua representante legal – 1ª Autora – não cumpriu, ao afastar-se de casa e deixar o equipamento em funcionamento, como a própria assumiu. Acresce que, a 2ª Autora só não seria responsável pelos danos causados no prédio da 1ª Autora, em consequência da violação do seu dever de vigilância sobre o recuperador de calor, se tivesse provado que nenhuma culpa houve da sua parte na produção dos danos ou que os danos se teriam igualmente produzido, ainda que não houvesse culpa sua.
44- Da matéria de facto dada como provada nos pontos 126, 127 e 128, não só resulta a violação do dever de vigilância por parte da 2ª Autora em relação ao recuperador de calor, mas também que a 2ª Autora teve culpa na produção dos danos sofridos pela 1ª Autora, pois, como decorre do ponto 128, se a 2ª Autora estivesse em casa poderia atenuar as consequências do incêndio.
45- Contrariamente ao entendido pelo Tribunal Recorrido, face ao disposto no referido normativo, a 2ª Autora não tinha que provar que não teve qualquer responsabilidade na eclosão do incêndio, mas sim que não houve nenhuma culpa da sua parte na produção dos danos sofridos pela 1ª Autora. E, contrariamente ao defendido pelo Tribunal Recorrido, não ficou provado que a 2ª Autora não teve nenhuma culpa na produção dos danos sofridos pela 1ª Autora. Bem pelo contrário, ficou provado que os bombeiros só tiveram acesso ao interior do imóvel quando o incêndio já estava num estado avançado, após a abertura da porta por parte da 2ª Autora. Logo, se a 2ª Autora estivesse em causa, mesmo que não tivesse culpa na eclosão do incêndio, podia ter evitado que o incêndio se propagasse para o prédio da 1ª Autora e evitado os danos que esta sofreu.
46- Por outro lado, a 2ª Autora também não logrou provar que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua. Bem pelo contrário, como bem refere o Tribunal Recorrido, “se o funcionamento do recuperador de calor estivesse sob vigilância, as consequências do incêndio poderiam ter sido atenuadas”. Até porque, como decorre da matéria de facto provada (ponto 128): “Se a Autora estivesse em casa poderia atenuar as consequências do incêndio”.
47- Acresce que o próprio Tribunal reconhece a culpa da 2ª Autora, legalmente representada pela 1ª Autora, na produção dos danos sofridos pela 1ª Autora ao chamar à colação o artigo 570º do C.C, cujo título é “Culpa do lesado” e que tem a seguinte redação: “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao Tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.”
48- Atento o exposto, se a 2ª Autora não logrou afastar a presunção de culpa que sobre si recaía, o Tribunal Recorrido deveria ter-se prevalecido da presunção de culpa estabelecida no referido normativo e, em consequência, absolvido a Recorrente quanto aos pedidos formulados pela 1ª Autora, por ser a 2ª Autora a única responsável pelos danos sofridos em consequência do incêndio ocorrido no seu prédio. Com efeito, ao ter-se verificado e provado a omissão do dever de vigilância por parte da 2ª Autora, cumprindo a Recorrente o ónus da prova que se lhe impunha, e não tendo a 2ª Autora afastado a presunção legal de culpa que sobre si recaía, não poderia ser assacada qualquer responsabilidade à Recorrente quanto aos danos peticionados pela 1ª Autora.
49- Não obstante o que supra se alegou no sentido de que a Recorrente não é responsável pelos danos sofridos pela 1ª Autora, caso assim se não entenda, a Recorrente, concorda com o Tribunal Recorrido no sentido de que ao caso dos autos seria sempre de aplicar o disposto no artigo 570º do C.C – que consagra na culpa do lesado, porquanto a “2ª Autora (representada legalmente pela 1ª Autora) omitiu o dever de vigilância e cuidado de prevenção dos riscos próprios da utilização de um recuperador de calor.”
50- Sucede, porém, que a Recorrente entende que a determinação da responsabilidade da 2ª Autora em apenas 1/3 não está ajustada à matéria de facto provada nos autos e que supra se alegou, nem sequer à matéria de facto dada como provada nos autos pelo Tribunal Recorrido, designadamente nos pontos 89, 94, 99, 101, 109, 112, 117, 119, 120, 121 e 122, no que se refere à Recorrente, e nos pontos 113 a 116, 123, 126 a 128 e 131, no que se refere à Autora, pelo que o Tribunal recorrido também fez uma incorreta interpretação e aplicação do referido normativo.
51- Com efeito, da análise do relatório pericial, em conjugação com a prova testemunhal ouvida nos autos, designadamente, as testemunhas Engº R. S., D. F., C. T. e P. S., cujos depoimentos supra se transcreveram na análise da matéria de facto, resulta que foi aplicado pela 2ª Ré um tubo em inox, de dupla face, revestido no seu interior com lã de rocha, que pelas suas características era estanque de calor, e que, por si só, garantia o isolamento da tubagem em relação aos materiais de construção. E que, não obstante não caber à Recorrente a obrigação de revestir a tubagem aplicada pela 2ª Ré, uma vez que a mesma pelas características que supra se descreveram, garantia o isolamento da tubagem em relação aos materiais de construção, ainda assim, revestiu todo o tubo pelo exterior com lã de rocha, para reforçar a segurança da tubagem, de acordo com o que é a prática corrente na construção civil em obras similares.
52- Da prova produzida nos autos resulta que a Recorrente não omitiu qualquer comportamento que lhe fosse exigível, quer contratualmente, quer legalmente, nem violou as legis artis que lhe eram impostas na execução da empreitada contratada. Por sua vez, a 2ª Autora foi negligente no seu comportamento, porquanto ausentou-se de casa, durante mais de uma hora, deixando o recuperador de calor ligado, omitindo, por completo o dever de vigilância que se lhe impunha.
53- No entender da Recorrente a culpa da 2ª Autora na produção dos danos ocorridos no prédio da 1ª Autora impõe a exclusão da culpa da Recorrente. Caso assim se não entenda, a culpa da 2ª Autora terá sempre de ser superior à sua, ou, pelo menos, igual, mas nunca inferior, pelo menos que no que se refere aos danos ocorridos no prédio da 1ª Autora.
54- No que se refere à 2ª Autora, importa ver se ela tem direito a ser ressarcida dos danos sofridos em consequência do incêndio ocorrido no dia 23 de Outubro de 2016, ao abrigo da responsabilidade civil contratual e extracontratual, tendo em conta que entre a Recorrente e a 2ª Autora foi celebrado um contrato de empreitada, cujo regime vem legalmente consagrado e regulado nos artigos 1207.º e seguintes do C.C.
55- No entender da Recorrente o Tribunal recorrido fez uma errada interpretação e aplicação dos artigos 342º, 762.º, 1207.º e 1225º do C.C, ao entender que ocorreu uma situação de cumprimento defeituoso, uma vez que ficou provado que a Recorrente não isolou devidamente os tubos de exaustão do recuperador de calor instalado no prédio objeto de empreitada.
56- De acordo com o regime legal consagrado, designadamente no artigo 799º, n.º 1 do C.C e no artigo 1225º do C.C, em caso de cumprimento defeituoso, a culpa do empreiteiro presume-se. Todavia, de acordo com as regras do ónus da prova consagradas no artigo 342º do C.C, ao dono de obra cabe provar a existência do defeito, a sua gravidade, o seu nexo causal com a obra e a sua denúncia ao empreiteiro.
57- No entender da Recorrente, da matéria de facto provada nos autos, nos termos que supra se alegou, resulta, desde logo, que a 2ª Autora não fez prova da existência do defeito de construção. Por outro lado, a Recorrente fez prova de que cumpriu a sua obrigação de realização da obra e que atuou sem culpa.
58- Desde logo, cumpre ter em consideração aquilo que é alegado pela 2ª Autora na sua petição inicial quanto ao alegado “defeito”. Tal facto vem alegado no artigo 51º, que tem a seguinte redação: “A causa do sinistro resultou da errada e descuidada instalação e isolamento das tubagens e do sistema de aquecimento, uma vez que não foram respeitadas as legis artis e o previsto no Manual de Instalação e Utilização do equipamento (documento 18) e o prescrito no Decreto-Lei n.º 220/2008, de 12 de Novembro e Portaria n.º 1532/2008 de 29 de Dezembro da instalação do equipamento, mormente as particularidades do prédio, a saber, entre outras, travejamento e forro em madeira do telhado com isolamento por placas de onduline e roofmate, paredes em tabique, soalho e armários em madeira.” A alegação da 2ª Autora é muito vaga, pois não especifica quais as legis artis e as concretas disposições dos identificados diplomas legais que foram violadas pela Recorrente. Com efeito, no entender da Recorrente, não bastava à 2ª Autora alegar e provar que houve uma errada e descuidada instalação e isolamento das tubagens, impunha-se que especificasse o concreto defeito existente nesse isolamento, ou seja, que normas foram violadas ou que materiais deveriam ter sido aplicados Recorrente e que esta não aplicou.
59- Por outro lado, como supra se referiu na análise da matéria de facto provada e não provada, da prova produzida nos autos resulta que a tubagem foi devidamente isolada. Desde logo, ficou aprovado que foi aplicado um tubo em inox de dupla face, ou seja, revestido no seu interior por lã de rocha. Ficou ainda provado que o tubo aplicado, pelas referidas características, é que garantia a segurança em relação aos materiais de construção, pelo que não era necessário ser revestido pelo seu exterior. Por fim, ficou ainda provado que a Recorrente, apesar de saber que não era necessário, mesmo assim, revestiu o tubo, em todo o seu comprimento, com lã de rocha, para garantir uma maior segurança em relação aos materiais de construção e por ser um procedimento habitual na construção civil.
60- Acresce que, como supra se referiu, o Tribunal Recorrido fundamentou a sua convicção com base essencialmente no relatório pericial. Todavia, o mesmo não é conclusivo quanto à causa do incêndio, apresentando, inclusive, várias contradições e incoerências, face à prova testemunhal produzida nos autos.
Do confronto do referido relatório pericial com a prova testemunhal produzida nos autos, impunha-se que o Tribunal Recorrido ficasse com dúvidas acerca das causas do incêndio e principalmente acerca do alegado “defeito de construção”, uma vez que os Senhores Peritos afirmam que não lhes foi possível verificar no local o tipo de isolamento que foi aplicado.
61- Acresce que, na ótica da Recorrente, ainda que o Tribunal Recorrido entendesse que da análise do relatório pericial resultasse qual a causa do incêndio (apesar de assim se não entender), o mesmo já não podia dizer-se relativamente ao alegado defeito de construção. No entender da Recorrente o Tribunal Recorrido não podia confundir a possível causa do incêndio alegada pelos Senhores Peritos com a existência do defeito de construção alegado pela 2ª Autora, porquanto a existência do defeito tinha que ser verificada no local, o que não aconteceu. Ora, ao não ter sido possível verificar no local pelos Senhores Peritos o tipo de revestimento existente, não se aceita que a 2ª Autora tenha cumprido o ónus da prova da existência do alegado defeito de construção
62- Atento o exposto, e de acordo com as regras do ónus da prova consagradas no artigo 342º do C.C, impunha-se que a ação fosse julgada improcedente quanto à 2ª Autora por não ter feito a prova, como se lhe impunha, da existência do defeito de construção.
63- Por outro lado, como supra se referiu, da matéria de facto provada nos pontos 31, 89, 94, 99, 101 a 104, 109, 117 a 120 resulta que a Recorrente cumpriu escrupulosamente a obrigação de execução da obra para si decorrente do contrato de empreitada que celebrou com a 2ª Autora, sendo certo que a Recorrente a executou de acordo com o projeto de arquitetura aprovado pela Câmara Municipal ..., que lhe foi entregue pela 2ª Autora, e em respeito das legis artis.
64- Da análise da matéria de facto provada resulta que, mesmo que se entenda que a obra padecia do alegado defeito, a Recorrente atuou sem culpa, porquanto, cumpriu rigorosamente o projeto de arquitetura da obra e atuou com zelo e todas as cautelas que lhe eram exigíveis, ou seja fez tudo aquilo que faria um “bom pai de família”. Neste sentido, leia-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02-06-2005, proferido no âmbito do proc. n.º 0532751, relatado por Fernando Batista e disponível em www.dgsi.pt e P. Romano Martinez, em “Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos” e ainda João Cura Mariano, na obra “A Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra”. A Recorrente afastou a presunção de culpa que sobre si recaía, pelo que, jamais podia ser condenada no pagamento das quantias peticionadas pela 2ª Autora.
65- O Tribunal recorrido fez ainda uma incorreta interpretação e aplicação dos artigos 483.º e 799.º do C.C, ao optar pela aplicação somente da responsabilidade contratual na análise do direito da 2ª Autora, alegando que esta absorve a extracontratual, porquanto a doutrina e jurisprudência vem-se inclinando pela aplicação das duas correntes de responsabilidade quando estejamos perante uma ação de responsabilidade civil que tem como ponto de partida um contrato de empreitada, como se conclui pela análise dos acórdãos e excertos doutrinários que supra se transcreveram.
66-Atento o alegado, o Tribunal Recorrido apenas poderia ter aplicado as regras da responsabilidade contratual, e a consequente presunção de culpa, aos danos circa rem sofridos pela 2ª Autora, ou seja, no que diz respeito à construção de obra nova no prédio n.º .... Já no que diz respeito aos danos extra rem, ou seja, o recheio e as rendas, o Tribunal Recorrido devia ter aplicado as regras da responsabilidade civil extracontratual, com o inerente ónus da prova por parte da 2ª Autora de todos os requisitos previstos no artigo 483º do C.C.
67- Porém, como supra se referiu a propósito da 1ª Autora, da prova produzida nos autos não resulta a prova de que os referidos danos tenham sido provocados por um comportamento ilícito e culposo da Recorrente, que atuou em cumprimento das legis artis e tudo fez para que garantir a segurança da obra. Por outro lado, mesmo que se entenda que a Recorrente teve culpa na produção desses danos, a mesma deve ser excluída ou, pelo menos reduzida para a proporção de apenas 1/3, porquanto a 2ª Autora concorreu, de forma mais grave, para a produção dos danos que sofreu, na medida em que abandonou a sua casa, deixando o recuperador de calor ligado, violando o dever de vigilância que detinha sobre o mesmo. Ora, se tal não tivesse ocorrido, a 2ª Autora podia ter evitado o incêndio e os referidos danos ou, pelo menos, evitado a sua propagação e dimensão dos danos sofridos.
68- A 2ª Autora, na alínea b) do seu pedido, peticiona em alternativa à reparação in natura, mediante a construção de obra nova, a obrigação da 1ª Ré proceder ao pagamento do valor necessário à sua construção. O Tribunal recorrido, ao admitir o referido pedido violou o disposto nos artigos 553º, 1221º a 1223º do C.C, porquanto não estamos perante direitos alternativos por natureza ou origem, nem estamos perante direitos que se resolvem em alternativa.
69- Com efeito, tendo a 2ª Autora e a Recorrente celebrado um contrato de empreitada, sempre se aplicará a esta relação obrigacional o disposto nos artigos 1221º a 1223º do C.C, que prevê a ordem pela qual tais direitos podem ser exercidos, em caso de cumprimento defeituoso, ou seja, a eliminação dos defeitos ou a construção de uma nova obra, caso os mesmos não possam ser eliminados; caso tal não seja possível, o direito à redução do preço ou a resolução do contrato. Daqui decorre, que a 2ª Autora apenas pode peticionar o direito à eliminação dos defeitos e não ao preço necessário para proceder à sua reparação.
70- Como tem sido entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, os diversos meios facultados ao dono da obra não podem ser exercidos em alternativa, existindo uma espécie de sequência lógica: em primeiro lugar, o empreiteiro está obrigado a eliminar o defeito da coisa ou, não sendo possível ou apresentando-se como demasiado onerosa a eliminação do defeito, a realizar de novo a obra (art.º 1221.º do C.C.); frustrando-se estas pretensões, pode ser exigida a redução do preço, mas não sendo este meio satisfatório, cabe ao dono da obra pedir a resolução do contrato (art.º 1222.º do C.C.).
71- Por todo o exposto, não pode ser admitido o pedido alternativo formulado pela 2.ª Autora na alínea b) da Petição Inicial, isto é, na condenação da aqui 1.ª Ré no pagamento de indemnização correspondente ao valor de construção de obra nova, pelo que deve ser revogada a sentença nesta parte.
72- Por fim, no entender da Recorrente, o Tribunal Recorrido, ao absolver a 3ª Ré – X – Companhia de Seguros, S.A, decidiu mal, em clara violação do disposto nos artigos 5.º, 6.º, 8.º, 10.º, 11.º, 12.º, 15.º, 16.º e 18.º do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro, artigos 236.º e 238.º do C.C., e artigo 3.º do C.P.C.
73- Com efeito, as Autoras propuseram a ação contra a aqui Recorrente e também contra a 3ª Ré, em virtude da Recorrente ter celebrado com a 3.ª Ré um contrato de seguro titulado pela apólice n.º .......16/RC, pelo qual transferiu para a 3.ª Ré a responsabilidade civil emergente da sua atividade. Recorrente e 3ª Ré assumem, assim, a posição de Co-Rés nos autos.
74-Como consta da douta sentença recorrida, a Recorrente celebrou com a 3ª Ré um contrato de seguro titulado pela apólice n.º .......16/RC do produto “Responsabilidade Civil Exploração”, nos termos das condições particulares juntas a fls. 353 verso e seguintes, sendo a atividade prevista a “construção civil s/ danos prédios contíguos, tendo a apólice um limite máximo de indemnização de €250.000,00€ por ano e sinistro e sujeita a uma franquia por sinistro de 10% dos prejuízos com um mínimo de €250,00 – cfr. documento junto a fls. 353 verso e seguintes. Trata-se seguro de danos, do sub-tipo de responsabilidade civil, de carater individual e facultativo, nos termos do disposto nos artigos 123º e 137º a LCS (Regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo DL 72/2008 de 16 de Abril), sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais, aprovado pelo DL 446/85 de 25 de Outubro.
75- Sucede que, na sua contestação, 3ª Ré defendeu-se por exceção, invocando, entre outros, a não cobertura do sinistro em causa nos autos face às cláusulas de exclusão do referido contrato de seguro.
Atenta a defesa por exceção da 3ª Ré, o Tribunal Recorrido, por despacho com a referência eletrónica n.º 156245104, convidou as Autoras a oferecerem resposta às exceções deduzidas pela Ré Seguradora na sua contestação. As Autoras responderam às exceções invocadas pela 3ª Ré, pronunciando-se quanto às cláusulas de exclusão da cobertura nos pontos 37 a 52 do requerimento endereçado aos autos com a referência eletrónica 27940897, alegando, desde logo, o incumprimento do dever de comunicação e informação que impedia sobre a 3.ª Ré. A esta alegação das Autoras, nada disse a Ré Seguradora, porquanto a ela não ofereceu resposta em articulado posterior, nem no início da Audiência de Julgamento, uma vez que foi dispensada a realização de Audiência Prévia nos presentes autos. Atento o exposto, o Tribunal Recorrido deveria ter dado como aceite tal alegação por parte da Autora e, por não ter a 3ª Ré logrado provar que comunicou à Recorrente o clausulado em questão, como obriga o art.º 5.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (doravante tomando a designação de DLCCG), sempre teria de ser observado a este propósito as consequências ditadas pelo art.º 8.º, al. a) daquele diploma, ou seja, a sua exclusão do contrato de seguro em apreço. Neste sentido, leia-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17-05-2018, proferido no âmbito do proc. n.º 963/16.4T8BCL.G1, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
76- Acresce dizer que não é aceitável o entendimento plasmado na douta sentença recorrida, no sentido de que a Recorrente não alegou tempestivamente a violação do dever de comunicação e informação por parte da 3ª Ré plasmados nos artigos 5.º e 6.º do DLCCG. Com efeito, como supra se referiu, a Recorrente e a 3ª Ré Seguradora são Co-Rés nos autos. Atenta a posição processual da Recorrente, não lhe competia tomar posição processual quanto às exceções alegadas pela 3ª Ré na sua Contestação, atento o disposto no artigo 584º do CPC. De acordo com esta disposição legal, apenas a Autora podia tomar posição em relação à matéria de exceção invocada pela 3ª Ré, como, aliás, fez. Repare-se que a Recorrente nem sequer foi notificada pelo Tribunal da contestação apresentada pela 3ª Ré, nem o Tribunal proferiu despacho no sentido de a Recorrente ser notificada para se pronunciar quanto a tais exceções. Repare-se ainda que, de acordo com o disposto no artigo 221º do CPC, nem a 3ª Ré estava vinculada a notificar a Recorrente da sua contestação. Assim sendo, muito se estranha, que o Tribunal recorrido não tenha notificado a Recorrente nos termos supra alegados e, em sede de sentença, defenda que a alegação feita pela Recorrente quanto à omissão do dever de comunicação e informação por parte da 3ª Ré, em sede de alegação escrita, é extemporânea.
77- Ao contrato de seguro celebrado entre a Recorrente e a 3ª Ré Seguradora, aplica-se o DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, que institui o Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, porquanto, e nos termos do seu art.º 1, n.º 1, “as cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respetivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma”. Estatuí o art.º 5º do DLCCG que “As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las”, que, conforme bem se depreende do exposto, a 3ª Ré não fez. Com efeito, a 3ª Ré não logrou provar, como se impunha, que comunicou todo o clausulado desse mesmo contrato, mormente que tal contrato era, tão só, referente a responsabilidade civil extracontratual e onde, ademais, as exclusões aí contantes fazem crer que nada cobre, porquanto, a Recorrente pretendia, efetivamente, celebrar um seguro de responsabilidade civil geral mas que, disso, só tem o nome.
78- Acresce dizer que a 3ª Ré deve ser condenada, evidentemente dentro do limite do capital seguro, o que é inquestionável, não só pela eventual responsabilidade extracontratual que lhe seja imputada, mas também contratual, tendo em conta todos os argumentos invocados no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-04-2018, proferido no âmbito do proc. n.º 6341/16.8T8GMR.G1, relatado por Afonso Manuel Andrade e acessível em www.dgsi.pt, o qual proferido no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito a que se reporta os presentes autos, os quais se subscrevem na íntegra e para o qual se remete por uma questão de economia processual.
79- Acresce ainda que as cláusulas de exclusão presentes no contrato de seguro celebrado entre a Recorrente e a 3ª Ré esvaziam por completo o conteúdo desse mesmo contrato, afastando, como facilmente se depreende pela sua análise, toda e qualquer causa que possa ocasionar a intervenção do seguro. Na verdade, são cerca de 25(!) as situações tipo que, alegadamente, se encontram excluídas da cobertura do contrato, e que se encontram refletidas no art.º 6.º das condições gerais e no longo art.º 3.º das condições especiais (226 – empresa de construção civil).
80- Por outro lado, a aqui Recorrente quando celebrou o contrato de seguro fê-lo, evidentemente, na convicção de que estava a contratar um contrato de seguro capaz de lhe assegurar a sua responsabilidade civil, que não somente a extracontratual, perante terceiros.
81- Por outro lado, dita o art.º 15º do mesmo diploma que “são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé”, que é aferida, por exemplo pelo “objeto que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efetivação à luz do tipo de contrato utilizado” (art.º 16.º, al. b) do DLCCG). Assim, ao terem celebrado um “contrato de responsabilidade civil geral” que, afinal de contas, é omisso de qualquer utilidade prática, para mais para uma empresa que se dedica ao ramo da construção civil, como é o caso da aqui Ré, outra conclusão não se pode retirar que houve violação do sobredito princípio por parte da 3ª Ré Seguradora. Tal clausulado, que se tem como proibido por força do referido art.º 15º, é tido como nulo, nos termos do art.º 12º, que ora expressamente se arguiu nos termos e para os efeitos do art.º 24.º, todos do DLCCG.
82- Por fim, caso se entenda que no risco do contrato de seguro se encontram excluídos os danos em prédios contíguos, o mesmo sempre cobrirá os danos extra rem verificados no prédio ... (recheio e rendas), que foi objeto do contrato de empreitada em causa nos autos. Neste sentido, leia-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31-01-2019, proc. nº 3843/15.7T8CSC.L1.S1, relatado por Maria da Graça Trigo e acessível em www.dgsi.pt.
83- Em suma, a aqui Recorrente, por ter transferido a sua responsabilidade civil para a 3ª Ré por força do contrato de seguro em vigor à data do sinistro, a ser responsabilizada, o que somente por hipótese académica se admite, apenas o será no caso da quantia a liquidar às Autoras ultrapassar o valor do capital contratado e, tão só, na medida desse excesso.
Termos em que, pela procedência das conclusões que antecedem, deverá, a final, julgar-se procedente o recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que, alterando a resposta à matéria de facto nos termos requeridos, julgue a ação improcedente.
Assim se fará JUSTIÇA!»
*
Por sua vez, as Autoras finalizaram as suas alegações com as seguintes conclusões (que igualmente se transcrevem):

«3.1. Quanto aos factos referentes à conclusão das obras (ponto 1.1.), verifica-se que o Tribunal a quo erradamente deu como não provados os factos II.12 e II.13,
3.2. Atentas as declarações de D. L. e os depoimentos de G. R., J. C., P. F., A. P., D. S., R. S., P. S., F. M., C. T., L. E., correspondentes à Gravação com a ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, do minuto 01, segundo, 36 a minuto 02, segundo 00; Gravação com a ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, minuto 01 segundo 37 a minuto 02 segundo 19; Gravação com a ref.ª20191021122408_5510765_2870527, de minuto 03, segundo 40 a minuto 03, segundo 50; Gravação com a ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, de minuto 10, segundo 39 a minuto 11, segundo 06; Gravação com a ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, de minuto 03 segundo 08 a minuto 03 segundo 46; Gravação ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, de hora 01, minuto 45, segundo 13 a hora 01, minuto 45, segundo 28.; Gravação com ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, do minuto 52 segundo 38 a minuto 52 segundo 56; Gravação com a ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, do minuto 31 segundo 22 a minuto 31 segundo 55; Gravação com a ref.ª20200211095352_5510765_2870527, do minuto 38, segundo 40 a minuto 40, segundo 28; Gravação com a ref.ª 20200211095352_5510765_2870527, do minuto 40, segundo 18 a minuto 41, segundo 07; . Gravação com a ref.ª20191021141451 5510765 2870527, do minuto 04 segundo 02 a minuto 05 segundo 19; Gravação 20191021100555_5510765_2870527, do minuto 27 segundo 30 a minuto 28 segundo 08.; Gravação com a ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, do minuto 27 segundo 30 a minuto 28 segundo 08; Gravação com a ref.ª20191021162451_5510765_2870527, do minuto 03, segundo 21 a minuto 03, segundo 38; Gravação com ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, do minuto 08, segundo 57 a minuto 09, segundo 24; Gravação com ref.ª 20200211145423_5510765_2870527, do minuto 25 segundo 03 a minuto 25 segundo 35.; Gravação com ref.ª 20200211145423_5510765_2870527, do hora 01, minuto 04, segundo 36 a hora 01, minuto 04, segundo 54; Gravação com ref.ª 20200211160902_5510765_2870527, da minuto 05, segundo 43 a minuto 07, segundo 13; Gravação com a ref.ª 20200211114047_5510765_2870527, do minuto 01, segundo 00 a minuto 01, segundo 10 e do minuto 02, segundo 23 a minuto 03, segundo 29; Gravação com ref.ª 20200211160902_5510765_2870527, minuto 07, segundo 55 a minuto 09, segundo 21.; Gravação com ref.ª 20200211145423_5510765_2870527, do hora 01, minuto 00, segundo 36 a hora 01, minuto 00, segundo 47; Gravação com a ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, minuto 23, segundo 58, minuto 24, segundo 39; Gravação comaref.ª20200211145423_5510765_2870527, do hora 01, minuto 01, segundo 00 a hora 01, minuto 01, segundo 12; Gravação com a ref.ª 20200211145423_5510765_2870527, da hora 01, minuto 04, segundo 11 a hora 01, minuto 04, segundo 52; Gravação com a ref.ª 20191021162451_5510765_2870527, do minuto 03, segundo 21 a minuto 03, segundo 45; Gravação com a ref.ª 20200218141801_5510765_2870527, do minuto 36, segundo 11 a minuto 36, segundo 25; Gravação com ref.ª 20200218095118_5510765_2870527, do minuto 09, segundo 38 a minuto 10, segundo 02; Gravação com a ref.ª 20200211145423_5510765_2870527, da hora 01, minuto 01, segundo 25 a hora 01, minuto 01, segundo 39; Gravação com ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, do minuto 27, segundo 15 ao minuto 28, segundo 06; Gravação com a ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, do minuto 04, segundo 10 a minuto 04, segundo 31 e minuto 07, segundo 09 a minuto 07, segundo 23; Gravação com ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, do minuto 04 segundo 00 a minuto 04 segundo 10.; Gravação com ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, do minuto 03 segundo 00 a minuto 03 segundo 50; Gravação com a ref.ª 20191021141451 5510765 2870527, do minuto 02 segundo 30 a minuto 02 segundo 59.; Gravação com a ref.ª 20191021141451 5510765 2870527, do minuto 02 segundo 42 a minuto 03 segundos 00; Gravação com a ref.ª 20191021141451 5510765 2870527, do minuto 03 segundo 30 a minuto 03 segundo 37; Gravação com a ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, do minuto 04 segundo 02 a minuto 05, segundo 28; Gravação com a ref.ª 20191021141451 5510765 2870527, do minuto 04 segundo 54 a minuto 06 segundos 23; Gravação com a ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, da hora 01, minuto 53, segundo 21 a hora 01, minuto 53, segundo 49 e hora 01, minuto 55, segundo 32 a hora 01 minuto 55 segundo 46; Gravação com a ref.ª 20191021141451 5510765 2870527, do minuto 05 segundo 35 a minuto 06, segundo 24; Gravação com a ref.ª 20191021100555_5510765_2870527 hora 01, minuto 59, segundo 26 a hora 01, minuto 59 segundo 34; gravação com a ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, do minuto 06 segundo 10 a minuto 06 segundo 40; Gravação com ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, hora 2, minuto 01, segundo 08 a hora 02 minuto 01, segundo 18; gravação com a ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, do minuto 58 segundo 33 a hora 01 minuto 01 segundo 24; Gravação com a ref.ª 20200211160902_5510765_2870527, minuto 27,segundo 16 a minuto 27, segundo 33.; Gravação com ref.ª 20200211160902_5510765_2870527, minuto 28, segundo 07 a minuto 29, segundo 55 e minuto 30 segundo 36 a minuto 32, segundo 34; Gravação com a ref.ª 20200211160902_5510765_2870527, minuto 30, segundo 33 a minuto 31, segundo 28; Gravação com a ref.ª 20191021141451 5510765 2870527, do minuto 19 segundo 27 a minuto 19 segundo 40; Gravação com a ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, do minuto 58 segundo 00 a 58 segundo 35.; Gravação com a ref.ª 20200211160902_5510765_2870527, da hora 01, minuto14, segundo 00 a hora 01, minuto 15, segundo 55; Gravação com a ref.ª 20200211160902_5510765_2870527, da hora 01, minuto 16, segundo 20 a hora 01, minuto 16, segundo 40; Gravação com ref.ª , hora 01, minuto 17, segundo 08 a hora 01, minuto 17, segundo 14; Gravação com ref.ª 20200218141801_5510765_2870527, do minuto 24, segundo 35 a minuto 25, segundo 30; Gravação com a ref.ª 20191021141451 5510765 2870527, do minuto 10 segundo 20 a minuto 11 segundo 04; Gravação com a ref.ª20191021100555_5510765_2870527, da hora 02, minuto 02, segundo 02 a hora 02, minuto 02, segundo 33; Gravação com a ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, do minuto 10, segundo 30 a minuto 10, segundo 42; Gravação com a ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, do minuto 01, segundo 45, a minuto 02, segundo 21; Gravação com a ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, do minuto 52 minuto 58 a minuto 53 segundo 46; Gravação com ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, do minuto 56 segundo 50 a minuto 57 segundo 29.; . Gravação com a ref.ª 20200218141801_5510765_2870527, do minuto 25, segundo 54 a minuto 26, segundo 08; Gravação com ref.ª 20200218141801_5510765_2870527, do minuto 27, segundo 00 a minuto 28, segundo 37; Gravação com a ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, do minuto 52 minuto 58 a minuto 53 segundo 46; Gravação com a ref.ª20191021122408_5510765_2870527, do minuto 03, segundo 40 a minuto 03 segundo 50; Gravação com a ref.ª 20200218141801_5510765_2870527, do minuto 32 segundo 20 a minuto 33, segundo 50; Gravação com a ref.ª 20200218141801_5510765_2870527, do minuto 34, segundo 28 a minuto 34, segundo 4; Gravação com a ref.ª 20191021141451 5510765 2870527, minuto 07 segundo 13 a minuto 07 segundo 32.; Gravação com a ref.ª 20191021141451 5510765 2870527, minuto 18 segundo 53 a minuto 19 segundo 10; Gravação com ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, hora 01, minuto 27, segundo 05 a hora 01 minuto 27, segundo 29; Gravação com a ref.ª 20191021141451 5510765 2870527, minuto 08 segundo 20 a minuto 08 segundo 28; Gravação com a ref.ª 20191021141451 5510765 2870527, minuto 08 segundo 38 a minuto 08 segundo 47; Gravação com a ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, minuto 05 segundo 01 a minuto 05 segundo 19; Gravação com a ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, do minuto 09, segundo 12 a minuto 09, segundo 21; Gravação com a ref.ª 20200218105029_5510765_2870527, minuto 04 segundo 45 a minuto 05, segundo 15; Gravação com a ref.ª 20191021141451 5510765 2870527, minuto 09 segundo 30 a minuto 09 segundo 48; Gravação com ref.ª 20191021162451_5510765_2870527, do minuto 03, segundo 22 a minuto 03, segundo 35; Gravação com ref.ª 20191021162451_5510765_2870527, do minuto 09, segundo 18 a minuto 09, segundo 27, reiterando do minuto 09, segundo 40 a minuto 09, segundo 46; Gravação com ref.ª 20191021162451_5510765_2870527, do minuto 05, segundo 03 a minuto 05, segundo 49; Gravação com ref.ª 20200218105029_5510765_2870527, do minuto 01, segundo 59 a minuto 02, segundo 27; Gravação com ref.ª 20200218105029_5510765_2870527, do minuto 02, segundo 29 a minuto 02, segundo 48; Gravação com a ref.ª 20200218101537_5510765_2870527, do minuto 22, segundo 54 a minuto 23, segundo 05; Gravação com a ref.ª 20200218101537_5510765_2870527, do minuto 23, segundo 23 a minuto 23, segundo 47; Gravação com a ref.ª 20200218101537_5510765_2870527, do minuto 23, segundo 59 a minuto 24, segundo 25; Gravação com a ref.ª 20200218101537_5510765_2870527, do minuto 24, segundo 00 a minuto 24, segundo 22; Gravação com a ref.ª 20200218101537_5510765_2870527, do minuto 24, segundo 40 a minuto 25, segundo 00; Gravação com a ref.ª 20200218101537_5510765_2870527, do minuto 25, segundo 12 a minuto 25, segundo 21; Gravação com a ref.ª 20200218101537_5510765_2870527, do minuto 25, segundo 22 a minuto 25, segundo 25; Gravação com a ref.ª 20200218101537_5510765_2870527, do minuto 26, segundo 30 a minuto 26, segundo 4; Gravação com a ref.ª 20200218101537_5510765_2870527, do minuto 26, segundo 43 a minuto 26 a segundo 57; Gravação com a ref.ª 20200218101537_5510765_2870527, do minuto 27, segundo 14 a minuto 27 a segundo 31.; Gravação com a ref.ª 20200218101537_5510765_2870527, do minuto 26, segundo 58 a minuto 27, segundo 34, em especial, minuto 27, segundo 18 a minuto 27, segundo 34; Gravação com a ref.ª 20200218101537_5510765_2870527, do minuto 27, segundo 34 a minuto 27, segundo 37; Gravação com a ref.ª 20200218101537_5510765_2870527, do minuto 28, segundo 20 a minuto 28, segundo 31; Gravação com a ref.ª 20200218101537_5510765_2870527, do minuto 28, segundo 30 a minuto 28, segundo 54; Gravação com a ref.ª 20200218101537_5510765_2870527, do minuto 33, segundo 37 a minuto 33, segundo 58; Gravação com a ref.ª 20200218105029_5510765_2870527, do minuto 03, segundo 47 a minuto 04, segundo 02; Gravação com a ref.ª 20200218141801_5510765_2870527, do minuto 36, segundo 30 a minuto 36, segundo 58; Gravação com a ref.ª 20191021141451 5510765 2870527, minuto 10 segundo 00 a minuto 10 segundo 09; Gravação com a ref.ª 20191021170019_5510765_2870527, minuto 02 minuto 18 a minuto 02, segundo 43 e documentos no apenso correspondente a certidão do procedimento administrativo (em particular CERTIEl, requerimento de pedido de autorização de autorização de utilização e emissão de alvará), documento de fls. 325,:
3.3. Tais factos têm que integrar a matéria de facto provada incluindo-se: (A) II.12 Na data da ocorrência do sinistro as obras da empreitada contratada ainda não se encontravam concluídas, não tendo a obra sido entregue pela Ré, nem recebida pela Autora.
(B) II.13. Não estavam, ainda, executados os seguintes trabalhos: a) isolamento das potas da garagem e da cozinha; b) remate das ombreiras do acesso a despensa/lavandaria com acesso à cozinha; d) rusticar as juntas em alvenaria da pedra existente; e) colocação de vidro duplo na porta da cozinha; f) fornecimento e execução de trabalhos de aplicação de tomadas eléctricas; f) abrir a parede interna entre a cozinha e a despensa.
3.4. Quanto aos factos I.115, I.116, I.128 e características dos prédios e inevitabilidade da propagação rápida do fogo e ponto II.11, os mesmos padecem de um erro de julgamento, os primeiros porque não deviam ser incluídos na matéria de facto, atenta a sua natureza conclusiva, bem como por não terem sido provados, o segundo porque devia ter sido dado como provado;
3.5. Atentas as declarações de D. L. e os depoimentos de G. R., B. M., J. C., correspondente à Gravação com ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, do minuto 29 segundo 44 a minuto 29 segundo 59; Gravação com ref.ª 20200211114047_5510765_2870527, minuto 35 segundo 29 a minuto 35 segundo 53., Gravação com ref.ª 20200211114047_5510765_2870527, minuto 41 segundo 08 a minuto 41 segundo 49; Gravação com a ref.ª 20200211114047_5510765_2870527, minuto 41 segundo 50 a minuto 42 segundo 03; relatório pericial e esclarecimentos, ,
3.6. Os factos I.115, I.116, I.128 devem ser expurgados da matéria de facto provada por se tratar de juízos conclusivos, sem conceder, resulta da prova produzida que os mesmos não provaram, devendo integrar a matéria de factos não provados;
3.7. Deve ser dado como provado:
(C) «II.11. As características estruturais e materiais existentes nos prédios n.ºs 17 e 19 tornaram impossível qualquer controlo ou possibilidade de redução de danos a partir do momento em que o fogo se alastrou para o prédio n.º ...»
3.8. O Tribunal a quo julgou de forma incorrecta os factos I.112 e omitiu a aquisição processual de factos complementares da prova produzida quanto à utilização e funcionamento do recuperador de calor instalado e sistema de aquecimento;
3.9. Atentas as declarações de D. L., os depoimentos de G. R., J. C., R. S., correspondentes às gravações Gravação com ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, minuto 26 segundo 25 a minuto 26 segundo 39 e minuto 26 segundo 49 a minuto 26 segundo 58; Gravação com ref.ª 20200211114047_5510765_2870527, minuto 35 segundo 29 a minuto 35 segundo 53, Gravação com ref.ª 20200211114047_5510765_2870527, minuto 36 segundo 15 a minuto 36 segundo 48; Gravação com a ref.ª 20200211114047_5510765_2870527, minuto 36 segundo 56 a minuto 37 segundo 03; Gravação com a ref.ª20191021141451_5510765_2870527, da hora 01, minuto 15, segundo 28 a hora 01, minuto 16, segundo 15; Gravação com a ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, da hora 01, minuto 17, segundo 00 a hora 01, minuto 17, segundo 40; Gravação com ref.ª 20200211114047_5510765_2870527, minuto 41 segundo 08 a minuto 41 segundo 49; Gravação com a ref.ª20200211114047_5510765_2870527, minuto 41 segundo 50 a minuto 42 segundo 03; Gravação com a ref.ª 20200211114047_5510765_2870527, minuto 42 segundo 28 a minuto 42 segundo 47; Gravação com a ref.ª 20200211114047_5510765_2870527, minuto 10 segundo 20 a minuto 10 segundo 31; . Gravação com a ref.ª 20200211114047_5510765_2870527, minuto 17 segundo 25 a minuto 17 segundo 45 (em especial, minuto 17 segundo 30 a minuto 17 segundo 35); Gravação com a ref.ª 20200211114047_5510765_2870527, minuto 18 segundo 24 a minuto 18 segundo 49; Gravação com a ref.ª 20200211114047_5510765_2870527, minuto 20 segundo 35 a minuto 21 segundo 10.; Gravação com a ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, do minuto 19 segundo 33 a minuto 20 segundo 31; Gravação com a ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, do minuto 27, segundo 15 a minuto 28, segundo 06; Gravação com ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, do minuto 26, segundo 15 a minuto 26 segundo 26; . Gravação com ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, minuto 20 segundo 09 a minuto a minuto 21 segundo 15; Gravação com ref.ª 20200218141801_5510765_2870527, do minuto 36, segundo 11 a minuto 36, segundo 25; Gravação com ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, do minuto 43 segundo 51 a minuto 44 segundo 10; Gravação com a ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, minuto 44 segundo 53 a minuto 45 segundo 03; Gravação com a ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, hora 01 minuto 20segundo 20a hora 01 minuto 21segundo 23; Gravação com a ref.ª 20200211114047_5510765_2870527, do minuto 04, segundo 55 a minuto 05, segundo 13 e, também, do minuto 10, segundo 35 a minuto 10, segundo 53 e minuto 10, segundo 19, a minuto 10, segundo 56; Gravação com a ref.ª 20200211114047_5510765_2870527, do minuto 05, segundo 06 a minuto 05, segundo 15; Gravação com ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, da hora 01, minuto 11, segundo a hora 01 minuto 12 segundo 16; Gravação com a ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, da hora 01, minuto 24, segundo 45 a hora 01 minuto 25 segundo 59; Gravação com a ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, do minuto 23, segundo 33 a minuto 24, segundo 38; Gravação com a ref.ª 20200211114047_5510765_2870527, minuto 21 segundo 20 a minuto 21 segundo 30, bem como o minuto 21 segundo 59 a minuto 22 segundo 33; Gravação com a ref.ª 20200211114047_5510765_2870527, minuto 23 segundo 10 a minuto 23 segundo 22.; Gravação com ref.ª 20200211145423_5510765_2870527, minuto 11, segundo 18 a minuto 12 segundo 13.; mensagem de correio electrónico de fls. 325;
3.10. Deve ser aditada à matéria de facto dada como provada os seguintes factos:
(D) «As medidas de segurança ou de contenção de fogo passíveis de serem adoptadas não eram idóneas a evitar a ocorrência de um fogo por causa da fuga de calor na tubagem de exaustão»
(E) «O encerramento do ar no funcionamento do recuperador de calor só tinha eficácia em casos em que o fogo se encontra contido no próprio sistema de aquecimento, recuperador, tubagem de exaustão e chaminé»
3.11. E alterado o facto I.112, passando a ter a seguinte versão:
(F) «O recuperador e sistema de aquecimento começou a ser utilizado a partir de dia 13.10.2020, após visita do técnico da Y, tendo tido uma utilização de 3 a 4 vezes até à data do sinistro».
3.12. Quanto à perigosidade (ou ausência dela) do equipamento, o Tribunal a quo errou quando considerou que o recuperador e sua utilização constitui um equipamento perigoso, omitindo o conhecimento e integração de factos provados na matéria de facto;
3.13. Atento as declarações de D. L. e os depoimentos de J. C., R. S., G. R., J. P., J. F. correspondentes à Gravação com a ref.ª 20200211114047_5510765_2870527, do minuto 17, segundo 23 a minuto 17, segundo 45; Gravação com a ref.ª 20200211160902_5510765_2870527, do minuto 14, segundo 00 a minuto 14, segundo 28; Gravação com a ref.ª 20200211160902_5510765_2870527, do minuto 15, segundo 05 a minuto 16, segundo 42; Gravação com a ref.ª 20200211160902_5510765_2870527, do minuto 16, segundo 19 a minuto 16, segundo 41; Gravação com a ref.ª 20200211114047_5510765_2870527, do minuto 36, segundo 13 a minuto 36, segundo 43; Gravação com a ref.ª 20200211114047_5510765_2870527, do minuto 36, segundo 55 a minuto 37, segundo 05; Gravação com a ref.ª 20200211114047_5510765_2870527, do minuto 35 segundo 28 a minuto 35 segundo 53; Gravação com a ref.ª20200211114047_5510765_2870527, do minuto 41, segundo 50 a minuto 42 , segundo 02; Gravação com a ref.ª 20200211114047_5510765_2870527, do minuto 18, segundo 34 a minuto 18, segundo 43; Gravação com a ref.ª 20200211114047_5510765_2870527, do minuto 20, segundo 45 a minuto 21, segundo 10; Gravação com a ref.ª 20200218141801_5510765_2870527, do minuto 22, segundo 43 a minuto 23, segundo 53; Gravação com a ref.ª 20200218141801_5510765_2870527, do minuto 23, segundo 27 a minuto 23, segundo 56; Gravação com a re.ª 20200211114047_5510765_2870527, do minuto 22, segundo 02 a minuto 22, segundo 33; Gravação com a ref.ª 20200211160902_5510765_2870527, do minuto 16, segundo 42 a minuto 17 a segundo 14; Gravação com a ref.ª 20200211114047_5510765_2870527, de minuto 24, segundo 40 a minuto 24, segundo 54; Gravação com a ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, do minuto 28 segundo 10 a minuto 28 segundo 21; Gravação com a ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, da hora 01, minuto 09, segundo 57 a hora 01, minuto 10, segundo 14; Gravação com a ref.ª 20191021141451_5510765_2870527 do minuto 27, segundo 35 a minuto 27, segundo 49; Gravação com a ref.ª 20191021141451_5510765_2870527 do minuto 29, segundo 00 a minuto 29, segundo 13; Gravação com a ref.ª20191021141451_5510765_2870527 do minuto 29, segundo 13 a minuto 29, segundo 30; Gravação com a ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, do minuto 22 segundo 00 a minuto 23 segundo 11, em especial, do minuto 22 segundo 28 a minuto 22 segundo 51 a respeito do computador e do normal comportamento da autora quanto à utilização do computador; Gravação com a ref.ª 20200211174804_5510765_2870527 minuto 1 segundo 52 a minuto 2 segundo 06; Gravação com a ref.ª20191021141451_5510765_2870527, do minuto 32, segundo 12 a minuto 32, segundo 34; Gravação com a ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, do minuto 34, segundo 00 a minuto 34, segundo 14; Gravação com a ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, da hora 01, minuto 53, segundo 54 a hora 01 minuto 54, segundo 00; Gravação com a ref.ª 20191021141451_5510765_2870527 , da hora 01 minuto 54 segundo 16 a hora 01 minuto 54 segundo 26; Cf. Gravação com a ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, do minuto 21 segundo 59 a minuto 22 segundo 19; Gravação com a ref.ª20191021141451_5510765_2870527, do minuto 21 segundo 50 a minuto 23 segundo 20; Gravação com ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, do minuto 50 segundo 11 a minuto 51segundo01; Gravação com a ref.ª20191021141451_5510765_2870527, do minuto 30, segundo 00 a minuto 30, segundo 31; Gravação com a ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, do minuto 28, segundo 10 a minuto 30, segundo 20, em especial do minuto 30, segundo 00 a minuto 30, segundo 08 onde se fala em «pequeno foco de fogo»; Gravação com ref.ª 20200211142020_5510765_2870527 minuto 3 segundo 50 a minuto 4 segundo 03 e minuto 4 segundo 33 a minuto 4 segundo 45; Gravação com ref.ª 20200211142020_5510765_2870527 minuto 18 segundo 45 a minuto 19 segundo 04.; Gravação com ref.ª 20200211142020_5510765_2870527 minuto 04 segundo 50 a minuto 05 segundo 03; Gravação com ref.ª 20200211142020_5510765_2870527 minuto 05 segundo 19 a minuto 05 segundo 44; Gravação com ref.ª 20200211142020_5510765_2870527 minuto 20 segundo 02 a minuto 20 segundo 15; Gravação com ref.ª 20200211142020_5510765_2870527 minuto 05 segundo 29 a minuto 05 segundo 44.; Gravação com ref.ª 20200211142020_5510765_2870527 minuto 5 segundo 24 a minuto 5 segundo 49; Gravação com ref.ª 20200211142020_5510765_2870527 minuto 09 segundo 30 a minuto 09 segundo 40 e minuto 13 segundo 10 a minuto 13 a segundo 35; Gravação com a ref.ª 20200211142020_5510765_2870527 minuto 08 segundo 06 a minuto 08 segundo 22; Gravação com a ref.ª 20200211142020_5510765_2870527, do minuto 26 segundo 53 a minuto 27segundo 15; Gravação com a ref.ª20191021100555_5510765_2870527, do minuto 23 segundo 00 a minuto 23 segundo 04; Gravação com a ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, do minuto 47 segundo 00 a minuto 48 segundo 01; Gravação com a ref.ª20191021100555_5510765_2870527, do minuto 47 segundo 31 a minuto 48 segundo 32; Gravação com a ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, do minuto 20, segundo 32 a minuto 21, segundo 08; e relatório pericial;
3.14. Desta feita devem ser dados como factos provados:
(G) «O recuperador instalado de acordo com as normas de instalação não origina incêndios»
(H)«O recuperador de calor e sistema de aquecimento instalado no prédio n.º ... pode funcionar de forma contínua e sem necessidade de vigilância constante ou presente, desde que assegurada a sua utilização normal.»
(I) «O recuperador encontrava-se devidamente fechado e selado enquanto esteve em funcionamento durante a ausência da 2.ª autora».
(J) No dia do sinistro, a Autora colocou o sistema de aquecimento em funcionamento por indicação da 1.ª Ré para verificar o seu funcionamento, em termos de combustão e de produção de calor e de escape de fumos para o interior da habitação
3.15. Quanto ao alvará de utilização, o Tribunal a quo errou ao não ter incluindo na matéria de facto que o mesmo foi emitido;
3.16. Atento as declarações de D. L. e o depoimento de G. R., correspondente às Gravação com ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, hora 01 minuto 29 segundo 00 a hora 01 minuto 29 segundo 15; Gravação com ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, do minuto 30 segundo 21 a minuto 31 segundo 03; e apenso correspondente ao procedimento administrativo;
3.17. Deve integrar a matéria de facto provado:
(K) A Câmara Municipal ..., na sequência do deferimento tácito e requerimento da 2.ª Autora, não revogou nem anulou aquele acto;
3.18. Quanto ao estado avançado do fogo, nomeadamente os pontos I.127 e I.129, errou também o Tribunal a quo;
3.19. Atento as declarações de D. L. e os depoimentos de G. R., M. A., J. F., B. M., correspondente à Gravação com a ref.ª 20200211175132_5510765_2870527, minuto 01 segundo 53 a minuto 02 segundo 07. Gravação com a ref.ª 20200211175132_5510765_2870527, minuto 05 segundo 16 a minuto 05 segundo 29, Gravação com a ref.ª 20200211175132_5510765_2870527, minuto 02 segundo 10 a minuto 02 segundo 30, bem como minuto 02 segundo 41 a minuto 02 segundo 50; Gravação com a ref.ª 20200211175132_5510765_2870527, minuto 02 segundo 10 a minuto 02 segundo 30, bem como minuto 02 segundo 41 a minuto 02 segundo 50; Gravação com a ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, do minuto 58, segundo 38 ao minuto 59, segundo 00; Gravação com a ref.ª 20200211175132_5510765_2870527, do minuto 08 , segundo 03 a minuto 08, a segundo 33; Gravação com a ref.ª 20200211175132_5510765_2870527, do minuto 08 segundo 08 a minuto 08 segundo 31, Gravação com ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, do minuto 30 segundo 25 a minuto 30 segundo 48; Gravação com a ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, do minuto 21 segundo 50 a minuto 23 segundo 20; Gravação com ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, do minuto 50 segundo 11 a minuto 51 segundo 01, Gravação com a ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, do minuto 30, segundo 00 a minuto 30, segundo 31, Gravação com a ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, do minuto 28, segundo 10 a minuto 30, segundo 20, em especial do minuto 30, segundo 00 a minuto 30, segundo 08 onde se fala em «pequeno foco de fogo», Gravação com ref.ª 20200211142020_5510765_2870527 minuto 3 segundo 50 a minuto 4 segundo 03 e minuto 4 segundo 33 a minuto 4 segundo 45, Gravação com ref.ª 20200211142020_5510765_2870527 minuto 18 segundo 45 a minuto 19 segundo 04, Gravação com ref.ª 20200211142020_5510765_2870527 minuto 04 segundo 50 a minuto 05 segundo 03, Gravação com ref.ª 20200211142020_5510765_2870527 minuto 05 segundo 19 a minuto 05 segundo 44, Gravação com ref.ª 20200211142020_5510765_2870527 minuto 20 segundo 02 a minuto 20 segundo 15, . Gravação com ref.ª 20200211142020_5510765_2870527 minuto 05 segundo 29 a minuto 05 segundo 44., Gravação com ref.ª 20200211142020_5510765_2870527 minuto 5 segundo 24 a minuto 5 segundo 49, Gravação com ref.ª 20200211142020_5510765_2870527 minuto 09 segundo 30 a minuto 09 segundo 40 e minuto 13 segundo 10 a minuto 13 a segundo 35, Gravação com a ref.ª 20200211142020_5510765_2870527 minuto 08 segundo 06 a minuto 08 segundo 22, . Gravação com a ref.ª 20200211142020_5510765_2870527, do minuto 26 segundo 53 a minuto 27 segundo 15, Gravação com a ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, do minuto 23 segundo 00 a minuto 23 segundo 04, Gravação 20191021100555_5510765_2870527, do minuto 23 segundo 06 a minuto 23 segundo 40, Gravação com a ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, do minuto 47 segundo 00 a minuto 48 segundo 01, Gravação com a ref.ª 20191021100555_5510765_2870527, do minuto 47 segundo 31 a minuto 48 segundo 32, Gravação com a ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, do minuto 20, segundo 32 a minuto 21, segundo 08, Gravação com a ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, do minuto 31, segundo 00 a minuto 31, segundo 18, Gravação com a ref.ª 20200211142020_5510765_2870527, do minuto 14 segundo 30 a minuto 14 segundo 42., Gravação com a ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, do minuto 30 segundo 25 a minuto 30, segundo 48, Gravação com a ref.ª 20200211142020_5510765_2870527, do minuto 24 segundo 03 a minuto 24 segundo 20, Gravação com a ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, do minuto 30 segundo 25 a minuto 31 segundo 41, Gravação com a ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, do minuto 31, segundo 26 a minuto 31, segundo 40., Gravação com ref.ª 20191021121042_5510765_2870527, minuto 02 segundo 28 a minuto 02 segundo 43 e minuto 05 segundo 39 a minuto 05 segundo 46., Gravação com ref.ª 20191021121042_5510765_2870527, minuto 03 segundo 34 a minuto 03 segundo 41, Gravação com ref.ª 20191021121042_5510765_2870527, minuto 04 segundo 38 a minuto 02 segundo 43, Gravação com ref.ª 20191021121042_5510765_2870527, minuto 04 segundo 08 a minuto 04 segundo 23, Gravação com ref.ª 20191021121042_5510765_2870527, minuto 07 segundo 20 a minuto 07 segundo 30, Gravação com ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, hora 01 minuto 00 segundo 00 a hora 01 minuto 00 segundo 45, Gravação com ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, do minuto 51 segundo 15 a minuto 52 segundo 55, Gravação com ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, da hora 01 minuto 00 segundo 00 a hora 01 minuto 00 segundo 45. Gravação com ref.ª 20191021141451_5510765_2870527, da hora 01 minuto 53 segundo 24 a hora 01 minuto 53 segundo 44, relatório pericial, auto dos bombeiros;
3.20. Deve o facto I.127 ser alterado, eliminando-se a parte em que refere «...e quando o incêndio estava num estado avançado», ficando
(L) O acesso ao interior só foi possível aos bombeiros, após abertura da porta da 1.ª Autora
3.21. Deve ser dado como provado o facto II.11:
(M) As características estruturais e materiais existentes nos prédios n.ºs17 e19 tornaram impossível qualquer controlo ou possibilidade de redução de danos a partir do momento em que o fogo se alastrou para o prédio n.º ...;
3.22. A 2.ª autora encontrava-se legitimamente a utilizar o prédio n.º .../21;
3.23. Tendo a autorização de utilização sido deferida tacitamente e mantendo- se em plena vigência à data do sinistro;
3.24. Desta feita, o deferimento tácito não foi revogado, porque não houve qualquer acto administrativo revogatório;
3.25. O recuperador de calor e aquecimento central no prédio n.º .../21 não são equipamentos perigoso;
3.26. Pode ser utilizado em segurança não fazendo parte das regras de segurança que o mesmo carecesse de vigilância permanente;
3.27. As 1.ª e 2.ª rés enquanto profissionais do ramo garantiram a segurança na utilização do recuperador;
3.28. O foco de incêndio ocorreu fora do circuito fechado de calor, pelo que resultou de um funcionamento anómalo em virtude de uma falha da sua instalação;
3.29. Não existisse tal anomalia, o equipamento podia funcionar continuamente e sem qualquer supervisão;
3.30. As autoras não actuaram ilicitamente, pelo que não se aplica às mesmas o artigo 493.º do Código Civil;
3.31. O incêndio ocorre em zona onde não é suposto haver fuga de calor, isto é, acontece em zona vedada e inacessível, a partir do tubo de exaustão do calor emitido pelo recuperador de calor;
3.32. O incêndio não ocorre no recuperador nem na chaminé, os únicos pontos exteriores e de acesso visual à 2.ª autora, ocorre na «tubagem de exaustão localizada na parede divisória dos quartos e da casa de banho do prédio n.º ...»;
3.33. E ocorre porque existiam falhas de isolamento que permitiam fugas de calor e sobreaquecimento na madeira que se encontrava nas proximidades;
3.34. Os deveres de tráfego são imputados a quem produz ou controla a fonte de perigo que adopte as medidas necessárias para prevenir ou evitar danos decorrentes dessa fonte de perigo, no caso o fogo;
3.35. Ora, este perigo gera danos a partir da fonte de perigo, no entanto, pressupõe que o proprietário domine essa fonte de perigo, o que não sucede no caso porque o problema advém do deficiente isolamento do tubo de exaustão e não da utilização normal do equipamento;
3.36. Não existindo procedimentos ou medidas previstas para mitigar o fogo, uma vez que o mesmo se encontrava fora do sistema de aquecimento;
3.37. A autora confiou na 1.ª Ré e confiou nas garantias de correcta instalação e funcionamento do recuperador de calor;
3.38. Por esse motivo, ausentar-se de casa não constitui qualquer perigo e muito menos uma conduta que prejudique o seu ónus de autoprotecção. Saiu porque o equipamento estava selado, tinha pouca combustão e, como tal, no normal das coisas, nenhum perigo existia que impusesse uma controlo e vigilância total;
3.39. Se o incêndio ocorre é por culpa integral e exclusiva da 1.ª Ré, porque permitiu que no incorrecto isolamento causar uma fuga de calor que criou um incêndio e, perante as características das casas, o fogo avançasse e as destruísse;
3.40. Não é censurável, para efeitos do artigo 570.º do Código Civil, o facto da autora se ter ausentado temporariamente do prédio n.º .../21 com o recuperador ligado, uma vez que o deixou, em condições normais, num funcionamento segurado, garantido a selagem da porta do recuperador;
3.41. A Autora comprou um sistema de aquecimento para toda a casa e mandaram instalá-lo por profissionais especializados;
3.42. O sistema em si tem por base a combustão de madeira no compartimento completamente selado e de aço para a produção de calor nos diversos compartimentos da casa;
3.43. Não se trata, ao contrário do que parece estar subjacente à sentença, de uma lareira que aquece só um compartimento e que comporta o risco sério, por não estar vedada, do salto de uma faúlha ou da queda de um tronco de lenha;
3.44. A lenha está completamente vedada num compartimento de aço totalmente selado;
3.45. Não há um risco maior do que aquele que comporta o óleo num aquecedor ou do gás num sistema de aquecimento central;
3.46. Não, por isso, qualquer concurso de culpa da 2.ª autora no agravamento dos danos resultantes de um defeito de instalação;
3.47. O juízo conclusivo que o Tribunal formulou no ponto I.115, não só não é um facto, antes uma conclusão que advém dos pontos I.112 e I.114, como é falso, porque quaisquer que fossem os procedimentos elencados no manual de instruções nos pontos I.52, os mesmos eram inúteis;
3.48. O fogo não deflagrou dentro do sistema de tubagens e recuperador de calor, mas fora dele, por isso o incêndio e as proporções que o mesmo assumiu;
3.49. Tendo a autora chegado em momento em que o fogo apenas se concentrava no prédio n.º .../21;
3.50. A ser de censurar a ausência da autora, apenas se pode imputar à 2.ª autora e ao risco criado pelo prédio n.º .../21 e não à 1.ª autora;
3.51. Porque são pessoas jurídicas distintas, proprietárias de prédios distintos, só o risco produzido pelo prédio n.º .../21 é que estava no domínio da 2.ª autora, apenas podendo esta — hipótese meramente académica que se alvitra — responder para efeitos do artigo 570.º do Código Civil;
3.52. Logo, a 1.ª autora tem direito a receber a integralidade da indemnização devida pelos danos causados pela 1.ª ré;
3.53. A 1.ª Ré transferiu o risco da sua actividade para a 3.ª Ré;
3.54. Incluindo no seu objecto os danos provocados pela 1.ª ré em prédios terceiros ao contrato de empreitada, mesmo que contíguos;
3.55. A se considerar que estes estariam excluídos, estar-se-ia a esvaziar o conteúdo do contrato de seguro ao ponto de inexistir qualquer objecto, por inexistência de cobertura de qualquer risco relevante para o fim com que o contrato foi celebrado pela 1.ª Ré, beneficiando de forma desproporcional a posição contratual da seguradora, frustrando o fim do contrato, atentando contra o princípio da boa fé (artigos 227.º, 334.º e 762.º, n.º2 do Código Civil);
3.56. A isto acresce que a não se incluir a cobertura dos danos provocados em prédios terceiros estar-se-ia a provocar um desequilíbrio desproporcional do contrato quando se retira dele as utilidades normalmente esperadas, face ao sentido prático da contratação;
3.57. O prédio contíguo, e as pessoas que nele habitam, ou dele fazem uso recorrente, são por definição os terceiros que configuram o alvo de danos mais prováveis de uma empreitada levada a cabo no prédio ao lado. Por uma razão simples: porque justamente são os terceiros que permanecem duradouramente em maior proximidade da fonte de risco. Mais expostos ao riscos provenientes da empreitada do que eles, só o próprio empreiteiro (seu pessoal e bens) ou dono da obra (seus bens); mas estes não são terceiros;
3.58. Celebrado um seguro com base num contrato de adesão e em cláusulas contratuais gerais, há duas tarefas que se impõem ao intérprete. O primeiro é fixar o sentido do negócio, recorrendo para o efeito ao critério do declaratório normal colocado na posição do real declaratário, sendo que em caso de dúvida vale o princípio da interpretação mais favorável ao aderente (artigos 10.º e 11.º Lei das Cláusulas Contratuais Gerais);
3.59. Fixado o sentido das cláusulas haverá que determinar se elas não são nulas por violação, ou das diversas disposições previstas nas listas da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, ou das cláusulas gerais de concretização da boa fé, constante do art. 16.º, als. a) e b): a confiança e ao objetivo do contrato;
3.60. Uma cláusula que exclua a responsabilidade extracontratual relativamente aos prédios contíguos viola claramente a boa fé e a finalidade do contrato;
3.61. Pois, como é óbvio é relativamente aos prédios contíguos que mais se torna necessária a proteção do segurado. É evidente que se a responsabilidade dos prédios contíguos for excluída se atinge no coração a proteção que o contrato via conceder;
3.62. Pelo que é a mesma nula a cláusula, determinando a redução teleológica do contrato, sendo a 3.º Ré responsável, por força do contrato de seguro celebrado com a 1.ª Ré, pelo pagamento de uma indemnização no limite do prémio acordado de €250 000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), pelo que deve a mesma ser condenada a pagar à 1.ª autora.
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TERMOS EM QUE deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que, alterando a resposta à matéria de facto e, consequentemente, o direito aplicado, determine a procedência total da acção condenando-se a 1.ª Ré ao pagamento da indemnização pela totalidade dos danos sofridos pelas autoras, bem como condenar a 3.ª Ré no pagamento de parte da indemnização, no âmbito do contrato de seguro celebrado com a 1.ª Ré de €250 000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), com o que se fará JUSTIÇA!».
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Contra-alegou a 3ª ré, pugnando pelo não provimento dos recursos e manutenção da sentença recorrida (cfr. fls. 1045 a 1054 e 1056 a 1066).
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As autoras juntaram aos autos parecer jurídico emitido pela Professora F. O. (cfr. fls. 1068 a 1074)
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Os recursos foram admitidos como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 1076 vº).
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Posteriormente, estando os autos já pendentes neste Tribunal da Relação, as autoras juntaram aos autos mais dois pareceres jurídicos, um emitido pelo Professor M. V. e outro pela Professora M. I..
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A Ré seguradora respondeu aos pareceres juntos.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Delimitação do objeto do recurso

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].

No caso, tendo sido apresentados dois recursos autónomos, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:

i. Da impugnação da decisão da matéria de facto (conclusões 1º a 33º da 1ª Ré e conclusões 3.1 a 3.21 das Autoras);
ii. Da errada interpretação e aplicação do art. 483.º do Cód. Civil (conclusões 34º a 39º da 1ª Ré).
iii. Da errada interpretação e aplicação do art. 493º, n.º 1, do Cód. Civil (conclusões 40º a 48º da 1ª Ré e conclusões 3.25 a 3.30 das Autoras).
iv. Da revogação do deferimento tácito (conclusões 3.22 a 3.24 das AA.).
v. Da culpa da(s) lesada(s) e da redução da indemnização - art. 570º do Cód. Civil (conclusões 49º a 53º da 1ª Ré e conclusões 3.31 a 3.52 das Autoras).
vi. Da errada interpretação e aplicação dos arts. 342.º, 762.º, 1207.º e 1225.º do Cód. Civil (conclusões 54º a 64º da 1ª Ré).
vii. Da violação do disposto nos arts. 483.º e 799.º do Cód. Civil (conclusões 65º a 67º da 1ª Ré).
viii. Da violação do disposto nos arts. 553º do CPC e 1221º a 1223º do Cód. Civil (conclusões 68 a 71 da 1ª ré).
ix. Da (eventual) apreciação e quantificação dos danos sofridos pelas AA..
x. Do erro de julgamento na interpretação e aplicação do disposto nos arts. 5.º, 6.º, 8.º, 10.º, 11.º, 12.º, 15.º, 16.º e 18.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, e nos arts. 236.º e 238.º do CC, e art. 3.º do CPC (conclusões 72º a 77º da 1ª Ré).
xi. Âmbito de cobertura do seguro de responsabilidade civil (conclusões 80º e 82º da 1ª Ré).
xii. Da cobertura dos danos pelo seguro (conclusões 79º, 81º e 83º da 1ª Ré e conclusões 3.53. a 3.62 das AA).
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto
I - A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

1. A 1ª Autora D. L. é possuidora e proprietária do prédio urbano sito na Rua ... nº .., da União de freguesias de ..., ... e ..., em Guimarães, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial nº. ... (antigo artigo 29º de que proveio) e descrito na Conservatória de Registos Predial, Comercial e Automóveis de ... sob a descrição nº. .../19940408 e aí inscrita a propriedade do mesmo a seu favor pela inscrição Ap. nº. 2442 de 2010/07/23.
2. Tal prédio foi adquirido por contrato de compra e venda, sobre a forma de título de compra e venda e mútuo com hipoteca, celebrado em 23 de Julho de 2010, na Conservatória de Registo Predial ..., no serviço Casa ..., pelo preço de 300.000,00€ (trezentos mil euros) a C. M., M. O. e marido J. A., A. S., M. P. e marido N. G., cuja propriedade do prédio se encontrava inscrita a favor destes pela Ap. 38 de 1994/04/08 e que foi adquirida por sucessão legal de A. F. – cfr. documento junto a fls.26 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
3. A 2ª. Autora D. L. Lda. é uma empresa cujo fim social é a Formação, Assessoria Técnica no âmbito do Ordenamento do Território e Urbanismo, Planeamento, Gestão Urbanística e contratação pública, sendo a 1ª. Autora sua sócia e gerente.
4. A 2ª. Autora D. L. Lda. é possuidora e proprietária do prédio urbano sito na Rua ... n.º. 19, União de freguesias de ..., ... e ..., em Guimarães, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial ... (antigo artigo 30º, de que proveio) e descrito na Conservatória de Registos Predial, Comercial e Automóveis de … sob a descrição n.º. 179/19940620, e aí inscrita a propriedade do mesmo a seu favor pela inscrição Ap. nº 3738 de 2010/07/27.
5. Tal prédio foi adquirido, por contrato de compra e venda, celebrado por escritura pública, em 23 de Julho de 2010, no 1º Cartório Notarial de M. R., pelo preço de 50.000,00 € (cinquenta mil euros) a C. M., M. O. e marido J. A., A. S., M. P. e marido N. G., cuja propriedade do prédio se encontrava inscrita a favor destes pela Ap. 26 de 1994/06/20 e que foi adquirida por sucessão legal de A. F..
6. O supra referido prédio nº. .. é destinado a instalação e funcionamento da sua sede e ao exercício da sua actividade.
7. As Autoras gozam de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição sobre aqueles prédios desde a data das respectivas aquisições.
8. A 1ª Ré A. M., Lda., é uma sociedade por quotas, que tem como objecto social e exerce habitual e lucrativamente a actividade de construção civil, empreiteiros de obras, comércio por grosso de madeira, de materiais de construção e equipamento sanitário.
9. No exercício dessa actividade, a 1ª Ré celebrou, na forma verbal, com a 2ª Autora um contrato de empreitada de construção civil, pela qual se obrigou a realizar a obra descrita no orçamento junto a fls.39 verso e seg., pelo valor de € 109.325,45 (acrescido de IVA à taxa legal em vigor) – cfr. documento junto a fls.39 verso e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
10. No decurso da obra foi acordado entre as partes a alteração do mapa de trabalhos inicial, traduzindo-se na realização de obras que não estavam inicialmente previstas e bem assim na supressão de outros trabalhos, tudo conforme resulta do mapa de trabalhos e proposta de mais e menos valias, executando todos os trabalhos e fornecimentos constantes e descritos nos documentos juntos a fls.61 verso e seg. (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) e que colocou o preço final da empreitada em € 130.522,87 (acrescido de IVA à taxa legal em vigor) – cfr. documentos juntos a fls.61 verso e seg. (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
11. A 2ª Autora pagou à 1ª Ré esse preço final.
12. A 2ª Ré Lareiras ... – Sistemas de Aquecimento Lda., exerce habitual e lucrativamente a actividade de fornecimento e instalação de lareiras, salamandras, recuperadores de calor, caldeiras, sistemas de aquecimento e outros.
13. A 1.ª Ré celebrou com a 3.ª Ré um contrato de seguro titulado pela apólice n.º .......16/RC do produto “Responsabilidade Civil Exploração” nos termos das condições particulares juntas a fls.353 verso e seguintes, sendo a actividade prevista a “construção civil s/. danos prédios contíguos”, tendo a apólice um limite máximo de indemnização de € 250.000,00 por ano e sinistro e sujeita a uma franquia por sinistro de 10% dos prejuízos com um mínimo € 250,00 – cfr. documento junto a fls. fls.353 verso e seguintes (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
14. Dessas condições particulares consta como âmbito de cobertura a “responsabilidade civil extracontratual de acordo com as Condições Gerais para os Seguros RC Geral nº. 22 e da Condição Especial nº. 226 “Empresas de Construção Civil”, incluindo danos causados a cabos, canalizações ou instalações subterrâneas, derrogando-se a alínea a). do nº. 2 das Condições Específicas, conforme Condição Particular em anexo” – cfr. documento junto a fls. fls.353 verso e seguintes (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
15. Consta do artigo 2º§1 dessa Condição Especial nº. 226 que o “Segurador garante o pagamento das indemnizações emergentes de responsabilidade civil extracontratual que, ao abrigo da lei civil, sejam exigíveis ao Segurado, por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros e directamente relacionados com a actividade de construção civil de obras públicas e particulares, cuja causa seja devida a: “a) Acto ou omissão não doloso do Segurado ou de qualquer dos seus empregados no exercício da sua actividade e ao seu serviço; b) Deficiência das instalações, assim como por coisas que sejam consideradas como fazendo parte integrante das referidas instalações ou outras que aí se encontrem desde que pertencentes ou sob responsabilidade do Segurado; c) Quaisquer materiais, utensílios, decorações ou serviços que sejam considerados como integrando o funcionamento normal do estabelecimento e a ele pertencente (…)” – cfr. documento de fls.354 verso cujo tero se dá aqui por integralmente reproduzido.
16. Nas referidas condições especiais, sob a epígrafe Exclusões Específicas consta do artigo 3º§1 que, “para além das exclusões previstas no Artigo 6º das Condições Gerais, a garantia desta Condições Especial também não abrange os danos: “a). resultantes da inobservância de disposições legais, regulamentares ou não cumprimento das normas técnicas previstas para a execução dos respectivos projectos” (…) “f). causados à própria obra a cargo do segurado ou nas quais participe”.
17. Nas referidas condições especiais, sob a epígrafe Exclusões Específicas consta do artigo 3º§2 que, “Salvo convenção em contrário expressa nas Condições Particulares, ficam ainda excluídos os danos: “(…) c). causados às propriedades pertencentes e/ou sob a guarda, custódia ou controle do dono da obra, dos empreiteiros ou de outros intervenientes na execução dos trabalhos”; (…) f). “ocorridos após a conclusão dos trabalhos”; g). “causados por sub-empreiteiros”.
18. Do artigo 6º das Condições Gerais 22 consta que “o presente contrato nunca garante os danos: (…) c). Decorrentes de “responsabilidade civil profissional”.
19. Com data de 5/11/2016, foi remetida à Ré X a participação de sinistro junta a fls.366 verso e seg. (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), subscrita pela 1ª Ré, da qual consta que consta que “A obra iniciou em Novembro de 2015 considerando como a 5ª fase que compreendia obras de interior da casa. O terminus desta fase verificou-se em 23/9/2016. No dia 23/10/2016 verificou-se um incêndio que deflagrou na casa da 4ª fase e propagou-se para a casa da 5ª fase. A confirmar-se a informação o fogo terá tido inicio no sótão propagando-se de imediato às restantes divisões” – cfr. documento de fls.366 verso e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
20. As obras realizadas no âmbito do supra referido contrato de empreitada visaram reabilitar totalmente e converter o prédio nº. .. numa moradia unifamiliar nos termos e condições previstas no projecto de arquitectura que foi aprovado em 28 de Novembro de 2014 pelo Município ... – cfr. documento de fls.128 do 2º volume do processo camarário apenso por linha (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
21. Na sequência desta aprovação e em 27 de Outubro de 2015, foi emitido pelo mesmo Município o alvará de construção nº. 100/14. – cfr. documento junto a fls.79 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
22. O prédio em causa tem as seguintes particularidades: travejamento e forro em madeira do telhado, com isolamento por placas de onduline e roofmate; paredes em tabique, soalho e armários em madeira.
23. No decorrer da execução das obras que integram o contrato de empreitada foi acordado entre a 2ª Autora e a 1ª Ré a instalação de um recuperador de calor na sala do prédio nº. .. e respectivo sistema de aquecimento ao serviço dos quartos e casa-de-banho localizados no piso superior.
24. Com a localização constante das telas finais TLF 10 e 11 do processo de licenciamento (cfr. fls.85 e 85 verso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
25. Mediante o pagamento do preço também acordado entre ambas, que a 2ª Autora pagou a 1ª Ré e que esta dela recebeu.
26. Tendo, para o efeito, a 2ª Autora escolhido, de entre as referências apresentadas e propostas pela 1ª. Ré, o equipamento térmico Recuperador de Calor série Linea 85 modelo RC 820NMV da marca Y.
27. A 1ª Ré contratou, por sua iniciativa e exclusiva escolha, atendendo ao equipamento escolhido, a 2ª Ré Lareiras ... – Sistemas de Aquecimento Lda..
28. Foi a 1ª Ré que contratou com a 2ª Ré e foi aquela que pagou a esta pelos trabalhos realizados, bem como pelos equipamentos e instalação do sistema de aquecimento.
29. O recuperador de calor, tubagem e respectivo sistema de aquecimento foram instalados em Março de 2016 pela 2ª Ré.
30. Instalação essa supervisionada e fiscalizada pela 1ª Ré.
31. A instalação do recuperador e respectiva tubagem realizou-se de acordo com aquilo que a 2ª Ré entendeu ser procedimento adequado ao efeito, designadamente no que respeita à escolha dos materiais e técnicas de instalação atendendo as características e materiais do prédio.
32. Tendo sido garantido pela 1ª Ré à 2ª Autora a correcta instalação e que o recuperador podia ser utilizado em condições de operacionalidade e segurança.
33. No dia 23 de Outubro de 2016, por volta das 18H00, deflagrou um incêndio no prédio.
34. Com origem na parte superior do forro de madeira que constituía o tecto do piso superior do prédio nº. .., na zona do hall junto à entrada do quarto do lado direito, considerando o acesso a partir das escadas de acesso àquele piso, nas proximidades de um armário de madeira, por onde passavam as tubagens do recuperador de calor.
35. O qual se propagou para o telhado do prédio nº. .., passando em seguida para o telhado do prédio n.º ..., e alastrando pelas paredes internas de ambos os prédios, de cima para baixo e de forma mais acentuada para a direita.
36. Tal incêndio danificou a estrutura do prédio nº. .., em particular um dos pisos superiores e parede exterior de tabique, bem como a estrutura metálica e de madeira dos pisos, tendo ainda parte do telhado sido consumida pelas chamas e, a que não foi, está em iminente situação de desmoronar-se, tendo ruído a chaminé existente restando apenas as paredes exteriores em pedra e alvenaria.
37. A parte da estrutura do prédio que não ruiu ficou danificada de forma irreversível, porque toda a estrutura era de travejamento em madeira o que, face ao volume e extensão da destruição, compromete de forma irreversível a estabilidade estrutural do prédio nº. ...
38. Tornando-o num prédio destruído em quase todo o seu interior, inabitável e inapto para o fim a que o destinaram, apresentando-se em risco de ruína.
39. Perante o sucedido, a 2ª. Autora comunicou verbalmente, e no próprio dia, o sinistro à 1ª. Ré.
40. O incêndio teve origem na tubagem de exaustão localizada na parede divisória dos quartos e da casa de banho do prédio nº. ...
41. As tubagens e condutas do equipamento foram instaladas a uma distância não concretamente apurada mas sempre inferior a 1000 mm e superior a, pelo menos, 450 mm, face aos materiais combustíveis, nomeadamente ao travejamento e forro em madeira.
42. Os tubos de exaustão de fumos não se encontravam devidamente isolados, permitindo fugas de calor e sobreaquecimento na madeira que se encontrava nas suas proximidades.
43. O manual de instalação e utilização do equipamento da Séria Vista junto a fls.103 verso e seg. não é o manual correspondente ao recuperador de calor instalado o prédio.
44. As regras de instalação, utilização e segurança do recuperador de calor da série Linea que foi instalado no local são semelhantes às constantes do manual dos recuperadores de calor da Série Vista.
45. O manual de instalação e utilização do equipamento dos recuperadores de calor da série Vista refere nas: a). pág. 13: “O equipamento que acabou de adquirir deverá ser instalado por um profissional para assegurar o bom funcionamento e a segurança do mesmo, recomenda-se que todas as regras de segurança em vigor sejam cumpridas”; b). pág. 13 refere que antes da instalação do equipamento o instalador deve assegurar, nomeadamente: “- O ambiente onde vai ser instalado o equipamento seja bem ventilado de forma a garantir a quantidade de ar necessária a combustão; - Respeita as distâncias de segurança a materiais combustíveis; c). pág. 7: - O seu equipamento deverá estar instalado de forma não permanente e de fácil acessibilidade a fim de garantir manutenção geral a instalação (chaminé e equipamento); d). as “distâncias de segurança a materiais combustíveis é de 1200mm”; cabe ao instalador, no local a instalar o equipamento e face as concretas características deste, verificar se os 1200mm são suficientes ou é adequada uma distancia superior; e). pág. 14: “É ainda ideal, que a construção da conduta de saída de fumos passe pelo interior do edifício garantindo assim um melhor isolamento térmico, de forma e evitar as indesejadas condensações originadas pelos diferenciais de temperatura, que mais cedo ou mais tarde poderão deteriorar o sistema. A tubagem deverá ser preferencialmente em aço inox e isolada termicamente em todo o seu comprimento a fim de evitar fenómenos de condensação em especial atenção em climas frios. As chaminés devem possuir condutas de saídas de fumo individuais e desaconselha-se totalmente o agrupamento de várias chaminés em condutas colectivas. As condutas de saída de fumo devem ter secção constante desde a saída do equipamento até à evacuação dos fumos para a atmosfera”; f). pág. 17: “Na instalação do aparelho devem ser respeitadas todas as regulamentações locais, incluindo as relativas a normas Nacionais e Europeias”.
46. Na pág. 25 desse manual consta que o acendimento do recuperador de calor deve ser feito da seguinte forma: “3. Abrir completamente o controlo do ar de combustão. Colocar na base da fornalha um produto combustível facilmente inflamável (acendalhas, caruma, pinhas ou outro). 4. Sobre o combustível anterior colocar pequenas cavacas empilhadas na horizontal (cerca de 1 kg). 5. Encoste a porta deixando uma ligeira abertura de 2 cm, permitindo desta forma a quantidade de ar necessário para um acendimento rápido e eficaz, mantendo o controlo do ar da combustão totalmente aberto. 6. Passado cerca de 5 a 10 minutos feche a porta e no controlo de ar da combustão reduza a entrada de ar. 7. Deixar arder até criar as primeiras brasas”.
47. Na pág. 26 desse manual consta que, após o acendimento: “1. Abra a porta devagar, espalhe bem as brasas de forma igual por toda a base da fornalha. 2. Coloque cavacas de aproximadamente 1kg cada uma na horizontal, não carregue em demasia o equipamento, de acordo com o seu modelo ver carga máxima admissível na tabela de características do equipamento. 3. Escolha uma posição no controlo de ar de combustão de forma a ter uma queima suave e duradoura, evite uma queima desmesurada”.
48. Na pág. 26 desse mesmo manual de utilização consta: “nunca faça queimas intensas e prolongadas. O rendimento será mínimo e poderá danificar o equipamento e consequentemente perda de garantia”.
49. Na mesma página do referido Manual de Utilização constam ainda os seguintes avisos: “A combustão desmesurada (…) pode inclusivamente provocar danos irreparáveis ao equipamento se levada a cabo por períodos de tempo consideráveis. (…) Caso verifique um funcionamento anormal ou sobre aquecimento, provoque a extinção imediata da combustão, fechando a regulação de entrada de ar combustão e fazendo com que o fogo se extinga por si mesmo devido à falta de oxigénio. Exponha o problema aos nossos serviços e/ou agentes para ser resolvido”.
50. Na pág. 30 do manual de utilização, consta ainda a seguinte informação em caso de incêndio na chaminé: “2. Fechar completamente a porta da salamandra; 3. Fechar completamente a admissão de ar e saída de fumos; 4. O incêndio deverá extinguir-se por si mesmo devido à falta de oxigénio”.
51. A 1ª Ré nunca deu formação sobre a utilização do equipamento.
52. Nem forneceu o manual de instalação e utilização.
53. O companheiro da Autora limitou-se a colocar em funcionamento o sistema de aquecimento.
54. O incêndio não ocorreria se a tubagem de exaustão de fumos tivesse sido correctamente isolada na sua passagem na zona do tecto forrado de madeira do piso superior.
55. Foi requerida a licença de utilização em 23 de Setembro de 2016 por requerimento com o nº. 6876/16.
56. E foi solicitada a emissão do respectivo alvará em 13 de Outubro de 2016 por requerimento com o nº. 7411/16.
57. Por despacho de concordância com a informação de 17 de Outubro de 2016, proferido, aos 20 de Outubro de 2016, pelo Vereador da Câmara Municipal ... foi decidido, relativamente àquele requerimento com o nº. 6876/16 que “embora do ponto de vista estritamente urbanístico as alterações sejam passíveis de concretização, parte da alteração proposta incide sobre a escada com alteração formal e sendo mencionado em memória descritiva a alteração de vigas e pilares, devem ser esclarecidas em desenho as mesmas alterações. Estas modificações, contrariamente ao requerido (…) estão sujeitas a licença administrativa.
58. Do sinistro resultou para a 1ª Autora a destruição completa do prédio n.º ... e todo o seu recheio.
59. Tal prédio é constituído por uma habitação com 826 m2 de área bruta de construção, composta por 3 pisos e um logradouro com cerca de 2.500m2.
60. Trata-se uma casa construída na primeira quadra do seculo XVIII, com uma estrutura predominantemente em madeira nos 2º (paredes interiores) e 3º pisos (este integralmente em madeira, incluindo o telhado), tendo parte dele sido recentemente reabilitado também em madeira, por exigência do Município ....
61. Tais características eram do conhecimento da 1ª e 2ª Rés.
62. No Rés-do-chão o prédio tinha: - Paredes exteriores em granito. – Paredes interiores em granito e tabique e portas em madeira. - Pavimentos em granito e terra. – Tectos em gesso no hall de entrada e restantes em réguas de madeira. - Divisões existentes: 1. Hall de entrada; 2.Vestiário; 3. Lagar; 4. Arrecadação; 5. Arrecadação; 6. Despensa; 7. Despensa.
63. No 1.º Piso o prédio tinha: - Paredes exteriores em granito no alçado que confronta com a Rua ... e as restantes em tabique. - Paredes interiores em tabique, rebocadas e pintadas, algumas das quais com frescos e marmoreados, nomeadamente nas escadas de acesso ao rés-do-chão e corredores de circulação, e portas em madeira pintadas à mão. -Pavimentos em madeira (soalho pregado). - Tectos em gesso com molduras em todos os espaços com excepção da sala de jantar cujo tecto era em madeira pintado. - Escadas em madeira de acesso ao piso térreo e ao piso 2. -Divisões existentes: 1. Corredor de distribuição e circulação; 2. Sala de estar; 3. Sala de jantar; 4. Biblioteca; 5. Sala de estar; 6. Escritório; 7. Instalação sanitária; 8. Despensa.
64. No 2.º Piso o prédio tinha:- Paredes exteriores em tabique. -Paredes interiores em tabique. -Pavimentos em madeira. -Tectos em réguas de madeira. -Divisões existentes: 1. Espaço amplo parcialmente demolido onde existiriam 4 quartos, 1 sala e 3 instalações sanitárias.
65. Na cobertura o prédio tinha:- Cobertura com estrutura em vigamento de madeira. - Isolamento térmico e acústico com placas de roofmate. -Telhado em telha canudo assente sobre onduline.
66. Não é possível reconstituir todos os pormenores notáveis, nem utilizar os materiais nela existentes.
67. A reposição do prédio no estado em que se encontrava tem um custo não concretamente apurado.
68. A demolição e remoção dos escombros existentes no prédio implica trabalhos de custo não concretamente apurado.
69. Em consequência do incêndio, ficou destruído todo o recheio do prédio descrito no documento junto a fls.150 a 269 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), no valor de € 93.688,97.
70. A 1ª. Autora é professora universitária na Faculdade de Direito da Universidade de ..., cidade onde residiu e onde sempre trabalhou.
71. A 1ª Autora adquiriu o prédio em 2010 como realização do sonho de ser proprietária de uma casa antiga no centro da cidade, beneficiando das vantagens próprias que o centro de uma cidade como Guimarães oferece e simultaneamente propiciar a si e aos seus filhos a qualidade de vida resultante da localização e amplo logradouro que a casa oferecia.
72. A 1ª Autora enamorou-se pela casa, em especial pelos seus pormenores nas salas nobres e pelo seu logradouro, ao ponto de, não obstante continuar a trabalhar em Coimbra, mudar a sua residência e, bem assim, a dos seus filhos para a casa em apreço, com a alteração do percurso escolar dos seus filhos que, por inerência, passou a ser em Guimarães.
73. Durante os mais de 6 anos que mediaram a aquisição do prédio e o incêndio, a 1ª Autora, com muito esforço pessoal e financeiro, foi participando activamente no projecto de reabilitação, acompanhando a evolução do restauro da casa que traduzia o seu sonho e novo projecto de vida.
74. A casa reflectia o gosto da autora que acompanhou a escolha de todos os pormenores no âmbito da arquitectura e decoração.
75. O incêndio na casa foi, por isso, um duro golpe nas suas aspirações e sonhos.
76. Além do crédito bancário que necessitou, a Autora havia investido na casa todas as suas poupanças, mas também por todo um projecto de vida que saiu gorado com grande impacto na sua vida e na dos seus filhos.
77. Após o incêndio, é com extrema dificuldade que a 1ª Autora passa junto dos escombros da casa, o que lhe provoca invariavelmente muito sofrimento.
78. A Autora não imagina a sua vida em Guimarães, na medida em que sem a casa em apreço todo o projecto de vida, anteriormente idealizado, deixou de fazer sentido.
79. A Autora regressará a Coimbra, para aí estabelecer novamente a sua residência, o que ainda não sucedeu apenas e só por causa dos seus filhos e o término dos respectivos ciclos escolares (a mais velha encontra-se no 6º ano e o mais novo no 4º ano)
80. A Autora sofreu e sofre com o facto de não ter a sua casa, não poder dela dispor.
81. A Autora perdeu todo o recheio da casa, onde se incluíam bens de valor afectivo como fotografias, cartas, livros, presentes, recordações de infância dos seus filhos e a sua dissertação de mestrado impressa.
82. Os trabalhos executados pela 1ª Ré e adquiridos pela 2ª. Autora, incorporados com a obra e com o valor descrito nos documentos de fls.61 verso a fls.67 e de fls.67 verso a 71 verso (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), foram danificados e destruídos irremediavelmente.
83. O edifício pré-existente à data do início das obras ficou irremediavelmente destruído, sendo necessário reconstruir o telhado, a chaminé e as paredes exteriores.
84. O valor de reconstrução do telhado, isolamento e estrutura em madeira existente à data do sinistro ascende a € 15.000,00.
85. Em consequência do incêndio, ficou destruído o recheio do prédio nº. .., com os seguintes preços aquando da sua aquisição pela 2ª Ré: - Impressora HP Colour Lajer Jet CM2320nf MFL: 557,50€; - Móvel Portas e Gavetas - Cantos Rectos Design: 3.223,14€; - Poltrona Glove: 487,81€; - Iluminação suspensa Zettle: 325,20€; - Mobiliário feito a medida Arq in move: 3.400,00€; - Candeeiros e apliques estilo Dauhaus: 2.323,72€; - MacBook Pro 2.8 Gb: 700,00€; - Iphone 5S Gold 16Gb: 568,00€; - MacBook Pro 13.3/2.8Ghz: 2.234,00€; - Macbook Pro 13Retina: 2.234,00€; - Candeeiros Taucha 7unidades: 1.120,00€; - Candeeiros Leving H: 395,00€; - Candeeiros Vera S.: 170,00€; - Máquina de Secar Roupa Miele TKB 140 WP: 594,87€.
86. A 2ª Autora pretendia ocupar o prédio nº. .. como sede da sua actividade, facto que se tornou impossível em virtude do incêndio.
87. Em consequência do que precisou, para continuar a desenvolver a sua actividade, de arrendar o prédio sito na Avenida de ... nº. ..., pela renda mensal de € 550,00 (quinhentos e cinquenta euros).
88. Em rendas vencidas, a Autora já liquidou a quantia de € 5.550,00 (cinco mil e quinhentos euros).
89. A 1ª Ré executou todas as obras contratadas com a 2ª Autora nos precisos termos e condições previstas no projecto de arquitectura que lhe foi enviado pela 2ª Autora, e que foi aprovado pela Câmara Municipal ..., em conformidade com as alterações acordadas com as Autoras no decurso dos trabalhos e que se mostram reflectidas nas telas finais.
90. A obra foi entregue pela Ré à 2ª Autora, que a recebeu, no dia 17 de Junho de 2016, data em que todas as obras contratadas já se encontravam concluídas.
91. A partir da referida data, a Ré deixou de ter qualquer chave da obra.
92. A partir da referida data, apenas a 2ª Autora passou a dispor e usufruir do imóvel.
93. O qual foi mobilado, tendo a 1ª Autora passado a viver lá, juntamente com a sua família a partir de data não concretamente apurada entre o dia 17 de Junho de 2016 e o dia 19 de Setembro de 2016.
94. A localização de um sistema de aquecimento (recuperador de calor ou outro equipamento) na sala do prédio n.º ... e respectivo sistema de aquecimento ao serviço dos quartos e casa-de-banho localizados no piso superior já estava prevista no projecto de arquitectura que foi enviado pela 2ª Autora à 1ª Ré com vista à execução da obra.
95. Para que a 1ª Ré executasse a obra de forma a que o tipo de sistema de aquecimento que viesse a ser escolhido pelas Autoras no decurso da obra fosse instalado no local.
96. De acordo com as Autoras e respectivos projectos ou desenhos.
97. Inicialmente, a execução desta obra de instalação do recuperador de calor e sistema de aquecimento ficou a cargo da 2ª Autora, que assumiu contratar directamente uma empresa que executasse esse serviço.
98. Porém, no decurso da obra, a gerente da 2ª Autora, por falta de tempo, solicitou à 1ª Ré que subcontratasse uma empresa que executasse esse trabalho.
99. A 1ª Ré escolheu a 2ª Ré, por ser uma empresa especializada na matéria e ter sido indicada pela fabricante Y, para a execução da obra de instalação do recuperador de calor e sistema de aquecimento.
100. E informou a 2ª Autora acerca da empresa que pretendia subcontratar, a qual foi aprovada por aquela.
101. A 1ª Ré não teve qualquer intervenção na execução técnica do trabalho de instalação do recuperador de calor, da tubagem e do sistema de aquecimento.
102. A 1ª Ré verificou e confirmou que a 2ª Ré forneceu e aplicou todos os materiais contratados, nos termos e condições constantes no documento nº. 92 e seg. (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
103. E confirmou e verificou que o referido trabalho era executado nos termos e condições previstos no projecto da obra e de acordo com as alterações acordadas com as Autoras no decurso dos trabalhos e que se mostram reflectidas nas telas finais.
104. A 1ª Ré confirmou e verificou, no termo da sua instalação, que o recuperador de calor e sistema de aquecimento, funcionava em condições de segurança.
105. A 2ª Ré conhece as regras de instalação que são fornecidas pelo fabricante do recuperador aplicado.
106. Os funcionários da 2ª Ré têm formação e conhecimentos técnicos específicos para a execução deste tipo de trabalhos.
107. Após a conclusão do trabalho, a 2ª Ré garantiu à 1ª Ré que cumpriu todas as regras de instalação do recuperador de calor e das tubagens.
108. As condutas de saída de fumo tiveram a mesma largura desde a saída do equipamento até à evacuação dos fumos para a atmosfera.
109. Após a conclusão da instalação do recuperador de calor e sistema de aquecimento, o mesmo foi testado durante cerca de 4 (quatro) a 5 (cinco) horas.
110. Na presença de um representante da 1ª Ré que presenciou o seu funcionamento em condições de segurança.
111. Não obstante o referido em 51. e 52., a 1ª Autora estava esclarecida acerca das regras de utilização e cuidados a ter com o recuperador de calor.
112. A 1ª Autora já tinha utilizado o recuperador de calor e sistema de aquecimento, por várias vezes, antes da ocorrência do sinistro e não comunicou à Ré a existência de qualquer anomalia no seu funcionamento.
113. A Autora saiu de casa e deixou o recuperador de calor e sistema de aquecimento ligado.
114. A Autora não se encontrava em casa aquando da ocorrência do sinistro.
115. O que, a par do referido em 52., a impediu de adoptar os comportamentos descritos no manual de utilização.
116. A adopção dos comportamentos descritos no manual de utilização impediria que incêndio tivesse a amplitude ocorrida.
117. As distâncias máximas possíveis entre a tubagem de exaustão e os materiais de combustão, já constavam do projecto elaborado pelo arquitecto responsável pela obra.
118. O arquitecto responsável pela execução do projecto de arquitectura não previu e não acautelou a distância de 1200 mm entre os materiais combustíveis e a conduta de exaustão.
119. O arquitecto que elaborou o projecto de arquitectura sabia que a distância existente entre os materiais combustíveis e a conduta de exaustão era inferior a 1200 mm.
120. A distância existente nesta obra entre os materiais combustíveis e a conduta de exaustão do sistema de aquecimento corresponde à distância normalmente existente em obras similares à dos autos.
121. Nem o arquitecto da obra, nem a 2ª Ré, referiram à 1ª Ré que as medidas existentes entre o equipamento e os materiais combustíveis não eram as adequadas ou que não garantiam a segurança da habitação.
122. A 1ª Ré confiou que a obra havia sido executada pela 2ª Ré em condições de segurança e não padecia de qualquer anomalia.
123. A 2ª Autora conhecia o projecto de arquitectura da obra.
124. A obra era acompanhada por Arquitecto contratado pela 2ª Autora.
125. A obra era fiscalizada por engenheiro da 1ª Ré contratado pela 2ª Autora.
126. Aquando o incêndio, não estava ninguém nos prédios n.º ... e 19, nem nas imediações.
127. O acesso ao interior só foi possível aos bombeiros, após a abertura da porta pela 1ª Autora, e quando o incêndio estava num estado avançado.
128. Se a Autora estivesse em casa poderia a atenuar as consequências do incêndio, com rápida intervenção dos bombeiros.
129. As chamas foram potenciadas e alimentadas pelo facto de o prédio estar habitado e ter recheio, como mobiliário e centenas de livros.
130. Além de carpetes, as Autoras tinham uma mesa em madeira, a distância inferior a 0,50 m. da parte frontal do recuperador.
131. A 2ª A. tinha conhecimento do tipo e características do aparelho que veio a ser instalado, incluindo a localização das tubagens.
132. A 2ª Ré não acordou com a 1ª Ré a colocação do recuperador de calor apto a ser utilizado pelo cliente.
133. O revestimento dos espaços onde foram colocados o recuperador de calor, a respectiva tubagem e chaminé foram feitos pela 1ª Ré.
134. A quem cabia, por acordo entre a 1ª e a 2ª Ré, fazer tais trabalhos e, bem assim, fazer os remates e terminar a execução do trabalho.
135. A distância de 1200 mm a que alude o manual de instruções é indicativa e pode ser reduzida até 15 centímetros se os elementos combustíveis de construção forem protegidos com materiais adequados para o efeito.
136. A tubagem utilizada e instalada no local pela 2ª Ré é certificada e apropriada para o local, correspondendo exactamente ao que foi encomendado e fornecido.
137. A tubagem de exaustão foi instalada pela 2ª Ré de acordo com as normas técnicas de montagem e segurança para tal tipo de tubagens.
138. A ficha electrotécnica refere-se ao prédio n.º ....
*
II. E deu como não provados os seguintes factos:

1. A 1ª Ré iniciou as obras 5 (cinco) dias úteis apos a comunicação de inicio enviada a Camara Municipal ... em 28 de Setembro de 2015.
2. O recuperador de calor era da serie Vista 80.
3. A 2ª Ré garantiu à Autora que o recuperador era adequado, apto e tinha as qualidades necessárias ao fim a que se destinava.
4. A 2ª. Autora não conheceu, não elaborou, nem mandou elaborar, o projecto de instalação do recuperador de calor e sistema de aquecimento.
5. O projecto de instalação do recuperador de calor e sistema de aquecimento foi elaborado pelas 1ª e 2ª. Rés.
6. A instalação do revestimento da tubagem realizou-se de acordo com aquilo que a 2ª Ré entendeu ser procedimento adequado ao efeito, designadamente no que respeita a escolha dos materiais e técnicas, atendendo as características e materiais do prédio.
7. A causa do sinistro resultou da errada e descuidada instalação das tubagens.
8. A causa do sinistro resultou da errada e descuidada instalação do sistema de aquecimento.
9. O incêndio foi originado pelos tubos de convecção de calor que não se encontravam devidamente isolados.
10. No dia do sinistro, a Autora colocou o sistema de aquecimento em funcionamento por indicação da 1ª Ré para verificar o seu funcionamento, em termos de combustão e de produção de calor e de escape de fumos para o interior da habitação.
11. As características estruturais e materiais existentes nos prédios nºs. 17 e 19 tornaram impossível qualquer controlo ou possibilidade de redução de danos a partir do momento em que o fogo se alastrou para o prédio n.º ....
12. Na data da ocorrência do sinistro as obras da empreitada contratada ainda não se encontravam concluídas, não tendo a obra sido entregue pela Ré, nem recebida pela Autora.
13. Não estavam, ainda, executados os seguintes trabalhos: a) Isolamento das portas da garagem e da cozinha; b) Remate das ombreiras do acesso a despensa/lavandaria; d) Rusticar as juntas de alvenaria de pedra existente; e) Colocação de vidro duplo na porta da cozinha; f) Fornecimento e execução de trabalhos de aplicação de tomadas eléctricas.
14. A partir do dia 17 de Junho de 2016, a Ré nunca mais acedeu ao prédio ou executou qualquer trabalho.
15. Foi a 2ª Ré quem executou todos os trabalhos, por sua conta, direcção e risco.
16. O incêndio não teve origem na tubagem de exaustão localizada na parede divisória dos quartos e da casa de banho do prédio.
17. As causas do incêndio são desconhecidas.
18. O incêndio pode ter tido várias origens, designadamente, num curto-circuito eléctrico ou num raio de trovoada.
19. O sistema eléctrico dos candeeiros adquiridos pela Autora no estrangeiro poderia não estar em bom estado de conservação ou não ser totalmente compatível com o sistema eléctrico instalado na casa e, com o decorrer do tempo, ter desencadeado um curto-circuito.
20. No dia e hora em que ocorreu o sinistro, estava a chover e também trovejava intensamente, tendo um raio caído sobre o telhado da casa, o que fez desencadear o incêndio.
21. A tubagem aplicada foi isolada termicamente em todo o seu comprimento.
22. Todos os tubos de exaustão e de calor ficaram devidamente isolados.
23. A 2ª Ré entregou às Autoras o manual de instalação e utilização do recuperador de calor.
24. A 2ª Ré deu formação à 1ª Autora quanto à forma de acendimento do recuperador de calor e cuidados a ter durante o seu funcionamento.
25. A Autora carregou demasiado o equipamento.
26. A Autora não escolheu uma posição no controlo de ar de combustão de forma a ter uma queima suave e duradoura, evitando uma queima desmesurada.
27. A adopção dos comportamentos descritos no manual de utilização impediria a ocorrência do incêndio.
28. A segurança do equipamento é garantida apenas pelo tipo de materiais aplicados e pelo seu revestimento e não pela distância existente entre estes e os materiais combustíveis.
29. A 2ª Autora sabia que a distância existente entre os materiais combustíveis e a conduta de exaustão era inferior a 1200 mm.
30. A 2ª Autora era conhecedora dos termos e condições em que o recuperador de calor e sistema de aquecimento foram executados.
31. Se a Autora estivesse em casa poderia a impedir o incêndio.
32. A 1ª Autora foi habitar o prédio nº. .. sem que estivessem reunidas as condições de segurança contra incêndios, exigidas pelo Regime Jurídico da Segurança Contra Incêndios em Edifícios, sabendo que não estavam reunidas as condições de segurança para o efeito e potenciando os riscos inerentes a essa utilização.
*
V. Fundamentação de direito.

1. Da impugnação da decisão da matéria de facto.
1.1. Em sede de recursos (autónomos), ambas as apelantes impugnam a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no artigo 640º do CPC, o qual dispõe que:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».

Aplicando tais critérios ao caso, constata-se que as recorrentes indicam quais os factos que pretendem que sejam decididos de modo diverso, inferindo-se por contraponto a redação que deve ser dada quanto à factualidade que entendem estar mal julgada, como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua ótica o impõe(m), incluindo, no que se refere à prova gravada em que fazem assentar a sua discordância, a indicação dos elementos que permitem a sua identificação e localização, procedendo inclusivamente à respetiva transcrição de excertos dos depoimentos que consideram relevantes para o efeito, pelo que podemos concluir que cumpriram suficientemente os ónus estabelecidos no citado art. 640º.
Assim, no caso sub júdice, o presente Tribunal pode proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada, uma vez que, tendo sido gravada a prova produzida em audiência, dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre o(s) facto(s) em causa.
*
1.2. Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o art. 662.º, n.º 1, do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.

O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se, resumidamente, de acordo com os seguintes parâmetros (1):

- só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
- sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento;
- nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes).
- a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância.
- a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de reapreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
- ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que está também sujeita, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão.
- se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com benefício da imediação e oralidade - apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
*
1.3. Antes de iniciarmos a nossa análise sobre se a discussão probatória fundamentadora da decisão corresponde, ou não, à prova realmente obtida, importa deixar consignado que, com vista a ficarmos habilitados a formar uma convicção autónoma, própria e justificada, procedemos à audição integral da gravação dos depoimentos (de parte e testemunhais) prestados na audiência de julgamento, não nos tendo restringido aos trechos parcelares invocados nas apelações como justificadores da impugnação da decisão da matéria de facto.
Para além disso, foram analisados todos os documentos referenciados, bem como apreciada (e valorada) a prova pericial produzida nos autos de produção antecipada de prova (apenso A).
*
1.4. Da impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pela recorrente A. M. Lda.
i) - Da alteração da resposta positiva para negativa dos pontos 6, 86, 87 e 88 da matéria de facto provada;

Os referidos pontos fácticos impugnados têm a seguinte redação:

6. O supra referido prédio nº. .. é destinado a instalação e funcionamento da sua sede e ao exercício da sua actividade”.
86. A 2ª Autora pretendia ocupar o prédio nº. .. como sede da sua actividade, facto que se tornou impossível em virtude do incêndio.
87. Em consequência do que precisou, para continuar a desenvolver a sua actividade, de arrendar o prédio sito na Avenida de ... nº. ..., pela renda mensal de € 550,00 (quinhentos e cinquenta euros).
88. Em rendas vencidas, a Autora já liquidou a quantia de € 5.550,00 (cinco mil e quinhentos euros)”.
Em resumo, refere a recorrente que a referida matéria de facto dada como provada está em contradição com os pontos 20 e 93 da matéria de facto provada, além de que do conjunto da prova produzida nos autos resultou que o prédio n.º ..., apesar de ser propriedade da 2ª Autora, não se destinou ao exercício da sua atividade, mas sim à habitação da 1ª Autora e família.

Segundo a motivação da matéria de facto da sentença recorrida:

- “O vertido em I.1 a I.19 [onde se inclui o impugnado ponto I.6] estava já provado por documento, acordo ou confissão das partes, nada se tendo apurado em audiência de julgamento que o pusesse em causa”.
- “Tais depoimentos [da Autora e das testemunhas G. R., A. P., L. E. e J. M.] foram também decisivos para a demonstração da demais factualidade plasmada em I.71 a I.78, I.80, I.81, I.85 e I.86 dos factos provados, na medida em que tais testemunhas conhecem a Autora há bastante tempo e acompanharam a implementação do desígnio da Autora na reconstrução da casa e, bem assim, puderam constatar o estado de espírito desta depois do sucedido, matéria que, aliás, é praticamente notória e completamente verosímil e expectável em face da tragédia ocorrida”.
- “A prova da factualidade dos pontos I.87 e I.88 assentou no teor dos documentos juntos a fls.142 e seg. em conjugação com os depoimentos da Autora e da testemunha G. R. que, obviamente, dela tinham conhecimento directo, sendo também tal arrendamento expectável e verosímil em consequência da danificação irreversível do imóvel”.
Iniciaremos a nossa análise por salientar que a matéria objeto do ponto 6 dos factos provados, correspondendo ao alegado na 2ª parte do art. 3º da petição inicial, foi impugnada pela 1ª ré (art. 10º da contestação) e 2ª ré (art. 19º da contestação), pelo que, ao contrário do aduzido na sentença recorrida, a mesma não se mostrava admitida por acordo das partes (art. 574º, n.º 2 do CPC por interpretação “a contrario”). Carecia, por isso, de ser demonstrada.
Resulta provado nos autos, entre o mais, que o prédio urbano sito na Rua ... n.º .., União de freguesias de ..., ... e ..., em Guimarães, foi adquirido pela 2ª A., por contrato de compra e venda, celebrado por escritura pública, em 23/07/2010 (pontos 4 e 5 dos factos provados).
Está também provado que as obras realizadas no âmbito do contrato de empreitada celebrado com a 1ª ré visaram reabilitar totalmente e converter o prédio nº. .. numa moradia unifamiliar nos termos e condições previstas no projeto de arquitetura que foi aprovado em 28 de Novembro de 2014 pelo Município ... (ponto 20 dos factos provados); o imóvel foi mobilado, tendo a 1ª Autora passado a viver lá, juntamente com a sua família, a partir de data não concretamente apurada entre o dia 17 de Junho de 2016 e o dia 19 de Setembro de 2016 (ponto 93 dos factos provados).
Pese embora a demonstração de o prédio n.º ... ser propriedade da 2ª Autora, a verdade é que sobre o concreto circunstancialismo fáctico em discussão – destinar-se o referido prédio à instalação e funcionamento da sede da 2ª A. e ao exercício da sua actividade – não foi produzida nos autos nenhuma prova que, expressa ou tacitamente, se tenha pronunciado sobre essa facticidade. Tão pouco por referência ao depoimento de parte prestado pela 1ª A. ou ao depoimento da testemunha G. R., companheiro da 1ª A. e com quem vive em união de facto desde 2004, se depreendeu que o referido prédio se destinava ao desenvolvimento da atividade da 2ª A.. Destes depoimentos decorre que o referido prédio se destinou a ser habitado pelo respetivo agregado familiar, na sequência da transferência da sua residência de Coimbra para Guimarães, onde tencionavam estabelecer o seu núcleo familiar, como materialização de um projeto de vida comum.
Em parte alguma de tais depoimentos (ou de outros) é mencionado o propósito da afetação societária do referido prédio (n.º ...), sendo, antes e tão só, aludido ao facto de o referido prédio se destinar ao uso em proveito próprio da 1ª A. e respetiva família, posto aí terem instalado a sua residência, tendo para o efeito cessado o contrato de arrendamento para habitação referente ao prédio que tinham arrendado em Coimbra e transferido para aquele prédio todos os seus bens.
Por sua vez, resultando da prova produzida que, na decorrência do incêndio e da destruição dos dois prédios, num dos quais residiam, houve necessidade de arrendar um prédio para reinstalar a respetiva família, certo é que não foi produzida prova no sentido desse arrendamento se destinar (ou se mostrar necessário) à prossecução e desenvolvimento da atividade da 2ª A..
A este propósito, a testemunha G. R. referiu que, posteriormente ao incêndio, a A. recebeu um telefonema de um cliente que se disponibilizou a ceder-lhes um apartamento durante 2 meses, o que foi aceite (“nós aceitámos”), sendo que a partir de determinada altura fizeram questão de celebrar contrato de arrendamento e pagar a respetiva renda (no valor mensal de 500/550€, desconhecendo se essa verba foi objecto de divisão entre a 1ª A. e a sociedade, 2ª A.), tendo permanecido a residir nesse imóvel locado até junho de 2018.
Temos depois os documentos constantes de fls. 142 a 146, correspondentes aos recibos de renda, referentes aos meses de janeiro a outubro de 2017, emitidos pela sociedade T. – Imobiliária, SA em nome da 2ª A., no valor mensal de 550,00€, respeitantes à fração N do 6º andar Esq do Edifício …, sito na Av.ª de ..., Guimarães.
Nesta conformidade, face à exiguidade ou insuficiência da prova produzida impõe-se concluir pela não demonstração dos pontos 6 e 86 dos factos provados.
Por sua vez, o ponto 87 dos factos provados deverá ser objeto de reformulação restritiva – permanecendo como provado que, após o incêndio, a 2ª A. tomou de arrendamento o prédio sito na Avenida de ... n.º 540, 6º. Esq., pela renda mensal de € 550,00, mas dando-se como não provado que esse arrendamento se tornou necessário para a 2ª A. continuar a desenvolver a sua actividade.
No tocante ao ponto 88, e tendo como suporte os recibos de rendas juntos aos autos – que não esgotam o alegado período temporal de vigência do contrato de arrendamento –, é legítimo dar como provado que, em rendas vencidas, a 2ª Autora já liquidou a quantia de € 5.550,00, pelo que quanto a este concreto ponto impugnado apenas se impõe a concreta identificação ou individualização da demandante que efetivou o pagamento em causa.
Procede, assim, parcialmente a impugnação da matéria de facto quanto a este bloco de factos.
*
ii) - Da alteração da resposta positiva para negativa dos pontos 34, 35, 40, 41, 42 e 54 da matéria de facto provada e da resposta negativa para positiva dos pontos 16, 17, 18, 21, 22 e 28 da matéria de facto não provada.

Os referidos pontos fácticos impugnados da matéria de facto provada têm a seguinte redação:
“34. Com origem na parte superior do forro de madeira que constituía o tecto do piso superior do prédio nº. .., na zona do hall junto à entrada do quarto do lado direito, considerando o acesso a partir das escadas de acesso àquele piso, nas proximidades de um armário de madeira, por onde passavam as tubagens do recuperador de calor.
35. O qual se propagou para o telhado do prédio nº. .., passando em seguida para o telhado do prédio n.º ..., e alastrando pelas paredes internas de ambos os prédios, de cima para baixo e de forma mais acentuada para a direita”.
“40. O incêndio teve origem na tubagem de exaustão localizada na parede divisória dos quartos e da casa de banho do prédio nº. ...
41. As tubagens e condutas do equipamento foram instaladas a uma distância não concretamente apurada mas sempre inferior a 1000 mm e superior a, pelo menos, 450 mm, face aos materiais combustíveis, nomeadamente ao travejamento e forro em madeira.
42. Os tubos de exaustão de fumos não se encontravam devidamente isolados, permitindo fugas de calor e sobreaquecimento na madeira que se encontrava nas suas proximidades”.
“54. O incêndio não ocorreria se a tubagem de exaustão de fumos tivesse sido correctamente isolada na sua passagem na zona do tecto forrado de madeira do piso superior”.

E os referidos pontos fácticos impugnados, da matéria de facto não provada, têm a seguinte redação:
16. O incêndio não teve origem na tubagem de exaustão localizada na parede divisória dos quartos e da casa de banho do prédio.
17. As causas do incêndio são desconhecidas.
18. O incêndio pode ter tido várias origens, designadamente, num curto-circuito eléctrico ou num raio de trovoada”.
21. A tubagem aplicada foi isolada termicamente em todo o seu comprimento.
22. Todos os tubos de exaustão e de calor ficaram devidamente isolados”.
“28. A segurança do equipamento é garantida apenas pelo tipo de materiais aplicados e pelo seu revestimento e não pela distância existente entre estes e os materiais combustíveis”.

Insurge-se a recorrente contra a convicção formada pelo Tribunal recorrido com base no relatório pericial e respetivos esclarecimentos prestados no apenso de produção antecipada de prova (Apenso A), porquanto, aduz aquela, “as causas de deflagração do incêndio não foram apuradas nos autos com a certeza que se impunha para que a ação fosse julgada procedente e a Recorrente condenada, porquanto o relatório pericial e ulteriores esclarecimentos não é conclusivo quanto às causas do incêndio, revelando-se, em boa verdade, obscuro e até contraditório”.
Acresce que, no entendimento da recorrente, e em obediência ao disposto no art. 389º do CC, na análise do relatório pericial o Tribunal recorrido deveria ter tido em conta também os depoimentos prestados pelas testemunhas que executaram a obra da 2ª Autora, designadamente os funcionários da recorrente: Eng.º R. S., engenheiro civil e que era o diretor técnico da obra; D. F., técnico de obras; P. S., carpinteiro; e C. T., trolha; bem como da testemunha P. F., arquiteto, que foi autor do projeto de arquitetura da obra em causa nos autos. No dizer da apelante, tais intervenientes “foram unânimes em afirmar que o recuperador de calor e o sistema de aquecimento e respetivas tubagens foram aplicados pela 2ª Ré, limitando-se a Recorrente a dar o apoio à execução do referido trabalho pela 2ª Ré ao nível da construção civil, designadamente na abertura dos buracos para a passagem dos tubos; que a Recorrente cumpriu o projeto de arquitetura que lhe foi enviado pela 2ª Autora e que foi aprovado pela Câmara Municipal ..., e que as distâncias máximas possíveis entre a tubagem de exaustão e os materiais de combustão já constavam do projeto elaborado pelo arquiteto responsável pela obra, facto que foi dado como provado pelo Tribunal recorrido nos pontos 89 e 117 dos factos provados; que a distância existente nesta obra entre os materiais combustíveis e a conduta de exaustão do sistema de aquecimento corresponde à distância normalmente existente em obras similares à dos autos, facto que, aliás, também foi dado como provado pelo Tribunal recorrido no ponto 120 dos factos provados; que o tipo de tubagem aplicada pela 2ª Ré, por ser em inox e de dupla face, era estanque de calor e, como tal, não precisava de qualquer tipo de revestimento pelo exterior, mas que, mesmo assim, de acordo com o que é prática corrente na construção civil, ainda revestiram toda a tubagem com lã de rocha, que é o material usado habitualmente para estancar o calor; que o tipo de tubo aplicado pela 2ª Ré, tubo em inox com revestimento interior de lã de rocha, é que garantia a segurança em relação aos materiais de construção e não o revestimento que era feito ao exterior do tubo, o qual não era necessário porque o tubo era estanque de calor”.

Na motivação da decisão da matéria de facto, o Mmº Juiz “a quo” aduziu a seguinte fundamentação:

«O relatório pericial de fls.233 e seg. do apenso do incidente de produção antecipada de prova (apenso A) foi determinante para a prova da factualidade dos pontos I.34, I.35, I.40 a I.42 e I.54 e para a não prova dos factos vertidos em II.7 a II.9, II.16 a II.22.
Efectivamente, tal relatório pericial unânime explicita de forma cabal, fundamentada e inequívoca a concreta causa do incêndio ocorrido, excluindo, sem margem para qualquer dúvida outras alegadas causas, seja a existência de um curto circuito (dada a ausência de indícios nesse sentido na cablagem, nomeadamente pérolas ou bolas nas pontas de cabos eléctricos), seja em resultado de causa humanas ou naturais, nomeadamente, a queda de um raio sobre a casa.
Do referido relatório resulta claro o local onde o incêndio começou (“na parte superior do forro de madeira do tecto do piso superior”, “na zona do hall que se situava junto à entrada do quarto do lado direito”), a forma como o mesmo progrediu (“de cima para baixo e de forma mais acentuada para o lado direito”, dado que no piso inferior “a destruição existente é bastante menor do que a existente no piso superior”), a fonte de ignição do incêndio (as tubagens do recuperador que se encontrava em funcionamento) e, bem assim, a causa do mesmo, qual seja, o insuficiente isolamento da tubagem de exaustão de fumos na passagem na zona do tecto forrado de madeira do piso superior.
Com efeito, os Srs. Peritos concluíram que, embora o recuperador e as tubagens – que eram as adequadas para aquele efeito – tenham sido instalados de acordo com as normas técnicas de segurança (o que levou ao decidido na primeira parte do ponto I.136 e no item I.137 dos factos provados) – o isolamento dessas condutas ou tubagens não “terá sido efectuada da forma mais correcta tendo a dilação da referida tubagem, através do calor emanado pelo funcionamento do recuperador de calor, provocado um sobreaquecimento e levando à eclosão de um foco de incêndio, na madeira que se encontrava nas suas proximidades”, tendo ademais esclarecido que “a selagem/isolamento da referida tubagem deveria ter sido efectuada de forma a que, aquando da passagem do calor pela tubagem de saída de fumos e a consequente dilatação dos tubos, os mesmos não entrassem em contacto com a madeira, provocando um sobreaquecimento na mesma que levasse à eclosão de um foco de incêndio” (cfr. p.8 dos esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos a fls.307 e seg. dos apenso A.).
Tais conclusões afiguram-se claras e assertivas e são consequência lógica do explicitado no relatório, não padecendo este de quaisquer obscuridades ou contradições.
Com efeito, é de notar que o sobreaquecimento a que os Srs. Peritos aludem ocorre na madeira (e não nas tubagens em si mesmas, onde apenas se deu o aquecimento derivado do funcionamento do recuperador) e que, na segura exclusão das demais causas possíveis para a deflagração do incêndio, a consideração do deficiente isolamento das tubagens de exaustão surge como a única explicação plausível para aquela deflagração, ademais quando não encontraram, face ao estado de destruição do imóvel, qualquer vestígio de ter sido efectuado devidamente tal isolamento na zona em que tais tubagens atravessavam um armário forrado a madeira.
Não colhem, assim, as críticas apontadas pela 3ª Ré e pela 1ª Ré, as quais, neste último caso, assentam no pressuposto errado – porque não demonstrado e de todo desmentido pelo grau de destruição causado pelo incêndio – de que a Autora e o seu companheiro reduziram a meras brasas o combustível existente no interior do recuperador antes de se ausentarem do domicílio.
Tal relatório pericial e as respectivas fotografias demonstram à saciedade a factualidade constante em I.58, sendo que isso mesmo resulta também do teor do auto de notícia policial de fls.94 verso e seg., bem como, do teor do relatório de ocorrência de fls.459. Para além dessa factualidade, tais meios de prova foram também determinantes para a demonstração dos factos constantes em I.82 a I.84, sendo que a demonstração do valor referido em I.84 assentou no teor do orçamento referente a carpintarias e junto a fls.54 verso e 55. O facto provado em I.129 é apodíctico e resultou demonstrado também por aquele mesmo relatório pericial.
O teor do documento de fls.103 e seg. determinou a prova do vertido em I.45 a I.50».
E “[n]ão foi feita qualquer prova relativamente à factualidade constante em II.4, II.5, II.11, II.28 e II.30”.
Os factos em discussão, como é bom de ver, têm atinência com a origem, localização, desenvolvimento e causas do incêndio objeto dos autos.
Trata-se, naturalmente, de matéria técnica e complexa, dada a multiplicidade de fatores que (direta ou indiretamente) podem ter contribuído para a eclosão do sinistro em apreço.
Antes de mais, afigura-se-nos relevante destacar o relatório pericial colegial realizado no âmbito da produção antecipada de prova (cfr. fls. 223 a 259 do apenso A), complementado com os esclarecimentos prestados pelos srs peritos (cfr. fls. 308 a 316 do apenso A).

Nele os peritos concluíram, por unanimidade, que:

- O foco inicial de início de incêndio ocorreu na parte superior do forro de madeira que constituía o teto do piso superior, mais precisamente na zona do hall que se situava junto da entrada do quarto do lado direito (vista a partir das escadas de acesso ao piso superior), nas proximidades de um armário de madeira por onde passavam as tubagens do recuperador de calor.
- Não foram detetados quaisquer vestígios/indícios de sobreaquecimento e ou curto-circuito no sistema elétrico do prédio que pudessem ter estado na origem do incêndio.
- Não foram encontrados quaisquer indícios de causas naturais que pudessem ter estado na origem do incêndio.
- Não foram encontrados quaisquer indícios de causas humanas que pudessem ter estado na origem do incêndio.
- O incêndio propagou-se da habitação sita na Rua ..., nº .. para a habitação sita no nº 17, através do telhado.
- A tubagem de saída de fumos do recuperador encontrava-se de acordo com as normas técnicas de montagem e segurança para este tipo de tubagens.
- Em relação à tubagem da saída de convecção de calor secundária não foi possível extrair quaisquer conclusões em relação à sua montagem em virtude de grande parte da mesma ter sido completamente destruída pela ação do calor do incêndio, excluindo, no entanto, a possibilidade de o incêndio ter sido originado pela tubagem da saída de convecção de calor secundária, tendo em consideração o baixo calor emanado por este tipo de tubagens conjugado com o facto de o foco de início do incêndio ter acontecido na parte superior do forro de madeira do teto do piso superior.
- Face às conclusões efetuadas e na conjugação das mesmas com a leitura de todos os indicadores de sentido e propagação de incêndio concluíram estar-se em presença de um incêndio que teve o seu início a partir da tubagem de saída de fumos do recuperador de calor.
- Mais concluíram que, aquando da montagem da tubagem de saída de fumos do recuperador de calor na zona do teto de madeira do piso superior/telhado da habitação, a selagem/isolamento da passagem da referida tubagem por essa zona não terá sido efetuada da forma mais correta tendo a dilatação da referida tubagem, através do calor emanado pelo funcionamento do recuperador de calor, provocado um sobreaquecimento e levado à eclosão de um foco de incêndio, na madeira que se encontrava nas suas proximidades.
- Tendo em consideração os materiais de construção existentes na habitação, onde existia uma elevada quantidade de madeira associada (chão, teto, vigas do telhado e paredes em tabique), após a sua eclosão o incêndio propagou-se de uma forma bastante rápida e consistente.

E, em sede de esclarecimentos, também por unanimidade, referiram que:
- O foco inicial de início de incêndio ocorreu na parte superior do forro de madeira que constituía o teto do piso superior, mais precisamente na zona do hall que se situava junto da entrada do quarto do lado direito (vista a partir das escadas de acesso ao piso superior), nas proximidades de um armário de madeira, por onde passavam as tubagens do recuperador de calor (conforme melhor descrito a páginas 17, 33 e 34 do relatório pericial).
- Foi possível determinar com segurança a fonte de ignição.
- A fonte de ignição foi o calor emanado através da tubagem de saída de fumos do recuperador de calor que levou a um sobreaquecimento da madeira que constituía a parte superior do forro de madeira que compunha o teto do piso superior, mais precisamente na zona do hall que se situava junto da entrada do quarto do lado direito (vista a partir das escadas de acesso ao piso superior), nas proximidades de um armário de madeira, por onde passavam as tubagens do recuperador de calor.
Tal comprova-se a partir das melhores práticas atualmente existentes a nível Europeu no âmbito das perícias a locais de incêndio, através da análise dos indicadores de sentido e propagação de incêndio conjuntamente com os princípios do designado triângulo do fogo e do comportamento do fogo, tais como os fenómenos de condução, convecção e radiação.
- Aquando da perícia, a guarnição/forro do telhado e o teto falso em madeira pareceram estar nas devidas condições para ser aplicado como forro de madeira ou teto falso, encontrando-se devidamente seca à altura dos factos.
- Não foram detetados quaisquer defeitos no recuperador de calor colocado.
- Não foram detetados quaisquer defeitos na montagem do recuperador de calor colocado.
- A tubagem de saída de fumos encontrava-se de acordo com as normas técnicas de montagem e segurança para este tipo de tubagens.
- O tipo de tubagem utilizada e a montagem da mesma encontrava-se de acordo com as normas técnicas de montagem e segurança para este tipo de tubagens.
- A execução do projeto foi efetuada de acordo com o projetado .
- Tendo em consideração o local de eclosão do incêndio não existiria um espaçamento ou separação com material isolante suficiente entre a madeira do forro de madeira e a referida tubagem de fumos que permitisse proteger a referida madeira do calor emanado pela tubagem de escoamento de fumos aquando do funcionamento do recuperador de calor.
- Não foram encontrados indícios de um aumento anormal da temperatura interior do recuperador de calor e do início da tubagem no momento da eclosão do incêndio.
- Não foram encontrados indícios da utilização de consumíveis combustíveis inadequados ao interior do recuperador que se possam ter elevado e entupido a conduta provocando o aumento da pressão dos gases e da temperatura e assim originando a ignição.
- Os indicadores concretos que comprovam que o incêndio progrediu de cima para baixo foram a leitura dos indicadores de sentido e propagação do incêndio nos materiais existentes na habitação alvo de perícia.
- A ignição não decorreu da combustão ou sobreaquecimento de um equipamento elétrico de uso pessoal ou doméstico.
- O tipo de tubagem utilizada e a montagem da mesma encontrava-se de acordo com as normas técnicas de montagem e segurança para este tipo de tubagens.
- Os indicadores de propagação e direção de incêndio existentes na referida habitação são efeitos/destruição provocados pela ação do calor e das chamas inerentes ao incêndio, nos materiais que constituíam a habitação, tais como madeiras, cimento, etc. (conforme melhor descrito a páginas 18 a 21 do relatório periciaI 201817938-CIE).
- Estes indicadores de propagação e direção do incêndio permitem identificar, com absoluta certeza, o foco inicial de incêndio e excluem, sem margem para qualquer dúvida, a possibilidade de o incêndio ter tido início numa outra zona da habitação.
- Estes indicadores de propagação e direção de incêndio excluem a possibilidade de o mesmo ter tido início no prédio contíguo a este.
- No local de eclosão do referido incêndio e em zonas circundantes ao mesmo não foram encontrados quaisquer indícios de causas naturais, como, por exemplo, a queda de um raio que pudesse estar na origem do incêndio.
- Também não foram encontrados quaisquer indícios de intervenção humana na eclosão do referido incêndio.
- A selagem/isolamento da tubagem de saída de fumos do recuperador deveria ter sido efetuada de forma a que, aquando da passagem do calor pela tubagem de saída de fumos e a consequente dilatação dos tubos, os mesmos não entrassem em contacto com a madeira provocando um sobreaquecimento na mesma que levasse à eclosão de um foco de incêndio.
- Já em relação à tubagem da saída de convecção de calor secundária não foi possível extrair quaisquer conclusões em virtude de grande parte da mesma ter sido completamente destruída pela ação do calor do incêndio.

Contrapõe a recorrente afirmando que, na análise do relatório pericial, o Tribunal recorrido deveria também ter tido em conta os depoimentos prestados pelas testemunhas em audiência de julgamento, tais como o Eng.º R. S., o D. F., o P. S. e C. T. – estes funcionários da Recorrente e que executaram a obra da 2ª Autora –, bem como o Arquiteto P. F., autor do projeto de arquitetura da obra em causa nos autos.
A verdade é que, auditados os depoimentos prestados por tais testemunhas, neles não é avançada, em termos objetivos, circunstanciados e fundados, a localização do início da eclosão do incêndio, o modo como o mesmo se propagou ou desenvolveu, a fonte de ignição do incêndio, bem como a causa próxima, provável ou plausível que esteve na origem do incêndio.
O teor de tais depoimentos, por força das respetivas razões de ciências, incidiu essencialmente sobre o modo como o recuperador de calor e o sistema de aquecimento, incluindo as respetivas tubagens, foram aplicados/instalados, a fixação e delimitação da participação da 1ª e 2 Rés na execução de tais trabalhos (nos termos que constam dos pontos 29, 30, 31, 101, 102, 103, 104, 133, 134 e 137 dos factos provados), a sua execução em conformidade com os termos e condições previstas no projeto de arquitetura aprovado pela Câmara Municipal ... (como resulta dos pontos 89 e 117 dos factos provados), as caraterísticas dos materiais aplicados e o respetivo isolamento, assim como a menção das distâncias entre os materiais combustíveis e a conduta de exaustão do sistema de aquecimento (cfr. ponto 120 dos factos provados).
Contudo, contrariamente ao propugnado pela recorrente, em termos de valia probatória os referidos depoimentos testemunhais de modo algum são aptos a contrariar ou infirmar as conclusões retiradas no relatório pericial no tocante às causas da deflagração do incêndio e ao modo como este se desenvolveu.
De facto, estando em causa uma questão eminentemente técnica e complexa dada a multiplicidade de fatores que, direta ou indiretamente, para ela podem contribuir, não pode a formação da convicção do Tribunal escudar-se nos indicados depoimentos testemunhais que se limitaram a formular meras suposições subjetivas ou conjeturas sem qualquer valência probatória e sem suporte nos analisados vestígios do incêndio.
Por outro lado, resultando da prova produzida que, aquando do início da eclosão do incêndio, a 1ª Autora e o seu companheiro não se encontravam nos prédios n.º ... e 19 (ponto 126 da matéria de facto provada), já que deles se tinham ausentado para ir buscar os filhos que nessa tarde haviam permanecido na companhia da irmã do companheiro da 1ª A., e considerando que o recuperador de calor esteve em funcionamento ao longo dessa tarde, a recorrente com vista a colocar em causa o parecer dos srs. peritos manifesta a sua convicção de que o companheiro da 1ª A., precisamente porque ia sair de casa para a ela regressar passado algum tempo, terá “carregado com lenha a mais o recuperador de calor, de forma a garantir que a casa permanecesse quente quando a ela voltassem, tendo sido esta sobrecarga do recuperador de calor que esteve na origem do incêndio”.
Trata-se, porém, de uma conclusão que não passa de um mero juízo ou duma convicção puramente subjetiva da recorrente que não se mostra suportada nas respetivas premissas.
Isto porque, segundo o depoimento de parte da 1ª A. e do companheiro desta, tendo ido buscar os filhos no contexto mencionado e embora pretendessem regressar a casa, a verdade é que tencionavam dela ausentar-se de seguida, porquanto nesse dia o Vitória jogava (salvo erro contra o Rio Ave) e a testemunha G. R. havia combinado ir ver o jogo, na televisão, a casa dos pais, onde jantariam.
Complementarmente, dir-se-á que a testemunha G. R., além de ter mencionado que antes de saírem de casa diminuiu a quantidade de lenha que aí havia colocado, reduzindo-a a brasas – o recuperador ficou a funcionar já com lenha quase queimada, “não ficou em chama viva quando saíram”, “o lume estava em fase descendente, mas não totalmente apagado, a chama já não estava intensa ou forte – referiu ainda que já se encontrava atrasado (o pai já lhe telefonara, dizendo-lhe que mais uma vez estava atrasado) e a testemunha J. P., que se apercebeu do incêndio por se encontrar a ver o jogo do Vitória num café próximo do prédio em apreço, atestou que quando o incêndio eclodiu o jogo de futebol estava já a decorrer.
Mas mais relevante do que estas (acessórias) considerações foi o facto do relatório pericial não ter concluído em termos que permitam alicerçar a subjetiva conclusão firmada pela recorrente.
A alusão à ocorrência de um raio sobre a moradia nos minutos que antecederam o incêndio não tem a necessária sustentabilidade.
Além de expressamente excluída do relatório pericial, a invocação dos depoimentos das testemunhas J. F. e R. S. é manifestamente insuficiente com vista a demonstração dessa facticidade.
A testemunha J. F. limitou-se a referir que, durante a tarde desse dia (cuja localização no tempo não conseguiu situar), antes do incêndio ouviu um estrondo, mas declarou não saber em bom rigor o que terá sido, designadamente desconhecendo se foi uma telha ou a caixilharia a “estourar”), referindo expressamente que sobre esse assunto não se podia alargar.
Por sua vez, a testemunha R. S. nem sequer se encontrava presente no local do incêndio aquando da sua ocorrência, apenas se tendo aí deslocado após a verificação do sinistro.
Em contraponto, sempre se dirá que a testemunha B. M., Comandante dos Bombeiros de …, instado sobre as condições climatéricas que nesse dia se faziam sentir declarou que o dia apresentava-se chuvoso, com chuva miudinha, mas não estava a “trovoar”.
Por fim, dizer que não é por numa reportagem televisiva que noticiou o referido sinistro se ter feito menção a uma alegada queda de um raio que esse facto poderá/deverá dar-se como provado.
Não obstante a força probatória da prova pericial ser fixada livremente pelo Tribunal (art. 389º do Cód. Civil), importará não olvidar que o exame pericial em causa tendente a indagar das causas do incêndio em causa envolveu matéria de particular complexidade, que exige ou pressupõe especiais conhecimentos técnicos, que o julgador não possui.
Assim, considerando a profissionalidade dos peritos que intervieram na perícia realizada nos autos, a especialização dos peritos na matéria objeto da perícia, a sua abrangência e o seu cariz técnico, a suficiência dos factos e elementos em que se basearam (documentando-o com as fotografias que dele constam em anexo), a inteligibilidade do laudo, com a descrição dos procedimentos levados a cabo para se chegar ao resultado alcançado, a observância, na sua elaboração, de parâmetros científicos ou técnicos (que não foram minimamente colocados em crise), assim como a coerência, motivação e racionalidade das suas conclusões, complementado com os esclarecimentos prestados a todas as questões suscitadas, é de concluir que o seu resultado (sem embargo da conjugação com a demais prova produzida) se afigura como decisivo na formação da convicção do Tribunal quanto à(s) concreta(s) causa(s) do incêndio, o mesmo se dizendo quanto à sua eclosão, localização e desenvolvimento. E, pelas razões já indicadas, é inegável que a sua valia e credibilidade probatória se deve sobrepor aos depoimentos testemunhais invocados pela recorrente.
Em suma, não possuindo as testemunhas indicadas pela recorrente a credibilidade probatória que esta lhes pretende conferir, é de confirmar o juízo da 1ª Instância que se alicerçou no resultado do relatório pericial.
Improcede, assim, a referida objeção levantada pela recorrente quer quanto ao resultado do referido relatório pericial, quer quanto às respostas aos pontos 34, 35, 40, 41, 42 e 54 da matéria de facto provada e aos pontos 16, 17, 18, 21, 22 e 28 da matéria de facto não provada, mantendo-se estas inalteradas.
*
iii) Da alteração da resposta negativa para positiva dos pontos 25, 26, 27 e 31 da matéria de facto não provada.

Os mencionados pontos fácticos impugnados têm a seguinte redação:
«25. A Autora carregou demasiado o equipamento.
26. A Autora não escolheu uma posição no controlo de ar de combustão de forma a ter uma queima suave e duradoura, evitando uma queima desmesurada.
27. A adopção dos comportamentos descritos no manual de utilização impediria a ocorrência do incêndio».
«31. Se a Autora estivesse em casa poderia a impedir o incêndio».

No dizer da recorrente, os referidos factos foram incorretamente julgados, porquanto, a ser como os peritos concluem de que o incêndio teve origem no sobreaquecimento da madeira, teve necessariamente que ocorrer uma sobrecarga do recuperador de calor por parte da 1ª Autora quando se ausentou de casa, e terá sido esta a causa do incêndio.
Como já anteriormente explicitámos, a referida conclusão alicerça-se numa pura suposição subjetiva da recorrente, sem que se mostre alicerçada em elementos objetivos.
Como a própria recorrente reconhece, não foi produzida prova testemunhal que corrobore essa versão. Por outro lado, conquanto se aceite que a testemunha G. R. tem um direto interesse no desenlace da lide (por viver em união de facto com a 1ª A. e o projeto de reabilitação dos prédios em apreço corresponder a um projeto de vida comum), não será certamente por força do reconhecimento desse circunstancialismo que o Tribunal poderá/deverá dar como demonstrada a versão contrária à apresentada por tal interveniente acidental.
Para tanto seria indispensável que os elementos probatórios carreados aos autos ou outros elementos indiciários apurados permitissem extrair ilações lógicas que permitissem concluir no sentido da confirmação da apontada crença subjetiva.
Quanto a essa matéria, a perícia não concluiu por qualquer uso inadequado do recuperador de calor por carga excessiva ou queima exagerada e o recuperador foi encontrado selado após o incêndio.
Acresce que, em sede esclarecimentos, os srs. Peritos declararam não terem sido encontrados indícios de um aumento anormal da temperatura interior do recuperador de calor e do início da tubagem no momento da eclosão do incêndio, além de igualmente não terem sido encontrados indícios da utilização de consumíveis combustíveis inadequados ao interior do recuperador que se possam ter elevado e entupido a conduta provocando o aumento da pressão dos gases e da temperatura e, assim, originando a ignição (cfr. resposta 9 d). e 9.e), a fls.303 verso do apenso A).
Por outro lado, não sabemos se foi, ou não, escolhida “uma posição no controlo de ar de combustão de forma a ter uma queima suave e duradoura, evitando uma queima desmesurada” até porque inexiste qualquer elemento indiciário que permita concluir nesse sentido.
Ademais, tendo em conta a concreta causa da eclosão do incêndio – com origem na tubagem de exaustão localizada na parede divisória dos quartos e da casa de banho do prédio nº. .., sendo que os tubos de exaustão de fumos não se encontravam devidamente selados/isolados, permitindo fugas de calor e sobreaquecimento na madeira que se encontrava nas suas proximidades e que o incêndio não ocorreria se a tubagem de exaustão de fumos tivesse sido corretamente isolada na sua passagem na zona do teto forrado de madeira do piso superior (pontos 41, 42 e 54 da matéria de facto provada) –, não se vislumbra como é que a adoção dos comportamentos descritos no manual de utilização impediria a ocorrência do incêndio, nem como é que a Autora poderia impedir a eclosão do incêndio se estivesse em casa.
Remete-se, pois, para o explicitado no relatório pericial, no qual foi excluída qualquer causa atinente ao deficiente uso do recuperador do calor, designadamente quanto aos materiais utilizados.
Termos em que improcede a enunciada impugnação.
*
iv) Da modificação/alteração de redação da resposta dos pontos 51 e 52 da matéria de facto provada.

É a seguinte a redação dos pontos impugnados:
«51. A 1ª Ré nunca deu formação sobre a utilização do equipamento.
52. Nem forneceu o manual de instalação e utilização».

A referida facticidade corresponde à matéria alegada na 1ª parte do art. 61º da petição inicial.
Independentemente de saber a quem competia prestar formação sobre a utilização do equipamento e fornecer o manual de instalação e utilização – se à 1ª ré ou, ao invés, à 2ª ré, por ter sido esta quem forneceu e instalou o recuperador de calor, a tubagem e o respetivo sistema de aquecimento –, o Mmº Juiz “a quo” limitou-se, e bem, a atender à respectiva alegação fáctica, por esta estar suportada na prova produzida, não cuidando de fazer uma valoração jurídica quanto à delimitação da entidade sobre a qual recairiam tais deveres. Esta questão e a respetiva valoração apenas a jusante poderia/deveria eventualmente ser equacionada, mais propriamente em sede de subsunção jurídica.
Nesta conformidade, mantêm-se inalterados os enunciados pontos de facto impugnados.
*
v) - A alteração da resposta positiva para negativa dos pontos 69 e 85 da matéria de facto provada;

Os pontos impugnados têm a seguinte a redação:
«69. Em consequência do incêndio, ficou destruído todo o recheio do prédio descrito no documento junto a fls.150 a 269 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), no valor de € 93.688,97».
«85. Em consequência do incêndio, ficou destruído o recheio do prédio nº. .., com os seguintes preços aquando da sua aquisição pela 2ª Ré: - Impressora HP Colour Lajer Jet CM2320nf MFL: 557,50€; - Móvel Portas e Gavetas - Cantos Rectos Design: 3.223,14€; - Poltrona Glove: 487,81€; - Iluminação suspensa Zettle: 325,20€; - Mobiliário feito a medida Arq in move: 3.400,00€; - Candeeiros e apliques estilo Dauhaus: 2.323,72€; - MacBook Pro 2.8 Gb: 700,00€; - Iphone 5S Gold 16Gb: 568,00€; - MacBook Pro 13.3/2.8Ghz: 2.234,00€; - Macbook Pro 13Retina: 2.234,00€; - Candeeiros Taucha 7unidades: 1.120,00€; - Candeeiros Leving H: 395,00€; - Candeeiros Vera S.: 170,00€; - Máquina de Secar Roupa Miele TKB 140 WP: 594,87€».

As razões de discordância da recorrente alicerçam-se, essencialmente, nos seguintes argumentos:
- resultando apenas provado que os prédios das Autoras ficaram destruídos, bem como todo o recheio que não foi possível retirar do seu interior no dia do incêndio, não foram apurados os concretos bens que foram destruídos, nem, muito menos, o seu valor e a sua propriedade;
- apesar dos documentos juntos ao processo que visavam comprovar a propriedade dos objetos neles identificados, não foi possível apurar se esses bens eram pertença da 1ª Autora ou da 2ª Autora;
- estando demonstrado que a 1ª Autora vivia em união de facto com a testemunha G. R., e não sendo este parte na ação, impunha-se que aquela fizesse prova de quais os bens que lhe pertenciam em exclusivo, sob pena de o Tribunal ter de concluir que os mesmos pertenciam em partes iguais aos dois membros do casal, que formavam à data do incêndio e que continuam a formar, nos termos do disposto no art. 1403º, n.º 2 do C.C.

Na motivação da matéria de facto, com vista à formação da sua convicção sobre a indicada matéria fáctica, o Tribunal “a quo” explicitou a seguinte fundamentação:
«O teor do documento junto a fls.150 a 269 em conjugação com os depoimentos da Autora e da testemunha G. R., os quais genericamente, confirmaram o teor do mesmo, mostra-se suficiente para a demonstração da factualidade constante em I.69. É certo que tais depoentes são parte interessada na demanda, mas são eles também que melhor podem atestar tal factualidade, dado terem residido na casa em apreço, tendo, por isso, directo conhecimento de tal factualidade. De resto, o identificado G. R. explicou que os bens descritos nesse documento correspondem ao que efectivamente era adquirido pela Autora e pago exclusivamente por esta, não obstante alguns itens terem a identificação, por exemplo, do pai da testemunha G. R. por facilidade de recepção da encomenda e por aquele estar sempre em casa.
Ademais, os seus depoimentos foram confirmados, em pleno, pelos depoimentos das testemunhas A. P., amigo e colega da Autora, L. E. e J. M., amigos da Autora e do seu companheiro, os quais descreveram o vasto património da biblioteca da Autora e corroboraram aquelas declarações da Autora e do seu companheiro, nada se tendo apurado em contrário, tudo o que se revelou suficiente para a demonstração daquela factualidade, sendo certo que a exigência probatória neste particular se há-de considerar menos exigente em consequência de a própria destruição provocada pelo incêndio ser causa da eliminação de outros meios de prova. É de assinalar, também, que as testemunhas A. P. e L. E. ajudaram nas mudanças, sendo esse também o motivo pelo qual demonstraram conhecimento da referida factualidade.
Tais depoimentos foram também decisivos para a demonstração da demais factualidade plasmada em I.71 a I.78, I.80, I.81, I.85 e I.86 dos factos provados, na medida em que tais testemunhas conhecem a Autora há bastante tempo e acompanharam a implementação do desígnio da Autora na reconstrução da casa e, bem assim, puderam constatar o estado de espírito desta depois do sucedido, matéria que, aliás, é praticamente notória e completamente verosímil e expectável em face da tragédia ocorrida. Neste particular, foi ainda considerado o depoimento das testemunhas J. F., que se deslocou ao local aquando da eclosão do incêndio, o qual presenciou a reacção da Autora perante a tragédia».
A matéria do ponto 69 dos factos provados corresponde, em parte, à matéria alegada nos arts. 67º e 77º da p.i., reportando-se aos danos sofridos pela 1ª A. atinentes à destruição de todo o recheio em consequência do sinistro objeto dos autos, bens esses identificados no documento 21 (cfr. fls. 150 a 269)
Subscrevemos as considerações tecidas na sentença recorrida a propósito da confirmação dessa facticidade, quer pela A., em sede de depoimento de parte (não revestindo esse reconhecimento cariz confessório, visto aquela factualidade lhe ser favorável, mas podendo ser livremente apreciado pelo Tribunal em conjugação com a demais prova produzida), quer pelo depoimento da testemunha G. R., companheiro da 1ª A., tendo este referido que os bens descritos no aludido documento foram adquiridos e pagos pela Autora, apesar de alguns itens terem a identificação do pai da testemunha, o que justificou por facilidade de receção da encomenda em Guimarães e por aquele estar sempre em casa.
Contudo, embora inicialmente tenha referido que a 1ª A. tinha uma grande biblioteca composta por centenas de livros (o que foi confirmado pelas testemunhas A. P., amigo e colega da Autora, L. E. e J. M., amigos da Autora), certo é que, ulteriormente, não deixou de precisar que “tinham” uma grande biblioteca e que à biblioteca da A. adicionou (a testemunha) os (livros) dele.
Mais adiante referiu não poder garantir que todos os bens foram adquiridos com dinheiro da A. (referindo, porém, não ter reclamado as suas perdas), reconhecendo ter contribuído para a aquisição de alguns bens (o que se compreende se tivermos em consideração que, desde 2004, a indicada testemunha e a 1ª A. viviam em união de facto e tinham um projeto de vida em comum).
Mais declarou que, do total dos rendimentos auferidos pelos membros da união de facto, a proporção auferida pela 1ª A correspondia a cerca de 2/3.
Por outro lado, alguns dos itens descritos nos documentos de fls. 150 a 269 têm a identificação da testemunha, sendo certo que nesse caso já não colhe a justificação apresentada para a indicação do seu pai com vista a facilitar a receção da encomenda em Guimarães. Quer isto dizer que se impõe a conclusão de que, diversamente do alegado e demonstrado, alguns dos bens descritos no referido documento não foram adquiridos pela 1ª A., mas sim pela testemunha, a quem pertenciam alguns dos livros destruídos, pelo que carece de fundamento a sua inclusão nos danos patrimoniais alegadamente sofridos pela 1ª A., visto esta carecer de legitimidade (substantiva) para o efeito.
Igualmente a testemunha A. P. fez alusão à inigualável coleção de direito da A. e do companheiro, composta por livros valiosos e raros e que era o ponto de referência de todos os colegas; a testemunha L. E. referiu conhecer a coleção de livros da A. e da testemunha G. R., por ter ficado alojado por diversas no apartamento deles em Coimbra e a parte de cima era quase um “open space” de todo o apartamento com imensos livros; por fim, a testemunha J. M. admitiu que existissem livros de ambos, mas a 1ª A. tinha mais livros, até porque já tinha feito doutoramento e estava sempre em investigação.
Pelo exposto, considerando estar em causa um projeto de vida em comum e a diferenciada percentagem da contribuição de cada um dos membros da união de facto para a vida em comum (com a inerente aquisição de bens), entende-se que a resposta ao ponto 69 da matéria de facto provada, refletindo esse circunstancialismo, deverá ser objeto de alteração.
Assim, tomando por referência o valor global dos bens discriminados no documento junto a fls.150 a 269 e efetivando a necessária imputação do (indicado) contributo de cada um dos membros da união de facto na sua aquisição, na proporção de 2/3 a favor da 1ª A. e 1/3 da testemunha G. R., impõe-se uma resposta restritiva nos termos seguintes:
69. Em consequência do incêndio, ficou destruído todo o recheio do prédio n.º ..., cujos bens pertença da 1ª A. ascendiam ao valor aproximado de € 62.500,00€.
Já relativamente ao ponto 89 da matéria de facto provada – correspondendo à matéria alegada no art. 98º da p.i. e reportando-se à materialidade atinente ao recheio do prédio da 2ª A. destruído em consequência do incêndio –, não se colocando aqui as objeções levantadas quanto à destrinça dos bens entre a 1ª A. e o seu companheiro G. R., sufraga-se na integra a fundamentação da sentença recorrida, pelo que é de manter a resposta ao ponto impugnado.
Em resumo, procede parcialmente a impugnação relativamente ao ponto 69 da matéria de facto provada.
*
vi) - A alteração da resposta positiva para negativa do ponto 125 da matéria de facto provada.

O ponto fáctico impugnado tem a seguinte redação:
«125. A obra era fiscalizada por engenheiro da 1ª Ré contratado pela 2ª Autora».

Com relevo importa atentar nos seguintes meios de prova:
i) - Documental:
Do livro de obra consta que o técnico responsável pela direção de fiscalização da obra era o Eng.º R. S. (cfr. fls. 459-c v.º).
ii) - Depoimento de parte da 1ª A:
O arquiteto era o coordenador do projeto (de arquitetura), que acompanhava e se deslocava à obra, mas não se debruçava sobre as questões técnicas, nem fazia medições, porque estas sempre estiveram delegadas no empreiteiro, no qual depositavam confiança.
A depoente nunca controlou medições e apenas no final contestou um valor reclamado devido a uma bomba do poço que se estragou, por já ter pago uma bomba há seis meses.
Nominalmente, no processo de licenciamento camarário indicaram o Eng.º R. S. como técnico responsável pela direção de fiscalização da obra.
Nunca sentiu necessidade de ter um fiscalizador para fiscalizar a obra.
iii- Prova testemunhal:
a) Testemunha G. R.:
O arquiteto não estava contratado para fazer a fiscalização da obra.
Não havia fiscalização nem coordenação de obra, nós tínhamos total confiança no Eng. R. S. na execução da obra.
Não havia ponte entre os donos da obra e o empreiteiro, já que a 1ª A. e a testemunha tratavam diretamente com o Eng. R. S., sendo que nunca foram feitas fiscalizações por nele depositarem total confiança.
b) P. F., arquiteto:
O contrato celebrado com A. era só referente à elaboração do projecto; não tinha funções de fiscalização e nunca fez autos de medição de fiscalização.
Fazia, sim, acompanhamento de obra, onde se deslocava para ver se o trabalho realizado estava em consonância com o projeto de arquitetura (i.e, prendia-se mais com questões estéticas).
O responsável pela fiscalização da obra era o eng. R. S., no qual os clientes delegaram poderes para fiscalizar a obra.
c) R. S., engenheiro civil, funcionário da 1ª ré há cerca de 15/16 anos.
Acompanhou a obra de restauro do início até ao fim e era o diretor responsável pela obra por parte do empreiteiro (1º ré), sendo que todos os trabalhos eram feitos sob a sua alçada.
O arquiteto também acompanhou a execução dos trabalhos, fazendo a ponte entre os clientes e a empreiteira.
O arquiteto fazia quase que uma parte de fiscalização da obra.
Ora, como é sabido, o conceito de fiscalização de obras é diverso do de direção de obras.
O contrato de direção técnica visa incumbir um técnico habilitado de assegurar a conformidade da execução da obra com os respetivos projetos. Por sua vez, o contrato de fiscalização da obra é aquele mediante o qual o dono da obra comete o exercício da faculdade que lhe é conferida pelo art. 1209.º do CC a determinado técnico.

A Lei n.º 31/2009, de 3/07, no seu art. 3º, veio definir estes conceitos:
-«Diretor de fiscalização de obra» é “o técnico, habilitado nos termos da presente lei, a quem incumbe assegurar a verificação da execução da obra em conformidade com o projeto de execução e, quando aplicável, o cumprimento das condições da licença ou da comunicação prévia, bem como o cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis, e ainda o desempenho das competências previstas no Código dos Contratos Públicos, em sede de obra pública” [al. f)];
- «Diretor de obra», é “o técnico habilitado a quem incumbe assegurar a execução da obra, cumprindo o projeto de execução e, quando aplicável, as condições da licença ou comunicação prévia, bem como o cumprimento das normas legais e regulamentares em vigor” [al. g)].
Quer-nos parecer que a concatenação destas várias figuras terá de ser feita a partir de uma simples ideia-base: quem é contratado para fazer a fiscalização da obra não pode ser o mesmo que foi contratado como diretor de obra, pois então estaria a fiscalizar-se a si próprio. Terá de ser um terceiro, quer em relação ao empreiteiro, quer em relação ao diretor de obra (2).
Feita esta breve enunciação e em face da prova produzida é de concluir que, não obstante o Eng. R. S. constar nominalmente no livro de obra como técnico responsável pela direção de fiscalização da obra, a verdade é que, efetivamente, o mesmo não exercia tais funções, mas tão só as de diretor de obra. A propósito é impressiva a afirmação da 1ª A. de que nunca sentiu necessidade de ter um fiscalizador para fiscalizar a obra
Nesta conformidade, procede a impugnação ao referido ponto fáctico, dando-se o mesmo como não provado, com a sua consequente transferência para o elenco dos factos não provados..
*
vii) - A alteração da resposta positiva para negativa dos pontos 132, 133, 134 e 135 da matéria de facto provada.

Reproduzindo os pontos fácticos impugnados:
«132. A 2ª Ré não acordou com a 1ª Ré a colocação do recuperador de calor apto a ser utilizado pelo cliente.
133. O revestimento dos espaços onde foram colocados o recuperador de calor, a respectiva tubagem e chaminé foram feitos pela 1ª Ré.
134. A quem cabia, por acordo entre a 1ª e a 2ª Ré, fazer tais trabalhos e, bem assim, fazer os remates e terminar a execução do trabalho.
135. A distância de 1200 mm a que alude o manual de instruções é indicativa e pode ser reduzida até 15 centímetros se os elementos combustíveis de construção forem protegidos com materiais adequados para o efeito».

Sustenta a recorrente pela alteração/modificação das respostas aos referidos pontos fácticos, de modo a que estes passem a ter a seguinte redação:
“A 2ª Ré acordou com a 1ª Ré a colocação do recuperador de calor apto a ser utilizado pelo cliente” – ponto 132
“A instalação do recuperador de calor, a respetiva tubagem e chaminé foram feitas pela 2ª Ré, a quem cabia fazer tais trabalhos e, bem assim, fazer remates e terminar a execução do trabalho” - ponto 133
“A 1ª Ré apenas executou o revestimento do espaço à volta do recuperador de calor, na sala” – ponto 134
“A distância de 1200 mm a que alude o manual de instruções apenas se refere ao recuperador de calor. A distância que normalmente é deixada entre o tubo que conduz o calor desde o recuperador de calor até à chaminé e os materiais de construção é de 10 a 15 centímetros, tendo sido esta a distância que foi deixada no prédio da 2ª Autora” - ponto 135.
A matéria em causa corresponde, parcialmente, à que foi alegada pela 2ª ré nos arts. 56º, 54º, 55º e 61º da sua contestação.

Importará relembrar que se mostra definitivamente apurado:
- No decorrer da execução das obras que integram o contrato de empreitada foi acordado entre a 2ª Autora e a 1ª Ré a instalação de um recuperador de calor na sala do prédio nº. .. e respetivo sistema de aquecimento ao serviço dos quartos e casa-de-banho localizados no piso superior (ponto 23 dos factos provados);
- A 1ª Ré contratou, por sua iniciativa e exclusiva escolha, atendendo ao equipamento escolhido, a 2ª Ré Lareiras ... – Sistemas de Aquecimento Lda (ponto 27 dos factos provados);
- Foi a 1ª Ré que contratou com a 2ª Ré e foi aquela que pagou a esta pelos trabalhos realizados, bem como pelos equipamentos e instalação do sistema de aquecimento (ponto 29 dos factos provados);
- O recuperador de calor, tubagem e respetivo sistema de aquecimento foram instalados em Março de 2016 pela 2ª Ré, instalação essa que foi supervisionada e fiscalizada pela 1ª Ré (pontos 28 e 30 dos factos provados);
- A 1ª Ré não teve qualquer intervenção na execução técnica do trabalho de instalação do recuperador de calor, da tubagem e do sistema de aquecimento (ponto 101 dos factos provados);

Na motivação da sentença recorrida (na parte que ora releva) o Mm.º Juiz “a quo” explicitou a seguinte fundamentação:
«Não se olvide, porém, que a instalação do recuperador e respectiva tubagem foi executada pela 2ª Ré, mas os trabalhos de revestimento do recuperador e da respectiva tubagem ficaram a cargo da 1ª Ré, tendo sido por esta executados em exclusivo.
Efectivamente, tal resultou inequívoco do teor do documento juntos a fls.322 (factura emitida pela 2ª Ré e referente aos trabalhos em causa) e, bem assim, dos depoimentos das testemunhas R. S. e D. F., os quais descreveram circunstanciadamente o que cada uma das empresas executou, do que resultaram as decisões constantes em I.101 a I.104, I.107, I.108, I.131 a I.134 e na segunda parte do vertido em I.136 dos factos provados e II.6 e II.15 dos factos não provados».
Com vista a suportar a convicção do Mmº Julgador há, desde logo, a destacar a proposta remetida pela 2ª ré ao Eng. R. S. (cfr. documento de fls. 320), da qual constam as três soluções opcionais, contendo os equipamentos/materiais a aplicar e o respetivo valor do total da empreitada.
De igual modo, sobreleva a fatura constante de fs. 322 vº emitida pela 2ª Ré, tendo como destinatário a 1ª ré, referente aos trabalhos em causa, cujo total ascende a 2.303,00€.
Igualmente releva a proposta de orçamento n.º 026.11-15, sobre o recuperador de calor (cfr. documento de fls. 92), sendo que o ponto 1 diz respeito aos materiais que foram fornecidos e instalados pela 2ª Ré, estando refletidos nas faturas emitidas (cfr. fls. 321 a 323), ao passo que o ponto 2 respeita aos serviços/trabalhos cuja execução ficou a cargo da 1ª ré.
No tocante à prova testemunhal, é de atender aos depoimentos das testemunhas R. S. (diretor técnico de obras) e D. F. (técnico de obras), ambos colaboradores da 1ª ré, os quais, no tocante à aplicação e instalação do recuperador de calor, da respetiva tubagem e ligação à chaminé, indicaram circunstanciada e diferenciadamente os trabalhos executados por cada uma das rés (1ª e 2ª) neles intervenientes.
A testemunha D. F. referiu que foi a 2ª Ré quem forneceu e aplicou o recuperador de calor, bem como procedeu à colocação dos tubos de fumo até à chaminé, incluindo a feitura dos remates junto às telhas e a colocação do chapéu (chaminé), tendo a testemunha acompanhado essa instalação, o que demandou 3 a 4 dias.
Após a conclusão dos trabalhos pela 2ª ré, esteve presente e acompanhou o teste de funcionamento do recuperador de calor, sendo esse o procedimento usualmente adotado.
Confirmou que a 1ª ré revestiu o tubo com lã de rocha até ao telhado e indicou as distâncias a que os tubos ficaram das paredes e da madeira. Procedeu (a 1ª ré) à abertura dos buracos para permitir a passagem dos tubos em conformidade com o que estava delineado no projeto.
A testemunha R. S., confirmou que a 2ª Ré procedeu à aplicação e instalação do recuperador de calor junto ao pavimento do rés-do-chão. Fizeram um pré-isolamento com lã de rocha em volta de todo o recuperador, bem como colocaram a tubagem em inox, que foi guiada até à cobertura, onde fizeram todos os remates em volta das telhas, com rufos.
Com vista à cabal instalação do recuperador de calor confirmou que a 1ª ré efetuou os trabalhos de apoio da construção civil para a abertura de buracos para passagens dos tubos, o que foi feito de acordo com o que estava marcado no projeto e em conformidade com a espessura dos tubos.
Por uma questão de segurança e dada a tubagem passar no interior de um armário, a 1ª Ré optou por fazer um isolamento de lã rocha em volta do tubo, que foi presa por uma fita de alumínio, aplicação essa que no tipo de tubagem aplicado não seria necessária, mas que a empresa habitualmente faz por ser prática corrente na construção civil.
A testemunha P. S., funcionário da 1ª ré há cerca de 10 anos, carpinteiro, confirmou que foi a 2ª Ré quem instalou e aplicou a tubagem até à chaminé (tubo de dupla face), mas foi a testemunha quem fez o furo (buraco) nas lajes de madeira do 1º piso para o 2 piso por onde o tubo passava, – na parte do telhado foi o trolha quem executou esse trabalho –, o que fez em conformidade com o delineado no projeto (desconhecendo se neste já tinha a dimensão do furo), esclarecendo que o buraco foi feito de prumo desde o local do recuperador de calor até lá cima, sendo que o furo (buraco), com um diâmetro de cerca de 45 cm, foi feito em função da dimensão do tubo aplicado, acrescido de 10/15 cm a toda a volta do tubo “para que não haja problemas”.
A testemunha C. T. – funcionário da 1ª ré há cerca de 9/10 anos, trolha, que trabalhou na obra em causa quando a 2ª ré instalou o recuperador de calor –, explicitou os trabalhos executados pela 2ª ré, que consistiram na aplicação do recuperador na sala, na colocação da respetiva tubagem desde o recuperador até ao telhado e na feitura da vedação do telhado, tendo posteriormente a testemunha, atuando por conta e sob a autoridade da 1ª Ré, isolado o tubo com lã de rocha até à zona da vedação que feita pela 2ª ré, bem como forrado o tubo em toda a extensão até ao telhado e colocado fita-cola nas emendas. Depois a 2ª R. colocou uma gola (em aço inox).
Confirmou que, na passagem da laje, a intervenção foi executada pelo carpinteiro da 1ª ré e o revestimento à volta da tubagem foi executado pela 1ª Ré; no remate do telhado não havia contacto direto com a madeira (sendo tal da responsabilidade da 2ª R).
Assim sendo, da globalidade da prova produzida podemos concluir que, diversamente do alegado na petição inicial pelas AA. e do propugnado pela recorrente, cabia à 2ª Ré proceder ao fornecimento e execução dos trabalhos de aplicação do recuperador de calor (incluindo a tubagem), competindo, por sua vez, à 1ª ré abrir e revestir exteriormente os espaços onde foram colocados o recuperador de calor, a tubagem e a chaminé, bem como fazer os remates e terminar a execução do trabalho (os apelidados trabalhos de apoio de construção civil como reconhecido pelas indicadas testemunhas).
Inexiste, por conseguinte, qualquer contradição entre os pontos impugnados e o ponto 101 da matéria de facto provada, já que este reporta-se aos trabalhos inerentes à própria instalação do recuperador de calor, da tubagem e do sistema de aquecimento (cuja execução foi inequivocamente feita pela 2ª ré), e não aos trabalhos exteriores ou envolventes da aplicação dos tubos (basicamente trabalhos de construção civil, seja da arte de carpinteiro ou do trolha, executados pela 1ª ré).
Donde, jamais poderia ser dado como provado que a 2ª Ré acordou com a 1ª Ré a colocação do recuperador de calor apto a ser utilizado pelo cliente, como se de uma empreitada entregue na sua globalidade se tratasse, posto a feitura dos trabalhos a cargo da 1ª ré ser imprescindível à conclusão da execução dos trabalhos de modo a que o recuperador de calor estivesse apto (e em condições de segurança) a ser utilizado pelo cliente.
Concomitantemente, é de confirmar as respostas dada aos pontos 132 a 134, visto retratarem fielmente a diferenciação dos trabalhos que competiam à 1ª ré e à 2ª ré, nos termos que foram confirmados pelas indicadas testemunhas.
Relativamente ao teor do ponto 135 dos factos provados, dele não resulta que a distância de 1200 mm recomendada no manual de instruções seja aplicável a toda a extensão do sistema do recuperador de calor, desde o equipamento propriamente dito, passando pela tubagem que faz a condução até à chaminé. Como resulta da resposta dada, essa distância pode ser menor contanto que os elementos combustíveis de construção sejam protegidos com materiais adequados para o efeito.
Tendo como suporte o depoimento da testemunha J. S. e P. impõe-se, porém, uma ligeira retificação no tocante à redução da distância entre os tubos e os materiais combustíveis, que pode situar-se entre 10 a 15 centímetros.

Nesta conformidade, improcedendo a impugnação quanto aos pontos 132 a 134, reformula-se a resposta ao ponto 135 dos factos provados, que passará a valer com a seguinte redação:
135. A distância de 1200 mm a que alude o manual de instruções é indicativa e pode ser reduzida até 10/15 centímetros se os elementos combustíveis de construção forem protegidos com materiais adequados para o efeito.
*
viii) - A alteração da resposta negativa para positiva dos pontos 29 e 30 da matéria de facto não provada;

O teor dos pontos fácticos impugnados é o seguinte:
«29. A 2ª Autora sabia que a distância existente entre os materiais combustíveis e a conduta de exaustão era inferior a 1200 mm.
30. A 2ª Autora era conhecedora dos termos e condições em que o recuperador de calor e sistema de aquecimento foram executados».
Na ótica da recorrente, os referidos factos estão em contradição com a matéria de facto dada como provada nos pontos 89, 94, 117, 123 e 131 da matéria de facto provada.
Carece, porém, de razão. Com efeito, o âmbito dos pontos 89, 94, 117, 123 e 131 dos factos provados é diferente da amplitude dos factos impugnados, pelo que a demonstração daqueloutros não determinava necessariamente a resposta positiva à matéria objeto dos pontos 29 e 30 dos factos não provados.
Não é por a 2ª Autora conhecer já previamente o projeto de arquitetura da obra e de este contemplar a localização de um sistema de aquecimento (recuperador de calor ou outro equipamento) e respetivas tubagens, bem como conhecer já o tipo e características do aparelho que veio a ser instalado, incluindo a localização das tubagens, que necessariamente nos pode levar a concluir que a mesma tinha conhecimento de que a distância existente entre os materiais combustíveis e a conduta de exaustão era inferior a 1200 mm.
Secundando a fundamentação explicitada na motivação da sentença recorrida, diremos que, por as distâncias previstas e possíveis entre as tubagens e as estruturas em madeira dos armários do piso superior «não estarem visualmente expressas no aludido projecto, não é possível concluir, atendendo à demais prova produzida, que a Autora tivesse conhecimento dessas concretas medidas (cfr. ponto II.29). De facto, trata-se aqui de um aspecto de dimensionamento técnico que não ressalta da leitura imediata dessas plantas, assinalando-se ademais que, mesmo em audiência de julgamento [aquando da acareação entre as testemunhas R. S. e P. F.], foi necessário recorrer a uma régua para proceder à medição, à escala, das referidas distâncias, do que decorre não ser verosímil que a Autora delas tivesse conhecimento em resultado de ser conhecedora do teor do projecto de arquitectura».
E o facto dessas medidas serem do conhecimento do arquiteto contratado pela 2ª A. não determina necessariamente que, no que concerne a este específico pormenor técnico, dele tivesse dado conhecimento àquela.
Por último, o facto de a 2ª A. ter conhecimento do tipo e características do aparelho que veio a ser instalado, incluindo a localização das tubagens, não nos habilita a concluir que era identicamente conhecedora dos termos e condições em que o recuperador de calor e sistema de aquecimento foram executados, porquanto está em causa um circunstancialismo fáctico distinto, sendo certo que, no que concerne à factualidade objeto do ponto 30 dos factos não provados, não foi produzida prova que a confirmasse.
Improcede, por isso, a impugnação destes pontos fácticos.
*
ix) - A ampliação da matéria de facto (conclusão 33º).

Defende a recorrente que devem ser acrescentados à matéria de facto provada os seguintes factos (conclusão 33ª):
a) - “Na tubagem do recuperador de calor e sistema de aquecimento foi utilizado tubo duplo em inox, com revestimento interior de lã de rocha, em peças de um metro cada, com um diâmetro interno do tubo de 20 cm e externo de 26 cm e terminava a 1,35 cm acima do telhado”.
No dizer da recorrente, «a prova desta matéria resulta da análise do relatório pericial e da prova testemunhal, designadamente dos depoimentos das testemunhas Eng.º R. S., D. F., C. T. e P. S., (…), as quais confirmaram as características do tubo constantes do relatório pericial.
b) - “A 3ª Ré não cumpriu o dever de informação prévia e comunicação das cláusulas contratuais gerais à Recorrente.”
Este facto - segundo a recorrente - «deveria ter sido julgado como aceite pela 3ª Ré, que não o impugnou, atentas as regras do ónus da prova, como supra se alegou. Por outro lado, a 3ª Ré também não logrou provar que cumpriu os referidos deveres através do depoimento da única testemunha que foi ouvida acerca desta matéria, o Senhor J. B., que à data do sinistro dos autos era profissional de seguros contratado pela 3ª Ré, o qual prestou depoimento no dia 18 de Fevereiro de 2020, minutos 00:00:00 a 00:13:57, na parte que supra se transcreveu (minutos 00:07:42 e 00:08:58). Em consequência, a douta sentença recorrida deve ser revogada na parte em que absolveu a 3ª Ré do pedido».
No tocante ao ponto a), a respetiva facticidade mostra-se reconhecida no relatório pericial, aí se referindo que, da análise ao recuperador de calor e à tubagem associada ao mesmo, verificou-se que foi “utilizado tubo duplo em inox, com revestimento interior de lã de rocha, em peças de um metro cada, com um diâmetro interno do tubo de 20 cm e externo de 26 cm, na tubagem de saída de fumos”, terminando a referida tubagem “a 1,35 cm acima do telhado” (cfr. fls. 24, 30 e 31 e 32 do relatório do exame pericial, correspondente a fls. 247, 253, 254 e 255 do apenso de produção antecipada de prova).
Tais características da tubagem aplicada foram igualmente confirmadas pelas testemunhas R. S., D. F., C. T. e P. S., que aí prestaram funções e que por isso revelaram ter conhecimento direto de tais factos.
Nesta conformidade, procede a impugnação desse ponto fáctico.
Já relativamente ao ponto b), está essa pretensão impugnatória destinada ao insucesso.
Antes de mais, porque - como a própria recorrente reconhece - a mesma não constava de nenhum tema de prova e, acrescentaremos nós, nem tinha de constar, uma vez que a mesma não foi tempestivamente alegada.
Além de que, nos exatos termos preconizados pela recorrente, jamais o referido ponto poderia ser dado como provado, visto o mesmo comportar uma manifesta valoração jurídica, e tais valorações, como é sabido, devem ser excluídas da seleção da matéria de facto que sirva de fundamento à decisão do Tribunal, apenas sendo admissíveis factos concretos.
Mas mesmo que se pretendesse atender unicamente ao segmento factual contido na respetiva valoração jurídica, sempre seria inviável a pretensão impugnatória em apreço.
Isto porque, por um lado, o referido facto não foi tempestivamente alegado (sequer extemporaneamente pela recorrente).
Aliás, é a própria a reconhecer que o mesmo não constava de nenhum tema de prova, sem que aponte qualquer deficiência à seleção dos temas da prova.
A recorrente contestou a ação, juntou a ata das condições particulares da apólice e jamais alegou o aludido não cumprimento do dever de informação pela ré seguradora das condições que corporizam o referido contrato.
Como bem refere a recorrida X, competia à recorrente alegar que, quando contratou o seguro, as condições gerais ou as condições especiais aplicáveis não lhe foram entregues, e, bem assim, que nunca lhe foram explicadas condições contratuais gerais contratualizadas.
Tão pouco as autoras, ao instaurarem a presente ação e ao alegarem os factos tendentes a responsabilizar a co-Ré seguradora pelo pagamento duma indemnização em virtude da verificação de um evento coberto pelo risco transferido pela empreiteira, erigiram como fundamento da sua pretensão tal facticidade.
Neste ponto, com vista à responsabilização da 3ª ré, as AA. limitaram-se a alegar que aquela havia celebrado com a 1ª ré/empreiteira um contrato de seguro titulado pela apólice n.º …….16/RC, pelo qual esta transferiu para aquela a responsabilidade civil emergente da sua actividade, jamais tendo alegado a violação de qualquer dever de informação aquando da celebração do referido contrato de seguro.
Na sua contestação, a 3ª ré defendeu-se por exceção, invocando, entre o mais, a não cobertura do sinistro objeto dos autos face às cláusulas de exclusão do referido contrato de seguro (cfr. arts. 10º a 21º).
Tendo o Mmº Juiz facultado às AA. a oportunidade para, querendo, responderem às exceções alegadas pelas Rés, sob a cominação prevista no art. 587º, n.º 1 do CPC (cfr. fls. 390), responderam estas, aduzindo razões de direito para sustentar que as exclusões constantes das condições gerais eram cláusulas abusivas, logo nulas (cfr. fls. 391 a 395).
As AA. não alegaram que alguma ou das cláusulas contratuais gerais não tivessem sido comunicadas à segurada, a aqui recorrente.
Ao explicitar as razões de direito por que propugnavam pela inviabilidade da invocada exceção formularam a seguinte conjetura: “…não cremos que a ré seguradora tivesse informado e esclarecido a segurada do teor das referidas exclusões, porquanto a real e efectiva noção destas exclusões determinaria, por certo, o desinteresse da ré segurada num seguro que excluísse, da sua cobertura, a generalidade das situações que a subscrição de um seguro como este pretende acautelar.”
Ora, concorda-se com a recorrida X quando refere que essa conjetura “não traduz a alegação de um facto, mas antes a formulação de um juízo de ciência subjectivo da autora».
E que muito menos se podia considerar essa conjetura quando sendo a própria 1ª R. “a visada, e conhecendo as razões pelas quais a seguradora declinara a cobertura, não alegou nenhum facto que traduzisse a violação pela aqui recorrida dos deveres de comunicação e ou esclarecimento das cláusulas das condições gerais”.
A recorrida X não tinha, nem podia, impugnar aquela conjetura, por não se tratar de um facto, pelo que aquela jamais poderia considerar-se admitida por acordo.
Sempre se acrescentará que, a deferir-se tal pretensão impugnatória, tal equivaleria, na prática, a admitir - na vertente das AA. - uma efetiva alteração da causa de pedir sem a verificação dos pressupostos estabelecidos no art. 265º do CPC, bem como - na vertente da recorrente A. M. - a admitir a inobservância do princípio da concentração da defesa na contestação previsto no art. 573º do CPC, o que é de repudiar.
De qualquer modo, e diversamente do propugnado pela recorrente, da prova produzida não resulta corroborada a versão de que a 3ª Ré não informou ou deu conhecimento à recorrente das cláusulas contratuais gerais.
Aliás, a testemunha J. B., profissional de seguros da ré, nem sequer interveio na outorga do contrato de seguro, destacando-se que o mesmo jamais confirmou que tenha havido omissão de prestação de informação ao segurado aquando da celebração do contrato de seguro.
Termos em que improcede este ponto da impugnação.
*
1.5. Da apelação das Autoras.
i) - Alteração da resposta negativa para positiva dos pontos.12 e 13 da matéria de facto não provada (conclusões 3.1 a 3.3)

Os pontos fácticos impugnados têm a seguinte redação:
12. Na data da ocorrência do sinistro as obras da empreitada contratada ainda não se encontravam concluídas, não tendo a obra sido entregue pela Ré, nem recebida pela Autora.
13. Não estavam, ainda, executados os seguintes trabalhos: a) Isolamento das portas da garagem e da cozinha; b) Remate das ombreiras do acesso a despensa/lavandaria; d) Rusticar as juntas de alvenaria de pedra existente; e) Colocação de vidro duplo na porta da cozinha; f) Fornecimento e execução de trabalhos de aplicação de tomadas eléctricas”.

Com vista a suportar a sua convicção sobre essa facticidade o Tribunal “a quo” explicitou a seguinte motivação:
«A prova do constante em I.90 estribou-se no teor da menção constante do termo de encerramento do livro de obra, onde se refere como data de conclusão da obra o dia 17 de Junho de 2016, sendo que tal termo de encerramento está subscrito pela Autora, por R. S., enquanto técnico responsável pela direcção de fiscalização da obra (cfr. ponto I.125), e pelo empreiteiro. É certo que a Autora e o seu companheiro G. R. afirmaram que a obra não estava concluída, tendo ainda especificado os trabalhos que faltava concluir, o que, contudo, não obteve confirmação cabal na demais prova produzida.
Com efeito, apenas a testemunha P. F. afirmou que a obra não estava concluída naquela data constante no termo de encerramento do livro de obra, mas também não foi capaz de localizar a data concreta em que a obra acabou, pelo que aquela primeira afirmação não pode ser acolhida. Por outro lado, as testemunhas R. S. e D. F. referiram que as obras contratadas acabaram em Junho e que depois disso apenas foi feita “assistência” e trabalhos extra de “melhoramentos” não inicialmente previstos (sem que, contudo, tenham precisado, com exactidão, no tempo, a conclusão desses novos trabalhos – o que determinou a não prova do constante em II.14) tendo inclusivamente existido uma festa de inauguração da casa que aqueles situaram entre Junho e Julho.
Acresce que o teor do email de fls.325, enviado pelo Eng.º. R. S. e datado de 19 de Setembro, em que se refere que “temos lá dois funcionários nossos” faz inculcar, em face desse reduzido número de mão de obra, que apenas continuavam a ser realizados os mencionados melhoramento e trabalhos extra, isto não obstante na participação do sinistro a Ré ter feito alusão a uma 5º fase de trabalhos terminada a 23 de Setembro.
Nessa medida e face a tais divergentes versões e não se tendo apurado outros elementos objectivos capazes de conferir maior credibilidade a qualquer uma delas, fez-se uso do teor daquele termo de encerramento porquanto mais fiável por se tratar de um documento com relevantes efeitos jurídicos (os quais, de resto, a Autora não ignorava dadas as suas habilitações e altas competências na área do direito do urbanismo) e anterior ao evento em análise, estando, por conseguinte, imune a eventuais posteriores contágios derivados das consequência do sinistro, o que, por arrasto, determinou a não prova do vertido em II.12 e II.13».
Sem prejuízo de se reconhecer a prova divergente sobre essa factualidade impugnada, importa antes de mais assinalar o facto de as recorrentes não terem impugnado o ponto 90 dos factos provados, no qual se deu como provado que a “obra foi entregue pela Ré à 2ª Autora, que a recebeu, no dia 17 de Junho de 2016, data em que todas as obras contratadas já se encontravam concluídas”.
Essa matéria corresponde ao alegado pela 1ª ré no art. 17º da sua contestação e, diversamente do propugnado pelas recorrentes, a materialidade fáctica nela retratada da entrega da obra e da conclusão de todas as obras contratadas não se delimita às obras que interferem com o processo administrativo, querendo, sim, significar que a obra/empreitada que a 1ª ré se obrigou a realizar foi efetivamente concluída e entregue à dona da obra, que a aceitou.
Ora, a dar-se como provados os pontos 12 e 13 dos factos não provados, o presente acórdão passaria a enfermar de nulidade, por força do estatuído no art. 615º, n.º 1, al. c) “ex vi” do art. 666º, n.º 1 do mesmo diploma legal, dada a ambiguidade, obscuridade ou contradição de que o mesmo passaria a padecer. Isto porque tais factos que a recorrente pretende ver como provados são contrários ao ponto 90 dos factos provados.
Assim, sem que tenha sido validamente impugnado o ponto 90 dos factos provados afigura-nos irrelevante o juízo de discordância manifestado pelas recorrentes quanto ao facto de o tribunal ter equacionado que as obras tenham sido concluídas em junho.
Sem embargo do referido obstáculo intrínseco à procedência da impugnação deduzida, não deixaremos de aferir os concretos meios de prova indicados pelo Mmº Juiz “a quo” que, no seu entendimento, foram determinantes quanto à formação na sua convicção da formulação de um juízo de dúvida quanto à verificação de tais factos.
Convergindo com a motivação da sentença impugnada, é inequívoco que a factualidade impugnada foi confirmada pela 1ª A., em sede de depoimento de parte - não revestindo tais declarações valor confessório, por o reconhecimento de tais factos não lhe ser desfavorável, mas ficando sujeitas à regra da livre apreciação -, pela testemunha G. R., companheiro da 1ª A., com quem vive em união de facto desde 2004, e da testemunha P. F., arquiteto, responsável pelo projeto de arquitetura.
Contudo, essa versão fáctica foi contrariada pelo depoimento das testemunhas R. S. e D. F., ambos funcionários da 1ª Ré.
A testemunha R. S. declarou que o contratado no âmbito do contrato de empreitada com a 1ª R. e que fazia parte do projeto foi concluído em junho de 2016, o que originou o encerramento do livro de obras.
Todavia, na sequência da utilização da casa por parte dos donos da obra, estes solicitaram o ajuste de outros trabalhos que não constavam da proposta, mas que por necessidade da utilização da moradia houve necessidade de realizar.
Tais trabalhos realizados posteriormente à entrega e aceitação da obra não constavam dos que haviam sido adjudicados e foram pagos como extras da obra.
Reconheceu, igualmente, que a 1ª ré realizou mais alguns melhoramentos na parte elétrica, mas estes resultaram da utilização da casa por parte dos donos da obra, os quais manifestaram necessidade de colocar mais tomadas elétricas.
Confrontado com o email cuja cópia consta de fls. 325, datado de 19/09/2016, por si remetido à 2ª ré, onde se refere “clientes só agora se mudaram” “acabámos mais uma outra fase da obra”, referiu que se pretendia reportar às obras levadas a cabo na casa acoplada (o prédio n.º ...), posto que quando enviou o email estavam ainda a ultimar trabalhos nessa casa.
Mais referiu que, a partir de 16/06/2016, a casa n.º ..., que tinha os dois quartos em cima dos meninos e um sofá cama na sala do piso inferior, passou a ser utilizada aos fins de semana, sempre que a A. e o seu agregado familiar vinham de Coimbra. Posteriormente, passaram a poder usar a casa ao lado (n.º ...).
Por sua vez, a testemunha D. F., funcionário da 1ª ré há cerca de 23 anos, técnico de obras, que exerceu funções nos dois prédios em causa, identicamente referiu que, em junho de 2016, da parte da 1ª ré a obra estava terminada, tendo sido entregue nesse mês. Indicou como tendo lá havido uma festa de inauguração em junho/julho (que nada teve a ver com o aniversário da filha da 1ª A.). Acrescentou que a 1ª A. mudou-se para a casa em meados de junho. A 1ª A. trabalhava em Coimbra, entrou de férias, mudou-se e depois ausentou-se para o estrangeiro. Aquando da entrega do prédio não faltava instalar tomadas elétricas, sendo que só depois com o uso da casa a A. solicitou a instalação de mais tomadas.
A testemunha C. T., funcionário da 1ª ré há cerca de 9/10 anos, trolha, que executou trabalhos de trolha e de pintura nas duas casas, declarou que a 1ª ré concluiu os trabalhos na 2ª casa (onde tinha sido instalado o recuperador de calor, portanto no n.º ...) em junho/julho. Quando andava lá a fazer trabalhos na outra casa (n.º ...), a 1ª A. e o seu agregado já residiam na casa n.º ... - o que inculca que, temporalmente, tal se situe em setembro de 2016, por referência ao novo ano escolar, posto que no ano escolar transato a 1ª A. e o seu agregado residiam em Coimbra.
Do seu depoimento depreende-se que as obras que, em setembro, a 1ª ré levava a cabo se situavam no prédio n.º ..., e não na casa n.º ..., salvo a pedido da 1ª A. (por ex., pinturas ou reparar algo que se tivesse esmorrado), já não possuindo na altura chave para entrar na casa n.º .... A casa n.º ..., onde a A. e o respetivo agregado familiar residiam, já se encontrava mobilada.
No sentido da confirmação da realização de obras na casa grande (n.º ...) no decurso do mês de outubro de 2016, indica-se também o depoimento da testemunha G. R., o qual referiu que, não obstante o incêndio entretanto ocorrido, tais obras foram pagas na totalidade, apesar de destruídas.

Às diferenciadas versões fácticas sobre os pontos impugnados resultantes dos meios de prova produzidos, acresce mostrar-se definitivamente provado que:
- No exercício da sua actividade comercial, a 1ª Ré celebrou, na forma verbal, com a 2ª Autora um contrato de empreitada de construção civil, pela qual se obrigou a realizar a obra descrita no orçamento junto a fls.39 verso e seg., pelo valor de € 109.325,45 (acrescido de IVA à taxa legal em vigor) - (ponto 9 dos factos provados).
- No decurso da obra foi acordado entre as partes a alteração do mapa de trabalhos inicial, traduzindo-se na realização de obras que não estavam inicialmente previstas e bem assim na supressão de outros trabalhos, tudo conforme resulta do mapa de trabalhos e proposta de mais e menos valias, executando todos os trabalhos e fornecimentos constantes e descritos nos documentos juntos a fls.61 verso e seg. (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) e que colocou o preço final da empreitada em € 130.522,87 (acrescido de IVA à taxa legal em vigor) - (ponto 10 dos factos provados).
- A 2ª Autora pagou à 1ª Ré esse preço final. (ponto 11 dos factos provados).
- A 1ª Ré executou todas as obras contratadas com a 2ª Autora nos precisos termos e condições previstas no projeto de arquitetura que lhe foi enviado pela 2ª Autora, e que foi aprovado pela Câmara Municipal ..., em conformidade com as alterações acordadas com as Autoras no decurso dos trabalhos e que se mostram refletidas nas telas finais (ponto 89 dos factos provados).
- A partir da referida data, a Ré deixou de ter qualquer chave da obra (ponto 91 dos factos provados).
- A partir da referida data, apenas a 2ª Autora passou a dispor e usufruir do imóvel (ponto 92 dos factos provados).
- O [imóvel] foi mobilado, tendo a 1ª Autora passado a viver lá, juntamente com a sua família a partir de data não concretamente apurada entre o dia 17 de Junho de 2016 e o dia 19 de Setembro de 2016 (ponto 93 dos factos provados).
Por fim, do conjunto das faturas juntas aos autos (fls. 72 a 74), e que segundo as autoras representam a totalidade do valor devido pelas obras, já com as alterações ao mapa de trabalho, a última delas data de 30/06/2016 (fatura FA 2016/34 - fls. 74), o que se mostra compatível com a data da conclusão da obra aposta no termo de encerramento do Livro de Obra (17/06/2016), o qual foi subscrito pela 1ª autora em 6/08/2016 (fls. 459-I, vº), sendo que no livro de obra foi mencionado que, no dia 17/06/2016, “decorriam na obra os trabalhos de limpeza dos diferentes pisos, algumas afinações de momento, podendo “afirmar-se a esta data que a obra se encontra concluída, de acordo com os projetos aprovados e entregues para execução no respeitante às especialidades de Arquitetura que serviram de base a um aditamento”, chegando-se à conclusão que a obra se encontra em condições de ser entregue e habitada”.
Tais factos permitem formar a convicção de que a empreitada acordada já estava concluída e paga, tendo inclusivamente a 1ª A. transferido a sua residência – e do seu agregado familiar – para o referido imóvel.
Assim, face às divergentes versões existentes nos autos sobre a referida facticidade, e sobrelevando o atestado no livro de obra quanto ao termo de encerramento da obra, sendo que a prova produzida não permite concluir, com segurança, que tal termo visasse apenas agilizar o processo administrativo tendente à facilitação da licença de utilização ou à obtenção da certificação da Certiel, este Tribunal revê-se inteiramente na posição adotada pelo Tribunal recorrido, motivo por que, face às dúvidas subsistentes, subscreve e ratifica o juízo de não demonstração dos factos objetos dos pontos II.12 e II.13 dos factos não provados.
*
ii) - Da exclusão dos pontos 115, 116 e 128 da matéria de facto provada, atenta a sua natureza conclusiva;
iii) da alteração da resposta negativa para positiva do ponto 11 da matéria de facto não provada; e
iv) da modificação/alteração de redação da resposta dos pontos 127 e 129 da matéria de facto provada.

Os pontos impugnados sob os itens 115, 116 e 128 têm o seguinte teor:
«115. O que, a par do referido em 52., a impediu de adoptar os comportamentos descritos no manual de utilização.
116. A adopção dos comportamentos descritos no manual de utilização impediria que incêndio tivesse a amplitude ocorrida».
«128. Se a Autora estivesse em casa poderia a atenuar as consequências do incêndio, com rápida intervenção dos bombeiros».
«11. As características estruturais e materiais existentes nos prédios nºs. 17 e 19 tornaram impossível qualquer controlo ou possibilidade de redução de danos a partir do momento em que o fogo se alastrou para o prédio n.º ...».

Defendem as recorrentes que o “Tribunal a quo nos pontos I.115, I.116 e I.128 formula juízos conclusivos resultantes da apreciação da matéria de facto dos pontos I.113, I.114 e I.52, como tal, atenta a sua natureza, não são factos que possam ser levados à matéria de facto, pelo que devem ser eliminados”.
Mesmo que assim se não entenda, imputam um erro de julgamento ao Tribunal em virtude da incorreta valoração da prova.
Mais referem tratar-se de um caso de (indevido) afeiçoamento da matéria de facto à matéria de direito.

Reproduzindo a motivação da sentença recorrida aí se explicitou:
«A prova da factualidade constante em I.111 a I.114 (sendo o vertido em I.115 decorrência necessária daqueles) resultou do declarado em sede de depoimento de parte pela Autora que confirmou tal factualidade, tendo apenas aludido à questão da pega do recuperador e da anomalia da pintura – as quais não contendiam com o modo de funcionamento do recuperador – mais tendo admitido saber funcionar com o recuperador de calor. Do seu depoimento, conjugado com o depoimento da testemunha G. R. e, bem assim, com o teor do auto de notícia elaborado pela PSP e junta a fls.94 verso, do qual consta que foi a proprietária, ao regressar a casa, que abriu a porta aos primeiros bombeiros que chegaram ao local (o que foi determinante para a prova do constante em I.126 e I.127).
Os factos provados em I.116 e em I.128 resultam das regras da experiência, porquanto estas nos ensinam que estando alguém no interior da habitação mais facilmente detectaria, numa fase precoce, o deflagrar das chamas (ou mesmo o estádio anterior pelo cheiro a queimado), estando então em condições de mais rapidamente chamar os bombeiros e permitir um ataque temporalmente mais rápido ao incêndio. Aliás, neste sentido depôs a testemunha J. C., da Y, o qual referiu que, em caso de incêndio, o facto de se fechar o ar no recuperador permite minimizar as chamas».
«Não foi feita qualquer prova relativamente à factualidade constante em (…) II.11 (…)».

Vejamos como decidir.
No âmbito do anterior regime do Código de Processo Civil, o n.º 4 do art. 646.º previa que têm-se «por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes».
Embora esta norma não tenha transitado para o atual diploma, é de admitir que o princípio que norteava aquele normativo do direito adjetivo continua a ser válido, ou seja, na fundamentação (de facto) da sentença só mesmo os factos interessam, e não juízos valorativos, conclusões ou meras afirmações de direito. Isto porque, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação (de facto) da sentença os factos julgados provados e não provados, devendo expurgar-se da matéria de facto a matéria suscetível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos (3).
Com efeito, conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, os juízos conclusivos ou de valor não retratam ocorrências da vida real, quer internas, quer externas, mas sim o efeito e consequência dessas mesmas ocorrências, conclusões essas que cabe ao julgador extrair na prolação da sentença, dos factos dados como provados. Trata-se de matéria que não se cinge ao elencar do facto, mas tem em si, explicita ou implicitamente, considerações valorativas sobre esse facto, ou seja, apreciações que ultrapassam a objetividade do facto e trazem consigo a subjetividade da análise valorativa de uma determinada ocorrência da vida real. Dito de outro modo, só os factos materiais são suscetíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objeto de prova (4).
O que significa que, quando tal não tenha sido observado pelo tribunal “a quo” e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, considerando-as provadas ou não provadas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita (5).
Nas palavras de Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio da Nora (6), dentro da vasta categoria dos factos (processualmente relevantes), cabem não apenas os acontecimentos do mundo exterior (da realidade empírica-sensível, diretamente captável pelas perceções do homem), mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo (a vontade real do declarante – art. 236º, n.º 2 do Cód. Civil; o conhecimento dessa vontade pelo declaratório; as dores físicas ou morais provocadas por uma agressão corporal ou por uma injúria).
Acrescentam os citados autores que, embora a área dos factos cubra, principalmente, os eventos reais, também pode abranger as ocorrências virtuais (os factos hipotéticos), que são, em bom rigor, não factos, mas verdadeiros juízos de facto (nexo causal – art. 563º do CC; lucros cessantes – art. 563º do CC; vontade hipotética ou conjetural das partes cessantes – arts. 292º e 293º do CC). Tais juízos de facto traduzem realidades de uma zona empírica que faz parte do thema probandum. Trata-se da zona imediatamente contígua à dos juízos de valor e à dos juízos significativo-normativos, que, esses sim, integram a esfera do direito, como sejam, a fixação do sentido decisivo da declaração de vontade (art. 236º do CC), se a falta do interesse do credor no cumprimento parcial da obrigação por impossibilidade parcial da prestação imputável ao devedor tem ou não escassa importância para o credor (art. 802, n.º 2 do CC), se a alteração das circunstâncias básicas do contrato é normal ou anormal.
Contudo, como salienta Abrantes Geraldes (7), no atual figurino do Código de Processo Civil, “devem ser admitidas com mais naturalidade asserções que, não correspondendo, no contexto da concreta ação, a puras “questões de direito”, sejam algo mais que puras “questões de facto” no sentido tradicional”.
Por isso, a patologia da sentença neste segmento apenas se verificará, em linhas gerais, quando seja abertamente assumida como “matéria de facto provada” pura e inequívoca matéria de direito”.
Feitas estas breves considerações torna-se evidente que os enunciados pontos fácticos impugnados – I.115, I.116 e I.128 – não correspondem a juízos conclusivos, mas sim a juízos de facto ou a factos hipotéticos, que estão abrangidos no leque de factos que podem e devem ser tomados em consideração pelo Tribunal.
Afastada essa objeção, vejamos, portanto, se os referidos pontos enfermam de uma incorreta valoração.
Está provado que, no dia do incêndio, a 1ª Autora saiu de casa e deixou o recuperador de calor e sistema de aquecimento ligado, não se encontrando em casa aquando da ocorrência do sinistro (pontos 113 e 114 dos factos provados).
Resulta, também, provado que o incêndio teve origem na tubagem de exaustão localizada na parede divisória dos quartos e da casa de banho do prédio nº. .., sendo que os tubos de exaustão de fumos não se encontravam devidamente isolados, permitindo fugas de calor e sobreaquecimento na madeira que se encontrava nas suas proximidades. (pontos 40 e 42 dos factos provados).
No tocante à prova produzida atente-se no depoimento da testemunha J. C., funcionário da Y (fabricante e fornecedora do recuperador), gestor ibérico da marca do recuperador de calor instalado, de quem a 2ª ré é cliente.
A referida testemunha indicou os procedimentos que o utilizador do recuperador de calor deve ter para minimizar os riscos de incêndio na chaminé por falta de manutenção,.
Havendo sobrecarga na utilização o que daí pode resultar é a libertação de mais gases e uma maior concentração térmica.
Mas referiu que o equipamento deve funcionar de porta fechada e só deve ser aberto para ser abastecido (regra esta válida também para a salamandra).
O modelo instalado pode ser usado continuamente, se bem que terão de ser retiradas as cinzas porque senão elas caem para o chão.
Nos equipamentos a lenha, havendo muita intensidade/carga, pode colocar-se um problema de limpeza.
Depois do início da queima deve fechar-se a admissão do ar.
Estando o equipamento em funcionamento o utilizador pode sair de casa.
Em caso de incêndio na chaminé deve fechar-se o ar a fim de baixar os índices de combustão.
Estas regras a adotar em caso de incêndio correspondem, em traços gerais (se bem que não na sua amplitude ou extensão), com as que constam do manual de instalação e utilização do equipamento junto aos autos (fls. 103 vº a 121) – o qual, embora não corresponda ao recuperador de calor instalado o prédio, é similar, no que concerne às regras de instalação, utilização e segurança, ao que foi instalado no local (pontos 43 e 44 dos factos provados).
Na pág. 25 desse manual consta que «O equipamento foi pensado para trabalhar de forma intermitente, com intervalos de carga de combustível entre 45 a 60 minutos».
Na pág. 26 consta: «Mesmo depois de uma utilização frequente, “nunca faça queimas intensas e prolongadas. O rendimento será mínimo e poderá danificar o equipamento e consequentemente perda de garantia”.
Na mesma página do referido Manual de Utilização constam ainda os seguintes avisos: “A combustão desmesurada (…) pode inclusivamente provocar danos irreparáveis ao equipamento se levada a cabo por períodos de tempo consideráveis. (…) Caso verifique um funcionamento anormal ou sobre aquecimento, provoque a extinção imediata da combustão, fechando a regulação de entrada de ar combustão e fazendo com que o fogo se extinga por si mesmo devido à falta de oxigénio. Exponha o problema aos nossos serviços e/ou agentes para ser resolvido”.

Na pág. 30 do manual de utilização, em caso de incêndio na chaminé, consta a seguinte informação:
2. Fechar completamente a porta da salamandra;
3. Fechar completamente a admissão de ar e saída de fumos;
4. O incêndio deverá extinguir-se por si mesmo devido à falta de oxigénio.
5. na inexistência de condições de segurança, afaste-se do perigo e solicitar de imediato socorro aos bombeiros (…)”.
Disto isto, importa ter presente as particularidades das causas do incêndio objeto dos autos.

Está provado que:
- O incêndio teve origem na parte superior do forro de madeira que constituía o teto do piso superior do prédio nº. .., na zona do hall junto à entrada do quarto do lado direito, considerando o acesso a partir das escadas de acesso àquele piso, nas proximidades de um armário de madeira, por onde passavam as tubagens do recuperador de calor (ponto 34 dos factos provados).
- Propagou-se para o telhado do prédio nº. .., passando em seguida para o telhado do prédio n.º ..., e alastrando pelas paredes internas de ambos os prédios, de cima para baixo e de forma mais acentuada para a direita. (ponto 35 dos factos provados).
- O incêndio teve origem na tubagem de exaustão localizada na parede divisória dos quartos e da casa de banho do prédio nº. ... (ponto 40 dos factos provados).
- As tubagens e condutas do equipamento foram instaladas a uma distância não concretamente apurada mas sempre inferior a 1000 mm e superior a, pelo menos, 450 mm, face aos materiais combustíveis, nomeadamente ao travejamento e forro em madeira. (ponto 41 dos factos provados).
- Os tubos de exaustão de fumos não se encontravam devidamente isolados, permitindo fugas de calor e sobreaquecimento na madeira que se encontrava nas suas proximidades. (ponto 42 dos factos provados).
- O incêndio não ocorreria se a tubagem de exaustão de fumos tivesse sido corretamente isolada na sua passagem na zona do teto forrado de madeira do piso superior (ponto 54 dos factos provados).
Ora, conforme resulta dos factos provados, o incêndio eclodiu em zona exterior ao funcionamento do recuperador de calor e respetiva tubagem, pelo que os procedimentos elencados no manual, mesmo que a Autora estivesse em casa e os tivesse aplicado, de nada valeriam para por cobro ao incêndio.
Com efeito, tendo o incêndio origem nos tubos de exaustão de fumos que não se encontravam devidamente selados/isolados, o que permitiu uma fuga de calor e o sobreaquecimento na madeira que se encontrava nas suas proximidades, de que despoletou a eclosão de chamas, não se antevê como é que a adoção dos comportamentos descritos no manual de utilização impediria a ocorrência do incêndio, nem como é que a Autora poderia impedir a eclosão do incêndio se estivesse em casa.
Embora no manual se refira que, em caso de incêndio, um dos procedimentos a adotar consiste precisamente em “fechar completamente a admissão de ar e saída de fumos”, o que, em princípio, deverá determinar a extinção do próprio incêndio por si mesmo devido à falta de oxigénio, a verdade é que no caso o foco do incêndio situou-se no exterior do funcionamento do recuperador de calor e da respetiva tubagem.
Sempre se poderia dizer que, mesmo não o extinguindo, essa obstaculização da admissão de ar e saída de fumos seria suscetível de estancar ou diminuir a combustão que serve de alimento ao incêndio, motivada pela falta de oxigénio.
Considerando, porém, que o incêndio eclodiu em virtude das fugas de calor e do sobreaquecimento na madeira que se encontrava nas suas proximidades, localizando-se na parede divisória dos quartos e da casa de banho do prédio nº. .., não é seguro que, estacando a fonte térmica da combustão existente no recuperador, tal fosse idóneo a permitir diminuir ou atenuar a amplitude da propagação do incêndio.
Já no tocante à pronta intervenção dos bombeiros são de subscrever por inteiro as considerações explicitadas na sentença recorrida.
Resulta da experiência comum e das regras da normalidade da vida que a deteção precoce de um incêndio e a rápida intervenção dos bombeiros poderá permitir, em princípio, que estes logrem temporalmente combater com mais rapidez e eficiência o incêndio, de modo a extingui-lo ou, não sendo viável, minorar os danos daí resultantes.
Por outro lado, diversamente do propugnado pelas recorrentes, o Tribunal “a quo” não considerou que os materiais em madeira (quer os inerentes às estruturas dos prédios, quer o respetivo mobiliário aí existente) não serviram como elementos facilitadores do propagar do fogo. Veja-se a propósito a materialidade inserta no ponto 129 dos factos provados.
Considerou, isso sim, que face ao insucesso ou insuficiência da prova produzida não tinha suporte para dar como provada a materialidade do ponto 11 dos factos não provados, cujo âmbito é manifestamente distinto e não confundível com o âmbito do ponto 129 dos factos provados.
Nesta conformidade, por falta de suporte probatório tendente à demonstração de tais factos, é de julgar procedente a impugnação da matéria de facto quanto aos pontos 115 e 116 factos provados, os quais, doravante, passarão a valer como factos não provados.
Em contraponto, improcede a impugnação deduzida aos pontos 128 dos factos provados e 11 dos factos não provados.
Objetam, ainda, as recorrentes afirmando não ser verdade que o incêndio estivesse em estado avançado (o que tem direta atinência com o ponto 127 dos factos provados, ponto este também impugnado nas Conclusões sob os itens 3.18 a 3.20).

Os referidos pontos de facto apresentam a seguinte redação:
«127. O acesso ao interior só foi possível aos bombeiros, após a abertura da porta pela 1ª Autora, e quando o incêndio estava num estado avançado».
«129. As chamas foram potenciadas e alimentadas pelo facto de o prédio estar habitado e ter recheio, como mobiliário e centenas de livros».
Relativamente a este último ponto [129], não obstante se reconhecer que as chamas foram potenciadas por se tratar de um edifício em madeira, a verdade é que dada a natureza dos materiais comburentes em causa (recheio composto por mobiliário e centenas de livros) não se vê em que termos a resposta dada pelo Tribunal recorrido poderia ser diferente.
É inequívoco que, em caso de incêndio, a existência de materiais combustíveis ou inflamáveis, como seja mobiliário e livros, é um fator propiciador da sua progressão.
Sendo, pois, de excluir qualquer alteração ao ponto 129 dos factos provados, incidiremos de seguida a nossa análise sobre o ponto 127 dos factos provados.
A versão propugnada pelas recorrentes – quanto à inverificação do estado avançado do fogo aquando do acesso dos bombeiros ao prédio – foi dada pela 1ª autora, em sede de depoimento de parte, e pela testemunha G. R., companheiro da 1ª A..
Declarou a 1ª A. que saíram de casa meia hora antes do acidente. Deixaram o recuperador ligado, quase a desligar. Foram buscar os filhos a casa da cunhada, pois tinham ficado lá durante a tarde; quando regressaram a casa ouviram uma sirene e quando chegaram próximo constataram que era mesmo na sua casa. Os bombeiros já lá estavam e abriram-lhes a porta; aquilo ainda estava num momento inicial; entretanto, ardeu tudo, em duas horas.
Por sua vez, a testemunha G. R. declarou que, entre as 15/16h, depois de um almoço tardio de domingo, decidiu ligar o recuperador de calor; pôs pouca carga para o seu acendimento e depois colocou um barrote. A ideia era ir buscar os filhos a casa da irmã e regressar a casa e depois ir ver o jogo do futebol em que jogava o Vitória a casa do pai. Saíram de casa pelas 17/17.30h e devem ter permanecido fora de casa durante cerca de uma hora; Quando regressaram a casa, havia um pequeno foco de fogo no telhado da casa nº 19 (ou 21), tendo sido a testemunha quem franqueou a porta aos Bombeiros para estes poderem entrar e combater o incêndio. O incêndio estava no telhado na parte da frente para a Rua .... Quando abriu a porta aos bombeiros o fogo não estava ainda na casa grande (n.º ...), mas ao fim de 10/15 minutos alastrou para essa casa, do telhado para o chão, da esquerda para a direita e depois voltou para a casa 21. O fogo começou na casa 19/21, alastrou para a casa 17, esta colapsou e depois regressou à casa 19/21.

Quanto aos demais depoimentos testemunhas produzidos temos:

A testemunha B. M., Comandante dos Bombeiros ..., referiu que as duas equipas que chegaram ao local detetaram logo com o imóvel todo a ser consumido por chamas. Dada a dimensão do incêndio, pediram reforços, tendo sido necessário enviar mais meios humanos e materiais, dado que as casas adjacentes estavam em perigo de ser consumidas com as chamas. Fizeram os cortes à habitação para evitar a progressão às outras habitações. Era muito o lume e o calor; se fosse num dia de calor as casas da frente também teriam ardido. Deslocou-se ao local quando foram solicitados reforços e quando lá chegou “já estava tudo tomado”. Era uma casa em madeira, com muitos anos e o incêndio correu muito facilmente toda a cobertura da habitação. Instado se o incêndio estava em estado avançado quando os bombeiros lá chegaram respondeu afirmativamente.
A testemunha M. A., bombeira de 2ª, a exercer funções nos Bombeiros ..., deslocou-se como oficial ao local para combater o incêndio, fazendo-se transportar numa das primeiras viaturas que aí chegaram.
Referiu que o incêndio, situado numa numa parte história da cidade, localizava-se essencialmente no telhado, estando uma casa basicamente tomada. Dava para entrar com perigo no edifício, porque havia materiais (madeiras) a cair.
Por fim, a testemunha J. F., desenhador projetista assistente técnico na CM …, nos termos supra explicitados, apercebeu-se do incêndio da varanda da sua casa, quando a nuvem de fumo era já muito grande, tendo de imediato acorrido ao local a pé, no que demorou cerca de 3 minutos, aí chegando quando a 1ª A. estava a facultar aos Bombeiros o acesso ao prédio. Presenciou a movimentação dos bombeiros e polícias e prestou auxilio à 1ª autora e ao companheiro desta.
No tocante ao incêndio referiu que no interior da casa já estava tudo em chamas. O fumo andava já na parte de cima e via coisas a cair (por ex. pedaços de madeira do soalho). Estava um calor tão grande que nem se podiam aproximar. Estava fora de controlo para nós. Já não se conseguia subir as escadas para outro piso. O teto era todo em madeira e estava tudo em chamas. A parte da cozinha estava já em combustão.
Nesta confluência, o teor dos mencionados depoimentos das testemunhas B. M., M. A., J. F., as respectivas razões de ciência e a total ausência de interesse no desenlace da lide de tais intervenientes, servem como suporte idóneo à demonstração do estado avançado do incêndio aquando do acesso dos bombeiros ao interior do prédio (ponto 127 dos factos provados), o que invalida a afirmação contrária propugnada pelas recorrentes.
Em suma, julga-se procedente a impugnação deduzida aos pontos 115 e 116 dos factos provados e improcedente a impugnação dos pontos 127, 128 e 129 dos factos provados e do ponto 11 dos factos não provados.
*
v) - Da modificação/alteração de redação da resposta ao ponto 112 da matéria de facto provada (conclusões 3.8 a 3.9 e 3.11).

O aludido ponto fáctico tem a seguinte redação:

“A 1ª Autora já tinha utilizado o recuperador de calor e sistema de aquecimento, por várias vezes, antes da ocorrência do sinistro e não comunicou à Ré a existência de qualquer anomalia no seu funcionamento”.

Resposta pretendida:
«O recuperador e sistema de aquecimento começou a ser utilizado a partir de dia 13.10.2020, após visita do técnico da Y, tendo tido uma utilização de 3 a 4 vezes até à data do sinistro».
A materialidade impugnada corresponde ao alegado pela 1ª ré no art. 66º da sua contestação.
Por referência aos articulados apresentados nos autos, não se vislumbra donde conste a alegação fáctica que, em sede de apelação, as recorrentes pretendem ver demonstrada.
No caso, o Mmº Juiz “a quo”, ao responder aos factos controvertidos, teve o cuidado de analisar toda a alegação fáctica aduzida nos articulados e, nos casos em que considerou que o facto alegado se tinha como provado, sem necessidade de qualquer concretização, emitiu o seu juízo decisório, justificando ulteriormente em sede de motivação os fundamentos que serviram de base à formação e formulação da sua convicção.
Ora, no caso em apreço, a resposta positiva ao facto impugnado respeita escrupulosamente o ónus de alegação das partes, bem como o ónus probatório, não se evidenciando qualquer razão justificativa válida que determine a sua alteração nos termos preconizados pelas recorrentes.
*
vi) Da alteração da resposta negativa para positiva do ponto 10 da matéria de facto não provada (8) [(conclusão 3.14 (J)], cujo teor se reproduz:

- No dia do sinistro, a Autora colocou o sistema de aquecimento em funcionamento por indicação da 1ª Ré para verificar o seu funcionamento, em termos de combustão e de produção de calor e de escape de fumos para o interior da habitação.
A propósito, a testemunha G. R. referiu que, no dia do incêndio, entre as 15/16h, depois de um almoço tardio de domingo, colocou o sistema de aquecimento em funcionamento para o testar.
Contudo, a referida declaração não merece a necessária credibilidade probatória, porquanto, à data da ocorrência do sinistro, a testemunha e a 1ª A. já ali residiam há, pelo menos, um mês, não sendo curial falar-se em testagem do equipamento, até porque já anteriormente por diversas vezes o tinham utilizado (3 a 4 vezes, pelo menos, segundo o por si declarado, bem como pela 1ª A.). O que se depreende é estar em causa a utilização corrente do referido equipamento para a satisfação das necessidades de aquecimento dos respetivos utilizadores [admitindo-se que o mesmo até à data tivesse tido poucas utilizações, visto tratar-se de um equipamento novo e que só após a intervenção do funcionário da ADAF (ocorrida no início de outubro de 2016) com o retoque da pintura da porta os utilizadores passaram a fazer-lhe o uso comum].
É, por isso, de confirmar a resposta de não provado ao ponto 10 da matéria de facto não provada.
*
vii) Do aditamento de factos complementares (conclusão 3.10).
Defendem as recorrentes que, tendo em consideração a apreciação da matéria de facto, devem ser aditados, nos termos do art. 5.º, n.º 2, alínea b) [embora por lapso de escrita mencionem a alínea c)] do Código de Processo Civil, os seguintes factos:
- «As medidas de segurança ou de contenção de fogo passíveis de serem adoptadas não era idóneas a evitar a ocorrência de um fogo por causa da fuga de calor na tubagem de exaustão».
- «O encerramento do ar no funcionamento do recuperador de calor só tinha eficácia em casos em que o fogo se encontra contido no próprio sistema de aquecimento, recuperador, tubagem de exaustão e chaminé».
Prescreve o art. 5º, n.º 1, do CPC que compete às partes «alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas».
Todavia, o n.º 2 do citado normativo acrescenta que, além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz os «factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar» [al. b)].
Resulta desta norma que o tribunal deve considerar na sentença factos não alegados pelas partes, não se tratando, porém, de uma possibilidade sem limitações.
Desde logo, é necessário que estejamos perante factos que resultem da instrução da causa.
Segundo o ensinamento de Carlos Lopes do Rego (9), factos essenciais são os que concretizando, especificando e densificando os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor ou do reconvinte, ou a exceção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, se revelam imprescindíveis para a procedência da ação, da reconvenção ou da exceção; factos instrumentais são os que se destinam a realizar prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes – assumindo, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa.
Nas palavras de Paulo Pimenta (10), “os factos complementares e os concretizadores, embora também integrem a causa de pedir ou a exceção, não têm a função individualizadora, pelo que a omissão da respetiva alegação não é passível de gerar ineptidão da petição inicial (ou nulidade da exceção), ao que acresce a (…) circunstância de não haver preclusões quanto a factos desta natureza. Assim, os factos complementares são os completadores de uma causa de pedir (ou de uma exceção) complexa, ou seja, uma causa de pedir (ou uma exceção) aglutinadora de diversos elementos, uns constitutivos do seu núcleo essencial, outros complementando aquele”.
Revertendo ao caso em apreço, e dando aqui por reproduzidas as considerações explanadas a propósito da alteração das respostas aos pontos 115 e 116 dos factos provados - o foco do incêndio ocorreu numa zona exterior ao funcionamento do recuperador de calor e respetiva tubagem, tendo origem na fuga de calor e no sobreaquecimento da madeira que se encontrava nas suas proximidades, donde despoletou a eclosão de chamas -, é de concluir que a adoção dos procedimentos enunciados no manual de utilização não seriam idóneos a evitar o incêndio objeto dos autos, já que se formou no exterior um novo e autónomo foco de combustão, que se tornou autónomo relativamente ao foco de combustão existente no recuperador de calor (cfr. relatório pericial).
E como explicitou a testemunha J. C., os procedimentos descritos no manual de utilização dizem respeito à minimização dos riscos de incêndio na chaminé, ou seja, quando o foco de incêndio se dá dentro do recuperador de calor ou dos tubos ou da chaminé, e não, como foi nos autos, no seu exterior.

Nesta conformidade, procedendo nesta parte a impugnação, aditam-se aos factos provados os seguintes factos complementares:
- As medidas de segurança ou de contenção de fogo passíveis de serem adoptadas não era idóneas a evitar a ocorrência de um fogo por causa da fuga de calor na tubagem de exaustão.
- O encerramento do ar no funcionamento do recuperador de calor só tinha eficácia em casos em que o fogo se encontra contido no próprio sistema de aquecimento, recuperador, tubagem de exaustão e chaminé.
*
viii) - Factos complementares atinentes à perigosidade (ausência dela) do equipamento (conclusões 3.12 a 3.14).

Sustentam as recorrentes deverem ser aditados à matéria de facto, nos termos do art. 5.º, n.º 2, al. b), do CPC, os seguintes factos:
(G) «O recuperador instalado de acordo com as normas de instalação não origina incêndios».
(H) «O recuperador de calor e sistema de aquecimento instalado no prédio n.º ... pode funcionar de forma contínua e sem necessidade de vigilância constante ou presente, desde que assegurada a sua utilização normal.»
(I) «O recuperador encontrava-se devidamente fechado e selado enquanto esteve em funcionamento durante a ausência da 2.ª autora».
(J) «No dia do sinistro, a Autora colocou o sistema de aquecimento em funcionamento por indicação da 1ª Ré para verificar o seu funcionamento, em termos de combustão e de produção de calor e de escape de fumos para o interior da habitação».

Relativamente a este último ponto [al. J], o mesmo foi já objeto de expressa análise, quando nos pronunciámos pela inviabilidade da impugnação deduzida ao ponto 10 dos factos não provados (cfr. item vi), o que dispensa quaisquer considerações suplementares.
No tocante às als. G) e H) não podem as mesmas ser consideradas provadas, dado que é o próprio Manual de utilização que adverte para a existência de risco de incêndio na própria chaminé (pág. 30), riscos esses que podem advir da má utilização ou da falta de manutenção da conduta.
E, nesses casos não se poderá falar em desnecessidade de vigilância ou de supervisão do equipamento, até porque é próprio manual que indica os procedimentos a adotar a fim de tentar extinguir o incêndio.
Acresce que, relativamente ao funcionamento do equipamento - e em termos não inteiramente com os reportados pela testemunha J. C., que falou num funcionamento contínuo -, é o próprio manual (pág. 25) que refere que o mesmo «foi pensado para trabalhar de forma intermitente, com intervalos de carga de combustível entre 45 a 60 minutos».
E mais se refere, a pág. 26, para não serem realizadas queimas intensas e prolongadas, posto que poderá danificar o equipamento e consequentemente perda de garantia”.
E dele constam também diversos avisos (pág. 26), tais como: “A combustão desmesurada (…) pode inclusivamente provocar danos irreparáveis ao equipamento se levada a cabo por períodos de tempo consideráveis. (…) Caso verifique um funcionamento anormal ou sobre aquecimento, provoque a extinção imediata da combustão, fechando a regulação de entrada de ar combustão e fazendo com que o fogo se extinga por si mesmo devido à falta de oxigénio.”.
Donde se conclui que a instalação do recuperador de acordo com as normas de instalação não é, por si só, garantia da não eclosão de incêndios, além de que não se tem como adquirido nos autos que o equipamento com estas caraterísticas possa/deva funcionar de forma contínua e sem necessidade de vigilância.
Já relativamente à alínea I), julgamos que a prova produzida aponta precisamente nesse sentido.
Tal facto foi confirmado pela testemunha G. R., o qual referiu que, no dia seguinte ao incêndio, o Eng. R. S. deslocou-se ao local para se inteirar do sinistro e tendo analisado o que restava do recuperador constatou que o mesmo estava selado na parte de baixo, querendo com isso dizer que o fogo não começou por baixo (facto este, quanto ao local da eclosão do incêndio, confirmado na perícia).
Acresce que a testemunha R. S. não infirmou, nessa parte, o depoimento da testemunha G. R..

Assim sendo, ao abrigo do disposto no art. 5.º, n.º 2, al. b) do CPC, dá-se como provado que:
- O recuperador encontrava-se fechado e selado enquanto esteve em funcionamento durante a ausência da 1.ª autora.
*

ix) – Factos complementares quanto ao alvará de utilização (conclusões 3.15 a 3.17).

Pugnam as recorrentes pela inclusão na matéria de facto, nos termos do art. 5.º, n.º 2, al. b) do CPC, dos seguintes factos:
«A Câmara Municipal ..., na sequência do deferimento tácito e requerimento da 2.ª Autora, não revogou nem anulou aquele acto».
«A instalação de um recuperador de calor e sistema de aquecimento como o colocado no prédio n.º ... é legalmente admissível em casas com as características como as desta».
Trata-se, manifestamente, de juízos jurídicos ou valorações jurídicas, que comportam em si a solução jurídica sobre questões em discussão nos autos, pelo que está excluída a sua inserção na matéria de facto provada.
Essas conclusões jurídicas terão de ser extraídas dos factos dados como provados, já que serão um efeito ou consequência dessas ocorrências da vida real, não podendo tais conclusões serem objeto de prova.
A materialidade atinente à licença de utilização e respetivo alvará que releva é a que consta dos pontos 55 a 57 dos factos provados.
Pelo exposto, indefere-se a pretensão impugnatória em apreço.
*
x) - A modificação/alteração de redação da resposta dos pontos 127 e 129 da matéria de facto provada (conclusões 3.18 a 3.20).
A impugnação sobre os referidos pontos foi já apreciada [no item iv)].
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xi) - Da alteração da resposta negativa para positiva do ponto 11 da matéria de facto não provada (conclusão 3.21).
Foi já objeto de apreciação no item iii).
*
1.5. Face às alterações introduzidas na decisão relativa à matéria de facto, é a seguinte a factualidade (provada e não provada) a atender para efeito da decisão a proferir (11):
- Factos provados.
1. A 1ª Autora D. L. é possuidora e proprietária do prédio urbano sito na Rua ... nº .., da União de freguesias de ..., ... e ..., em Guimarães, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial nº. ... (antigo artigo 29º de que proveio) e descrito na Conservatória de Registos Predial, Comercial e Automóveis de ... sob a descrição nº. .../19940408 e aí inscrita a propriedade do mesmo a seu favor pela inscrição Ap. nº. 2442 de 2010/07/23.
2. Tal prédio foi adquirido por contrato de compra e venda, sobre a forma de título de compra e venda e mútuo com hipoteca, celebrado em 23 de Julho de 2010, na Conservatória de Registo Predial ..., no serviço Casa ..., pelo preço de 300.000,00€ (trezentos mil euros) a C. M., M. O. e marido J. A., A. S., M. P. e marido N. G., cuja propriedade do prédio se encontrava inscrita a favor destes pela Ap. 38 de 1994/04/08 e que foi adquirida por sucessão legal de A. F. – cfr. documento junto a fls.26 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
3. A 2ª. Autora D. L. Lda. é uma empresa cujo fim social é a Formação, Assessoria Técnica no âmbito do Ordenamento do Território e Urbanismo, Planeamento, Gestão Urbanística e contratação pública, sendo a 1ª. Autora sua sócia e gerente.
4. A 2ª. Autora D. L. Lda. é possuidora e proprietária do prédio urbano sito na Rua ... n.º. .., União de freguesias de ..., ... e ..., em Guimarães, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial ... (antigo artigo 30º, de que proveio) e descrito na Conservatória de Registos Predial, Comercial e Automóveis de ... sob a descrição n.º. …/19940620, e aí inscrita a propriedade do mesmo a seu favor pela inscrição Ap. nº 3738 de 2010/07/27.
5. Tal prédio foi adquirido, por contrato de compra e venda, celebrado por escritura pública, em 23 de Julho de 2010, no 1º Cartório Notarial de M. R., pelo preço de 50.000,00 € (cinquenta mil euros) a C. M., M. O. e marido J. A., A. S., M. P. e marido N. G., cuja propriedade do prédio se encontrava inscrita a favor destes pela Ap. 26 de 1994/06/20 e que foi adquirida por sucessão legal de A. F..
6. (alterado)
7. As Autoras gozam de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição sobre aqueles prédios desde a data das respetivas aquisições.
8. A 1ª Ré A. M., Lda., é uma sociedade por quotas, que tem como objeto social e exerce habitual e lucrativamente a actividade de construção civil, empreiteiros de obras, comércio por grosso de madeira, de materiais de construção e equipamento sanitário.
9. No exercício dessa actividade, a 1ª Ré celebrou, na forma verbal, com a 2ª Autora um contrato de empreitada de construção civil, pela qual se obrigou a realizar a obra descrita no orçamento junto a fls.39 verso e seg., pelo valor de € 109.325,45 (acrescido de IVA à taxa legal em vigor) – cfr. documento junto a fls.39 verso e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
10. No decurso da obra foi acordado entre as partes a alteração do mapa de trabalhos inicial, traduzindo-se na realização de obras que não estavam inicialmente previstas e bem assim na supressão de outros trabalhos, tudo conforme resulta do mapa de trabalhos e proposta de mais e menos valias, executando todos os trabalhos e fornecimentos constantes e descritos nos documentos juntos a fls.61 verso e seg. (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) e que colocou o preço final da empreitada em € 130.522,87 (acrescido de IVA à taxa legal em vigor) – cfr. documentos juntos a fls.61 verso e seg. (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
11. A 2ª Autora pagou à 1ª Ré esse preço final.
12. A 2ª Ré Lareiras ... – Sistemas de Aquecimento Lda., exerce habitual e lucrativamente a actividade de fornecimento e instalação de lareiras, salamandras, recuperadores de calor, caldeiras, sistemas de aquecimento e outros.
13. A 1.ª Ré celebrou com a 3.ª Ré um contrato de seguro titulado pela apólice n.º .......16/RC do produto “Responsabilidade Civil Exploração” nos termos das condições particulares juntas a fls.353 verso e seguintes, sendo a actividade prevista a “construção civil s/. danos prédios contíguos”, tendo a apólice um limite máximo de indemnização de € 250.000,00 por ano e sinistro e sujeita a uma franquia por sinistro de 10% dos prejuízos com um mínimo € 250,00 – cfr. documento junto a fls. fls.353 verso e seguintes (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
14. Dessas condições particulares consta como âmbito de cobertura a “responsabilidade civil extracontratual de acordo com as Condições Gerais para os Seguros RC Geral nº. 22 e da Condição Especial nº. 226 “Empresas de Construção Civil”, incluindo danos causados a cabos, canalizações ou instalações subterrâneas, derrogando-se a alínea a). do nº. 2 das Condições Específicas, conforme Condição Particular em anexo” – cfr. documento junto a fls. fls.353 verso e seguintes (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
15. Consta do artigo 2º§1 dessa Condição Especial nº. 226 que o “Segurador garante o pagamento das indemnizações emergentes de responsabilidade civil extracontratual que, ao abrigo da lei civil, sejam exigíveis ao Segurado, por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros e diretamente relacionados com a actividade de construção civil de obras públicas e particulares, cuja causa seja devida a: “a) Acto ou omissão não doloso do Segurado ou de qualquer dos seus empregados no exercício da sua actividade e ao seu serviço; b) Deficiência das instalações, assim como por coisas que sejam consideradas como fazendo parte integrante das referidas instalações ou outras que aí se encontrem desde que pertencentes ou sob responsabilidade do Segurado; c) Quaisquer materiais, utensílios, decorações ou serviços que sejam considerados como integrando o funcionamento normal do estabelecimento e a ele pertencente (…)” – cfr. documento de fls.354 verso cujo tero se dá aqui por integralmente reproduzido.
16. Nas referidas condições especiais, sob a epígrafe Exclusões Específicas consta do artigo 3º§1 que, “para além das exclusões previstas no Artigo 6º das Condições Gerais, a garantia desta Condições Especial também não abrange os danos: “a). resultantes da inobservância de disposições legais, regulamentares ou não cumprimento das normas técnicas previstas para a execução dos respetivos projetos” (…) “f). causados à própria obra a cargo do segurado ou nas quais participe”.
17. Nas referidas condições especiais, sob a epígrafe Exclusões Específicas consta do artigo 3º§2 que, “Salvo convenção em contrário expressa nas Condições Particulares, ficam ainda excluídos os danos: “(…) c). causados às propriedades pertencentes e/ou sob a guarda, custódia ou controle do dono da obra, dos empreiteiros ou de outros intervenientes na execução dos trabalhos”; (…) f). “ocorridos após a conclusão dos trabalhos”; g). “causados por sub-empreiteiros”.
18. Do artigo 6º das Condições Gerais 22 consta que “o presente contrato nunca garante os danos: (…) c). Decorrentes de “responsabilidade civil profissional”.
19. Com data de 5/11/2016, foi remetida à Ré X a participação de sinistro junta a fls.366 verso e seg. (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), subscrita pela 1ª Ré, da qual consta que consta que “A obra iniciou em Novembro de 2015 considerando como a 5ª fase que compreendia obras de interior da casa. O terminus desta fase verificou-se em 23/9/2016. No dia 23/10/2016 verificou-se um incêndio que deflagrou na casa da 4ª fase e propagou-se para a casa da 5ª fase. A confirmar-se a informação o fogo terá tido inicio no sótão propagando-se de imediato às restantes divisões” – cfr. documento de fls.366 verso e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
20. As obras realizadas no âmbito do supra referido contrato de empreitada visaram reabilitar totalmente e converter o prédio nº. .. numa moradia unifamiliar nos termos e condições previstas no projeto de arquitetura que foi aprovado em 28 de Novembro de 2014 pelo Município ... – cfr. documento de fls.128 do 2º volume do processo camarário apenso por linha (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
21. Na sequência desta aprovação e em 27 de Outubro de 2015, foi emitido pelo mesmo Município o alvará de construção nº. 100/14. – cfr. documento junto a fls.79 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
22. O prédio em causa tem as seguintes particularidades: travejamento e forro em madeira do telhado, com isolamento por placas de onduline e roofmate; paredes em tabique, soalho e armários em madeira.
23. No decorrer da execução das obras que integram o contrato de empreitada foi acordado entre a 2ª Autora e a 1ª Ré a instalação de um recuperador de calor na sala do prédio nº. .. e respetivo sistema de aquecimento ao serviço dos quartos e casa-de-banho localizados no piso superior.
24. Com a localização constante das telas finais TLF 10 e 11 do processo de licenciamento (cfr. fls.85 e 85 verso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
25. Mediante o pagamento do preço também acordado entre ambas, que a 2ª Autora pagou a 1ª Ré e que esta dela recebeu.
26. Tendo, para o efeito, a 2ª Autora escolhido, de entre as referências apresentadas e propostas pela 1ª. Ré, o equipamento térmico Recuperador de Calor série Linea 85 modelo RC 820NMV da marca Y.
27. A 1ª Ré contratou, por sua iniciativa e exclusiva escolha, atendendo ao equipamento escolhido, a 2ª Ré Lareiras ... – Sistemas de Aquecimento Lda..
28. Foi a 1ª Ré que contratou com a 2ª Ré e foi aquela que pagou a esta pelos trabalhos realizados, bem como pelos equipamentos e instalação do sistema de aquecimento.
29. O recuperador de calor, tubagem e respetivo sistema de aquecimento foram instalados em Março de 2016 pela 2ª Ré.
30. Instalação essa supervisionada e fiscalizada pela 1ª Ré.
31. A instalação do recuperador e respetiva tubagem realizou-se de acordo com aquilo que a 2ª Ré entendeu ser procedimento adequado ao efeito, designadamente no que respeita à escolha dos materiais e técnicas de instalação atendendo as características e materiais do prédio.
32. Tendo sido garantido pela 1ª Ré à 2ª Autora a correta instalação e que o recuperador podia ser utilizado em condições de operacionalidade e segurança.
33. No dia 23 de Outubro de 2016, por volta das 18H00, deflagrou um incêndio no prédio.
34. Com origem na parte superior do forro de madeira que constituía o teto do piso superior do prédio nº. .., na zona do hall junto à entrada do quarto do lado direito, considerando o acesso a partir das escadas de acesso àquele piso, nas proximidades de um armário de madeira, por onde passavam as tubagens do recuperador de calor.
35. O qual se propagou para o telhado do prédio nº. .., passando em seguida para o telhado do prédio n.º ..., e alastrando pelas paredes internas de ambos os prédios, de cima para baixo e de forma mais acentuada para a direita.
36. Tal incêndio danificou a estrutura do prédio nº. .., em particular um dos pisos superiores e parede exterior de tabique, bem como a estrutura metálica e de madeira dos pisos, tendo ainda parte do telhado sido consumida pelas chamas e, a que não foi, está em iminente situação de desmoronar-se, tendo ruído a chaminé existente restando apenas as paredes exteriores em pedra e alvenaria.
37. A parte da estrutura do prédio que não ruiu ficou danificada de forma irreversível, porque toda a estrutura era de travejamento em madeira o que, face ao volume e extensão da destruição, compromete de forma irreversível a estabilidade estrutural do prédio nº. ...
38. Tornando-o num prédio destruído em quase todo o seu interior, inabitável e inapto para o fim a que o destinaram, apresentando-se em risco de ruína.
39. Perante o sucedido, a 2ª. Autora comunicou verbalmente, e no próprio dia, o sinistro à 1ª. Ré.
40. O incêndio teve origem na tubagem de exaustão localizada na parede divisória dos quartos e da casa de banho do prédio nº. ...
41. As tubagens e condutas do equipamento foram instaladas a uma distância não concretamente apurada mas sempre inferior a 1000 mm e superior a, pelo menos, 450 mm, face aos materiais combustíveis, nomeadamente ao travejamento e forro em madeira.
42. Os tubos de exaustão de fumos não se encontravam devidamente isolados, permitindo fugas de calor e sobreaquecimento na madeira que se encontrava nas suas proximidades.
43. O manual de instalação e utilização do equipamento da Séria Vista junto a fls.103 verso e seg. não é o manual correspondente ao recuperador de calor instalado o prédio.
44. As regras de instalação, utilização e segurança do recuperador de calor da série Linea que foi instalado no local são semelhantes às constantes do manual dos recuperadores de calor da Série Vista.
45. O manual de instalação e utilização do equipamento dos recuperadores de calor da série Vista refere nas: a). pág. 13: “O equipamento que acabou de adquirir deverá ser instalado por um profissional para assegurar o bom funcionamento e a segurança do mesmo, recomenda-se que todas as regras de segurança em vigor sejam cumpridas”; b). pág. 13 refere que antes da instalação do equipamento o instalador deve assegurar, nomeadamente: “- O ambiente onde vai ser instalado o equipamento seja bem ventilado de forma a garantir a quantidade de ar necessária a combustão; - Respeita as distâncias de segurança a materiais combustíveis; c). pág. 7: - O seu equipamento deverá estar instalado de forma não permanente e de fácil acessibilidade a fim de garantir manutenção geral a instalação (chaminé e equipamento); d). as “distâncias de segurança a materiais combustíveis é de 1200mm”; cabe ao instalador, no local a instalar o equipamento e face as concretas características deste, verificar se os 1200mm são suficientes ou é adequada uma distância superior; e). pág. 14: “É ainda ideal, que a construção da conduta de saída de fumos passe pelo interior do edifício garantindo assim um melhor isolamento térmico, de forma e evitar as indesejadas condensações originadas pelos diferenciais de temperatura, que mais cedo ou mais tarde poderão deteriorar o sistema. A tubagem deverá ser preferencialmente em aço inox e isolada termicamente em todo o seu comprimento a fim de evitar fenómenos de condensação em especial atenção em climas frios. As chaminés devem possuir condutas de saídas de fumo individuais e desaconselha-se totalmente o agrupamento de várias chaminés em condutas coletivas. As condutas de saída de fumo devem ter secção constante desde a saída do equipamento até à evacuação dos fumos para a atmosfera”; f). pág. 17: “Na instalação do aparelho devem ser respeitadas todas as regulamentações locais, incluindo as relativas a normas Nacionais e Europeias”.
46. Na pág. 25 desse manual consta que o acendimento do recuperador de calor deve ser feito da seguinte forma: “3. Abrir completamente o controlo do ar de combustão. Colocar na base da fornalha um produto combustível facilmente inflamável (acendalhas, caruma, pinhas ou outro). 4. Sobre o combustível anterior colocar pequenas cavacas empilhadas na horizontal (cerca de 1 kg). 5. Encoste a porta deixando uma ligeira abertura de 2 cm, permitindo desta forma a quantidade de ar necessário para um acendimento rápido e eficaz, mantendo o controlo do ar da combustão totalmente aberto. 6. Passado cerca de 5 a 10 minutos feche a porta e no controlo de ar da combustão reduza a entrada de ar. 7. Deixar arder até criar as primeiras brasas”.
47. Na pág. 26 desse manual consta que, após o acendimento: “1. Abra a porta devagar, espalhe bem as brasas de forma igual por toda a base da fornalha. 2. Coloque cavacas de aproximadamente 1kg cada uma na horizontal, não carregue em demasia o equipamento, de acordo com o seu modelo ver carga máxima admissível na tabela de características do equipamento. 3. Escolha uma posição no controlo de ar de combustão de forma a ter uma queima suave e duradoura, evite uma queima desmesurada”.
48. Na pág. 26 desse mesmo manual de utilização consta: “nunca faça queimas intensas e prolongadas. O rendimento será mínimo e poderá danificar o equipamento e consequentemente perda de garantia”.
49. Na mesma página do referido Manual de Utilização constam ainda os seguintes avisos: “A combustão desmesurada (…) pode inclusivamente provocar danos irreparáveis ao equipamento se levada a cabo por períodos de tempo consideráveis. (…) Caso verifique um funcionamento anormal ou sobre aquecimento, provoque a extinção imediata da combustão, fechando a regulação de entrada de ar combustão e fazendo com que o fogo se extinga por si mesmo devido à falta de oxigénio. Exponha o problema aos nossos serviços e/ou agentes para ser resolvido”.
50. Na pág. 30 do manual de utilização, consta ainda a seguinte informação em caso de incêndio na chaminé: “2. Fechar completamente a porta da salamandra; 3. Fechar completamente a admissão de ar e saída de fumos; 4. O incêndio deverá extinguir-se por si mesmo devido à falta de oxigénio”.
51. A 1ª Ré nunca deu formação sobre a utilização do equipamento.
52. Nem forneceu o manual de instalação e utilização.
53. O companheiro da Autora limitou-se a colocar em funcionamento o sistema de aquecimento.
54. O incêndio não ocorreria se a tubagem de exaustão de fumos tivesse sido corretamente isolada na sua passagem na zona do teto forrado de madeira do piso superior.
55. Foi requerida a licença de utilização em 23 de Setembro de 2016 por requerimento com o nº. 6876/16.
56. E foi solicitada a emissão do respetivo alvará em 13 de Outubro de 2016 por requerimento com o nº. 7411/16.
57. Por despacho de concordância com a informação de 17 de Outubro de 2016, proferido, aos 20 de Outubro de 2016, pelo Vereador da Câmara Municipal ... foi decidido, relativamente àquele requerimento com o nº. 6876/16 que “embora do ponto de vista estritamente urbanístico as alterações sejam passíveis de concretização, parte da alteração proposta incide sobre a escada com alteração formal e sendo mencionado em memória descritiva a alteração de vigas e pilares, devem ser esclarecidas em desenho as mesmas alterações. Estas modificações, contrariamente ao requerido (…) estão sujeitas a licença administrativa.
58. Do sinistro resultou para a 1ª Autora a destruição completa do prédio n.º ... e todo o seu recheio.
59. Tal prédio é constituído por uma habitação com 826 m2 de área bruta de construção, composta por 3 pisos e um logradouro com cerca de 2.500m2.
60. Trata-se uma casa construída na primeira quadra do seculo XVIII, com uma estrutura predominantemente em madeira nos 2º (paredes interiores) e 3º pisos (este integralmente em madeira, incluindo o telhado), tendo parte dele sido recentemente reabilitado também em madeira, por exigência do Município ....
61. Tais características eram do conhecimento da 1ª e 2ª Rés.
62. No Rés-do-chão o prédio tinha: - Paredes exteriores em granito. – Paredes interiores em granito e tabique e portas em madeira. - Pavimentos em granito e terra. – Tetos em gesso no hall de entrada e restantes em réguas de madeira. - Divisões existentes: 1. Hall de entrada; 2.Vestiário; 3. Lagar; 4. Arrecadação; 5. Arrecadação; 6. Despensa; 7. Despensa.
63. No 1.º Piso o prédio tinha: - Paredes exteriores em granito no alçado que confronta com a Rua ... e as restantes em tabique. - Paredes interiores em tabique, rebocadas e pintadas, algumas das quais com frescos e marmoreados, nomeadamente nas escadas de acesso ao rés-do-chão e corredores de circulação, e portas em madeira pintadas à mão. -Pavimentos em madeira (soalho pregado). - tecos em gesso com molduras em todos os espaços com exceção da sala de jantar cujo teto era em madeira pintado. - Escadas em madeira de acesso ao piso térreo e ao piso 2. -Divisões existentes: 1. Corredor de distribuição e circulação; 2. Sala de estar; 3. Sala de jantar; 4. Biblioteca; 5. Sala de estar; 6. Escritório; 7. Instalação sanitária; 8. Despensa.
64. No 2.º Piso o prédio tinha:- Paredes exteriores em tabique. -Paredes interiores em tabique. -Pavimentos em madeira. -Tectos em réguas de madeira. -Divisões existentes: 1. Espaço amplo parcialmente demolido onde existiriam 4 quartos, 1 sala e 3 instalações sanitárias.
65. Na cobertura o prédio tinha:- Cobertura com estrutura em vigamento de madeira. - Isolamento térmico e acústico com placas de roofmate. -Telhado em telha canudo assente sobre onduline.
66. Não é possível reconstituir todos os pormenores notáveis, nem utilizar os materiais nela existentes.
67. A reposição do prédio no estado em que se encontrava tem um custo não concretamente apurado.
68. A demolição e remoção dos escombros existentes no prédio implica trabalhos de custo não concretamente apurado.
69. Em consequência do incêndio, ficou destruído todo o recheio do prédio n.º ..., cujos bens pertença da 1ª A. ascendiam ao valor aproximado de € 62.500,00€.
70. A 1ª. Autora é professora universitária na Faculdade de Direito da Universidade de ..., cidade onde residiu e onde sempre trabalhou.
71. A 1ª Autora adquiriu o prédio em 2010 como realização do sonho de ser proprietária de uma casa antiga no centro da cidade, beneficiando das vantagens próprias que o centro de uma cidade como Guimarães oferece e simultaneamente propiciar a si e aos seus filhos a qualidade de vida resultante da localização e amplo logradouro que a casa oferecia.
72. A 1ª Autora enamorou-se pela casa, em especial pelos seus pormenores nas salas nobres e pelo seu logradouro, ao ponto de, não obstante continuar a trabalhar em Coimbra, mudar a sua residência e, bem assim, a dos seus filhos para a casa em apreço, com a alteração do percurso escolar dos seus filhos que, por inerência, passou a ser em Guimarães.
73. Durante os mais de 6 anos que mediaram a aquisição do prédio e o incêndio, a 1ª Autora, com muito esforço pessoal e financeiro, foi participando ativamente no projeto de reabilitação, acompanhando a evolução do restauro da casa que traduzia o seu sonho e novo projeto de vida.
74. A casa refletia o gosto da autora que acompanhou a escolha de todos os pormenores no âmbito da arquitetura e decoração.
75. O incêndio na casa foi, por isso, um duro golpe nas suas aspirações e sonhos.
76. Além do crédito bancário que necessitou, a Autora havia investido na casa todas as suas poupanças, mas também por todo um projeto de vida que saiu gorado com grande impacto na sua vida e na dos seus filhos.
77. Após o incêndio, é com extrema dificuldade que a 1ª Autora passa junto dos escombros da casa, o que lhe provoca invariavelmente muito sofrimento.
78. A Autora não imagina a sua vida em Guimarães, na medida em que sem a casa em apreço todo o projeto de vida, anteriormente idealizado, deixou de fazer sentido.
79. A Autora regressará a Coimbra, para aí estabelecer novamente a sua residência, o que ainda não sucedeu apenas e só por causa dos seus filhos e o término dos respetivos ciclos escolares (a mais velha encontra-se no 6º ano e o mais novo no 4º ano)
80. A Autora sofreu e sofre com o facto de não ter a sua casa, não poder dela dispor.
81. A Autora perdeu todo o recheio da casa, onde se incluíam bens de valor afetivo como fotografias, cartas, livros, presentes, recordações de infância dos seus filhos e a sua dissertação de mestrado impressa.
82. Os trabalhos executados pela 1ª Ré e adquiridos pela 2ª. Autora, incorporados com a obra e com o valor descrito nos documentos de fls.61 verso a fls.67 e de fls.67 verso a 71 verso (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), foram danificados e destruídos irremediavelmente.
83. O edifício pré-existente à data do início das obras ficou irremediavelmente destruído, sendo necessário reconstruir o telhado, a chaminé e as paredes exteriores.
84. O valor de reconstrução do telhado, isolamento e estrutura em madeira existente à data do sinistro ascende a € 15.000,00.
85. Em consequência do incêndio, ficou destruído o recheio do prédio nº. .., com os seguintes preços aquando da sua aquisição pela 2ª Ré: - Impressora HP Colour Lajer Jet CM2320nf MFL: 557,50€; - Móvel Portas e Gavetas - Cantos Rectos Design: 3.223,14€; - Poltrona Glove: 487,81€; - Iluminação suspensa Zettle: 325,20€; - Mobiliário feito a medida Arq in move: 3.400,00€; - Candeeiros e apliques estilo Dauhaus: 2.323,72€; - MacBook Pro 2.8 Gb: 700,00€; - Iphone 5S Gold 16Gb: 568,00€; - MacBook Pro 13.3/2.8Ghz: 2.234,00€; - Macbook Pro 13Retina: 2.234,00€; - Candeeiros Taucha 7unidades: 1.120,00€; - Candeeiros Leving H: 395,00€; - Candeeiros Vera S.: 170,00€; - Máquina de Secar Roupa Miele TKB 140 WP: 594,87€.
86. (alterado)
87. Após o incêndio, a 2ª A. tomou de arrendamento o prédio sito na Avenida de ... n.º ..., pela renda mensal de € 550,00.
88. Em rendas vencidas, a 2ª Autora já liquidou a quantia de € 5.550,00 (cinco mil e quinhentos euros).
89. A 1ª Ré executou todas as obras contratadas com a 2ª Autora nos precisos termos e condições previstas no projeto de arquitetura que lhe foi enviado pela 2ª Autora, e que foi aprovado pela Câmara Municipal ..., em conformidade com as alterações acordadas com as Autoras no decurso dos trabalhos e que se mostram refletidas nas telas finais.
90. A obra foi entregue pela Ré à 2ª Autora, que a recebeu, no dia 17 de Junho de 2016, data em que todas as obras contratadas já se encontravam concluídas.
91. A partir da referida data, a Ré deixou de ter qualquer chave da obra.
92. A partir da referida data, apenas a 2ª Autora passou a dispor e usufruir do imóvel.
93. O qual foi mobilado, tendo a 1ª Autora passado a viver lá, juntamente com a sua família a partir de data não concretamente apurada entre o dia 17 de Junho de 2016 e o dia 19 de Setembro de 2016.
94. A localização de um sistema de aquecimento (recuperador de calor ou outro equipamento) na sala do prédio n.º ... e respetivo sistema de aquecimento ao serviço dos quartos e casa-de-banho localizados no piso superior já estava prevista no projeto de arquitetura que foi enviado pela 2ª Autora à 1ª Ré com vista à execução da obra.
95. Para que a 1ª Ré executasse a obra de forma a que o tipo de sistema de aquecimento que viesse a ser escolhido pelas Autoras no decurso da obra fosse instalado no local.
96. De acordo com as Autoras e respetivos projetos ou desenhos.
97. Inicialmente, a execução desta obra de instalação do recuperador de calor e sistema de aquecimento ficou a cargo da 2ª Autora, que assumiu contratar diretamente uma empresa que executasse esse serviço.
98. Porém, no decurso da obra, a gerente da 2ª Autora, por falta de tempo, solicitou à 1ª Ré que subcontratasse uma empresa que executasse esse trabalho.
99. A 1ª Ré escolheu a 2ª Ré, por ser uma empresa especializada na matéria e ter sido indicada pela fabricante Y, para a execução da obra de instalação do recuperador de calor e sistema de aquecimento.
100. E informou a 2ª Autora acerca da empresa que pretendia subcontratar, a qual foi aprovada por aquela.
101. A 1ª Ré não teve qualquer intervenção na execução técnica do trabalho de instalação do recuperador de calor, da tubagem e do sistema de aquecimento.
102. A 1ª Ré verificou e confirmou que a 2ª Ré forneceu e aplicou todos os materiais contratados, nos termos e condições constantes no documento nº. 92 e seg. (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
103. E confirmou e verificou que o referido trabalho era executado nos termos e condições previstos no projeto da obra e de acordo com as alterações acordadas com as Autoras no decurso dos trabalhos e que se mostram refletidas nas telas finais.
104. A 1ª Ré confirmou e verificou, no termo da sua instalação, que o recuperador de calor e sistema de aquecimento, funcionava em condições de segurança.
105. A 2ª Ré conhece as regras de instalação que são fornecidas pelo fabricante do recuperador aplicado.
106. Os funcionários da 2ª Ré têm formação e conhecimentos técnicos específicos para a execução deste tipo de trabalhos.
107. Após a conclusão do trabalho, a 2ª Ré garantiu à 1ª Ré que cumpriu todas as regras de instalação do recuperador de calor e das tubagens.
108. As condutas de saída de fumo tiveram a mesma largura desde a saída do equipamento até à evacuação dos fumos para a atmosfera.
109. Após a conclusão da instalação do recuperador de calor e sistema de aquecimento, o mesmo foi testado durante cerca de 4 (quatro) a 5 (cinco) horas.
110. Na presença de um representante da 1ª Ré que presenciou o seu funcionamento em condições de segurança.
111. Não obstante o referido em 51. e 52., a 1ª Autora estava esclarecida acerca das regras de utilização e cuidados a ter com o recuperador de calor.
112. A 1ª Autora já tinha utilizado o recuperador de calor e sistema de aquecimento, por várias vezes, antes da ocorrência do sinistro e não comunicou à Ré a existência de qualquer anomalia no seu funcionamento.
113. A Autora saiu de casa e deixou o recuperador de calor e sistema de aquecimento ligado.
114. A Autora não se encontrava em casa aquando da ocorrência do sinistro.
115. (alterado)
116. (alterado)
117. As distâncias máximas possíveis entre a tubagem de exaustão e os materiais de combustão, já constavam do projeto elaborado pelo arquiteto responsável pela obra.
118. O arquiteto responsável pela execução do projeto de arquitetura não previu e não acautelou a distância de 1200 mm entre os materiais combustíveis e a conduta de exaustão.
119. O arquiteto que elaborou o projeto de arquitetura sabia que a distância existente entre os materiais combustíveis e a conduta de exaustão era inferior a 1200 mm.
120. A distância existente nesta obra entre os materiais combustíveis e a conduta de exaustão do sistema de aquecimento corresponde à distância normalmente existente em obras similares à dos autos.
121. Nem o arquiteto da obra, nem a 2ª Ré, referiram à 1ª Ré que as medidas existentes entre o equipamento e os materiais combustíveis não eram as adequadas ou que não garantiam a segurança da habitação.
122. A 1ª Ré confiou que a obra havia sido executada pela 2ª Ré em condições de segurança e não padecia de qualquer anomalia.
123. A 2ª Autora conhecia o projeto de arquitetura da obra.
124. A obra era acompanhada por Arquiteto contratado pela 2ª Autora.
125. (alterado)
126. Aquando o incêndio, não estava ninguém nos prédios n.º .. e .., nem nas imediações.
127. O acesso ao interior só foi possível aos bombeiros, após a abertura da porta pela 1ª Autora, e quando o incêndio estava num estado avançado.
128. Se a Autora estivesse em casa poderia a atenuar as consequências do incêndio, com rápida intervenção dos bombeiros.
129. As chamas foram potenciadas e alimentadas pelo facto de o prédio estar habitado e ter recheio, como mobiliário e centenas de livros.
130. Além de carpetes, as Autoras tinham uma mesa em madeira, a distância inferior a 0,50 m. da parte frontal do recuperador.
131. A 2ª A. tinha conhecimento do tipo e características do aparelho que veio a ser instalado, incluindo a localização das tubagens.
132. A 2ª Ré não acordou com a 1ª Ré a colocação do recuperador de calor apto a ser utilizado pelo cliente.
133. O revestimento dos espaços onde foram colocados o recuperador de calor, a respetiva tubagem e chaminé foram feitos pela 1ª Ré.
134. A quem cabia, por acordo entre a 1ª e a 2ª Ré, fazer tais trabalhos e, bem assim, fazer os remates e terminar a execução do trabalho.
135. A distância de 1200 mm a que alude o manual de instruções é indicativa e pode ser reduzida até 10/15 centímetros se os elementos combustíveis de construção forem protegidos com materiais adequados para o efeito.
136. A tubagem utilizada e instalada no local pela 2ª Ré é certificada e apropriada para o local, correspondendo exatamente ao que foi encomendado e fornecido.
137. A tubagem de exaustão foi instalada pela 2ª Ré de acordo com as normas técnicas de montagem e segurança para tal tipo de tubagens.
138. A ficha eletrotécnica refere-se ao prédio n.º ....
139. Na tubagem do recuperador de calor e sistema de aquecimento foi utilizado tubo duplo em inox, com revestimento interior de lã de rocha, em peças de um metro cada, com um diâmetro interno do tubo de 20 cm e externo de 26 cm e terminava a 1,35 cm acima do telhado.
140. O recuperador encontrava-se fechado e selado enquanto esteve em funcionamento durante a ausência da 1.ª autora.
141. As medidas de segurança ou de contenção de fogo passíveis de serem adotadas não eram idóneas a evitar a ocorrência de um fogo por causa da fuga de calor na tubagem de exaustão.
142. O encerramento do ar no funcionamento do recuperador de calor só tinha eficácia em casos em que o fogo se encontra contido no próprio sistema de aquecimento, recuperador, tubagem de exaustão e chaminé.
*
II. Factos não provados.

1. A 1ª Ré iniciou as obras 5 (cinco) dias úteis apos a comunicação de inicio enviada a Camara Municipal ... em 28 de Setembro de 2015.
2. O recuperador de calor era da serie Vista 80.
3. A 2ª Ré garantiu à Autora que o recuperador era adequado, apto e tinha as qualidades necessárias ao fim a que se destinava.
4. A 2ª. Autora não conheceu, não elaborou, nem mandou elaborar, o projeto de instalação do recuperador de calor e sistema de aquecimento.
5. O projeto de instalação do recuperador de calor e sistema de aquecimento foi elaborado pelas 1ª e 2ª. Rés.
6. A instalação do revestimento da tubagem realizou-se de acordo com aquilo que a 2ª Ré entendeu ser procedimento adequado ao efeito, designadamente no que respeita a escolha dos materiais e técnicas, atendendo as características e materiais do prédio.
7. A causa do sinistro resultou da errada e descuidada instalação das tubagens.
8. A causa do sinistro resultou da errada e descuidada instalação do sistema de aquecimento.
9. O incêndio foi originado pelos tubos de convecção de calor que não se encontravam devidamente isolados.
10. No dia do sinistro, a Autora colocou o sistema de aquecimento em funcionamento por indicação da 1ª Ré para verificar o seu funcionamento, em termos de combustão e de produção de calor e de escape de fumos para o interior da habitação.
11. As características estruturais e materiais existentes nos prédios nºs. 17 e 19 tornaram impossível qualquer controlo ou possibilidade de redução de danos a partir do momento em que o fogo se alastrou para o prédio n.º ....
12. Na data da ocorrência do sinistro as obras da empreitada contratada ainda não se encontravam concluídas, não tendo a obra sido entregue pela Ré, nem recebida pela Autora.
13. Não estavam, ainda, executados os seguintes trabalhos: a) Isolamento das portas da garagem e da cozinha; b) Remate das ombreiras do acesso a despensa/lavandaria; d) Rusticar as juntas de alvenaria de pedra existente; e) Colocação de vidro duplo na porta da cozinha; f) Fornecimento e execução de trabalhos de aplicação de tomadas elétricas.
14. A partir do dia 17 de Junho de 2016, a Ré nunca mais acedeu ao prédio ou executou qualquer trabalho.
15. Foi a 2ª Ré quem executou todos os trabalhos, por sua conta, direção e risco.
16. O incêndio não teve origem na tubagem de exaustão localizada na parede divisória dos quartos e da casa de banho do prédio.
17. As causas do incêndio são desconhecidas.
18. O incêndio pode ter tido várias origens, designadamente, num curto-circuito elétrico ou num raio de trovoada.
19. O sistema elétrico dos candeeiros adquiridos pela Autora no estrangeiro poderia não estar em bom estado de conservação ou não ser totalmente compatível com o sistema elétrico instalado na casa e, com o decorrer do tempo, ter desencadeado um curto-circuito.
20. No dia e hora em que ocorreu o sinistro, estava a chover e também trovejava intensamente, tendo um raio caído sobre o telhado da casa, o que fez desencadear o incêndio.
21. A tubagem aplicada foi isolada termicamente em todo o seu comprimento.
22. Todos os tubos de exaustão e de calor ficaram devidamente isolados.
23. A 2ª Ré entregou às Autoras o manual de instalação e utilização do recuperador de calor.
24. A 2ª Ré deu formação à 1ª Autora quanto à forma de acendimento do recuperador de calor e cuidados a ter durante o seu funcionamento.
25. A Autora carregou demasiado o equipamento.
26. A Autora não escolheu uma posição no controlo de ar de combustão de forma a ter uma queima suave e duradoura, evitando uma queima desmesurada.
27. A adoção dos comportamentos descritos no manual de utilização impediria a ocorrência do incêndio.
28. A segurança do equipamento é garantida apenas pelo tipo de materiais aplicados e pelo seu revestimento e não pela distância existente entre estes e os materiais combustíveis.
29. A 2ª Autora sabia que a distância existente entre os materiais combustíveis e a conduta de exaustão era inferior a 1200 mm.
30. A 2ª Autora era conhecedora dos termos e condições em que o recuperador de calor e sistema de aquecimento foram executados.
31. Se a Autora estivesse em casa poderia a impedir o incêndio.
32. A 1ª Autora foi habitar o prédio nº. .. sem que estivessem reunidas as condições de segurança contra incêndios, exigidas pelo Regime Jurídico da Segurança Contra Incêndios em Edifícios, sabendo que não estavam reunidas as condições de segurança para o efeito e potenciando os riscos inerentes a essa utilização.
33. O supra referido prédio nº. .. é destinado a instalação e funcionamento da sua sede e ao exercício da sua atividade”.
34. A 2ª Autora pretendia ocupar o prédio nº. .. como sede da sua atividade, facto que se tornou impossível em virtude do incêndio.
35. O arrendamento do prédio sito na Avenida de ... n.º ..., tornou-se necessário para a 2ª A. continuar a desenvolver a sua atividade.
36. O que, a par do referido em 52., impediu a Autora de adotar os comportamentos descritos no manual de utilização.
37. A adoção dos comportamentos descritos no manual de utilização impediria que incêndio tivesse a amplitude ocorrida».
38. A obra era fiscalizada por engenheiro da 1ª Ré contratado pela 2ª Autora.
*
2. – Reapreciação da matéria de direito.

2.1. Considerações gerais.

As Autoras propuseram, em coligação, a presente ação, através da qual pretendem ser indemnizadas pelos danos sofridos em consequência de incêndio ocorrido em dois prédios urbanos da sua propriedade, sendo eles:

- O prédio n.º ..., propriedade da 2ª Autora, que havia celebrado com a 1ª Ré um contrato de empreitada com vista à sua reabilitação e conversão numa moradia unifamiliar, onde teve origem o sinistro em causa nos autos;
- E o prédio n.º ..., propriedade da 1ª Autora, para o qual o incêndio propagou.
Relativamente à 1ª ré a 1ª Autora fundamenta o seu direito indemnizatório na responsabilidade civil extracontratual e a 2ª Autora fundamenta o seu pedido na responsabilidade civil contratual.

A sentença recorrida julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, decidiu:
1 – absolver as Rés (2ª) “Lareiras ... – Sistemas de Aquecimento, Lda.” e (3ª) “X – Companhia de Seguros, S.A.” de todos os pedidos formulados.
2 – condenar a Ré “A. M., Lda.” no pagamento à 1ª Autora;
a) da quantia de € 62.459,31;
b) da quantia de € 20.000,00;
c) da quantia correspondente à construção de obra nova do prédio n.º ..., na proporção de 2/3, a liquidar em incidente póstumo;
d) da quantia necessária à demolição e remoção dos escombros existentes no prédio n.º ..., na proporção de 2/3, a liquidar em incidente póstumo;
2 – condenar a Ré “A. M., Lda.” no pagamento à 2ª Autora;
e) da quantia correspondente à construção de obra nova do prédio nº. .., na proporção de 2/3, a liquidar em incidente póstumo;
f) da quantia de € 12.222,16;
g) da quantia de € 3.666,66 e da quantia mensal de € 366,66, desde 1 de Novembro de 2017 e até integral liquidação da quantia referida em e).
*
2.2. Da errada interpretação e aplicação do art. 483.º do Cód. Civil (conclusões 36º a 39º da 1ª Ré).
Enunciando o princípio geral da responsabilidade civil por facto ilícitos, o n.º 1 do art. 483º do Código Civil (abreviadamente CC) prescreve que, "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
Trata-se da responsabilidade civil subjetiva, extracontratual, delitual ou aquiliana pela prática de factos ilícitos (12).
São os seguintes os pressupostos que se têm de verificar para que surja, na esfera do lesante, a obrigação de indemnizar: (i) o facto voluntário; (ii) a ilicitude da conduta; (iii) a imputação do facto ao lesante a título de culpa; (iv) o dano; e (v) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Como primeiro requisito da responsabilidade exige-se que se esteja perante um comportamento humano susceptível de ser controlado ou dominável pela vontade.
Este comportamento consiste, em regra, num facto positivo (apropriação ou destruição de coisa alheia, afirmação de um facto injurioso ou difamatório), que importa a violação de um dever geral de abstenção, do dever de não ingerência na esfera de acção do titular do direito absoluto. Mas pode também traduzir-se num facto negativo, numa abstenção ou numa omissão (13). Para tanto é necessário que exista, por força da lei ou de negócio jurídico, um especial dever jurídico de atuar que, com toda a probabilidade, evitaria a consumação do evento (art. 486º do CC).
Do facto voluntário excluem-se aquelas situações de caso fortuito ou de força maior como sejam as forças naturais invencíveis.
Para que exista responsabilidade é, ainda, necessário que o facto do agente seja ilícito, em termos de violar um direito de outrem ou de qualquer norma destinada a proteger interesses alheios.
A primeira forma de ilicitude abrange os direitos subjetivos absolutos – direitos reais, direitos de personalidade, direitos de propriedade industrial ou intelectual – oponíveis a todas as pessoas; com a segunda forma de ilicitude a lei visa alargar a proteção delitual a interesses privados, fora do quadro do direito subjetivo. A violação de interesses particulares tutelados pela lei penal, tais como a vida, a integridade física, a honra, a saúde, a intimidade da casa, a liberdade, afeta não só os bens da pessoa lesada ou dos seus familiares, mas também outros interesses coletivos, ligados á paz, à perfeição e à segurança da coletividade (14).
Quanto o preenchimento desta segunda variante da ilicitude exige-se (1º) que à lesão dos interesses do particular corresponda a violação de uma norma legal, (2º) que a tutela dos interesses particulares figure, de facto, entre os fins da norma violada e (3º) que o dano se tenha registado no circulo dos interesses privados que a lei visa tutelar (15).
Quanto à culpa, como pressuposto da responsabilidade, tem de verificar-se se a atuação do lesante foi em termos de merecer reprovação ou censura do direito em face da sua capacidade e circunstâncias concretas, pois que podia e devia ter agido de outro modo (16).
Nestes termos, o lesante apenas pode ser censurado quando, estando em condições de compreender o valor e o alcance dos seus atos, não tenha feito o devido uso das suas capacidades.
Poder-se-á assim dizer que a imputabilidade funciona como um pressuposto de imputação do facto ao agente lesante.
A culpa pode revestir duas formas diferenciadas: i) o dolo ou ii) negligência ou mera culpa.
Nos termos do art. 487º, n.º 2, do CC, a culpa é sempre apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias concretas, cabendo, por regra, ao lesado o ónus de alegação e prova da culpa do autor da lesão - n.º 1 do citado preceito -, sem prejuízo das presunções de culpa que a lei consagra (17).
O critério legal de apreciação da culpa afere-se em abstrato, ou seja, a existência de culpa e a individualização da modalidade de dolo ou de neglicência determinam-se perante o caso concreto, mas atendendo ao critério de uma pessoa normalmente atenta, prudente, capaz e inteligente. Assim, não releva o comportamento que o agente habitualmente mantém, mas antes aquele que deve ou devia observar e este é aquele que, no contexto em consideração, uma pessoa regularmente vigilante deveria ter observado (18).
Na apreciação da existência da culpa do empreiteiro o pressuposto geral de atuar com a diligência de um bom pai de família (n.º 2 do art. 487º do CC) deve ser aferido tendo, além do mais, em conta que, ao realizar uma obra, o executante deve respeitar as regras da arte vigentes naquele domínio. Como as regras de arte não constituem verdadeiras normas jurídicas, a sua violação não conforma uma ilicitude, mas antes um caso de atuação negligente ou dolosa. Já se estiver em causa a violação de normas técnicas, como, por exemplo de segurança, tal situação constitui um caso de ilicitude (19).
Como pressuposto da responsabilidade civil é também essencial que o lesado tenha efetivamente sofrido um dano.
Dano é o prejuízo num bem ou interesse juridicamente protegido. Não a lesão ou ofensa em si, mas o prejuízo resultante desta (20).
Refere Antunes Varela (21) que dano real “é a perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar”.
Já o dano patrimonial é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado, que se mede, em princípio, por uma diferença: a diferença entre a situação atual do lesado e a situação hipotética em que ele se encontraria, se não fosse o ato lesivo.
Abrange não só o dano emergente – prejuízo causado nos bens ou direitos inseridos na esfera patrimonial do lesado ao tempo da lesão – como também o lucro cessante – benefício que o lesado deixou de poder obter em razão da lesão ao qual, ao tempo dela, ainda não tinha direito (22).
O dano patrimonial é susceptível de avaliação pecuniária directamente reparável através de reconstituição específica da situação anterior à lesão ou pela via indireta da atribuição de uma prestação pecuniária; o dano será não patrimonial quando não seja susceptível de ser avaliado em dinheiro.
Por último, a obrigação de indemnizar implica que entre o ato ilícito e culposo e o prejuízo exista uma relação causal, o mesmo é dizer que o primeiro possa ser considerado a causa jurídica do segundo (23).
Não há que ressarcir todos os danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão só os que se possam considerar-se pelo mesmo produzidos. O requisito do nexo de causalidade entre o facto e o dano desempenha, consequentemente, a dupla função de pressuposto da responsabilidade civil e de medida da obrigação de indemnizar (24).
Dispõe o art. 563º do CC: “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
É entendimento quase unânime na doutrina que o citado normativo acolhe a teoria da causalidade adequada.
Esta pode assumir duas formulações: i) a formulação positiva, mais restrita, cuja verificação pressupõe que se responda afirmativamente a duas questões: a ação efetivamente produziu o evento dano e é normal, segundo as regras da experiência comum, que aquele tipo de ação, naquelas circunstâncias, produza aquele tipo de resultado. O que está em causa é um juízo de prognose póstuma ou posterior, mediante o qual se averigua da possibilidade do dano, tendo em conta as circunstâncias concretas conhecidas do agente e cognoscíveis por um homem médio; ii) a formulação negativa, mais abrangente do que a positiva, que considera existir nexo de causalidade “desde que a ação/inação imputável ao agente se tenha posto como sua condição sine qua non (…) a menos que a lesão se haja concretizado por circunstâncias manifestamente excecionais”. No fundo, haveria aqui uma inversão do ónus da prova, cabendo ao lesante demonstrar a completa inadequação do facto para a produção do resultado (25).

Como sentenciou o Acórdão do STJ de 20.06.2006, in CJSTJ, T. II, 2006, p. 119:

“I – Tal como decorre da redacção do artigo 563º do Código Civil o nosso sistema jurídico acolheu a doutrina da causalidade adequada, a qual, todavia, não pressupõe a exclusividade de uma causa ou condição.
II – Muito embora tal conceito legal comporte qualquer das formulações da referida teoria – na formulação positiva ou negativa –, vem-se, porém, entendendo que, provindo a lesão de um facto ilícito (contratual ou extracontratual), seja de acolher e seguir a formulação negativa, segundo a qual o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se mostrar indiferente para a verificação do dano.
III – Causalidade adequada essa que se refere – e não apenas ao facto ou dano isoladamente considerados – a todo o processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.
IV – Muito embora sejam as circunstâncias a definir a adequação da causa, contudo, não se deve perder de vista, por um lado, que para a produção do dano pode haver a colaboração de outros factos, contemporâneos ou não, e, por outro, que a causalidade não tem necessariamente de ser directa e imediata, bastando que a acção condicionante desencadeie outra condição que, directamente, suscita o dano (causalidade indirecta).
V – Sempre que ocorra um concurso de causas adequadas, qualquer dos seus autores é responsável pela reparação de todo o dano.
VI – No nosso ordenamento jurídico o nexo de causalidade apresenta-se com uma dupla função: como pressuposto da responsabilidade e como medida da obrigação de indemnizar.”

Verificados que sejam estes pressupostos, nasce a obrigação de indemnizar a cargo do lesante, nos termos dos arts. 483º, n º 1, 562º e 564º, n º 1, do C.C.
Antes de avançarmos, e uma vez que tal é relevante no caso sub júdice, importará reter que se o mesmo evento imputável ao devedor da obrigação provoque danos ao seu credor e a algum terceiro, o concurso entre responsabilidade contratual e extracontratual é real, efetivo. Aplicar-se-ão então, embora separadamente, os dois regimes respetivamente convocados se ambos os lesados pedirem a competente indemnização (26).
Nesse sentido veja-se o Ac. do STJ de 12/06/2012 (relator Távora Victor), in www.dgsi.pt., nos termos do qual se decidiu que o “mesmo acto lesivo v.g. de um empreiteiro é susceptível de causar um prejuízo ao dono da obra e a um terceiro estranho à mesma, verificando-se assim um concurso real entre os dois tipos de responsabilidade (contratual e extracontratual)”.
Analisemos, então, do preenchimento, no caso dos presentes autos, dos referidos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual da 1ª Ré face à 1ª Autora.

Particularizando o caso submetido à nossa apreciação está demonstrado que:

- A 1ª Autora, D. L., é possuidora e proprietária do prédio urbano sito na Rua ... nº .., da União de freguesias de ..., ... e ..., em Guimarães (ponto 1 dos factos provados).
- No exercício da sua actividade de construção civil, a 1ª Ré celebrou, na forma verbal, com a 2ª Autora um contrato de empreitada de construção civil, pela qual se obrigou a realizar a obra descrita no orçamento junto a fls.39 verso e seg., referente à reabilitação do prédio urbano sito na Rua ... n.º. .., União de freguesias de ..., ... e ..., pertença da 2ª. Autora, pelo valor de € 109.325,45 (acrescido de IVA à taxa legal em vigor) (ponto 9 dos factos provados).
- No decorrer da execução das obras que integram o contrato de empreitada foi acordado entre a 2ª Autora e a 1ª Ré a instalação de um recuperador de calor na sala do prédio nº. .. e respetivo sistema de aquecimento ao serviço dos quartos e casa-de-banho localizados no piso superior (ponto 23 dos factos provados).
- No dia 23/10/2016, por volta das 18H00, deflagrou um incêndio no prédio n.º ..., com início na parte superior do forro de madeira que constituía o tecto do piso superior do prédio nº. .., na zona do hall junto à entrada do quarto do lado direito, considerando o acesso a partir das escadas de acesso àquele piso, nas proximidades de um armário de madeira, por onde passavam as tubagens do recuperador de calor, com origem na tubagem de exaustão localizada na parede divisória dos quartos e da casa de banho do prédio nº. .., o qual se propagou para o telhado desse prédio, passando em seguida para o telhado do prédio n.º ..., e alastrando pelas paredes internas de ambos os prédios, de cima para baixo e de forma mais acentuada para a direita (pontos 33 a 35 e 40 dos factos provados).
- As tubagens e condutas do equipamento foram instaladas a uma distância não concretamente apurada mas sempre inferior a 1000 mm e superior a, pelo menos, 450 mm, face aos materiais combustíveis, nomeadamente ao travejamento e forro em madeira, e os tubos de exaustão de fumos não se encontravam devidamente isolados, permitindo fugas de calor e sobreaquecimento na madeira que se encontrava nas suas proximidades (pontos 41 e 42 dos factos provados).
- O revestimento dos espaços onde foram colocados o recuperador de calor, a respectiva tubagem e chaminé foram feitos pela 1ª Ré, a quem cabia, por acordo entre a 1ª e a 2ª Ré, fazer tais trabalhos e, bem assim, fazer os remates e terminar a execução do trabalho (pontos 133 e 134 dos factos provados)..
- A 1ª Ré executou todas as obras contratadas com a 2ª Autora nos precisos termos e condições previstas no projecto de arquitectura que lhe foi enviado pela 2ª Autora, e que foi aprovado pela Câmara Municipal ..., em conformidade com as alterações acordadas com as Autoras no decurso dos trabalhos e que se mostram reflectidas nas telas finais (ponto 89 dos factos provados).
- A localização de um sistema de aquecimento (recuperador de calor ou outro equipamento) na sala do prédio n.º ... e respectivo sistema de aquecimento ao serviço dos quartos e casa-de-banho localizados no piso superior já estava prevista no projecto de arquitectura que foi enviado pela 2ª Autora à 1ª Ré com vista à execução da obra (ponto 94 dos factos provados).
- A 1ª Ré escolheu a 2ª Ré, por ser uma empresa especializada na matéria e ter sido indicada pela fabricante Y, para a execução da obra de instalação do recuperador de calor e sistema de aquecimento (ponto 99 dos factos provados).
- A 1ª Ré não teve qualquer intervenção na execução técnica do trabalho de instalação do recuperador de calor, da tubagem e do sistema de aquecimento (ponto 101 dos factos provados).
- Após a conclusão da instalação do recuperador de calor e sistema de aquecimento, o mesmo foi testado durante cerca de 4 a 5 horas (ponto 109 dos factos provados).
- A 1ª Autora já tinha utilizado o recuperador de calor e sistema de aquecimento, por várias vezes, antes da ocorrência do sinistro e não comunicou à Ré a existência de qualquer anomalia no seu funcionamento (ponto 111 dos factos provados).
- As distâncias máximas possíveis entre a tubagem de exaustão e os materiais de combustão, já constavam do projecto elaborado pelo arquitecto responsável pela obra (ponto 117 dos factos provados).
- O arquitecto responsável pela execução do projecto de arquitectura não previu e não acautelou a distância de 1200 mm entre os materiais combustíveis e a conduta de exaustão (ponto 118 dos factos provados).
- O arquitecto que elaborou o projecto de arquitectura sabia que a distância existente entre os materiais combustíveis e a conduta de exaustão era inferior a 1200 mm.
- A distância existente nesta obra entre os materiais combustíveis e a conduta de exaustão do sistema de aquecimento corresponde à distância normalmente existente em obras similares à dos autos (ponto 120 dos factos provados)..
- Nem o arquitecto da obra, nem a 2ª Ré, referiram à 1ª Ré que as medidas existentes entre o equipamento e os materiais combustíveis não eram as adequadas ou que não garantiam a segurança da habitação (ponto 121 dos factos provados).
- A distância de 1200 mm a que alude o manual de instruções é indicativa e pode ser reduzida até 10/15 centímetros se os elementos combustíveis de construção forem protegidos com materiais adequados para o efeito (ponto 135 dos factos provados).
- A tubagem utilizada e instalada no local pela 2ª Ré é certificada e apropriada para o local, correspondendo exactamente ao que foi encomendado e fornecido (ponto 136 dos factos provados).
- A tubagem de exaustão foi instalada pela 2ª Ré de acordo com as normas técnicas de montagem e segurança para tal tipo de tubagens (ponto 137 dos factos provados).
- Do sinistro resultou para a 1ª Autora a destruição completa do prédio n.º ... e todo o seu recheio (ponto 58 dos factos provados)..

Como razões da sua discordância quanto ao decidido pela 1ª instância, por, na sua ótica, não lhe poder ser assacado qualquer comportamento ilícito e, menos ainda, culposo, invoca a apelante:

i) - Da matéria de facto dada como provada resulta que a empreiteira atuou de acordo com as legis artis e não violou qualquer disposição legal.
ii) - Não obstante ter sido aplicado pela 2ª Ré um tubo em inox, de dupla face, que pelas suas características era estanque de calor, a recorrente ainda revestiu o tubo pelo exterior em toda a sua extensão, com lã de rocha, de forma a reforçar a segurança, de acordo com o que é a prática corrente na construção civil em obras similares.
iii) Contrariamente ao entendido pelo Tribunal Recorrido nos pontos 133 e 134 da matéria de facto provada, não é verdade que era à Recorrente quem cabia fazer os remates e o revestimento das tubagens aplicadas pela 2ª Ré.
iv) As causas do incêndio são desconhecidas.
v) A 1ª Autora não logrou provar, como se lhe impunha, quais as legis artis e disposições legais que foram violadas pela Recorrente, uma vez ter resultado provado que a Recorrente não teve qualquer intervenção na execução técnica do trabalho de instalação do recuperador de calor, da tubagem e sistema de aquecimento e não ficou provado que era à Recorrente que cabia fazer o revestimento da tubagem.

Das objeções elencadas, a única que se tem como apurada tem a ver com a enunciada sob o item ii), mercê do aditamento à matéria de facto do ponto n.º 139 dos factos provados.
Contudo, esse circunstancialismo de modo algum é apto a infirmar ou abalar o juízo decisório explanado pelo Tribunal recorrido quanto à imputação da responsabilidade civil extracontratual à 1ª ré pelos danos causados na esfera jurídica da 1ª A..
Na verdade, não obstante o comprovado revestimento da tubagem exterior do sistema de aquecimento, em toda a sua extensão, com lã de rocha, feito pela recorrente com vista a reforçar a segurança, resultou apurado que a empreiteira executou deficientemente o isolamento/revestimento dos tubos de exaustão de fumos do recuperador o que deu origem ao sinistro verificado e aos consequentes danos, conforme decorre da conjugação da matéria objeto dos pontos 40 a 42, 54, 133 e 134 dos factos provados.
O que significa que, ao realizar tal tarefa, a empreiteira (1ª Ré) não respeitou as regras de arte naquele domínio, daí resultando uma deficiente instalação das tubagens do sistema do recuperador de calor, o que determinou a eclosão do incêndio, que se propagou ao prédio vizinho.
Tal como se concluiu na sentença recorrida, esse deficiente isolamento constitui um facto ilícito porque violador das legis artis, das regras de ordem técnica e de segurança e da prudência comum – o que se traduziu na violação dos direitos de propriedade e de personalidade da 1ª A., na vertente da primeira modalidade de ilicitude – e comporta igualmente uma atuação culposa da 1ª Ré, a título de negligência, posto que podia e devia ter isolado corretamente tal tubagem, pelo que o seu comportamento é passível de um juízo de censura. A 1ª ré não atuou segundo a diligência de um bom pai de família nas circunstâncias do caso concreto, já que não observou a diligência de que um tipo normal de construtor teria tido para proceder ao devido e seguro revestimento das tubagens do sistema de aquecimento, daí advindo o incêndio.
Acresce que não se provou que a 1ª Autora (ou o seu companheiro) tivesse carregado demasiadamente o equipamento, nem de que não escolheu uma posição no controlo de ar de combustão de forma a ter uma queima suave e duradoura, (pontos 25 e 26 dos factos não provados).
Verifica-se, também, um nexo de causalidade adequada entre o cumprimento defeituoso da empreitada pela 1ª ré – deficiente isolamento dos tubos de exaustão de fumos no âmbito da empreitada levada a cabo no prédio n.º ... – e o incêndio que sobreveio nesse prédio e posteriormente alastrou ao prédio n.º ..., pois que este evento constitui uma sua consequência normal, típica, provável, porquanto tal execução defeituosa é facto com aptidão, segundo o curso normal das coisas, para causar um incêndio, o que em concreto sucedeu.
Por outro lado, tendo as autoras logrado provar que o revestimento dos espaços onde foram colocados o recuperador de calor, a respetiva tubagem e chaminé foram feitos pela 1ª Ré, bem como que esta não selou/isolou corretamente os tubos de exaustão o que deu origem ao incêndio, era à recorrente, e não àquelas, que competia demonstrar que executou os trabalhos de acordo com as leges artis, ónus este que não logrou cumprir.
Tem-se, pois, como inequívoca a conclusão de que a causa – causa juridicamente adequada, nos termos do art. 563º do CC – do incêndio e da consequente destruição do prédio da 1ª autora e do respetivo recheio foi a execução defeituosa, por parte da 1ª ré, do isolamento dos tubos de exaustão do sistema de aquecimento no prédio n.º ....
Resta, por conseguinte, confirmar o juízo decisório impugnado no sentido de resultar da factualidade apurada «que foi a atuação ilícita e culposa da 1ª Ré, ao não isolar corretamente os tubos de exaustão dos fumos do recuperador, que deu causa ao sinistro verificado e aos consequentes danos produzidos».
Assim, provados que se mostram todos os pressupostos em que assenta a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos da recorrente, improcede este fundamento da apelação.
*
2.3. Da errada interpretação e aplicação do art. 493º, n.º 1, do CC (conclusões 40º a 48º da 1ª Ré e conclusões 3.25 a 3.30 das Autoras).

Defende a recorrente A. M. Lda que o Tribunal recorrido fez uma incorreta interpretação e aplicação do regime previsto no n.º 1 do art. 493º do CC, porquanto dos pontos 126, 127 e 128 dos factos provados não só resulta a violação do dever de vigilância por parte da 2ª Autora em relação ao recuperador de calor, mas também que a 2ª Autora teve culpa na produção dos danos sofridos pela 1ª Autora, pois se estivesse em casa poderia atenuar as consequências do incêndio.
Não tendo a 2ª Autora logrado afastar a presunção de culpa que sobre si recaía, deveria o Tribunal recorrido ter-se prevalecido da presunção de culpa estabelecida no referido normativo e, em consequência, absolvido a recorrente quanto aos pedidos formulados pela 1ª Autora, por ser a 2ª Autora a única responsável pelos danos sofridos em consequência do incêndio ocorrido no seu prédio.
Por sua vez, num sentido diametralmente oposto, advogam as Autoras/recorrentes que não atuaram ilicitamente, por não existir nenhum dever de vigilância, pelo que não se lhes aplica o art. 493º do CC, depositando-se a ilicitude na prestação deficiente da 1ª ré.
Acrescentam, entre outros argumentos, que o art. 493.º do CC «centra-se na distribuição dos danos a partir da imputação dos mesmos ao seu autor, aquele que os causa, aligeirando-se a carga que sobre o lesado recai de fazer prova dos pressupostos gerados da responsabilidade civil previstos na cláusula geral do artigo 483.º do Código Civil. (…). E é pelo risco da coisa que se impõe o dever de vigiar, sendo da sua natureza representar um perigo para coisas ou pessoas, mas sempre na relação com terceiros, aqueles que padecem do dano. Não na relação entre o agente e o lesado, como quer fazer querer o Tribunal a quo».

Na sentença recorrida, entre o mais, ponderou-se:
- ficou demonstrado que a Autora saiu de casa, deixando o recuperador ligado e que, se estivesse em casa, poderia atenuar as consequências do incêndio, permitindo, além do mais, uma mais rápida intervenção dos bombeiros, dado que estes só puderam entrar no imóvel depois de a Autora regressar e lhes abrir a porta e num momento em que o incêndio já se encontrava num estado avançado;
- dispondo já a 2ª Autora, em pleno e em exclusivo, da disponibilidade e do uso do imóvel em causa e do recuperador de calor nele instalado, é também convocável o estatuído no art. 493º/1 do CC;
- mostrando-se parcialmente elidida a presunção de culpa do obrigado à vigilância, posto que demonstrada nos autos a responsabilidade de terceiros pela eclosão do incêndio, ela não foi superada no que concerne à amplitude dos danos produzidos, não podendo concluir-se que os mesmos se teriam produzido ainda que o comportamento da Autora, em nome próprio ou em representação da respectiva sociedade, não fosse passível, como é, de um juízo de censura;
- não resulta dos autos que os danos produzidos seriam os mesmos e se contivessem na mesma amplitude, caso a Autora tivesse adoptado a exigível vigilância sobre o recuperador de calor, porque foi demonstrado que se o funcionamento do recuperador estivesse sob vigilância as consequências do incêndio poderiam ter sido atenuadas, pelo que não beneficia a Autora da previsão negativa da relevância de causa virtual a que alude a parte final do nº. 1 do art. 493º do C. Civil;
- é de qualificar como temerário o comportamento da Autora (e respectivo companheiro) ao ausentar-se deixando uma fonte de calor intenso em laboração, pois que qualquer pessoa, dotada de conhecimentos médios e razoáveis, e minimamente diligente, não pode ignorar que qualquer forma de combustão pelo fogo deve ser vigiada em permanência, dados os notórios perigos inerentes.

Decidindo.
Como já anteriormente explicitámos, o n.º 1 do art. 487º do CC consagra o regime geral do ónus da prova quanto à culpa, incumbindo ao lesado a prova da culpa do autor da lesão, exceto se houver presunção legal de culpabilidade (n.º 2 do mesmo artigo).
Regra geral corre, portanto, por conta do lesado o ónus da prova da culpa do agente/lesante, só adquirindo aquele ganho de causa se conseguir demonstrar em tribunal o caráter objetivamente censurável da conduta deste. Sendo esta prova difícil de realizar (probatio diabólica), esse ónus a cargo do lesado reduz em grande medida as suas possibilidades efetivas de obter indemnização, ao mesmo tempo que assegura a função sancionatória da responsabilidade civil, só responsabilizando o agente perante uma demonstração efetiva da sua culpa.
A lei consagra, porém, diversas presunções de culpa do responsável, que implicam uma inversão do ónus da prova (art. 350º, n.º 1 do CC), que passa a correr por conta do lesante. Apesar de as presunções serem genericamente ilidíveis (art. 350º, n.º 2 do CC), a verdade é que as dificuldades de prova neste domínio tornam, em caso de presunção de culpa, muito mais segura a obtenção de indemnização pelo lesado, levando assim a que na responsabilidade por culpa presumida a função indemnizatória praticamente apague a função sancionatória (27).
Entre outras presunções de culpa extracontratual (28), destaca-se (tendo em conta a situação objeto dos autos) a presunção de culpa relacionada com a guarda de coisas ou animais, prevista no n.º 1 do art. 493º do CC.
Estipula o citado normativo que, “quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.
Dele resulta a obrigação de indemnizar terceiros lesados por coisas ou animais àqueles que tenham em seu poder com o encargo da sua vigilância, do mesmo passo se estabelecendo uma presunção de culpa para os últimos (29).
Trata-se de norma que pressupõe, em face da perigosidade imanente de certas coisas (paiol de explosivos, depósitos de combustíveis, máquinas industriais, árvores secas, elevadores, armas, instrumentos cortantes, venenos, etc) ou de animais o surgimento de um dever de segurança no tráfego, que impõe automaticamente a sua custódia em relação ao seu detentor (30).
No que concerne a danos causados por coisas, normalmente será o proprietário a pessoa responsabilizada. Todavia, havendo um detentor adstrito a esse dever de vigilância [(um comodatário (art. 1135º, al. a)), um depositário (art. 1187º, n.º 1, al. a)), ou um credor pignoratício (art. 671º, al. a)], será ele, cumulativa ou exclusivamente, responsável, consoante o proprietário permaneça ou não vinculado à vigilância da coisa (31). Com efeito, art. 493º do CC deslocou o eixo da responsabilidade do simples domínio para a detenção da coisa ou do animal com o dever de os vigiar (32).
A presunção legal de culpa (do lesante) pode ser afastada através da prova da falta ou inexistência da culpa (provando, nos termos do n.º 2 do art. 350º do CC, ter cumprido o dever de vigilância que ao caso pertencia) ou demonstrando que os danos se teriam igualmente verificado, mesmo sem culpa (dando relevância negativa à causa virtual).
Retomando o caso em apreço e tomando em consideração que eram as Autoras (a 2ª A., enquanto proprietária do recuperador de calor e representada pela sua legal representante, e a 1ª A., quer por si, como pessoa física – que residia no imóvel onde estava instalado o recuperador, dele fazendo uso para satisfação das suas necessidades privadas/familiares –, quer na qualidade de legal representante da 2ª A.) que detinham a guarda do recuperador de calor, e dado não estar em causa o apuramento da sua responsabilidade com vista a ressarcir danos causados na esfera jurídica de terceiros lesados, mas tão só das próprias lesadas (proprietária e detentora da coisa), tendemos a concordar com as AA./recorrentes ao aludirem à imprestabilidade da aplicação do regime estabelecido no art. 493º, n.º 1, do CC com vista àquele fim, por não estar em causa a imputação de danos resultantes da utilização do recuperador.
A presunção de culpa consagrada e o dever de vigilância da coisa pressuposta no citado normativo reporta-se ao lesante e não ao lesado.
Diverso seria se estivesse em causa a obrigação de indemnizar terceiros lesados por parte das detentoras do recuperador com o encargo de o vigiar, o que não é o caso.
Deixam, por isso, de ter pertinência as considerações aduzidas pela recorrente A. M. Lda atinentes à não ilisão da presunção de culpa que (alegadamente) recairia sobre as autoras nos termos do art. 493º, n.º 1, do CC (conclusões 46 e 48).
Assim, dada a inviabilidade do instituto jurídico em apreço abstemo-nos nesta sede de quaisquer considerações sobre a facticidade apurada.
*
2.4.) Da revogação do deferimento tácito (conclusões 3.22 a 3.24 das AA.).

No que concerne ao procedimento administrativo de natureza urbanística, o Tribunal a quo concluiu que, perante a informação da Câmara Municipal ... (ponto I.57), o deferimento tácito que ocorreu tinha sido revogado.
Insurgem-se as recorrentes contra o assim decidido, propugnando que a 2.ª autora encontrava-se legalmente na utilização do prédio n.º .../21, porque tinha autorização de utilização.
Como ponto prévio importa frisar que, malgrado o teor da decisão proferida sobre a enunciada questão pelo Tribunal recorrido – cuja apreciação se impunha por ter suscitada, em sede de exceção, nas contestações apresentadas pela 1ª e 2ª RR. –, não se divisa que a mesma tenha influído no juízo de equidade formulado pelo Tribunal sobre a medida da redução da indemnização devida às autoras por força do funcionamento da previsão do art. 570º do CC (nem que tenha atinência com qualquer outra questão apreciada e decidida na sentença impugnada).
Sem embargo da antecedente conclusão, uma vez que a questão não se mostra prejudicada pela solução dada a outras, não se deixará, em sede de apelação, de a apreciar em apreço, dando assim estrito cumprimento ao disposto nos arts. 608º, n.º 2 “ex vi” do 663º, n.º 2, parte final, ambos do CPC.

Vejamos como decidir.
Importa ao caso o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo Dec. Lei n.º 555/99, de 16/12, e sucessivas alterações.

É o seguinte o quadro legal com relevo:
«SUBSECÇÃO IV
Utilização de edifícios ou suas frações
Artigo 62.º
Âmbito
1 - A autorização de utilização de edifícios ou suas frações autónomas na sequência de realização de obra sujeita a controlo prévio destina-se a verificar a conclusão da operação urbanística, no todo ou em parte, e a conformidade da obra com o projeto de arquitetura e arranjos exteriores aprovados e com as condições do respetivo procedimento de controlo prévio, assim como a conformidade da utilização prevista com as normas legais e regulamentares que fixam os usos e utilizações admissíveis, podendo contemplar utilizações mistas.
2 - No caso dos pedidos de autorização de utilização, de alteração de utilização ou de alguma informação constante de licença de utilização que já tenha sido emitida, que não sejam precedidos de operações urbanísticas sujeitas a controlo prévio, a autorização de utilização de edifícios ou suas frações autónomas destina-se a verificar a conformidade da utilização prevista com as normas legais e regulamentares que fixam os usos e utilizações admissíveis, bem como a idoneidade do edifício ou sua fração autónoma para o fim pretendido, podendo contemplar utilizações mistas.

Artigo 63.º
Instrução do pedido
1 - O pedido de autorização de utilização deve ser instruído com as telas finais, acompanhadas de termo de responsabilidade subscrito pelo diretor de obra ou pelo diretor de fiscalização de obra, no qual aqueles devem declarar que a obra está concluída e que foi executada de acordo com os projetos de arquitetura e especialidades, bem como com os arranjos exteriores aprovados e com as condições do respetivo procedimento de controlo prévio e que as alterações efetuadas ao projeto estão em conformidade com as normas legais e regulamentares que lhe são aplicáveis.
2 - O pedido de autorização de utilização pode ainda ser instruído com termo de responsabilidade subscrito por pessoa legalmente habilitada a ser autor de projeto, nos termos do regime jurídico que define a qualificação profissional exigível aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projetos, pela fiscalização de obra e pela direção de obra.
3 - O pedido de autorização de utilização, bem como as suas alterações, é apresentado através da plataforma eletrónica referida no n.º 1 do artigo 8.º-A, podendo ser utilizado o «Balcão do Empreendedor», para os pedidos relativos à instalação de estabelecimento e respetivas alterações de utilização, nos termos a regulamentar na portaria a que se refere o n.º 4 do artigo 8.º-A.

Artigo 64.º
Concessão da autorização de utilização
1 - A autorização de utilização é concedida no prazo de 10 dias a contar da receção do requerimento, com base nos termos de responsabilidade referidos no artigo anterior, salvo na situação prevista no número seguinte.
2 - O presidente da câmara municipal, oficiosamente ou a requerimento do gestor do procedimento e no prazo previsto no número anterior, determina a realização de vistoria, a efetuar nos termos do artigo seguinte, quando se verifique alguma das seguintes situações:
a) O pedido de autorização de utilização não estar instruído com os termos de responsabilidade previsto no artigo anterior;
b) Existirem indícios sérios, nomeadamente com base nos elementos constantes do processo ou do livro de obra, a concretizar no despacho que determina a vistoria, de que a obra se encontra em desconformidade com o respetivo projeto ou condições estabelecidas;
c) Tratando-se da autorização prevista no n.º 2 do artigo 62.º, existam indícios sérios de que o edifício, ou sua fração autónoma, não é idóneo para o fim pretendido.
3 - Quando o pedido de autorização de utilização for instruído com termo de responsabilidade referido no n.º 2 do artigo anterior, é dispensada a realização de vistoria municipal, bem como a apresentação na câmara municipal de certificações, aprovações e pareceres externos, bastando a comunicação da conclusão dos trabalhos, acompanhada de declaração subscrita pelo autor do projeto e pelo diretor de obra ou diretor de fiscalização de obra, de que tais elementos foram obtidos.
4 - Não sendo determinada a realização de vistoria no prazo referido no n.º 1, o requerente pode solicitar a emissão do alvará de autorização de utilização, a emitir no prazo de cinco dias, mediante a apresentação do comprovativo do requerimento da mesma nos termos do artigo 63.º

Artigo 65.º
Realização da vistoria
1 - A vistoria realiza-se no prazo de 15 dias a contar da decisão do presidente da câmara referida no n.º 2 do artigo anterior, decorrendo sempre que possível em data a acordar com o requerente.
2 - A vistoria é efetuada por uma comissão composta, no mínimo, por três técnicos, a designar pela câmara municipal, dos quais pelo menos dois devem ter habilitação legal para ser autor de projeto, correspondente à obra objeto de vistoria, segundo o regime da qualificação profissional dos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projetos.
3 - A data da realização da vistoria é notificada pela câmara municipal ao requerente da autorização de utilização, o qual pode fazer-se acompanhar dos autores dos projetos e do técnico responsável pela direção técnica da obra, que participam, sem direito a voto, na vistoria.
4 - As conclusões da vistoria são obrigatoriamente seguidas na decisão sobre o pedido de autorização.
5 - No caso da imposição de obras de alteração decorrentes da vistoria, a emissão da autorização requerida depende da verificação da adequada realização dessas obras, mediante nova vistoria a requerer pelo interessado, a qual deve decorrer no prazo de 15 dias a contar do respetivo requerimento.
6 - Não sendo a vistoria realizada nos prazos referidos nos n.os 1 ou 5, o requerente pode solicitar a emissão do título de autorização de utilização, mediante a apresentação do comprovativo do requerimento da mesma nos termos do artigo 63.º ou do número anterior, o qual é emitido no prazo de cinco dias e sem a prévia realização de vistoria».

«Artigo 67.º
Requisitos
A validade das licenças ou das autorizações de utilização depende da sua conformidade com as normas legais e regulamentares aplicáveis em vigor à data da sua prática, sem prejuízo do disposto no artigo 60.º.

Artigo 68.º
Nulidades
Sem prejuízo da possibilidade de atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos nos termos gerais de direito, bem como do disposto no artigo 70.º, são nulas as licenças, as autorizações de utilização e as decisões relativas a pedidos de informação prévia previstos no presente diploma que:
a) Violem o disposto em plano municipal ou intermunicipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território, medidas preventivas ou licença ou comunicação prévia de loteamento em vigor;
b) [Revogada];
c) Não tenham sido precedidas de consulta das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigíveis, bem como quando não estejam em conformidade com esses pareceres, autorizações ou aprovações».

«Artigo 73.º
Revogação
1 - Sem prejuízo do que se dispõe no número seguinte, a licença ou as autorizações de utilização só podem ser revogadas nos termos estabelecidos na lei para os atos constitutivos de direitos.
2 - Nos casos a que se refere o n.º 2 do artigo 105.º, a licença pode ser revogada pela câmara municipal decorrido o prazo de seis meses a contar do termo do prazo estabelecido de acordo com o n.º 1 do mesmo artigo».

«Artigo 111.º
Silêncio da Administração
Decorridos os prazos fixados para a prática de qualquer ato especialmente regulado no presente diploma sem que o mesmo se mostre praticado, observa-se o seguinte:
a) Tratando-se de ato que devesse ser praticado por qualquer órgão municipal no âmbito do procedimento de licenciamento, o interessado pode recorrer ao processo regulado no artigo 112.º;
b) [Revogada];
c) Tratando-se de qualquer outro ato, considera-se tacitamente deferida a pretensão, com as consequências gerais».

O ato administrativo constitutivo de direitos (como a autorização de utilização) pode ser revogado por razões de mérito, conveniência ou oportunidade (art. 165º, n.º 1 do CPA) ou anulado com fundamento em invalidade (art. 165º, n.º 2 do CPA), nos termos previstos nos arts. 167º e 168º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Dec. Lei n.º 4/2015, de 7/01.
A revogação é o ato administrativo pelo qual a Administração destrói (revogação anulatória/revogação de atos inválidos) ou faz cessar (revogação em sentido estrito) os efeitos jurídicos de um ato administrativo anterior.
Quando a destruição ou cessação dos efeitos resultar de um novo ato relativo à mesma situação concreta, de conteúdo ou efeitos incompatíveis com o conteúdo ou efeitos de outro ato anterior, sem declaração revogatória ou explícita referência ao ato revogado, estamos perante uma revogação implícita. O que caracteriza o ato revogatório implícito é precisamente a falta de declaração expressa da intenção de revogar - isto é, o mesmo não contém qualquer referência ao ato anterior -, a qual, no entanto, é implícita, resultando da incompatibilidade com o ato anterior, ou seja, na revogação implícita existe a intenção de revogar ato anterior, mas tal vontade é implícita (33).

Tendo presente o referido enquadramento legal não oferece controvérsia que:
- a autorização de utilização requerida pelo interessado na sequência de obras sujeitas a controlo prévio deve ser concedida no prazo de 10 dias a contar da receção do requerimento, com base nos termos de responsabilidade a que se refere o art. 63.º do mesmo diploma, exceto se, nesse prazo, o presidente da câmara municipal determinar a realização de vistoria (art. 64.º, n.ºs 1 e 2 do RJUE);
- não sendo determinada no prazo de 10 dias a realização da vistoria, nem concedida de forma expressa a autorização de utilização, o pedido de autorização considera-se tacitamente deferido, com as consequências gerais (art. 111º, al. c) do RJUE);
- no caso, ocorreu o deferimento tácito do pedido da autorização de utilização, porquanto, no prazo de 10 dias a contar do requerimento para a concessão da autorização de utilização (apresentado pela Autora no dia 23/09/2016, por requerimento com o nº. 6876/16), não foi determinada a realização da vistoria, nem proferida decisão expressa sobre o pedido de concessão da autorização de utilização;
- na sequência desse deferimento tácito a autora requereu a emissão do respetivo alvará de autorização de utilização em 13/10/2016, por requerimento com o nº. 7411/16.
- por despacho de concordância com a informação de 17/10/2016, proferido, aos 20/10/2016, pelo Vereador da Câmara Municipal ... foi decidido, relativamente àquele requerimento com o nº. 6876/16, que:
Constitui pretensão do requerente, concretização de operação urbanística de obras de alteração em edifício localizado na Zona Especial de Protecção da área classificada como Património Cultural da Humanidade pela UNESCO.
Embora do ponto de vista estritamente urbanístico as alterações sejam passíveis de concretização, parte da alteração proposta incide sobre a escada com alteração formal e sendo mencionado em memória descritiva a alteração de vigas e pilares, devem ser esclarecidas em desenho as mesmas alterações. Estas modificações descritas, contrariamente ao requerido (…) estão sujeitas a licença administrativa”.
- No entender do Tribunal “a quo”, esta decisão camarária de 20/10/2016 corresponde a “um acto anulatório do anterior acto de deferimento tácito ou de revogação implícita do deferimento tácito da autorização de utilização”.
- Deu (o Tribunal) por verificada a situação prevista no art. 64º, nº. 2, do RJUE, dado que nela se verificou a desconformidade da obra com o respetivo projeto ou condições estabelecidas, estando as respetivas alterações sujeitas a licenciamento.
- E concluiu que a Autora foi habitar o referido imóvel sem que a sua utilização estivesse efetivamente licenciada, visto que o acto de indeferimento expresso teve lugar dentro dos seis meses seguintes ao momento do deferimento tácito relativo ao requerimento apresentado pela Autora com o nº. 6876/17 e tal despacho é totalmente incompatível com as pretensões apresentadas pela Autora nos serviços camarários.
A discordância das recorrentes assenta na interpretação que o Tribunal confere ao referido despacho camarário de 20/10/2016, quer quanto aos efeitos que lhe atribui, quer quando conclui que tal despacho é totalmente incompatível com as pretensões apresentadas pela Autora nos serviços camarários, quer quando dele retira efeitos negativos para a esfera jurídica da Autora sem que esta se tenha podido pronunciar e de que não teve conhecimento à data da ocorrência do incêndio sobre uma pretensa decisão em relação, quer nas conclusões formuladas.

Em termos resumidos diremos:
i) - do processo administrativo de natureza urbanística não constava qualquer comprovativo de que a notificação da decisão camarária de 20/10/2016 tenha sido efetivada à particular, 2ª Autora, antes ou depois do incêndio.
Nos termos do art. 160.º do CPA, “[i]ndependentemente da sua forma, os atos que imponham deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções, que causem prejuízos ou restrinjam direitos ou interesses legalmente protegidos, ou afetem as condições do seu exercício, só são oponíveis aos destinatários a partir da respetiva notificação”.
O que significa que, mesmo que se considerasse que o despacho do vereador de 20/10/2016 correspondeu a uma anulação implícita da autorização de utilização tacitamente deferida, esse ato teria de ter sido notificado à Autora, posto que só a partir de então lhe seria oponível.
ii) - o mencionado despacho de 20/10/2016, ao aludir à necessidade das alterações (de vigas e pilares) deverem ser esclarecidas em desenho, não constitui uma decisão definitiva sobre tais alterações (embora seja expresso ao antecipar que tais “modificações descritas, contrariamente ao requerido (…) estão sujeitas a licença administrativa”);
iii) – ao referir que, “do ponto de vista estritamente urbanístico”, as alterações são “passíveis de concretização, tal despacho não se mostra totalmente incompatível com a manutenção da autorização de utilização;
iv) A decisão camarária de 20/10/2016 reporta-se a uma pretensão da requerente de concretização de uma operação urbanística de obras de alteração em edifício, não fazendo qualquer menção à pretensão de autorização de utilização.
Ora, embora a obra estivesse já concluída e se mostrassem concretizadas as alterações a que a decisão camarária se refere, certo é que competiria ao Município reconhecer e declarar pela desconformidade da obra executada com o projeto aprovado e essa conclusão não consta daquele despacho.
Deste modo, não é possível concluir que a decisão camarária de 20/10/2016 corresponda a “um acto anulatório do anterior acto de deferimento tácito ou de revogação implícita do deferimento tácito da autorização de utilização”.
E não tendo sido comprovada a sua notificação à particular, os efeitos do alegado ato anulatório do deferimento (tácito) da autorização de utilização nunca poderiam ser opostos à 2.º autora, pelo que se conclui que que a utilização do prédio ... que, à data do incêndio, estava a fazer com base na autorização de utilização tacitamente deferida era legítima.
Termos em que procede este fundamento da apelação.
*
2.5. Da culpa da(s) lesada(s) e da redução da indemnização - art. 570º do CC (conclusões 49º a 53º da 1ª Ré e conclusões 3.31 a 3.52 das Autoras).
No entendimento da recorrente A. M. Lda, por referência ao disposto no art. 570º do CC, a culpa da 2ª Autora na produção dos danos ocorridos no prédio da 1ª Autora impõe a exclusão da culpa da recorrente; assim não se entendendo, a culpa da 2ª Autora terá sempre de ser superior à sua ou, pelo menos, igual, mas nunca inferior, pelo menos que no que se refere aos danos ocorridos no prédio da 1ª Autora.
Em contrapartida, as autoras/recorrentes sustentam não ser censurável, para efeitos do art. 570.º do CC, o facto da autora se ter ausentado temporariamente do prédio n.º .../21 com o recuperador ligado, uma vez que o deixou em condições normais, num funcionamento segurado, garantido a selagem da porta do recuperador, inexistindo qualquer concurso de culpa da 2.ª autora no agravamento dos danos resultantes de um defeito de instalação.
Acrescentam que, a ser de censurar a ausência da autora, apenas se pode imputar à 2.ª autora e ao risco criado pelo prédio n.º .../21 e não à 1.ª autora, porque são pessoas jurídicas distintas, proprietárias de prédios distintos, só o risco produzido pelo prédio n.º .../21 é que estava no domínio da 2.ª autora, apenas podendo esta responder para efeitos do art. 570.º do CC, pelo que a 1.ª autora tem direito a receber a integralidade da indemnização devida pelos danos causados pela 1.ª.
Na sentença recorrida, tendo concluído que foi a deficiente execução do isolamento das tubagens de exaustão por banda da 1ª Ré que deu causa ao incêndio, o Mm.º Juiz “a quo” atendeu também ao significativo contributo da Autora para o agravamento dos danos, por ter omitido o dever de vigilância e cuidado de prevenção dos riscos próprios da utilização de um recuperador de calor, pelo que, ao abrigo do disposto no art. 570º do CC, fixou a medida da graduação das culpas na proporção de 1/3 a cargo das AA. e 2/3 da responsabilidade da 1ª Ré, com a consequente redução da indemnização devida às lesadas/demandantes.

Sob a epígrafe “Culpa do lesado”, prescreve o art. 570º do CC:

«1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar».

Na produção do resultado danoso o facto do agente ou o risco da sua atividade pode concorrer com um facto, culposo ou não, da própria vítima.
Verifica-se, pois, a figura da concausalidade sempre que o dano tem várias causas, concomitantes ou não.
O normativo citado abarca, no seu n.º 1, a dupla concorrência de «facto culposo do lesado para a produção» e para o «agravamento dos danos».
E, considerando a sua inserção sistemática, vale para todo o campo da responsabilidade civil, valorizando a conduta do lesado, activa ou omissiva, que concorre para o evento ou consequente a ele, como será, em regra, o caso do agravamento dos danos provocados. Se é certo que agravamento pode ser contemporâneo do evento danoso, é mais usual ocorrer após a verificação do evento lesivo (34).
A aplicação da citada norma pressupõe que i) o lesado tenha praticado um ato que foi concausa do dano sofrido ou que tenha contribuído para agravar o dano e ii) que esse ato tenha sido culposo.
Para além do concurso de duas condutas culposas, exige-se que tenham sido causalmente concorrentes para o evento lesivo ou para o agravamento dos danos.
Importa, assim, que o facto do prejudicado possa efetivamente considerar-se causa do dano ou do seu aumento, em concorrência com o facto do responsável – isto é, que se verifique um nexo de concausalidade. E mostra-se ainda necessário que haja culpa do prejudicado. Portanto, exige-se que o facto do prejudicado apresente as caraterísticas que o tornariam responsável, caso o dano tivesse atingido um terceiro (35).
Verdadeiramente a culpa do lesado é uma culpa imprópria, não técnica por não assentar numa conduta ilícita já que o lesado, na ausência de um dever geral de autoproteção, age, apenas, dolosa ou negligentemente, contra os seus interesses pessoais e patrimoniais, suportando os efeitos da sua liberdade pessoal ao pretender responsabilizar o lesante/devedor culpados. Não lesando direitos ou interesses alheios, nem atentando contra normas de proteção mista, a falta de cuidado ou de zelo com os seus bens não envolve ilicitude, mas, somente, a inobservância de um ónus jurídico (36) (37).
Não pressupondo um facto ilícito danoso (para outrem), impõe necessariamente que a conduta do lesado seja passível de um juízo de censura decorrente de uma atuação negligente ou imprópria com relevância no processo causal (adequado) do dano. Como refere Antunes Varela, a lei quis arredar da norma os casos em que entre o facto ilícito do agente ou o dano e o facto do lesado há um puro nexo mecânico-causal, para apenas abranger os casos em que o comportamento do prejudicado é censurável ou reprovável (38).
Quanto ao modo de apreciação da culpa do lesado, se não estiver em causa a reprovação da sua conduta, mas a distribuição dos danos, parece razoável a defesa de um critério objetivo temperado pela consideração circunstancial e por certos fatores subjetivos como a idade, a pouca instrução e a deficiência. A pergunta nuclear será saber o que faria, perante um certo factualismo, uma pessoa com as características do lesado (39).
Uma vez verificados os pressupostos do citado n.º 1 do art. 570º, o tribunal, na imputação das consequências indemnizatórias e para poder concluir pela concessão, redução ou exclusão da indemnização, terá de ponderar a gravidade das culpas e ter em conta as consequências que delas resultaram.
Como se decidiu no Ac. do STJ de 22/05/2018 (relatora Graça Amaral), in www.dgsi.pt., tendo-se presente o alcance do art. 570.º do CC, não há dúvida de que a faculdade de reduzir a indemnização a atribuir ao lesado mostra-se dependente do acto deste ter sido uma das causas do dano (segundo os princípios da causalidade adequada), cabendo igualmente fazer a ponderação quanto à preponderância dessa mesma conduta em função do comportamento temerário revelado (não consentâneo com os cuidados que se exigiam a um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso).

Revertendo ao caso dos autos, mostra-se provado (com relevância) que:

- No dia do incêndio o companheiro da 1ª Autora limitou-se a colocar em funcionamento o sistema de aquecimento (ponto 53 dos factos provados);
- O incêndio teve origem na tubagem de exaustão localizada na parede divisória dos quartos e da casa de banho do prédio nº. .. (ponto 40 dos factos provados);
- Os tubos de exaustão de fumos não se encontravam devidamente isolados, permitindo fugas de calor e sobreaquecimento na madeira que se encontrava nas suas proximidades (ponto 42 dos factos provados);
- O incêndio não ocorreria se a tubagem de exaustão de fumos tivesse sido corretamente isolada na sua passagem na zona do teto forrado de madeira do piso superior (ponto 54 dos factos provados);
- O revestimento dos espaços onde foram colocados o recuperador de calor, a respetiva tubagem e chaminé foram feitos pela 1ª Ré, a quem cabia, por acordo entre a 1ª e a 2ª Ré, fazer tais trabalhos e, bem assim, fazer os remates e terminar a execução do trabalho (pontos 133 e 134 dos factos provados);
- A Autora saiu de casa e deixou o recuperador de calor e sistema de aquecimento ligado (ponto 113 dos factos provados);
- A Autora não se encontrava em casa aquando da ocorrência do sinistro (ponto 114 dos factos provados);
- Aquando o incêndio, não estava ninguém nos prédios n.º ... e 19, nem nas imediações (ponto 126 dos factos provados);
- O acesso ao interior só foi possível aos bombeiros, após a abertura da porta pela 1ª Autora, e quando o incêndio estava num estado avançado (ponto 127 dos factos provados);
- Se a Autora estivesse em casa poderia atenuar as consequências do incêndio, com rápida intervenção dos bombeiros (ponto 128 dos factos provados);
- O recuperador encontrava-se fechado e selado enquanto esteve em funcionamento durante a ausência da 1.ª autora (ponto 140 dos factos provados);
- As medidas de segurança ou de contenção de fogo passíveis de serem adotadas não eram idóneas a evitar a ocorrência de um fogo por causa da fuga de calor na tubagem de exaustão (ponto 141 dos factos provados);
- O encerramento do ar no funcionamento do recuperador de calor só tinha eficácia em casos em que o fogo se encontra contido no próprio sistema de aquecimento, recuperador, tubagem de exaustão e chaminé (ponto 142 dos factos provados).

Por outro lado, não resultou provado:
- A Autora carregou demasiado o equipamento (ponto 25 dos factos não provados);
- A Autora não escolheu uma posição no controlo de ar de combustão de forma a ter uma queima suave e duradoura, evitando uma queima desmesurada (ponto 26 dos factos não provados);
- A adoção dos comportamentos descritos no manual de utilização impediria a ocorrência do incêndio (ponto 27 dos factos não provados);.
- Se a Autora estivesse em casa poderia a impedir o incêndio (ponto 31 dos factos não provados);
- O que, a par do referido em 52., impediu a Autora de adotar os comportamentos descritos no manual de utilização (ponto 36 dos factos não provados);
- A adoção dos comportamentos descritos no manual de utilização impediria que incêndio tivesse a amplitude ocorrida (ponto 37 dos factos não provados).
Perante os factos provados não oferece dúvidas que a causa dos danos sofridos pela 1ª Autora foi o incêndio que deflagrou no prédio n.º ..., pertença da 2ª A., que se propagou ao prédio contíguo, propriedade daquela.
Como também já vimos, é incontroverso que foi a atuação ilícita e culposa da 1ª ré que deu causa ao incêndio, mercê do incorreto isolamento das tubagens de exaustão do sistema do recuperador de calor instalado no prédio pertença da 2ª A..
Foi, por isso, a conduta culposa da 1ª ré que contribuiu para a produção dos danos verificados, estando excluído que o comportamento das Autoras seja concausa do dano.
A questão que se coloca é a de saber se dos factos apurados é também possível concluir que a conduta das lesadas contribuiu para a agravação dos danos e, na afirmativa, se a sua atuação foi culposa.
No fundo, questiona-se se o facto de a 1ª Autora se ter temporariamente ausentado de casa n.º ..., deixando o recuperador de calor em funcionamento, contribuiu para o agravamento dos danos.
Para o efeito releva o facto de estar provado que a 1ª Autora ausentou-se temporariamente de casa, deixando o recuperador de calor e sistema de aquecimento em funcionamento, não permanecendo aí ninguém quando o incêndio eclodiu, sendo que o acesso pelos bombeiros ao interior do prédio só foi possível após a abertura da porta pela 1ª Autora, quando o incêndio estava já num estado avançado, e se aquela estivesse em casa poderia ter atenuado as consequências do incêndio com a rápida intervenção dos bombeiros (pontos 113, 114, 126 a 128 dos factos provados).
Extrai-se destes factos que o comportamento das AA. poderia ter reduzido ou mitigado o dano causado, visto que uma mais rápida intervenção dos bombeiros poderia ter atenuado ou reduzido as consequências do incêndio.
Sendo inquestionável que as AA. nenhuma responsabilidade têm para a produção do evento danoso – por a eclosão do incêndio ser imputável à 1ª ré, mercê do deficiente isolamento dos tubos de exaustão –, a verdade é que o aludido comportamento das AA. não deixou de ser relevante no tocante à amplitude dos danos verificados.
Pode assim afirmar-se que o comportamento das AA. (a 1ª A., por si, enquanto pessoa física e detentora/utilizadora do recuperador, e a 2ª A., representada pela sua representante legal) contribuiu para o agravamento ou amplitude dos danos produzidos.
Contudo, não obstante o comprovado contributo da conduta das AA. no agravamento dos danos, com vista ao preenchimento do art. 570º, n.º 1, do CC haverá ainda que apurar se essa conduta das lesadas é culposa, melhor dizendo se sobre a mesma poderá recair um juízo de censurabilidade.
É o que nos propomos fazer de seguida
Conforme resulta dos autos, no decorrer da execução das obras que integravam o contrato de empreitada de reabilitação foi acordado entre a 2ª Autora e a 1ª Ré a instalação de um recuperador de calor na sala do prédio nº. .. e respetivo sistema de aquecimento ao serviço dos quartos e casa-de-banho localizados no piso superior.
O recuperador de calor, tubagem e respetivo sistema de aquecimento foram instalados em março de 2016 pela 2ª Ré, tendo sido garantido pela 1ª Ré à 2ª Autora a correta instalação e que o recuperador podia ser utilizado em condições de operacionalidade e segurança.
O equipamento foi instalado por empresa especializada para o efeito.
Como é sabido, o recuperador de calor é, por norma, fabricado em chapa de aço ou ferro fundido, com uma porta de vidro vitrocerâmico de abertura lateral ou guilhotina, que permite a emanação de calor através do vidro e da estrutura envolvente. Esta característica permite que os recuperadores sejam mais seguros quando comparados com as lareiras, visto ser um sistema fechado e por isso mais fácil de controlar (40).
Um recuperador de calor em funcionamento, tendo em conta a sua potencialidade para gerar danos, é subsumível a uma fonte de perigo, pois que, embora “«mais seguro» do que uma lareira, não deixa de constituir, enquanto objecto destinado a receber as chamas a arder, uma fonte de perigo” (41).
No caso, impendia sobre a 2ª autora, enquanto proprietária do recuperador de calor, bem como sobre a 1ª autora, como pessoa física e utilizadora do recuperador para o seu fim privado/familiar, um dever de vigilância do referido equipamento, pois que tendo-o à sua guarda/detenção competia-lhes tomar as medidas necessárias a evitar danos.
No dia 23/10/2016, deflagrou um incêndio no prédio n.º ..., nos termos já amplamente expostos.
O incêndio ocorreu, não porque tivesse sido feito um uso anormal do recuperador de calor por parte dos seus utilizadores ou porque se tenha verificado um risco próprio do equipamento (decorrente do seu funcionamento normal), mas antes porque a instalação do referido sistema de aquecimento padecia de um defeito no isolamento/revestimento dos tubos de exaustão.
Tratou-se de um defeito oculto da responsabilidade da empreiteira (1ª ré), visto que o mesmo só foi evidenciado depois da conclusão dos trabalhos e da aceitação da obra pela 2ª Autora e do incêndio ocorrido.
O incêndio teve origem na tubagem de exaustão localizada na parede divisória dos quartos e da casa de banho do prédio n.º ..., os quais, por não se encontrarem devidamente selados/isolados, permitiram fugas de calor e sobreaquecimento na madeira que se encontrava nas suas proximidades.
Ou seja, a eclosão do incêndio não se deu quer no recuperador, quer na tubagem, quer na chaminé, mas sim no exterior da tubagem.
Como se explicitou na fundamentação da sentença recorrida aos pontos I.34, I.35, I.40 a I.42 e I.54 dos factos provados, no relatório pericial concluiu-se que «o isolamento dessas condutas ou tubagens não “terá sido efectuada da forma mais correcta tendo a dilação da referida tubagem, através do calor emanado pelo funcionamento do recuperador de calor, provocado um sobreaquecimento e levando à eclosão de um foco de incêndio, na madeira que se encontrava nas suas proximidades”, tendo ademais esclarecido que “a selagem/isolamento da referida tubagem deveria ter sido efectuada de forma a que, aquando da passagem do calor pela tubagem de saída de fumos e a consequente dilatação dos tubos, os mesmos não entrassem em contacto com a madeira, provocando um sobreaquecimento na mesma que levasse à eclosão de um foco de incêndio” (cfr. p.8 dos esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos a fls.307 e seg. dos apenso A.)». Mais se afirmou que «o sobreaquecimento a que os Srs. Peritos aludem ocorre na madeira (e não nas tubagens em si mesmas, onde apenas se deu o aquecimento derivado do funcionamento do recuperador) (…)».
Está também apurado que, antes de se ausentar temporariamente da casa, o companheiro da 1ª A. teve o cuidado de fechar e selar o recuperador, o que revela uma utilização cuidadosa, prudente e segura do equipamento em causa.
Ora, com o devido respeito por entendimento contrário, no circunstancialismo apurado julgamos não se poder concluir pela temeridade do comportamento da Autora (e respetivo companheiro) ao ausentar-se de casa deixando uma fonte de calor em laboração, porquanto, além de se tratar duma ausência temporária, de curto período de tempo, tendo-lhes sido garantida a correta instalação e que o recuperador podia ser utilizado em condições de operacionalidade e segurança, os utilizadores providenciaram para que o equipamento continuasse a laborar com todas as condições de segurança (fechado e selado), sendo certo que não resultou provado que a Autora tenha carregado demasiado o equipamento e que não escolheu uma posição no controlo de ar de combustão de forma a ter uma queima suave e duradoura, evitando uma queima desmesurada.
Estando em causa um recuperador de calor, que, enquanto equipamento fechado ou vedado, não comporta o risco do salto para o exterior de uma faúlha, brasa ou pedaço de madeira, ao ausentarem-se temporariamente de casa asseguraram-se que não existia risco na propagação do fogo.
Mas mesmo que não se tivessem ausentado e ainda que tivessem adotado os procedimentos descritos no manual de utilização não está demonstrado que os mesmos seriam idóneos a mitigar a propagação do incêndio e a sua amplitude (ponto 37 dos factos não provados), uma vez que o fogo e o «triângulo do fogo» não estavam confinados no sistema de aquecimento e exaustão, sendo o foco de incêndio exterior ao recuperador, à tubagem e à chaminé.
Resulta provado, aliás, que as medidas de segurança ou de contenção de fogo passíveis de serem adotadas não eram idóneas a evitar a ocorrência de um fogo por causa da fuga de calor na tubagem de exaustão, além de que o encerramento do ar no funcionamento do recuperador de calor só tinha eficácia em casos em que o fogo se encontra contido no próprio sistema de aquecimento, recuperador, tubagem de exaustão e chaminé.
Neste circunstancialismo, não era previsível que pudesse existir uma fuga de calor no tubo de exaustão e consequente foco de incêndio na parede divisória dos quartos e da casa de banho do armário.
Como tal, considerando que o dano tem como causa um defeito que, pela natureza das coisas, não seria de esperar que acontecesse (por não ser inerente ao funcionamento do próprio recuperador, nem se deveu a uma má utilização por parte dos seus utilizadores), não se pode estabelecer um juízo de censura por a autora se ter ausentado temporariamente de casa no contexto em que o fez.
Assim, parafraseando as AA./recorrentes, deixar o equipamento a funcionar para garantir o aquecimento da casa e ausentar-se com a garantia da selagem da porta do recuperador não pode ser considerado um comportamento anormal, atento o equipamento e a sua colocação por entidades especializadas para o efeito que deram todas as garantias do seu adequado funcionamento.
Inexiste, pelo exposto, um facto desconforme ao ónus ou dever do lesado de atuar com a diligência ordinária, com a diligência de uma pessoa razoável na gestão dos seus assuntos e interesses, pelo que não poderá falar-se em autuação culposa por parte das lesadas.
Tem-se por isso por não demonstrado o segundo requisito do funcionamento do disposto no art. 570º, n.º 1 do CC.
Mas mesmo que se entendesse que o comportamento da autora, ao ter-se ausentado de casa deixando o recuperador ligado, é passível de um juízo de censura – o que se concebe para efeitos de explanação argumentativa –, para se poder concluir pela redução da indemnização seria ainda necessário ponderar a gravidade das culpas de ambas as partes (42) e as consequências que delas resultaram.
No confronto das duas condutas, não pode deixar de qualificar-se como gravíssima a culpa da 1ª ré, que revestiu incorretamente o isolamento dos tubos de exaustão de fumos do recuperador e calor, o que permitiu fugas de calor e o sobreaquecimento na madeira que se encontrava nas suas proximidades, do que despoletou a eclosão do incêndio. Tal execução defeituosa da obra comportava um elevadíssimo risco de incêndio, se tivermos em consideração as particularidades próprias do prédio onde foi instalado o recuperador de calor, tais como travejamento e forro em madeira do telhado, com isolamento por placas de onduline e roofmate; paredes em tabique, soalho e armários em madeira.
O que significa que a negligência grave da 1ª ré era apta a provocar um dano particularmente grave.
Em contrapartida, a imputar-se um juízo de censura às autoras por não estarem em casa aquando da eclosão do incêndio sempre seria uma culpa levíssima.
Ora, entende-se ser de manter toda a indemnização quando a culpa do agente seja de tal modo grave, em confronto com a atuação do lesado, sendo razoável desvalorizar a culpa ligeira das lesadas (43), dado o seu significado residual.
Com efeito, nas circunstâncias do caso, entende-se que deverá excluir-se uma redução da responsabilidade da lesante fundada na sua culpa grave.
Consequentemente, revoga-se a sentença recorrida na parte em que procedeu à redução da indemnização devida às AA./lesadas.
Procede, pois, nesta parte a apelação das AA. e improcede a apelação da 1ª Ré.
*
2.6. Da errada interpretação e aplicação dos arts. 342.º, 762.º, 1207.º e 1225.º do CC (conclusões 54º a 64º da 1ª Ré).
Essencialmente, propugna a recorrente que logrou afastar a presunção de culpa que sobre si recaía, pelo que, refere, jamais podia ser condenada no pagamento das quantias peticionadas pela 2ª Autora.
Não está em causa a qualificação jurídica do contrato celebrado entre a 2ª A. e a 1ª Ré ao tipo legal do contrato de empreitada, cujo regime vem legalmente consagrado e regulado nos arts. 1207.º e seguintes do C.C.
De facto, mostra-se provado que, no exercício da sua actividade de construção civil, a 1ª Ré celebrou, na forma verbal, com a 2ª Autora um contrato de empreitada de construção civil, pela qual se obrigou a realizar a reabilitação do prédio n.º ... e cujo valor final ascendeu a € 130.522,87, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
Dispõe o art. 1207º do CC que “empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.
O contrato de empreitada caracteriza-se, pois, da seguinte forma: a) pela existência da obrigação de uma das partes proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho que executa com autonomia em relação ao credor; b) que esse resultado se traduza na realização de uma obra em coisa imóvel ou móvel corpórea; c) que tenha como contrapartida um preço.
Como é sabido, no contrato de empreitada o principal dever do empreiteiro é a realização de certa obra (art. 1207º do CC). A execução dessa obra deve ser feita “em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato” (art. 1208º do CC), devendo cumprir pontualmente (art. 406º do CC) e proceder à entrega da obra no prazo estabelecido, quando assim tiver sido acordado.
A execução de um contrato de empreitada implica para o empreiteiro a assunção de uma obrigação de resultado (44) (45).
O devedor cumpre a obrigação quando realiza, integralmente, a prestação a que está vinculado (art. 762º, n.º 1 e 763º, n.º 1, ambos do CC).
O art. 798º do CC prevê que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.
O preceito seguinte (art. 799º) consagra uma presunção “iuris tantum” a cargo do devedor ao prescrever que “incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”.
Na responsabilidade civil extracontratual a regra é da de que a culpa do empreiteiro tem de ser provada pelo lesado (art. 487º, n.º 1), mas em caso de violação do contrato presume-se a culpa daquele (art. 799º, n.º 1 do CC) (46) (47).
Tratando-se de uma prestação de resultado, na prática, pese embora corresponda a uma presunção relativa, não é fácil ilidir a presunção de culpa do empreiteiro.
Ocorre cumprimento defeituoso (imperfeito ou inexato) sempre que o devedor realiza a prestação a que estava adstrito em violação do princípio da pontualidade do cumprimento, ocorrendo uma desconformidade entre a prestação devida e a prestação realizada, que não permite a satisfação adequada do interesse do credor (arts. 799º, n.º 1, 913º e ss. e 1218º e ss. do CC) (48).
Sempre que o empreiteiro entregue pronta uma obra que não tenha sido realizada, totalmente, nos termos devidos, isto é, quando o cumprimento efetuado não corresponde à conduta devida, a violação contratual subsume-se ao cumprimento defeituoso (49).
Podemos, assim, concluir que a prestação não reveste as caraterísticas acordadas ou devidas, é imprópria.
Na empreitada, o cumprimento ter-se-á por defeituoso quando a obra tenha sido feita com deformidades ou com vícios (50).
O defeito consiste num “desvio à qualidade devida, desde que a divergência seja relevante” (51)
As deformidades consistem em discordâncias relativamente ao plano acordado. Os vícios são as imperfeições que excluem ou reduzem o valor da obra ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (art. 1208º do CC), designadamente por violação de regras especiais de segurança. Ao conjunto das deformidades e dos vícios chamar-se-á, tal como o faz o Código Civil, defeitos (52).
Os defeitos podem ser aparentes e ocultos. Os defeitos aparentes são aqueles que o dono da obra conhece fazendo uso da diligência normal do bónus pater família; diversamente, são ocultos os defeitos que são desconhecidos do dono da obra e não detetáveis ‘por aquele homem médio” ou, se for o caso, pelo perito ou técnico médio contratado para proceder à verificação da obra (53).
Em situações de incumprimento (designadamente de cumprimento defeituoso), ao credor/dono da obra basta demonstrar a materialidade do incumprimento, ou seja, no caso de cumprimento defeituoso, como ora sucede, a “existência do defeito”, o vício ou desconformidade da obra, cabendo já ao devedor/empreiteiro provar a ausência do nexo de imputação à sua pessoa desse incumprimento, o qual se presume iuris tantum (art. 799º, n.º 1, do CC) (54).
O estabelecimento desta presunção resulta do facto de, sendo a culpa, segundo as regras da experiência, normalmente inerente ao incumprimento contratual, deve competir ao devedor provar a verificação da situação anormal de ausência de culpa. Além disso, sendo o devedor quem controla e dirige a execução da prestação, tem maior facilidade em conhecer e demonstrar as causas do incumprimento (55).
O cumprimento deste «ónus não se satisfaz com a simples demonstração que o empreiteiro, na realização da obra, agiu diligentemente, ficando o tribunal na ignorância de qual a causa e quem merece ser censurado pela verificação do defeito apontado pelo dono da obra. Nesta situação continua a funcionar a presunção de que o devedor da prestação é o culpado. O empreiteiro tem que provar a causa do defeito, a qual lhe deve ser completamente estranha, o que bem se compreende pelo domínio que este necessariamente teve do processo executivo da prestação. Só assim se exonerará da responsabilidade pelo defeito existente na obra por si realizada» (56).
A factualidade provada nos autos não deixa dúvidas de que a obra foi executada com defeitos.
Com efeito, as autoras lograram demonstrar a existência do defeito traduzido no indevido isolamento dos tubos de exaustão de fumos do recuperador, cuja execução incumbia e foi realizada pela 1ª ré.
Esta atuou, por isso, ilicitamente, presumindo-se, nos termos gerais, o incumprimento culposo (arts. 798º e 799º, n.º 1 do CC).
Foi em resultado daquele deficiente isolamento das tubagens de exaustão de fumos do recuperador de calor que ocorreu o sobreaquecimento na madeira que se encontrava nas suas proximidades, dando origem ao incêndio no prédio da 2ª A.
Por referência à matéria de facto provada [pontos 89, 94, 99, 31, 101, 102, 103, 104, 109, 117, 118, 119 e 120), aduz a recorrente que, mesmo que se entenda que a obra padecia do alegado defeito – que efetivamente padecia –, a empreiteira atuou sem culpa, porquanto cumpriu rigorosamente o projeto de arquitetura da obra e atuou com zelo e todas as cautelas que lhe eram exigíveis, ou seja fez tudo aquilo que faria um “bom pai de família”.
Como tem sido salientado pela doutrina, no âmbito da responsabilidade do empreiteiro por defeitos da obra, certos comportamentos imputáveis ao dono da obra poderão gerar situações desresponsabilizadoras do empreiteiro.
Assim acontecerá, nas palavras de J. Cura Mariano (57), “quando o defeito tem origem no projeto, previsões, estudos ou materiais relativos à obra a executar, fornecidos pelo dono da obra, ou em instruções ou informações dadas por este ou por pessoas por si mandatadas para o efeito. Estaremos perante um vício e não uma desconformidade da obra”.
Mas ainda que se prove que o defeito tem origem no projecto da obra a executar, o empreiteiro só verá a sua responsabilidade excluída quando o erro de concepção não for detectável por um profissional de competência suficiente (o bom profissional) na realização daquele tipo de obras, ou se, tendo sido detectado, o empreiteiro informou o dono da obra das consequências nefastas da execução desta segundo o projecto, tendo o dono da obra insistido pela realização da construção encomendada; tendo o empreiteiro o dever de detectar e avisar o dono da obra da existência de erros ou defeitos nos projectos, não podem esses erros ou defeitos serem invocados pelo empreiteiro para diminuir a sua responsabilidade (58).
No caso sub júdice, não resulta demonstrado que o apontado defeito consistente no deficiente isolamento dos tubos de exaustão se ficou a dever a erro de concepção de projeto ou a dados, estudo ou previsões fornecidas pelo dono da obra, nem tão pouco que aquele defeito é o resultado do cumprimento de ordens ou instruções transmitidas à empreiteira pela dona da obra.
Igualmente não ficou provado que os factos tiveram na sua origem uma má utilização do recuperador de calor por parte dos seus detentores ou um risco próprio inerente ao seu funcionamento, ou que aqueles se ficaram a dever a um factor de ordem natural, a que a empreiteira é totalmente alheio.
Com efeito, não ficou provado que o incêndio não teve origem na tubagem de exaustão localizada na parede divisória dos quartos e da casa de banho do prédio; as causas do incêndio são desconhecidas; o incêndio pode ter tido várias origens, designadamente, num curto-circuito eléctrico ou num raio de trovoada; o sistema eléctrico dos candeeiros adquiridos pela Autora no estrangeiro poderia não estar em bom estado de conservação ou não ser totalmente compatível com o sistema eléctrico instalado na casa e, com o decorrer do tempo, ter desencadeado um curto-circuito; no dia e hora em que ocorreu o sinistro, estava a chover e também trovejava intensamente, tendo um raio caído sobre o telhado da casa, o que fez desencadear o incêndio; a tubagem aplicada foi isolada termicamente em todo o seu comprimento; todos os tubos de exaustão e de calor ficaram devidamente isolados; a Autora carregou demasiado o equipamento; a Autora não escolheu uma posição no controlo de ar de combustão de forma a ter uma queima suave e duradoura, evitando uma queima desmesurada; a adopção dos comportamentos descritos no manual de utilização impediria a ocorrência do incêndio; se a Autora estivesse em casa poderia a impedir o incêndio; a 1ª Autora foi habitar o prédio nº. .. sem que estivessem reunidas as condições de segurança contra incêndios, exigidas pelo Regime Jurídico da Segurança Contra Incêndios em Edifícios, sabendo que não estavam reunidas as condições de segurança para o efeito e potenciando os riscos inerentes a essa utilização (pontos 16 a 22, 25 a 27, 31 e 32 dos factos não provados).
Assim, perante a materialidade apurada e o apontado regime jurídico, dúvidas não restam de que a 1ª Ré/recorrente, na qualidade de entidade que procedeu ao revestimento da tubagem, não afastou a sua responsabilidade pela existência do mencionado defeito, não logrando provar que a causa (defeito) lhe é estranha e não poderia ser por si evitada, antolhando-se manifestamente insuficiente ou irrelevante/inconsequente, por exemplo, o que resulta dos factos indicados sob os pontos 89, 94, 99, 31, 101, 102, 103, 104, 109, 117, 118, 119 e 120.
Por consequência, indubitável é a sua culpa e a sua responsabilidade, tal como afirmada na sentença recorrida.
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2.7. Da violação do disposto nos arts. 483.º e 799.º do CC (conclusões 65º a 67º da 1ª Ré).
Estando em causa uma ação de responsabilidade civil que tem como ponto de partida um contrato de empreitada, no dizer da Recorrente “o Tribunal recorrido apenas poderia ter aplicado as regras da responsabilidade contratual, e a consequente presunção de culpa, aos danos circa rem sofridos pela 2ª Autora, ou seja, no que diz respeito à construção de obra nova no prédio n.º .... Já no que diz respeito aos danos extra rem, ou seja, o recheio e as rendas, o Tribunal Recorrido devia ter aplicado as regras da responsabilidade civil extracontratual, com o inerente ónus da prova por parte da 2ª Autora de todos os requisitos previstos no artigo 483º do C.C”.
Sustenta-se nestas conclusões que, diferentemente do que foi entendido no sentença recorrida, a responsabilidade civil inerente aos factos provados atinentes aos danos “extra rem” (o recheio e as rendas) se deverá ter como extracontratual, e não como contratual.
A responsabilidade contratual é aquela que resulta da violação da obrigação contratual assumida (e que compreende deveres de prestação, principais ou secundários, e deveres laterais, estes direcionados à exata satisfação do interesse do credor); a responsabilidade extracontratual (ou delitual), de caráter residual, deriva da violação de deveres ou vínculos jurídicos gerais, isto é, de deveres de conduta impostos a todas as pessoas e que correspondem aos direitos absolutos (e a certos atos que, embora lícitos, produzem dano a outrem) (59).
Percorrendo a petição inicial e os factos provados, vemos que o prejuízo cuja reparação (indemnizatória) está em causa e que a 2ª Autora visou exigir da 1ª Ré (bem como da 2ª Ré) teve por causa ou fonte uma relação contratual, de empreitada, estabelecida entre a 2ª Autora (dona da obra) e a 1º Ré/Recorrente (empreiteira) (60). E não uma intromissão ilícita em direitos da 2ª Autora, ou seja, uma violação de deveres ou vínculos jurídicos gerais impostos a todas as pessoas (violação de direitos absolutos).
Consequentemente, no âmbito da relação firmada entre a 1ª Ré e a 2ª A. estamos perante uma situação que cai no âmbito da responsabilidade contratual, e que, dado o princípio da relatividade das obrigações contratuais, apenas poderá envolver a empreiteira (e, eventualmente, a respetiva seguradora).
Ainda que se admita que os referidos danos (o recheio e as rendas) “se trata de dano incidente sobre objeto diferente do da empreitada contratada, mas não deixa de ser um dano derivado ou subsequente de uma prestação defeituosa do contrato, logo há de tratar-se de responsabilidade contratual. O que releva, quanto a nós, é a fonte do dano, que é contratual (cumprimento deficiente da obrigação contratual), e não o objeto onde o dano se projeta (o que apenas tem a ver com a natureza direta ou indireta do dano). No limite, afigura-se que se estaria perante um concurso (ideal) dos dois regimes de responsabilidade, o da responsabilidade contratual e o da responsabilidade delitual, a resolver através do chamado princípio da consunção”. E este, como nos diz Almeida e Costa (61), deve levar a privilegiar a aplicação do regime da responsabilidade contratual.
Não se desconhece (…) a proposta de P. Romano Martinez (Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, pp. 236 e seguintes; Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, 2.ª ed., p 474) no sentido de que haverá que distinguir entre danos extra rem e danos circa rem. Os primeiros seriam (apenas) os danos pessoais sofridos pelo credor (no caso, o dono da obra) e os danos ocasionados no restante património do accipiens; estes danos, que tanto podiam ser causados ao dono da obra como a qualquer terceiro, sem dependência pois do contrato de empreitada, integrariam uma responsabilidade delitual. Os segundos seriam os danos causados no objeto da prestação, e levariam, por exclusão de partes, a uma responsabilidade contratual. A adotar esta proposta, o dano aqui em discussão teria que ser havido como decorrendo de responsabilidade delitual”.

Cremos, todavia, ser de perfilhar a posição de João Cura Mariano (62), nos termos da qual:

“Na obra com defeitos, além destes normalmente encerrarem em si um prejuízo para o dono da obra, podem também provocar danos subsequentes, como sejam estragos na própria obra e danos pessoais ou noutros bens materiais do dono da obra ou de terceiros. Para que estes prejuízos impliquem uma responsabilização do empreiteiro, é necessário que os mesmos se encontrem numa relação de causalidade adequada com o cumprimento defeituoso da prestação de realização da obra (…)
A responsabilidade pela provocação de danos no património e na pessoa de alguém pode ter uma origem contratual ou extracontratual (…).
Na responsabilidade civil do empreiteiro por defeitos da obra, podem verificar-se os dois tipos de responsabilidade. Se do defeito resultam danos para a integridade física ou o património de terceiros, estamos perante responsabilidade extracontratual, dado que esta não tem como fundamento qualquer incumprimento contratual, mas sim a violação de direitos absolutos dos lesados. Já todos os prejuízos sofridos pelo dono da obra, em consequência da prestação defeituosa, integram uma responsabilidade contratual, uma vez que esta tem origem na violação do direito creditício daquele à execução da obra sem defeitos.
Os prejuízos que normalmente resultam da execução da obra com defeitos são a sua desvalorização, danos sequenciais no objecto da obra, em outros bens do seu dono, ou mesmo na sua pessoa (…)
É certo que muitos dos danos sofridos pelo dono da obra, como (…) os estragos na obra ou noutras coisas provocados pelos defeitos (…), além de terem origem numa violação positiva do contrato de empreitada, são também consequência de violações dos chamados direitos absolutos, pelo que o mesmo dano tem simultaneamente uma origem contratual e extracontratual (…). Nestes casos em que ocorre um concurso ideal dos dois regimes de responsabilidade, consideramos que o da responsabilidade contratual consome o da responsabilidade extracontratual, sendo ele o aplicável, uma vez que entre lesante e lesado existe uma relação obrigacional na qual ocorreu o facto lesivo, justificando-se, pois, a sobreposição da responsabilidade adequada à violação dos contratos. Daí que se conclua que os danos sofridos pelo dono da obra, independentemente da sua configuração e localização , originam sempre uma responsabilidade contratual, enquanto que os danos sofridos por terceiros estão sujeitos ao regime da responsabilidade extracontratual”.
Seguindo este ponto de vista, segue-se que a sentença recorrida ajuizou corretamente ao ter concluído pela responsabilidade contratual pelos danos sofridos pela 2ª A., inexistindo qualquer razão de ordem prática para enveredar por uma via de responsabilidade distinta da que foi acolhida.
De todo o modo - e sem embargo da ulterior pronúncia sobre a atendibilidade ou não dos danos referentes às peticionadas rendas -, mesmo que aferida a situação à luz dos pressupostos da responsabilidade delitual, sempre seria de concluir pela verificação dos respetivos requisitos (facto ilícito e culposo, danos e nexo de causalidade entre o facto e o dano) conducentes à responsabilização da 1ª ré face à 2ª autora..
Improcedem, assim, as conclusões em apreço.
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2.8. Da violação do disposto nos arts. 553º do CPC e 1221º a 1223º do CC (conclusões 68 a 71 da 1ª ré).
Defende a recorrente que, ao admitir o pedido alternativo formulado na al. b) do seu pedido, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 553º do CPC e 1221º a 1223º do CC, porquanto não estamos perante direitos alternativos por natureza ou origem, nem estamos perante direitos que se resolvem em alternativa.
Nos termos do n.º 1 do art. 553º do CPC, “[é] permitido fazer pedidos alternativos, com relação a direitos que por sua natureza ou origem sejam alternativos, ou que possam resolver-se em alternativa”.
Na base do pedido alternativo está uma obrigação alternativa, de tal forma que o direito do autor fica satisfeito efetuando-se uma só das prestações, podendo dizer-se que estas são juridicamente equivalentes (63).
Segundo a noção dada pelo n.º 1 do art. 543.º do CPC, é “alternativa a obrigação que compreende duas ou mais prestações, mas em que o devedor se exonera efectuando aquela que, por escolha, vier a ser designada”.
Quanto aos direitos que se podem resolver em alternativa, respeitam a casos em que o credor, perante o incumprimento por parte do devedor, tem a faculdade de optar por uma das várias soluções que a lei lhe concede. Assim acontecesse nos casos previstos nos arts. 802º e 808º do CC (64).
No âmbito do contrato de empreitada, perante a existência de defeitos a lei concede ao dono da obra vários direitos – eliminação dos defeitos ou nova construção (art. 1221º), redução do preço ou resolução do contrato (1222º) e indemnização nos termos gerais (art. 1223º) –, os quais não podem ser exercidos arbitrariamente, mas sim sucessivamente e pela ordem em que são reconhecidos (65).
Ora, face ao preceituado nos art. 1221º a 1223º do CC, o dono da obra (lesado com a execução defeituosa da mesma), tem, para se ressarcir dos seus prejuízos, de subordinar-se à ordem aí estabelecida, e exigir: em primeiro lugar, a eliminação dos defeitos; no caso de não poderem ser eliminados, exigir nova obra; seguidamente a redução do preço ou a resolução do contrato (no caso de os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina) e, em último lugar, pedir indemnização nos termos gerais .
De entre os três grupos de meios jurídicos facultados ao dono da obra – no primeiro dos quais se integram a eliminação dos defeitos, a substituição da coisa ou de realização de nova obra, no segundo as pretensões de resolução do contrato e de redução do preço, e, no terceiro, o direito a ser indemnizado –, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender que, no confronto entre os meios previstos no primeiro e no segundo grupos, devem prevalecer as pretensões do primeiro, pois representa a melhor forma de obter a reconstituição natural (66).
Enquanto o cumprimento da prestação acordada for possível, mediante a eliminação do defeito ou através da sua substituição, não pode estar aberto o caminho para a resolução do contrato, nem para a redução do preço.
No sentido de que na empreitada a hierarquização dos direitos do dono da obra é feita pela lei de modo expressa se pronuncia ainda o Prof. João Calvão da Silva (67): “o dono da obra não pode, desde logo, lançar mão da resolução do preço ou da resolução do contrato, sendo possível a retificação da prestação imperfeita; deverá primeiramente exigir o cumprimento perfeito pela eliminação dos defeitos ou reconstrução da obra e, só na hipótese de o empreiteiro, por impossibilidade, desproporcionalidade ou recusa, não renovar o cumprimento em conformidade com o contrato, nos termos devidos, é que o dono pode exigir uma redução adequada da sua contraprestação ou a resolução do contrato por incumprimento”.
Sendo possível a eliminação dos defeitos ou a nova realização da prestação, ao comprador ou dono da obra só cabe escolher entre resolver o contrato e reduzir o preço, caso a contraparte tenha recusado qualquer das prestações de cumprimento – reparação ou substituição da coisa – ou depois de decorrido um prazo suplementar fixado nos termos do art. 808º do CC, para a sua efetivação (68).
Como assinalam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (69), a questão das obrigações que se resolvem em alternativa tem sido apreciada nos tribunais com certa frequência em casos derivados do incumprimento de contratos de empreitada (e também de contratos de compra e venda com defeitos), constituindo entendimento que os direitos fundados no art. 1221º do CC podem ser exercidos na mesma ação, mas em regime de subsidiariedade e não como pedidos alternativos.

Na parte que ora releva, a 2ª autora, na petição inicial, formulou os seguintes pedidos:
Relativamente à 2.ª Autora:
a) Devem as rés ser condenadas solidariamente na reparação in natura, mediante a construção de obra nova do prédio n.º ...;
Ou, em alternativa,
b) Devem as rés ser solidariamente condenadas no pagamento de indemnização correspondente ao valor de construção de obra nova, ou seja, € 132.909,37, acrescido de IVA à taxa legal em vigor e de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento”.
Lido isoladamente o referido pedido, por reporte ao seu teor literal, não oferece dúvidas tratar-se da formulação de um pedido alternativo, que não é legalmente admissível, posto não se tratarem de “direitos que por sua natureza ou origem sejam alternativos, ou que possam resolver-se em alternativa”.
Porém, como bem salientou o Mm.º Juiz “a quo”, por referência ao teor da alegação do art. 97º da p.i. (70) é possível depreender que, no rigor dos princípios, as autoras deduziram as suas pretensões em termos subsidiários, “embora incorretamente e, certamente por lapso, acabem por utilizar a expressão em alternativa no segmento petitório”.
A dedução de tais pretensões foi conveniente e cabalmente compreendida pela recorrente, que, no exercício do seu direito de defesa, sobre elas se pronunciou na contestação, pugnando pela sua improcedência, sem que se tenha insurgido contra a formulação de tais pedidos em alternativa, apenas o fazendo agora em sede de apelação.
Por conseguinte, dando prevalência a razões de índole material, em detrimento de aspetos puramente formais, é de confirmar o juízo decisório que considerou que o pedido formulado sob a al. b) corresponde, efetivamente, a um pedido subsidiário (alternativa aparente).
Mas ainda que assim não se entendesse – o que se concebe para efeitos argumentativos –, jamais a pretensão da recorrente lograria obter êxito.
Na verdade, a lei não esclarece quais as consequências que derivam da formulação de pedidos alternativos quando não se verifique qualquer das situações previstas no art. 553º do CPC. Assim, e sem embargo dessa formulação levar o juiz a providenciar pela sua sanação, nos termos do art. 590º, n.º 2, al. a) do CPC – o que no caso não foi feito –, na ocasião em que decidir do mérito da causa deverá considerar, de entre os pedidos formulados, aquele que tiver acolhimento à luz do direito substantivo (71).
Consequentemente, sempre se mostraria justificada a atendibilidade do enunciado pedido formulado pela 2.ª Autora na alínea b) da petição inicial (condenação das rés no pagamento de indemnização correspondente ao valor de construção de obra nova).
Termos em que se julga improcedente este fundamento da apelação.
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2.9. Apreciação e quantificação dos danos sofridos pelas Autoras..

O princípio geral no que se refere à reparação do dano é o estabelecido no art. 562º do CC, nos termos do qual «[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação».

Como resulta do critério legal, acolhido pelo art. 566º, n.ºs 2 e 3 do CC, a indemnização em dinheiro, a atribuir sempre que seja impossível a reconstituição natural, tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem os danos; se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.

No tocante ao cálculo da indemnização prescreve o art. 564.º do mesmo diploma legal:

«1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
2. Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior».
A revogação da sentença recorrida na parte em que reduziu a indemnização devida às autoras nos termos e para os efeitos do disposto no art. 570º, n.º 1, do CC, bem como a alteração dos pontos fácticos provados sob os n.ºs 6, 86, 87 e 69 tem relevo em sede de mérito da causa no tocante à demonstração ou quantificação dos danos indemnizáveis.
Saliente-se que, afora na parte atinente aos danos referentes ao recheio do prédio n.º ... e às rendas do prédio entretanto arrendado, nas suas alegações de recurso as apelantes não convocam para reapreciação os demais danos, patrimoniais e não patrimoniais, apurados, seja o seu valor ou sequer o montante indemnizatório atribuído pelo Tribunal “a quo”, pelo que quanto a estes não cumpre efetuar qualquer apreciação/ponderação sobre as concretas indemnizações atribuídas.

Danos da 1ª Autora:
i) € 62.500,00€, correspondente ao valor do recheio do prédio n.º ... que ficou destruído e que era sua pertença (72);
ii) € 30.000,00 a título de danos não patrimoniais;
iii) pagamento da quantia correspondente à construção de obra nova do prédio n.º ..., a liquidar em incidente póstumo;
iii) pagamento da quantia necessária à demolição e remoção dos escombros existentes no prédio n.º ..., a liquidar em incidente póstumo.
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Danos da 2ª Autora:
Na sentença recorrida o Tribunal condenou a 1ª Ré, entre o mais, no pagamento à 2ª Autora da quantia de € 3.666,66, bem como da quantia mensal de € 366,66, desde 1 de Novembro de 2017 e até integral liquidação da quantia referida em e)

Como se explicitou na sentença recorrida:
«Mais se apurou que, em consequência do incêndio, a 2ª Autora não mais pôde desenvolver a sua actividade naquele edifício que constituía a sua sede, em consequência do que teve de arrendar um outro imóvel em Guimarães, no que despendeu a quantia mensal de € 550,00, num total de € 5.500,00 até à data de propositura desta acção judicial.
Trata-se aqui de uma despesa que a 2ª Autora nunca teria se não fosse o inditoso sinistro, pelo que também nada obsta ao seu ressarcimento na proporção de 2/3, dado estarem verificados todos os pressupostos para o efeito e, especialmente, o nexo de causalidade com o evento danoso.
Além dos valores já comprovadamente despendidos e uma vez que a 1ª Ré não colocou à disposição da 2ª Autora qualquer edifício para o desenvolvimento da sua actividade e alocação da sua sede, tem a 2ª Autora também direito a obter o valor correspondente às rendas vencidas depois daquela data e às rendas vincendas, na igual proporção de 2/3, até ao pagamento da indemnização arbitrada ilíquida acabada de arbitrar».

Como resultado da parcial procedência da impugnação da decisão da matéria de facto efetivada neste recurso, no tocante à materialidade fáctica que servia de pressuposto a tais pretensões ficou apenas provado que:
- Após o incêndio, a 2ª A. tomou de arrendamento o prédio sito na Avenida de ... n.º ..., pela renda mensal de € 550,00 (facto provado n.º 87).
- Em rendas vencidas, a 2ª Autora já liquidou a quantia de € 5.550,00 (cinco mil e quinhentos euros) (facto provado n.º 88).

Mas não ficou provado que:
- O supra referido prédio nº. .. é destinado a instalação e funcionamento da sua sede e ao exercício da sua atividade (facto não provado n.º 33).
- A 2ª Autora pretendia ocupar o prédio nº. .. como sede da sua actividade, facto que se tornou impossível em virtude do incêndio (facto não provado n.º 34).
- O arrendamento do prédio sito na Avenida de ... n.º ..., tornou-se necessário para a 2ª A. continuar a desenvolver a sua atividade (facto não provado n.º 35).
Com ressalta da enunciada matéria fáctica, não só não se provou que o prédio n.º ... estava alocado à actividade societária da 2ª A., assim como que, em consequência do incêndio, para poder continuar a desenvolver a sua actividade, careceu aquela de arrendar um prédio pela renda mensal de € 550,00.
Provou-se tão só que, após o incêndio, a 2ª A. tomou de arrendamento o indicado prédio e que, a título de rendas vencidas, liquidou já a quantia de € 5.550,00.
Dos concretos factos apurados não decorre que a celebração desse contrato de arrendamento tenha relação causal com o sinistro discutido.
Diversamente do alegado pela 2ª A., da prova auditada o que se depreende é que o arrendamento do referido prédio se destinou a realojar a 1ª A. e o respetivo agregado familiar enquanto se mantiveram a residir na cidade de Guimarães, facticidade esta que não só não foi alegada, como não foi erigida como fundamento da pretensão deduzida.
Contudo, não obstante se mostrar provado que a 2ª A. procedeu ao pagamento das rendas, carece a mesma de legitimidade substantiva para reclamar esse dano da 1ª A., além de que em parte alguma alegou que ficou sub-rogada (e atuava) nos direitos da 1ª A…
Assim, por não se mostrarem provados os respetivos pressupostos constitutivos do direito de que se arroga (art. 342º, n.º 1 do CC), julga-se improcedente a aludida pretensão indemnizatória.

Quanto ao mais, a 2ª A. tem direito:
iv) à quantia correspondente à construção de obra nova do prédio n.º ..., a liquidar em incidente póstumo;
v) à quantia de € 18.333,24 referente ao recheio destruído do prédio n.º ....
*
2.10. Do erro de julgamento na interpretação e aplicação do disposto nos arts. 5.º, 6.º, 8.º, 10.º, 11.º, 12.º, 15.º, 16.º e 18.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, e nos arts. 236.º e 238.º do C.C., e art. 3.º do C.P.C (conclusões 72º a 77º da 1ª Ré).
Sustenta a recorrente (1ª Ré) que, tendo-se as autoras pronunciado sobre as exceções invocadas pela 3ª Ré quanto às cláusulas de exclusão da cobertura do seguro, em que alegaram o incumprimento do dever de comunicação e informação que impedia sobre a seguradora, e não tendo esta respondido, o Tribunal recorrido deveria ter dado como aceite tal alegação e extraído as consequências ditadas pelo art. 8.º, al. a) do Dec. Lei n.º 446/85, de 25/10, quais sejam, a sua exclusão do contrato de seguro em apreço.
Não aceita que o Tribunal recorrido tenha concluído pela extemporaneidade da alegação feita pela Recorrente, em sede de alegação escrita, quanto à omissão do dever de comunicação e informação por parte da 3ª Ré.
Mais refere que a 3ª Ré não logrou provar, como se impunha, que comunicou todo o clausulado desse mesmo contrato, mormente que tal contrato era, tão só, referente a responsabilidade civil extracontratual.
Parte das questões ora colocadas pela recorrente mas não representam do que uma reiteração dos argumentos por si aduzidos em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, cuja pretensão recursória foi, nesse parte, julgada improcedente.
Por isso, nessa parte em que ocorre duplicação de argumentos, por razões de economia processual, damos aqui por integralmente reproduzida a fundamentação então expendida.
Restringiremos, por conseguinte, a nossa apreciação à aferição das consequências jurídicas que a recorrente pretende retirar do alegado incumprimento do dever de comunicação e informação que impedia sobre a seguradora nos termos do art. 5.º do Dec. Lei n.º 446/85, de 25/10.
A interpretação do contrato de seguro tem por base as normas legais dos arts. 236º a 238º do CC, os princípios decorrentes da boa fé contratual (art. 762º, n.º 2 do CC), e o disposto no Dec. Lei n.º 446/85, de 25/10, quanto à parte do clausulado (ou todo ele) que possa revestir a natureza de cláusulas contratuais gerais.
As condições gerais e especiais constantes do contrato de seguro são cláusulas contratuais gerais, a elas se aplicando o disposto no Dec. Lei n.º 446/85, de 25/10 [cfr. art. 3º do Dec. Lei n.º 72/2008, de 16/04 (73) (doravante, abreviadamente, designado por RJCS)].
Como tem sido salientado, o regime das cláusulas contratuais gerais visa tutelar fundamentalmente aquele que negoceia com o proponente, o chamado contraente indeterminado.

Segundo o artigo 1.º do citado Dec. Lei n.º 486/85:
«1 – As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respetivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma.
2 – O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.
3 – O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo».

Por seu turno, o artigo 5.º do indicado diploma, sob a epígrafe “Comunicação”, prescreve que:
«1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.»

E o respetivo artigo 6.º, sob a epígrafe “Dever de informação”, preceitua que:
«1 - O contratante determinado que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.
2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados».

Ou seja, a lei impõe como deveres pré-contratuais, não apenas o dever de comunicação das cláusulas gerais dos contratos, como ainda o dever de informação ou de aclaração do conteúdo e sentido das ditas cláusulas.

Em sintonia com isso, o art. 8.º estabelece que:
«Consideram-se excluídas dos contratos singulares:
a) - As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º;
b) - As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo.
(…)».
Os deveres de informação e de esclarecimento estão previstos também nos arts. 18º e 22º do RJCS, sendo que o seu incumprimento faz incorrer o segurador em responsabilidade civil, nos termos gerais (art. 23º, n.º 1, do mesmo diploma legal).
Assim sendo, cabe à seguradora informar a tomadora do seguro e/ou pessoa segura do conteúdo de tais cláusulas, recaindo ainda sobre ela o ónus da prova do cumprimento dos supra mencionados deveres de comunicação e de informação e/ou esclarecimento.
A inclusão de cláusulas contratuais gerais depende de uma efetiva comunicação e de uma efetiva informação ao aderente.
Isto dito, revertendo ao caso dos autos, somos a concluir que a questão colocada pela recorrente deve improceder porquanto, ao contrário do por si defendido, a mesma não foi tempestivamente invocada em sede de contestação, e, como já vimos, a alegação das Autoras contida no articulado da resposta às contestações onde se poderia alicerçar a invocação dessa exceção não passou da formulação de um juízo conclusivo ou duma mera conjuntura, sem a indispensável aptidão para o fim pretendido pela recorrente.
Quer isto dizer que, nem a segurada, nem as autoras, válida e tempestivamente questionaram nos autos que a ré seguradora/apelada tenha dado cabal cumprimento ao dever de informação pré-contratual, no que diz respeito ao cumprimento do ónus de comunicação (art. 5.º, n.º 3 do Dec. Lei n.º 446/85), do dever de informação prévia (art. 6.º do Dec. Lei n.º 446/85) e do esclarecimento do sentido das cláusulas predispostas.

Sobre essa matéria o Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado nos termos seguintes:
- No acórdão de 23/01/2007 (relator Borges Soeiro), in www.dgsi.pt, foi considerado que:
«I - O dever de comunicação do teor das cláusulas contratuais gerais tem duas vertentes: por um lado, o proponente deve comunicar na íntegra à outra parte as cláusulas contratuais gerais de que se sirva (art. 5.º, n.º 1, do DL n.º 446/85, de 25-10), por outro lado, ao fazer esta comunicação, deve realizá-la de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência (art. 5.º, n.º 2).
II - Querendo-se estimular o proponente a bem cumprir esse dever, o n.º 3 do art. 5.º faz recair sobre ele o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva.
III - O comando contido na al. a) do art. 8.º do referido DL, ao prescrever a exclusão das cláusulas não comunicadas nos termos do art. 5.º, tem que ser entendido - atenta a referida norma sobre o ónus da prova - como prescrevendo a exclusão das cláusulas em relação às quais se não prove terem sido comunicadas.
IV - Trata-se de, e ainda na fase de negociação, ou pré-contratual, comunicar quais as cláusulas a inserir no negócio mas, e também, prestar todos os esclarecimentos necessários, designadamente informando o aderente do seu significado e implicações. Este regime já podia ser detectado nos arts. 227.º, n.º 1, e 232.º do CC.
V - Todavia, previamente à prova de que a comunicação e a informação existiram e foram adequadas, “subsiste o ónus, para aquele que se quer fazer valer da violação desses deveres, de alegar a respectiva facticidade, nomeadamente que aderiu ao texto das cláusulas sem que o proponente lhas tivesse comunicado ou prestado os devidos esclarecimentos».

- No acórdão de 21/10/2010 (relator Lázaro Faria), http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-tematica/clausulascontratuauisgeraisjurisprudenciastj.pdf, foi entendido que:
«I - A prova da comunicação (efectiva, adequada e esclarecedora) e da informação ao aderente a que se reportam os arts. 5.º, n.º 3, e 6.º do DL n.º 446/85, de 25-10, cabe, nos termos de tais normativos, ao contraente que submete àquele as respectivas cláusulas contratuais gerais.
II - Previamente à prova de que a comunicação e informação foram efectuadas, impende sobre quem se quer fazer prevalecer da violação desses deveres o ónus da alegação de tal preterição.
III - Não sendo cumprido esse ónus de alegação na petição inicial (momento processual próprio), não pode o mesmo ser satisfeito nas conclusões da apelação, por redundar numa questão nova. (…)».

E no acórdão de 28/09/2017 (relator Tomé Gomes), in www.dgsi.pt., foi afirmado que:
«1. No âmbito dos contratos de adesão, para efeitos de observância do ónus de prova sobre a adequada comunicação e informação de cláusulas gerais neles inseridas, que incumbe ao proponente nos termos dos artigos 5.º e 6.º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25/10, importa distinguir esse ónus do ónus, por parte do aderente, de alegar ou invocar a violação dos deveres de comunicação e informação de cuja preterição se pretende prevalecer.
2. Assim, o ónus de prova que recai sobre o proponente pressupõe a invocação, pelo aderente, da violação desses deveres por parte daquele.
(…)
4. Ainda que o referido segmento consista na ressalva das exclusões contidas nas condições gerais do contrato, mas sem que o aderente questione a falta de comunicação e informação destas, limitando-se a discutir a interpretação daquela ressalva no estrito quadro da condição especial contratada, com apelo ao que por via dela teria sido pretendido pelas partes, de modo a confinar o seu alcance, não é de exigir ao proponente o ónus de alegar e provar a adequada comunicação e informação das referidas condições gerais, elas próprias não questionadas».
Assim, no seguimento desta orientação jurisprudencial é de concluir que, no âmbito das cláusulas contratuais gerais, compete, por um lado, ao aderente (e/ou segurado) o ónus de alegação ou invocação da violação dos deveres de comunicação e informação de cuja preterição se pretende prevalecer e, por outro lado, sobre o proponente impende o ónus de prova sobre a adequada comunicação e informação das cláusulas desse tipo inseridas no contrato.
No caso, não se mostrando cumprido por parte da segurada (1ª ré) o ónus de alegação da violação dos enunciados deveres por parte da seguradora (3ª ré), não tinha esta de alegar nem de demonstrar o respetivo ónus probatório atinente ao cumprimento do dever de comunicação e do dever de informação das condições gerais e condições especiais do contrato de seguro objeto dos autos (74).
Efetivamente, previamente à prova de que a comunicação e informação foram efetuadas, impende sobre quem se quer fazer prevalecer da violação desses deveres o ónus da alegação de tal preterição, ónus que – quer as AA., quer a 1ª Ré – não cumpriram.
Termos em que improcede este fundamento de apelação.
*
2.11. - Âmbito da cobertura do seguro de responsabilidade civil (conclusões 80º e 82º da 1ª Ré).
Concretamente, discute-se se, além da responsabilidade civil extracontratual, o objeto do contrato de seguro celebrado entre a 1ª e a 3ª Ré abrange também a responsabilidade civil contratual do empreiteiro; e, em caso de resposta negativa, se o seguro deverá garantir o pagamento dos danos “extra rem” verificados no prédio ... (recheio e rendas).
Como já vimos, resulta incontroverso dos autos que, entre a 2ª A. e a 1ª Ré foi celebrado um contrato de empreitada de construção civil tendo por objecto a reabilitação total e conversão do prédio n.º ... numa moradia unifamiliar.
Assim, o dono da obra era a 2ª A. e empreiteira a 1ª Ré.
Está também provado que, mercê do deficiente revestimento dos tubos de exaustão de fumos do recuperador de calor localizados no prédio n.º ..., cuja execução esteve a cargo da 1ª ré no âmbito do aludido contrato de empreitada, no dia 23/10/2016 deflagrou um incêndio nesse prédio, que se propagou ao prédio n.º ..., pertença da 1ª A., daí resultando a sua destruição completa, bem como de todo o seu recheio.
Ora, como já anteriormente explicitámos, para além da responsabilidade civil contratual, ou seja, a que respeita à execução da empreitada e se inscreve no âmbito das suas relações com a dono da obra (no caso, 2ª A.), o empreiteiro (ou subempreiteiro) é também responsável no âmbito dessa sua atividade se na execução dos trabalhos para a realização da obra desrespeitar ilicitamente e com culpa direitos de terceiro (sejam de personalidade ou direitos reais (75)), provocando-lhe danos; trata-se aqui de responsabilidade civil extracontratual, fundada na culpa - art. 483º do CC (76).
A responsabilidade civil do empreiteiro por danos causados a terceiros é, pois, essencialmente uma responsabilidade delitual. Provocando danos a terceiros e preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, nos termos do art. 483.º do CC, o empreiteiro é obrigado a indemnizar os terceiros lesados.
No caso, também não oferece dúvidas que a 1ª A. é terceira lesada, visto não ser parte no aludido contrato de empreitada.
Mais se provou que a 1ª Ré celebrou com a 3ª Ré um contrato de seguro titulado pela apólice n.º .......16/RC do produto “Responsabilidade Civil Exploração” nos termos das condições particulares juntas a fls. 353 verso e seguintes, sendo a actividade prevista a “construção civil s/. danos prédios contíguos”, tendo a apólice um limite máximo de indemnização de € 250.000,00 por ano e sinistro e sujeita a uma franquia por sinistro de 10% dos prejuízos com um mínimo € 250,00.
Não se mostra controvertido estarmos no âmbito de um seguro de danos, do sub-tipo de responsabilidade civil – cfr. arts. 123º e 137º do RJCS) –, de carácter individual e facultativo (77) (78).
Como é sabido, o contrato de seguro é a convenção pela qual uma das partes (a seguradora) se obriga, mediante retribuição (prémio) paga pela outra parte (o segurado), a assumir determinado risco e, caso a situação de risco se concretize, a satisfazer ao segurado ou a terceiro uma indemnização pelos prejuízos sofridos ou um determinado montante previamente estipulado (79).
Trata-se do “contrato pelo qual uma parte, mediante retribuição, suporta um risco económico da outra parte ou de terceiro, obrigando-se a dotar a contraparte ou o terceiro dos meios adequados à supressão ou atenuação de consequências negativas reais ou potenciais da verificação de um determinado facto” (80).
Por regra, o seguro configura-se como um contrato bilateral ou sinalagmático – por dele emergirem obrigações para ambas as partes, visto a prestação da seguradora consistir na assunção do risco, por contrapartida do recebimento do prémio –, oneroso –dele resulta para ambas as partes uma atribuição patrimonial e um correspetivo sacrifício patrimonial, materializados no pagamento do prémio pelo tomador de seguro e na prestação indemnizatória ou convencionada a cargo do segurador – e de execução continuada – a sua execução prolonga-se no tempo (81). Usualmente, é também um contrato de adesão (82), pois a vinculação do segurado faz-se através da subscrição de um esquema contratual preestabelecido pelo segurador, consubstanciado nas condições gerais das apólices.
Trata-se de um contrato tipicamente aleatório, “porquanto a obrigação contraída por uma das partes (o segurado) é certa, enquanto a obrigação principal assumida pela outra parte (a seguradora) é incerta, além de futura”. Ao concluir o contrato, o tomador do seguro sabe que tem de pagar o prémio, já o segurador não sabe se terá de realizar a prestação convencionada, porque não sabe se se verificará o evento previsto (83). O que significa que não envolve necessariamente um equilíbrio de prestações entre as partes, que tem inerente um risco de uma ou outras das partes perder dinheiro. Na verdade, se não ocorrer sinistro, o segurador ganha e o tomador perde; mas se houver sinistro acontece o contrário (84).
Do ponto de vista da forma, determina o art. 32º, n.º 1, do RJCS, que a validade do contrato de seguro não depende da observância de forma especial.
Contudo, nos termos do n.º 2 do citado preceito legal, o segurador é obrigado a formalizar o contrato num instrumento escrito, que se designa por apólice de seguro (e que é integrada pelas condições gerais, especiais e particulares acordadas), e a entregá-lo ao tomador de seguro.
Continua, assim, a ser exigida a redução a escrito da apólice para efeitos de prova do contrato de seguro e não da sua validade (85).
Da apólice devem constar, no mínimo, a natureza do seguro e os riscos cobertos (art. 37º, n.º 2, als. c) e d) do RJCS).
Por sua vez, os arts 137.º e 138.º do RJCS, dão-nos a noção do seguro de responsabilidade civil como sendo aquele em que “o segurador cobre o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros”, garantindo tal seguro “a obrigação de indemnizar, nos termos acordados, até ao montante do capital seguro por sinistro, por período de vigência do contrato ou por lesado”.
Na situação ajuizada, das condições particulares do contrato de seguro consta como “âmbito de cobertura” a “responsabilidade civil extracontratual de acordo com as Condições Gerais para os Seguros RC Geral nº. 22 e da Condição Especial nº. 226 - “Empresas de Construção Civil”, incluindo danos causados a cabos, canalizações ou instalações subterrâneas, derrogando-se a alínea a). do nº. 2 das Condições Específicas, conforme Condição Particular em anexo” (cfr. documento junto a fls.. 353 v.º e seguintes) - sublinhado nosso.
A actividade está descrita como “construção civil s/. danos prédios contíguos”.

Nos termos do art. 2.º das Condições Gerais, sob a epígrafe "Objeto do contrato" consta:
"O presente contrato de seguro garante a responsabilidade extracontratual que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao Segurado, no exercício da actividade ou na qualidade expressamente referida nas Condições Especiais ou Particulares da apólice" (sublinhado nosso).

Segundo o art. 3.º das Condições Gerais, sob a epígrafe "Âmbito da garantia":
"O presente contrato de seguro garante, até ao limite do valor seguro constante das Condições Particulares, o pagamento de indemnizações que sejam legalmente exigíveis ao Segurado por danos patrimoniais/ou não patrimoniais, decorrentes de lesões corporais e/ou materiais, causados a terceiros em consequência de actos ou omissões do Segurado, bem como dos seus empregados, assalariados ou mandatários, no (vi) exercício da actividade ou na qualidade expressamente referida nas Condições Especiais ou Particulares da apólice" (sublinhado nosso).
O art. 1.º das Condições Gerais, sob epígrafe "Definições", define “Terceiro” como sendo "Aquele que, em consequência de um sinistro coberto por este contrato, sofra uma lesão que origine danos susceptíveis de, nos termos da lei civil e desta apólice, serem reparados ou indemnizados" e “Cliente” como “Qualquer pessoa ou entidade que adquira ou pretenda adquirir bens ou serviços ao Segurado”.

Por sua vez, a cláusula constantes da Condição Especial aplicável, n.º 226, referente a "Empresas de Construção Civil", no art. 2º, sob a epígrafe “âmbito da cobertura”, estabelece:
“1. Ao abrigo da presente Condição Especial, quando expressamente contratada nas Condições Particulares, o Segurador garante o pagamento das indemnizações emergentes de responsabilidade civil extracontratual que, ao abrigo da lei civil, sejam exigíveis ao Segurado, por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros e directamente relacionados com a actividade de construção civil de obras públicas e particulares, cuja causa seja devida a:
a) Acto ou omissão não doloso do Segurado ou de qualquer dos seus empregados no exercício da sua actividade e ao seu serviço;
b) Deficiência das instalações, assim como por coisas que sejam consideradas como fazendo parte integrante das referidas instalações ou outras que aí se encontrem desde que pertencentes ou sob responsabilidade do Segurado;
c) Quaisquer materiais, utensílios, decorações ou serviços que sejam considerados como integrando o funcionamento normal do estabelecimento e a ele pertencentes” (sublinhado nosso).

Nas referidas condições especiais, sob a epígrafe “Exclusões Específicas” consta, no art 3º§1 que, “para além das exclusões previstas no Artigo 6º das Condições Gerais, a garantia desta Condições Especial também não abrange os danos:
“a). resultantes da inobservância de disposições legais, regulamentares ou não cumprimento das normas técnicas previstas para a execução dos respectivos projectos” (…)
“f). causados à própria obra a cargo do segurado ou nas quais participe”.

Por fim, do art. 6º das Condições Gerais 22 consta que “o presente contrato nunca garante os danos: (…) c). Decorrentes de “responsabilidade civil profissional”.
Ora, tal como se concluiu na sentença recorrida, da leitura conjugada das condições gerais, especiais e particulares do contrato objeto dos autos, o seguro em causa cobre a responsabilidade civil extracontratual imputável à segurada por danos causados a terceiros no exercício da sua actividade de construção civil. Mas não garante os danos “decorrentes de “responsabilidade civil profissional”, querendo com isso significar – “partindo da letra do texto do clausulado” e na posição de um “qualquer declaratário normalmente instruído” – “que a responsabilidade contratual em que [a segurada] incorria no âmbito da sua actividade profissional não estava incluída no âmbito da garantia do contrato em causa nos autos”.
É, assim, inequívoco que o contrato de seguro em causa se assume como contrato em que a seguradora se obriga a indemnizar terceiros dos prejuízos que advenham dos trabalhos da empreitada, ou seja, por força da responsabilidade civil extracontratual, que não da responsabilidade civil contratual.
Pois que, tratando-se de seguro da responsabilidade civil imputável ao segurado, o que pode estar em causa são sempre e apenas os danos a terceiros (cfr. art. 137.º do RGCS).
Daí que se mostre certeira a conclusão explanada pelo Mm.º Juiz “a quo”, no sentido de não subsistirem “dúvidas sobre o verdadeiro âmbito da garantia do contrato de seguro em causa, sendo certo que dele estão excluídos os danos resultantes de responsabilidade contratual e causados aos clientes da 1ª Ré, no caso, os danos causados à 2ª Autora.
De facto, tais danos foram resultado, apenas e só (…), da deficiente execução do isolamento das condutas de exaustão de um recuperador de calor instalado no edifício da 2ª Autora sociedade e no âmbito de um contrato de empreitada por esta celebrado. Não ocorreu, portanto, aqui e para a Autora sociedade uma lesão que tenha advindo de qualquer acção da 1ª Ré fora do círculo de obrigações que assumiu no âmbito daquele contrato. Ou seja, a concreta fonte da obrigação de indemnizar funda-se, apenas e tão somente, no anómalo cumprimento de um contrato, estando excluída do âmbito do contrato de seguro em apreço”.
Por outro lado, malgrado a recorrente/segurada refira que quando celebrou o contrato de seguro fê-lo na convicção de que estava a contratar um contrato de seguro capaz de lhe assegurar (toda) a sua responsabilidade civil, que não somente a extracontratual, perante terceiros, a verdade é que não invocou qualquer vício de vontade na celebração do referido contrato, sendo inócuas as alegações em que pretende radicar em determinados meios de prova [testemunhal e documental] tais asserções, posto tal não se encontrar plasmado na matéria factual.
Por conseguinte, considerando que a responsabilidade pelos danos imputada pela 2ª A. à 1ª ré se funda em incumprimento contratual e não em responsabilidade extracontratual, excluída fica qualquer condenação da seguradora por não se encontrar abrangida no âmbito da cobertura do seguro a responsabilidade da tomadora a um outro título, que não extracontratual (86).

Em resumo, respondendo ás duas questões em apreço:
i) Os factos apurados não permitem concluir que as partes outorgantes no contrato de seguro - 1ª e 3ª rés - pretendiam e queriam celebrar um seguro que abrangesse não apenas a responsabilidade civil extracontratual perante terceiros, mas também a responsabilidade civil contratual da segurada no exercício da sua atividade de construção civil.
ii) Considerando que o contrato de seguro objeto dos autos cobre apenas a responsabilidade civil extracontratual da atividade de construção civil da segurada, que não a responsabilidade civil contratual, todos os danos sofridos pela 2ª A. (incluindo o recheio e alegadas rendas, sendo que quanto a estas tal pretensão indemnizatória foi julgada improcedente) não estão abrangidos pela cobertura do seguro.
Termos em que improcedem as conclusões 80º e 82º da 1ª Ré.
*
2.12. Da cobertura dos danos (da 1ª A.) pelo seguro (conclusões 79º, 81º e 83º da 1ª Ré e conclusões 3.53. a 3.62 das AA).
Na sentença recorrida, após se debruçar sobre as diversas cláusulas de exclusão de cobertura incluídas nas condições especiais (art. 3º, n.º 1, als. a), b), n.º 2, al. c), d), f), e g) da condição especial 226, concluiu-se que os danos sofridos pela 1ª A. não estavam abrangidos pelo seguro, «posto que incontornável a circunstância de estarem excluídos do âmbito do contrato de seguro os danos ocorridos em prédios contíguos, conforme consta das respectivas condições particulares», acrescentando que «das referidas condições particulares ressalta que as partes excluíram do âmbito da garantia do contrato de seguro em apreço os danos causados em prédios contíguos». E, complementando essa fundamentação, o Mm.º Juiz “a quo” aduziu: «Ou seja, o que ressalta desse circunstancialismo é que seguradora e tomadora do seguro não quiseram verdadeiramente incluir no âmbito da garantia do contrato de seguro dos autos os danos causados em prédios contíguos, sendo certo que o podiam fazer, posto que tal objecto não consta das exclusões absolutamente necessárias previstas no artigo 6º/§ 1º e 2º das condições gerais e nos artigos 2º e 3º das condições especiais, podendo, por conseguinte, ser afastadas por convenção em contrário».
Dessa decisão divergem ambas as recorrentes.

A 1ª ré defende, em resumo, que:
- As cláusulas de exclusão presentes no contrato de seguro celebrado com a 3ª Ré (cerca de 25) esvaziam por completo o conteúdo desse mesmo contrato, afastando toda e qualquer causa que possa ocasionar a intervenção do seguro.
- As Autoras, por sua vez, argumentam que:
- A considerar-se excluídos os danos provocados pela 1.ª ré em prédios terceiros ao contrato de empreitada, mesmo que contíguos, estar-se-ia a esvaziar o conteúdo do contrato de seguro ao ponto de inexistir qualquer objecto, por inexistência de cobertura de qualquer risco relevante para o fim com que o contrato foi celebrado pela 1.ª Ré, beneficiando de forma desproporcional a posição contratual da seguradora, frustrando o fim do contrato, atentando contra o princípio da boa fé (arts. 227.º, 334.º e 762.º, n.º 2 do CC);
- A não se incluir a cobertura dos danos provocados em prédios terceiros estar-se-ia a provocar um desequilíbrio desproporcional do contrato quando se retira dele as utilidades normalmente esperadas, face ao sentido prático da contratação;
- Uma cláusula que exclua a responsabilidade extracontratual relativamente aos prédios contíguos viola claramente a boa fé e a finalidade do contrato, por ser relativamente aos prédios contíguos que mais se torna necessária a proteção do segurado, pelo que é a mesma nula, determinando a redução teleológica do contrato.
- Ao terem celebrado um “contrato de responsabilidade civil geral” que é omisso de qualquer utilidade prática, para mais para uma empresa que se dedica ao ramo da construção civil, como é o caso da aqui Ré, houve violação do princípio da boa-fé por parte da 3ª Ré Seguradora, pelo que tal clausulado, tendo-se como proibido por força do referido art. 15º, é nulo, nos termos do art. 12º, todos do RJCCG.
Vejamos como decidir.
No art. 1º do RJCS dispõe-se sobre o conteúdo típico do contrato de seguro, dizendo-se que, “[p]or efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente”.
Como referem P. Romano Martinez e outros (87), “a obrigação típica do segurador não é a de assumir o risco de outrem, mas sim a de realizar a prestação resultante de um sinistro associado a tal risco. O sinistro é o “evento aleatório” a que se refere o art. 1º (…). O contrato de seguro caracteriza-se pela obrigação, assumida pelo segurador, de realizar uma prestação (máxime, pagar uma quantia), relacionada com o risco do tomador do seguro ou de outrem (segurado, eventualmente, pessoa segura).
(…)
A cobertura é uma atribuição que se realiza por mero efeito do contrato”, sendo “com a cobertura que a obrigação de pagar o prémio constitui uma relação sintagmática ou (…) uma relação de troca”. É “o contrato de seguro que define exactamente que risco é esse, pois só é sinistro «a ocorrência do evento aleatório previsto no contrato». Nessa medida, diz-se que é um risco formal aquele que releva para o contrato de seguro”.
Constitui, deste modo, o risco um elemento essencial ou típico do contrato de seguro, traduzindo-se o mesmo na possibilidade de ocorrência de um evento ou facto futuro e incerto de natureza fortuita com consequências desfavoráveis para o segurado, nos termos configurados no contrato.
O risco é assim delimitado em função do tipo de evento como tal contemplado, bem como relativamente à localização e ao tempo em que possa ocorrer.
Na prática negocial, a delimitação do risco, mormente na vertente causal, é tecnicamente feita, primeiro, por cláusulas definidoras da chamada “cobertura de base” e, depois, pela descrição de hipóteses de exclusão ou de delimitações negativas daquela base.
Por outro lado, subjacente a qualquer crédito indemnizatório emergente do contrato de seguro está o sinistro, consubstanciando-se este como a realização do risco previsto no contrato de seguro, desencadeador, pela sua própria natureza, da garantia subjacente ao seguro; não coincide necessariamente com o acidente, mas com as consequências deste (88).
Deste modo, enquanto o risco se traduz na “previsão abstracta do evento, como possível ou provável”, o sinistro é, por sua vez, “a realização e concretização desse evento”.
A verificação do risco corresponde à ocorrência daquilo que no preceito se designa por “evento aleatório”. O qualificativo parece ser usado, neste contexto, como um sinónimo de incerto”.
(…)
O evento cuja verificação dá azo ao pagamento da prestação convencionada deve estar previsto no contrato – com efeito, fora do contrato um evento é apenas um evento. (…). O sinistro – quando acontecer – será assim um facto jurídico, um “evento” que o direito considera relevante e a que, por isso, associa determinados efeitos. (…). É o contrato que o transforma em “sinistro” (89).
Atento o princípio da liberdade contratual (art. 405.º do CC), expressamente reafirmado no art. 11.º do RJCS, o contrato de seguro é regulado pelas estipulações da respetiva apólice, que não sejam proibidas pela lei e, supletivamente, pelas disposições do Regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo citado Decreto Lei e, subsidiariamente, pelas disposições da lei comercial e da lei civil (art. 4.º do RJCS).
Importa ter ainda presente que o âmbito de aplicação do regime geral do contrato de seguro não prejudica a aplicação ao contrato de seguro do disposto na legislação sobre cláusulas contratuais gerais (art. 3º do RJCS).
Da texto da apólice devem constar, no mínimo, a natureza do seguro e os riscos cobertos (art. 37º, n.º 2, als. c) e d) do RJCS).
Devem ainda constar da apólice, escritas em caracteres destacados e de maior dimensão do que os restantes, as cláusulas que estabeleçam o âmbito das coberturas, designadamente a sua exclusão ou limitação (al. b) do n.º 3 do art. 37º do RJCS).
Em regra, a apólice dos contratos de seguro, documento que titula o contrato celebrado entre o tomador do seguro e a seguradora, contém (i) condições gerais, que se aplicam a todos os contratos de seguro de um mesmo ramo ou modalidade, (ii) condições especiais, que completando ou especificando as condições gerais são de aplicação generalizada a determinados contratos do mesmo tipo, e (iii) condições particulares, que se destinam a responder em cada caso às circunstâncias específicas do risco a cobrir (art. 37º, n.º 1, do RJCS) (90).
Em geral, para a delimitação do objeto do contrato de seguro há que interpretar, as condições gerais, especiais e particulares, que o constituem e que constam da apólice do contrato.
A lei não estabelece qualquer hierarquia entre as referidas condições, mas a própria lógica gerais>especiais>particulares, refletindo uma progressiva aproximação a um contrato em concreto, evidencia a regra segundo a qual as cláusulas particulares especificamente acordadas prevalecem sobre quaisquer cláusulas contratuais gerais, mesmo quando constantes de formulários assinados pelas partes (art. 7º, primeira parte, do Decreto Lei n.º 446/85), ao que acresce não poderem as condições especiais e particulares modificar a natureza dos riscos cobertos tendo em conta o tipo de contrato de seguro celebrado (91).
No que diz respeito à interpretação e integração das declarações negociais estabelece o art. 10º do citado Dec. Lei n.º 446/85 que “[a]s cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam”.
Seja nas cláusulas contratuais gerais e especiais do seguro, sejas nas cláusulas particulares, estas individualmente contratadas, deve seguir-se as regras gerais de interpretação das declarações negociais previstas nos arts. 236º a 238º do CC.
Do aludido art. 236º do CC decorre que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (n.º 1); sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida (n.º 2). Todavia, porque se trata, no caso, de um negócio formal, o art. 238º do CC vem restringir os termos do art. 236º, estipulando que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
Consagrando, na primeira parte do n.º 1 art. 236º do CC, a doutrina da impressão do destinatário, do enunciado preceito normativo resulta que, em homenagem aos princípios da proteção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, se dá prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário, mas a lei, no entanto, não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário (entendimento subjetivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário depreenderia. “Há que imaginar – (…) – uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição do real declaratário, (…) e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo”, sendo que o declaratário normal corresponde ao "bonus pater familias" equilibrado e de bom senso (…), pessoa de qualidades médias (…), de instrução, inteligência e diligência normais.
Por outro lado, no domínio da interpretação de um contrato, que (…) consiste em determinar «o conteúdo das declarações de vontade e, consequentemente, os efeitos que o negócio visa produzir, em conformidade com essas declarações" (…), surgem como elementos essenciais a que deve recorrer-se para a fixação do sentido das declarações: "a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos" (…) bem como “os termos do negócio, os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento), a finalidade prosseguida, etc” (92).
Importa ter também presente o princípio da boa fé contratual, no sentido de que os contratos devem ser negociados, celebrados, interpretados, integrados e cumpridos, segundo os princípios da boa fé. Dado que o contrato de seguro, em especial no que se trata das cláusulas gerais que o regem, é essencialmente um contrato de adesão, em que o particular aceita um conjunto de cláusulas, cujo texto foi via de regra preparado antecipada e genericamente pela seguradora (e que normalmente só pode aceitar ou recusar, sem lhe poder introduzir qualquer alteração), a interpretação das suas cláusulas de harmonia com os princípios da boa fé é uma forte e natural imposição legal (93).
Igualmente relevante é o facto de o regime imperativo das cláusulas contratuais gerais aplicar-se às condições gerais e especiais elaboradas sem prévia negociação individual, mas já não às cláusulas particulares, as quais não participam dos requisitos das cláusulas predispostas por apenas uma das partes, pelo que se lhes aplicam as regras gerais de interpretação do negócio jurídico (94).
Os arts 137.º e 138.º do RJCS, dão-nos a noção do seguro de responsabilidade civil como sendo aquele em que “o segurador cobre o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros”, garantindo tal seguro “a obrigação de indemnizar, nos termos acordados, até ao montante do capital seguro por sinistro, por período de vigência do contrato ou por lesado”.

Para terminar esta exposição de cariz teórica há que ter em conta o seguinte:

– É à autora que cabe o ónus de provar a existência e o conteúdo do contrato, na medida em que alegue um direito decorrente desse contrato (art. 342º, n.º 1, do CC);
– Em contrapartida, é à ré (seguradora) que incumbe o ónus de provar factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito, tais como as causas de limitação ou os factos excludentes da sua responsabilidade (n.º 2 do mesmo preceito) (95).
Como se viu, a questão essencial em apreço é a de saber se o risco seguro inclui, ou não, os danos em prédios contíguos, no que ao caso releva os danos sofridos pela 1ª A. no seu prédio (n.º ...), vizinho àquele no qual foi executada a empreitada e onde ocorreu o sinistro (n.º ...).
Está em equação a interpretação do contrato de seguro, competindo fixar o sentido juridicamente relevante da vontade negocial retratada na apólice do seguro.
Das respetivas Condições Particulares da apólice consta, no âmbito do “detalhe do objeto seguro”, a definição da "Atividade", que é descrita como "Construção Civil s/ Danos Prédios Contíguos" (96).
Das Condições Gerais não consta qualquer menção a uma exclusão de cobertura de danos causados em prédios contíguos.

Por sua vez, das Condições Especiais aplicáveis, n.º 226, consta, de facto, uma cláusula de exclusão específica de cobertura de danos em prédios vizinhos, plasmada no art. 3.º, n.º 2, al. d), na qual se indica:
Salvo convenção em contrário expressa nas Condições Particulares, ficam ainda excluídos os danos:
(…)
d) Causados a estruturas existentes, edifícios e terrenos vizinhos ao local da obra e respectivos ocupantes, quando decorrentes de trabalhos de demolição, escavação, compactação, recalçamento ou outros que envolvam elementos de suporte ou trabalhos no subsolo”.
Trata-se de uma exclusão relativa, pois que salvaguardava a possibilidade de convenção em contrário estabelecida nas condições particulares (mediante, certamente, um prémio acrescido).
Volvendo às Condições Particulares, no campo da indicação das "Coberturas", a "Cobertura base" é descrita como "Nos termos da Condição Especial 226 – Empresa de construção civil".
Por sua vez, no campo das "Declarações e Cláusulas Particulares aplicáveis às Coberturas", sob o item "Cláusula Especial – Ajustável" prevê-se sobre o prémio (nos pontos 1, 2 e 3), mencionando que “as restantes condições contratuais definidas para esta apólice, sem menção expressa na presente ata adicional, permanecem sem qualquer alteração”.
De seguida, ainda no campo das "Declarações e Cláusulas Particulares aplicáveis às Coberturas", no “Âmbito de cobertura”, indica a “responsabilidade civil extracontratual, de acordo com as condições Gerais para os Seguros de RC Geral n.º 22 e da Condição Especial nº 226 – Empresa de construção civil", incluindo os danos causados a cabos canalizações ou instalações subterrâneas, derrogando-se a alínea a) do n.º 2 das Exclusões Específicas, conforme condição particular em anexo”.
Seguidamente, consta a indicação das franquias a cargo do segurado e por sinistro, bem como a menção da “Condição particular Cabos Subterrâneos”.
Quer isto dizer que a única menção que nas Condições Particulares é feita a prédios contíguos é no âmbito do “detalhe do objeto seguro”, relativamente à definição da "Atividade", descrita como "Construção Civil s/ Danos Prédios Contíguos".
Tal corresponde, no dizer da seguradora, a uma cláusula de delimitação objetiva da cobertura que descreve o objeto seguro como a responsabilidade civil extracontratual da atividade de “construção civil s/danos nos prédios contíguos”.
Mais refere que essa delimitação (da cobertura) expressa e taxativa constante das Condições Particulares seria suficiente para se concluir “quanto à não inclusão de danos eventualmente causados a prédios contíguos ao local da obra ou estaleiro onde se desenvolve a actividade de risco” – posição que foi acolhida na sentença recorrida –, dispensando sequer o recurso às cláusulas contratuais gerais, bem como uma revisitação das condições gerais da apólice.
Será de subscrever esta posição?
Como ponto prévio importará ter presente que em causa está, no caso em apreço, um seguro de responsabilidade civil de construção civil perante terceiros, pelo que será legítimo inferir que ao contratar o dito seguro a segurada/empreiteira pretendia ver garantidos os danos causados a terceiros no âmbito da sua actividade industrial de construção civil.
O seguro de responsabilidade civil não tem, porém, que cobrir toda e qualquer responsabilidade civil do segurado.
Pode haver limitações e exclusões, tudo dependendo da vontade das partes contratantes.
No caso dos autos, salvo sempre o devido respeito por entendimento contrário, afigura-se-nos que aquela singela menção – "Construção Civil s/ Danos Prédios Contíguos" –, especificadamente referente à definição da atividade, não é só por si apta a valer como cláusula de delimitação de cobertura, tanto mais que a mesma não se mostra devida e expressamente explicitada, destacada e separadamente especificada no campo das "Coberturas" ou no campo das "Declarações e Cláusulas Particulares aplicáveis às Coberturas", nomeadamente no item do “Âmbito de cobertura”, além de que o seu âmbito não se confina ao campo de abrangência da exclusão específica prevista nas Condições Especiais atinente a danos produzidos em prédios contíguos [(art. 3º, n.º a, al. d)], dado manifestamente o exceder.
Reportando-se tão somente à descrição da atividade, não se antolha como a referida menção/declaração possa, sem mais, ser interpretada como equivalendo a uma convenção negocial de delimitação objetiva da cobertura do seguro. A ser esse o efetivo propósito dos outorgantes do contrato de seguro, e dado os princípios de transparência e de boa fé que devem presidir à formalização de condições particulares deste tipo, seria curial que a referida declaração de delimitação de cobertura que, na prática, equivale a uma causa excludente geral da cobertura de todos e quaisquer danos em prédios contíguos tivesse sido inserida num dos dois campos acima assinalados constante das condições. Só assim um declaratório normal, colocado na posição da segurada, estaria apto a tomar cabal conhecimento da referida delimitação do objeto do seguro ou da exclusão de cobertura.
De outro modo, e tal como consta formulada na apólice, nomeadamente pela sua inserção no campo da atividade, assim como pela sua apresentação gráfica, sem qualquer destaque e sem expressa menção à delimitação do objeto do seguro, a mesma corresponde a uma cláusula-surpresa, por facilmente poder passar despercebida a um contraente normal, colocado na posição do contraente real.
É sabido que, «por via do seguro de responsabilidade civil, nas suas várias modalidades, tem-se em vista que o risco relacionado com situações jurídicas qualificadas como «responsabilidade civil» seja minimizado, mais concretamente que a obrigação de pagamento de indemnização devida por aplicação das regras da responsabilidade civil seja transferida do lesante para um segurador» (97).
E, quanto à justificação da existência e outorga de um seguro de responsabilidade civil há um motivo primordial, qual seja a tutela de terceiros lesados. Pretende-se, basicamente, que os lesados não fiquem privados do ressarcimento dos danos, em especial, por via da incapacidade financeira do lesante (98). No fundo, pretende-se garantir que o terceiro lesado obtenha uma reparação do dano sofrido.
A esta razão fundamental que justifica o estabelecimento de um seguro de responsabilidade civil, podem aduzir-se outros ponderosos motivos de natureza económica, tais como “a garantia conferida ao potencial lesante de o dano causado a terceiro não afetar a solvabilidade do seu património. Ainda que a indemnização pudesse ser suportada pelo seu património, não raras vezes o seu pagamento implicaria dificuldades supervenientes, prejudicando a evolução futura da atividade, do negócio ou, simplesmente, da vida pessoal” (99). Assegura-se, assim, a solvência da entidade sobre quem vai recair a obrigação de indemnização.
Ora, se é certo que nem todas as obras de construção civil têm prédios contíguos edificados suscetíveis de serem danificados por via da atividade de construção da segurada, não é menos verdade que é precisamente na tutela de danos causados em prédios confinantes e respetivos ocupantes que mais se faz sentir a garantia do seguro de responsabilidade civil do empreiteiro.
Com efeito, no domínio da construção civil, um dos riscos comummente associados à execução de obras tem precisamente a ver com os danos causados em prédios contíguos ou nos seus ocupantes, sendo nessa vertente que primordialmente se faz sentir a proteção do segurado.
Serve isto para dizer que, dada a relevância económica que uma cláusula de delimitação da cobertura desta natureza possa assumir num seguro de responsabilidade civil como o objeto dos autos, em virtude da desproteção que daí pode advir para o segurado e do terceiros lesado, para efeitos da sua formalização negocial não é adequado que a mesma seja dissimuladamente acoplada à definição da atividade segurada, posto que, menorizando o seu conteúdo ao ponto de não a discriminar no campo da cobertura, é razoável que não seja notada a alguém colocado na posição de contraente real.
Impunha-se, pois, que a referida declaração de delimitação estivesse suficiente e claramente expressa nas Condições Particulares, pelo menos, no campo das coberturas, com vista a elucidar que a mesma foi efetivamente objeto de negociação individual e a tornar cognoscível (formal e/ou materialmente).
Além de que o princípio da boa-fé objetiva impõe às partes contratantes deveres de lealdade, transparência, cuidado e prestação de informações necessárias (100), com base no qual a seguradora deve apresentar contratos redigidos, de forma clara e precisa, com caracteres legíveis, destacando as cláusulas que impliquem limitações aos direitos do aderente, por forma a evitar o aparecimento de cláusulas estipuladas no contrato, de natureza imprevisível, ou, mesmo, cláusulas não condizentes com a realidade, e possibilitar ao segurado, a parte mais débil da relação, o entendimento adequado dos termos do contrato, porque este foi celebrado, sob determinadas circunstâncias, em decorrência da aparência global exibida.
Com efeito, a surpresa sobre determinada circunstância contratual pode decorrer, não só da má-fé do proponente na conclusão do contrato e da falta de esclarecimento adequado sobre o seu conteúdo, mas, também, da redação obscura, dúbia ou contraditória de uma ou mais cláusulas, sendo certo que a redação clara e de fácil compreensão constitui, igualmente, um princípio que deve ser observado a fim de não inviabilizar a correta informação sobre as consequências o contrato, não permitindo, deste modo, que a contraparte celebre um contrato de maneira não consciente (101).
Assim, diversamente do propugnado pela recorrida seguradora, não é de aceitar que “um declaratório normal confrontado com uma disposição contratual como a que define a atividade objeto do seguro não pode ter uma interpretação diferente da que resulta de não estarem abrangidos pela apólice os danos verificados em prédios contíguos daqueles onde decorram as obras de construção civil da segurada”.
Em termos de apresentação formal, reitera-se, a menção constante das Condições Particulares atinente à definição da "Atividade" - "Construção Civil s/ Danos Prédios Contíguos" -, a querer significar a exclusão do contrato de seguro de responsabilidade civil extracontratual por construção civil de todos e quaisquer danos provocados em prédios contíguos, dada a sua localização e a forma menos clara e dissimulada como foi inserida, interligando-a (sem razão aparente) à descrição da atividade, sem que aquela causa de delimitação se mostre devida e especificamente individualizada no campo das coberturas ou no campo das "Declarações e Cláusulas Particulares aplicáveis às Coberturas", é suscetível de obstar à sua cognoscibilidade, por ser razoável que tenha passado despercebida a alguém colocado na posição de contraente real.
Veja-se que, no tocante à "Condição Particular Cabos Subterrâneos", cuja cláusula foi derrogada das Condições Especiais, a entidade seguradora teve o cuidado de a individualizar devidamente nas Condições Particulares, permitindo cabalmente a sua cognoscibilidade formal e material por parte do contraente real.
Como se refere no parecer junto da Professora M. I., “[n]enhum sentido faria, do ponto de vista de um declaratário-segurado razoável, que, tratando-se de uma exclusão de cobertura, que limita, e não alarga os seus direitos, e mais ainda de uma exclusão com tão grande impacto na sua protecção, não fosse também claramente exposto e recortado o seu alcance”.
Mas mesmo a entender-se que a referida menção possa valer como cláusula de delimitação do objeto seguro, excluindo da sua cobertura todos os danos provocados em prédios contíguos – que não apenas nas situações previstas no art. 3.º, n.º 2, al. d) da Condição Especial n.º 226 –, dada a sua amplitude «ela mostrar-se-ia uma restrição desproporcionada dos direitos do segurado, impedindo o contrato de cumprir devidamente a sua finalidade prática. Com efeito, os prédios contíguos e as pessoas que neles permaneçam são inegavelmente os bens mais expostos aos riscos de responsabilidade extracontratual associada à construção civil».
«Excluir a cobertura de danos em prédios contíguos seria incompatível com a finalidade prática do contrato, introduzindo um desequilíbrio desproporcionado entre as posições da seguradora e do segurado».
A perspetiva da recorrida levaria, de facto, a um considerável esvaziamento do objeto do contrato de seguro que celebrara com a 1ª Ré, e, potencialmente, a um efetivo “não-seguro”, sem que, nomeadamente, os elementos disponíveis atinentes às circunstâncias da celebração do contrato e/ou às características da atividade da 1ª Ré apontem para a pretendida “restrição” do objeto do seguro.
Acresce não estarmos perante um seguro de responsabilidade civil extracontratual que tenha sido especificamente contratado para a obra em causa nos autos – que não envolvia trabalhos de escavações, mas tão só demolições interiores –, posto o período de vigência da apólice ser de 31/12/2015 a 31/12/2016, referindo a recorrida, em sede de contra-alegações, que o seguro vigorava desde 2011, não sendo pois lícito inferir que a segurada, que se dedica à atividade de construção civil, com os inerentes riscos perante terceiros, mormente em prédios confinantes, tenha efetivamente pretendido excluir liminarmente da cobertura do seguro todos e quaisquer danos causados em prédios contíguos, que não apenas nas situações estabelecidas no art. 3.º, n.º 2, al. d) da Condição Especial n.º 226.
A referida delimitação da cobertura, excluindo todos os danos provocados em prédios contíguos, tem um âmbito de exclusão incomensuravelmente mais amplo do aquela cláusula específica de exclusão.
Aliás, a sufragar-se a posição da seguradora, e mesmo que as partes tivessem derrogado essa exclusão relativa, contratando a subscrição da cobertura complementar prevista no art.º 3.º n.º 2 al. d) da referida condição especial n.º 226, ainda assim o sinistro objeto dos autos não estaria coberto pelo seguro, visto que esse âmbito espacial do risco apenas cobriria os danos em estruturas existentes, edifícios e terrenos vizinhos ao local da obra e seus ocupantes desde que “decorrentes de trabalhos de demolição escavação, compactação, ou outros que envolvam elementos de suporte ou trabalhos no sub-solo”.
Tal facto diz bem do esvaziamento do objeto do seguro.
Donde se conclui que uma cláusula dessa natureza com a relevância económica que pode assumir num contrato como o dos autos não podia ter sido formalmente configurada nos termos dissimulados que constam das Condições particulares – o que reforça o sentido das objeções supra explanadas, visto poder passar desapercebida a um contratante normal, colocado na posição da segurada –, além de que é suscetível de desvirtuar substancialmente o objeto do contrato seguro, esvaziando-o.
Como se decidiu no Ac. do STJ de 7/12/2016 (relator Salazar Casanova), in www.dgsi.pt., diminuta ou residual “seria a utilidade do seguro em causa, na sua vertente de indemnização a favor de terceiros, estes sim, inteiramente alheios e impotentes perante as condições em que se desenvolve uma empreitada que, durante a sua execução e mesmo quando não ocorrem quaisquer problemas, é sempre uma justificada fonte de receios para todos os moradores dos prédios contíguos, se não fossem salvaguardados de um modo efetivo os interesses daqueles que as partes sabem ser os diretos beneficiários, o que, a nosso ver, impõe que as cláusulas de exceção sejam restritas para não se obstar à finalidade que as partes pretendem com a celebração de um contrato desta natureza".
Por conseguinte, a referida cláusula de delimitação da cobertura não pode deixar de ser entendida como desproporcional, consubstanciando um atropelo à dinâmica de um adequado funcionamento do vínculo contratual estabelecido e, nessa medida, violadora do princípio da boa-fé, que se impõe em todas as etapas do desenvolvimento da relação negocial: formação, integração/interpretação e cumprimento – cfr. arts. 227.º, 239.º e 762.º, n.º 2, todos do CC (102).
No fundo, ao esvaziar em termos tão amplos o risco do objeto a referida menção/declaração acaba por modificar a natureza dos riscos cobertos tendo em conta o tipo de contrato celebrado, o que é proibido nos termos do n.º 1 do art. 45º do RJCS.
Assim, a nosso ver, um declaratório normal, confrontado com as condições particulares, não pode ter uma interpretação diferente de estar abrangida pela apólice a responsabilidade civil extracontratual da empreiteira perante terceiros no exercício da atividade de construção civil de acordo com as Condições Gerais para os Seguros RC Geral nº. 22 e da Condição Especial nº. 226 - “Empresas de Construção Civil, incluindo os danos causados a cabos, canalizações ou instalações subterrâneas, em virtude da expressa derrogação da exclusão da alínea a). do nº. 2 do art. 3º das Condições Específicas.
Deste modo, no tocante à exclusão da cobertura de danos causados em prédios contíguos e respetivos ocupantes mantendo-se unicamente válida a cláusula do art. 3.º, n.º 2, al. d) da Condição Especial n.º 226, e uma vez que o seu âmbito de previsão apenas é aplicável quando tais danos decorram “de trabalhos de demolição, escavação, compactação, recalçamento ou outros que envolvam elementos de suporte ou trabalhos no subsolo”, é de concluir pela sua não aplicação ao caso sub júdice.
Com efeito, os danos provocados no prédio contíguo pertença da 1ª A. resultaram de um incêndio ocorrido no prédio onde foi executada a empreitada, o qual teve origem na deficiente execução dos trabalhos de isolamento e revestimento dos tubos de exaustão de fumos de um recuperador de calor por parte da segurada/empreiteira, e não por “trabalhos de demolição, escavação, compactação, recalçamento ou outros que envolvam elementos de suporte ou trabalhos no subsolo”.
Fica, por isso, afastada a aplicação ao caso dessa cláusula de exclusão da cobertura (art. 3º, nº. 2, d). da condição especial 226).
Importa de seguida perscrutar as demais cláusulas de exclusão de cobertura dos danos invocadas pela recorrida/seguradora a fim de indagar da verificação de alguma delas e, na afirmativa, da sua nulidade.
Em concreto estão em causa as seguintes cláusulas de exclusão especificas: i) art. 3º, nº. 1, a) da condição especial 226 referente aos danos “resultantes da inobservância de disposições legais, regulamentares ou não cumprimento das normas técnicas previstas para a execução dos respectivos projectos”; ii). art. 3º, nº. 1, b). da condição especial 226 respeitante aos danos “causados à própria obra a cargo do segurado ou nas quais participe”; iii) art. 3º, nº. 2, c) da condição especial 226 que menciona os danos “causados às propriedades pertencentes e/ou sob a guarda, custódia ou controle do dono da obra, dos empreiteiros ou de outros intervenientes na execução dos trabalhos”; iv) artº. 3º, n.º 2, f) da condição especial 226 que prevê os danos “ocorridos após a conclusão dos trabalhos”; v) artº. 3º nº. 2, g). da condição especial 226 que prevê os danos “causados por sub-empreiteiros”.
Face à facticidade apurada, é manifesto não ter aplicação ao caso concreto as situações previstas no art. 3º, n.º 2, b), c) e g). da condição especial 226 porquanto os danos em causa referentes ao prédio nº 17 pertença da 1ª A. não foram causados na própria obra objeto da empreitada (19), mas sim em prédio contiguo (17); esse prédio vizinho não estava sob a guarda, custódia ou controle da empreiteira; tais danos não foram provocados por sub-empreiteiros, designadamente pela 2ª ré, mas sim pela própria segurada/empreiteira (103).
No que concerne à cláusula prevista no art. 3º, n.º 1, a) da condição especial 226, como se salienta na sentença recorrida, não tem a mesma “aplicação ao caso concreto dado que não vislumbrar no elenco da factualidade provada que os danos tenham resultado “da inobservância de disposições legais, regulamentares ou não cumprimento das normas técnicas previstas para a execução dos respectivos projectos”. Efetivamente, resulta dos factos apurados que a 1ª Ré executou as obras nos termos e condições previstas no projeto de arquitetura, não estando também demonstrada a inobservância de qualquer dispositivo legal por banda da 1ª Ré.
Além de que as “legis artis” não constituem verdadeiras normas jurídicas, sendo que a sua violação – como é o caso por parte da 1ª Ré, ao proceder ao deficiente isolamento dos tubos de exaustão do sistema do recuperador de calor –, releva ao nível da valoração censurável da sua atuação, por negligência.
Acresce que a jurisprudência dos nosso Tribunais superiores por variadas vezes já se pronunciou sobre cláusulas similares à que consta do contrato objeto dos autos, constantes das condições particulares de seguro de responsabilidade civil decorrente da actividade de construção civil, tendo concluído pela sua nulidade.

A título exemplificativo:
- O Ac. do STJ de 14/11/2006 (relator Salreta Pereira), onde se sumariou que a “cláusula, constante das condições particulares da apólice do seguro de responsabilidade civil por danos causados a terceiros decorrentes da actividade de construção civil, nos termos da qual a responsabilidade da seguradora é excluída no caso de danos resultantes da inobservância das disposições legais e/ou camarárias concernentes ao cumprimento das medidas de segurança adequadas que a Lei ou o uso recomendam, deve considerar-se excluída nos termos do art. 8.º, als. a) e b) do DL n.º 446/85, de 25-10, alterado pelo DL n.º 220/95, de 31-01”, posto que “[u]ma tal cláusula de exclusão, face à sua amplitude, retira praticamente a utilidade do seguro em causa, pelo que dificilmente qualquer empresário de construção civil o celebraria se fosse devidamente informado da sua cobertura tão residual, não tendo a seguradora alegado e provado que cumpriu os deveres de comunicação e informação da cláusula em causa”.
- o Ac. da RP de 31/01/2012 (relator Pinto dos Santos), no qual se concluiu não ser “permitida (devendo ser declarada nula), num contrato de seguro de responsabilidade civil (do ramo construção civil), a cláusula (inserta naquelas condições especiais) que exclua da respetiva cobertura/garantia os danos “resultantes da violação ou não cumprimento das disposições legais ou administrativas, de carácter geral ou autárquico, relativas à execução das obras ou de medidas de segurança que a lei ou a experiência comum recomendem”, porquanto “tal cláusula desvirtua e esvazia consideravelmente o conteúdo do contrato de seguro e beneficia, desmedida e injustificadamente, a posição contratual da seguradora, pondo em perigo a finalidade visada com a celebração do contrato”.
- o Ac. da RC de 19-06-2013 (relator Arlindo Oliveira), que concluiu pela nulidade da cláusula que exclui das garantias do contrato de seguro os danos resultantes da inobservância das disposições legais e camarárias relativas à execução dos trabalhos, bem como as medidas de segurança que a lei ou a natureza dos mesmos exija.
- o Ac. da RC de 30/06/2015 (relator Fonte Ramos), no qual se considerou que, por “desvirtuar e esvaziar consideravelmente o conteúdo do contrato de seguro e beneficiar, desmedida e injustificadamente, a posição contratual da seguradora, pondo em perigo a finalidade visada com a celebração do contrato, não é permitida (devendo ser declarada nula), num contrato de seguro de responsabilidade civil (do ramo construção civil), a cláusula (inserta nas “condições especiais”) que exclua da respectiva cobertura/garantia os danos “decorrentes da falta de cumprimento das normas legais ou regulamentares, ou dos usos próprios da actividade” ou “resultantes da não adopção das medidas de segurança aconselháveis”.
Deste modo, uma cláusula de exclusão como a que consta do contrato em apreço deve ter-se por abusiva e absolutamente proibida, por retirar utilidade ao seguro em causa face à sua amplitude, ficando quase sem objecto causa [cf. arts. 12º, 15º, 16º, al. b) e 18º, als. b), da LCCG].
Relativamente à cláusula prevista no art. 3º, n.º 2, f) da condição especial 226, prevê-se que, “salvo convenção em contrário expressa nas Condições Particulares, ficam ainda excluídos os danos [...] ocorridos após a conclusão dos trabalhos”.
Sustenta a recorrida que mostrando-se os trabalhos da obra de empreitada entre a 2ª A. e a 1ª ré já concluídos à data em que ocorreu o incêndio, porque este ocorreu após o termo da obra, nunca estaria coberto pela apólice.
Por força da aludida cláusula o risco foi temporalmente delimitado, na medida em que a cobertura não abrange os danos verificados após a conclusão dos trabalhos.

Esta cláusula carece de ser lida em conjugação com o art. 5.º das Condições gerais, sob a epígrafe "Âmbito temporal", nos termos do qual:

"Salvo condição expressa em contrário nas condições particulares, as garantias conferidas pelo presente contrato estão limitadas aos atos ou omissões geradores de responsabilidade civil ocorridos durante o período de vigência da apólice e que sejam reclamados até ao prazo máximo de 2 anos após o seu termo".

Por sua vez, sob a epígrafe “Período de cobertura”, o art. 139.º do RJCS prescreve:
«1 - Salvo convenção em contrário, a garantia cobre a responsabilidade civil do segurado por factos geradores de responsabilidade civil ocorridos no período de vigência do contrato, abrangendo os pedidos de indemnização apresentados após o termo do seguro.
2 - São válidas as cláusulas que delimitem o período de cobertura, tendo em conta, nomeadamente, o facto gerador do dano, a manifestação do dano ou a sua reclamação.
3 - Sendo ajustada uma cláusula de delimitação temporal da cobertura atendendo à data da reclamação, sem prejuízo do disposto em lei ou regulamento especial e não estando o risco coberto por um contrato de seguro posterior, o seguro de responsabilidade civil garante o pagamento de indemnizações resultantes de eventos danosos desconhecidos das partes e ocorridos durante o período de vigência do contrato, ainda que a reclamação seja apresentada no ano seguinte ao termo do contrato».

Diversamente do que sucede com a generalidade dos outros seguros de danos (art. 123º), em que a cobertura é temporalmente delimitada (arts. 37º, n.º 2, al. e)) pelos danos sofridos pelas coisas seguras durante o período de vigência do contrato, no seguro de responsabilidade civil são configuráveis cláusulas de delimitação temporal da garantia que a circunscrevam atendendo ao momento (104):
a) Da prática do facto gerador da responsabilidade;
b) Da manifestação do dano;
c) Da sua reclamação, independentemente de o facto gerador ter sido praticado antes do inicio da vigência do contrato (n.º 3) e desde que o tomador do seguro ou o segurado não tivesse conhecimento do sinistro à data da celebração do contrato (art. 44º, n.º 2).

No contrato de seguro objeto dos autos foi adotado o critério do facto gerador da responsabilidade [(“as garantias (…) estão limitadas aos atos ou omissões geradores de responsabilidade civil ocorridos durante o período de vigência da apólice”], contanto que “sejam reclamados até ao prazo máximo de 2 anos após o seu termo" (art. 5.º das Condições gerais).
Todavia, a exclusão prevista no art. 3º, n.º 2, f) da condição especial 226, exclui a cobertura dos danos ocorridos após a conclusão dos trabalhos.
Por força desta condição especial passa, pois, a exigir-se que não só o facto gerador de responsabilidade civil, como também a verificação do próprio dano tenham lugar no período de vigência do contrato.
No domínio da responsabilidade civil, e tratando-se, como no caso dos autos, de um defeito oculto (105), é comum os defeitos apenas serem detetados após a conclusão dos trabalhos.
Acontece que, com a estipulação não pré-negociada daquela cláusula de exclusão, “desfigura-se” o “critério de vigência temporal das coberturas”, pois “só há cobertura se o facto gerador ocorrer na vigência do contrato, desde que cumulativamente os danos ocorram antes de cessarem os trabalhos em causa” (106).
E fica substancialmente “esvaziada a hipótese de obter cobertura para danos tardios”.
A situação ajuizada no caso é ainda mais fragrante, se tivermos em conta que quer o facto gerador de responsabilidade, quer os próprios danos, quer a própria reclamação de tais danos ocorreram em plena vigência da apólice, se bem que estes dois últimos elementos tiveram lugar já após a conclusão dos trabalhos.
Ora, o critério do facto gerador da responsabilidade reportado ao período de vigência da apólice, limitando o período da reclamação dos danos aos dois anos que se seguem ao seu termo, não torna particularmente exposto o segurador, já que excedido esse limite temporal opera a não cobertura do seguro.
Acontece que essa regra da vigência temporal das coberturas é substancialmente afetada pela introdução da cláusula constante do art. 3.º, n.º 2, al. f) das Condições Especiais, que restringe quer o facto gerador do dano, quer a verificação dos próprios danos aos ocorridos antes da conclusão dos trabalhos, menosprezando por completo o facto de a apólice ainda se manter em vigor aquando da verificação do dano tardio e da sua reclamação.
Dadas as implicações que essa restrição comporta ao critério geral de vigência temporal do contrato, restringindo fortemente a regra estabelecida no art. 5.º das Condições gerais, impunha-se uma especial advertência a esse facto, sob pena de violar as legitimas expetativas do segurado (107).
Além de que a exceção não pode ter um conteúdo tão amplo que limite desproporcionadamente o âmbito da regra e, por assim ser, desrespeitam o princípio da boa fé (108).
Assim não sucedendo, a referida cláusula mostra-se contrária à confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, o que determina a sua nulidade (arts. 16º, al. a) e 12º do RJCCG).
Pelo exposto, considerando que o incêndio causador dos danos à 1ª A. decorreu da deficiente execução da empreitada por parte da segurada – o que faz a 1ª ré incorrer em responsabilidade civil extracontratual perante a 1ª A., nos termos supra explicitados no item 2.2 –, danos esses que, apesar de verificados após a conclusão da empreitada, ocorreram na vigência da apólice em causa, tendo os mesmos sido reclamados à 3ª ré ainda dentro da vigência do contrato, é de concluir que o sinistro em apreço está abrangido pelo âmbito temporal da cobertura (art. 5.º das Condições gerais) (109).
Por outro lado, mesmo em contratos facultativos, o lesado, que é terceiro em relação ao contrato de seguro, não tem de pagar franquia alguma à seguradora para ressarcimento da indemnização no montante que lhe for reconhecido (110).
Impõe-se, por isso, revogar a sentença recorrida na parte em que julgou procedente a exceção invocada pela Ré seguradora, sendo de concluir que o contrato de seguro dos autos cobre os danos em prédios contíguos, o que impõe a condenação, solidária (111), da Ré Seguradora no pagamento à 1ª Autora da indemnização devida, com o limite do prémio acordado de 250,000,00€.
Em conclusão, a seguradora deverá ser condenada com a sua segurada, 1ª Ré, respondendo, até ao limite da responsabilidade assumida na apólice, solidariamente, com aquela, perante a 1ª Autora.
*
2.13. Das custas

De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito., acrescentando o n.º 2 que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Como as apelações foram julgadas parcialmente procedentes, quer as recorrentes, quer a recorrida X – Companhia de Seguros S.A. ficaram parcialmente vencidas no recurso, pelo que, na parte líquida, devem as mesmas ser responsabilizadas pelo pagamento das custas do recurso (bem como da ação) na proporção do respetivo decaimento.

Na parte ilíquida, impõe-se a seguinte distinção:
No tocante aos pedidos genéricos formulados, pela 1ª A., sob as als. g) e j), julgados procedentes em termos de condenação genérica, as custas ficam a cargo da 1ª e da 3ª Rés.
Relativamente ao pedido líquido formulado, pela 2ª A., sob a al. b, sendo a condenação genérica, as Autoras e as 1ª ré, ao ficarem vencidas por decaimento, são responsáveis pelo pagamento das custas, provisoriamente e em partes iguais, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC (112).
*
Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I - Se o mesmo evento imputável ao empreiteiro provocar danos ao dono da obra e a terceiro estranho à mesma, verifica-se um concurso real entre responsabilidade civil contratual e responsabilidade civil extracontratual (art. 483º do Cód. Civil).
II - Aplicar-se-ão então, embora separadamente, os dois regimes respetivamente convocados se ambos os lesados pedirem a competente indemnização.
III - Do art. 493º, n.º 1, do Cód. Civil resulta a obrigação de indemnizar terceiros lesados por coisas ou animais àqueles que tenham em seu poder com o encargo da sua vigilância, do mesmo passo se estabelecendo uma presunção de culpa para os últimos.
IV - A presunção de culpa e o dever de vigilância da coisa pressuposta no n.º 1 do art. 493º do CC reporta-se ao lesante e não ao lesado.
V - A aplicação do art. 570º, n.º 1, do CC pressupõe que i) o lesado tenha praticado um ato que foi concausa do dano sofrido ou que tenha contribuído para agravar o dano e ii) que esse ato tenha sido culposo.
VI - Uma vez verificados os pressupostos do n.º 1 do art. 570º do CC, o tribunal, na imputação das consequências indemnizatórias e para poder concluir pela concessão, redução ou exclusão da indemnização, terá de ponderar a gravidade das culpas e ter em conta as consequências que delas resultaram.
VII - É de manter toda a indemnização quando a culpa do agente seja de tal modo grave, em confronto com a atuação do lesado, sendo razoável desvalorizar a culpa ligeira do lesado quando esta tem um significado residual.
VIII - Sempre que o empreiteiro entregue pronta uma obra que não tenha sido realizada, totalmente, nos termos devidos, a violação contratual subsume-se ao cumprimento defeituoso.
IX - Em situações de incumprimento (designadamente de cumprimento defeituoso), ao credor/dono da obra basta demonstrar a materialidade do incumprimento, ou seja, a “existência do defeito”, o vício ou desconformidade da obra, cabendo já ao devedor/empreiteiro provar a ausência do nexo de imputação à sua pessoa desse incumprimento, o qual se presume “iuris tantum” (art. 799º, n.º 1, do CC).
X - Se o empreiteiro não afastar a sua responsabilidade pela existência do comprovado defeito – traduzido no deficiente revestimento dos tubos de exaustão de fumos do recuperador de calor, o que determinou a eclosão de um incêndio –, não logrando provar que a causa (defeito) lhe é estranha e não poderia ser por si evitada, indubitável é a sua culpa e a sua responsabilidade.
XI - Pretendendo o dono da obra obter uma indemnização do empreiteiro por deficiente execução da obra que determinou um incêndio, está-se perante um caso de responsabilidade contratual e não delitual, mesmo que o dano a indemnizar se trate de dano incidente sobre objeto diferente do da empreitada contratada; mas como não deixa de ser um dano derivado ou subsequente de uma prestação defeituosa do contrato, há de tratar-se de responsabilidade contratual.
XII - No âmbito do contrato de empreitada, perante a existência de defeitos a lei concede ao dono da obra vários direitos – eliminação dos defeitos ou nova construção (art. 1221º do CC), redução do preço ou resolução do contrato (1222º do CC) e indemnização nos termos gerais (art. 1223º do CC) –, os quais não podem ser exercidos arbitrariamente, mas sim sucessivamente e pela ordem em que são reconhecidos.
XIII - Tais direitos fundados no art. 1221º e ss. do CC podem ser exercidos na mesma ação, mas em regime de subsidiariedade e não como pedidos alternativos.
XIV - Embora formalmente formulado sob a capa de um pedido alternativo, em sede da respetiva qualificação jurídica é lícito ao juiz concluir que tal pedido corresponde antes a um pedido subsidiário (alternativa aparente).
XV - Ainda que assim não se entendesse, não esclarecendo a lei quais as consequências que derivam da formulação de pedidos alternativos quando não se verifique qualquer das situações previstas no art. 553º do CPC, na ocasião em que decidir do mérito da causa deve o juiz considerar, de entre os pedidos formulados, aquele que tiver acolhimento à luz do direito substantivo.
XVI - No âmbito das cláusulas contratuais gerais, compete, por um lado, ao aderente (e/ou segurado) o ónus de alegação ou invocação da violação dos deveres de comunicação e informação de cuja preterição se pretende prevalecer e, por outro lado, sobre o proponente impende o ónus de prova sobre a adequada comunicação e informação das cláusulas desse tipo inseridas no contrato (art. 5.º, n.º 3 e 6º do DL n.º 446/85, de 25-10).
XVII - Não se mostrando cumprido por parte do segurado o ónus de alegação da violação dos enunciados deveres por parte do segurador, não tem este de alegar nem de demonstrar o respetivo ónus probatório atinente ao cumprimento do dever de comunicação e do dever de informação das condições gerais e condições especiais do contrato de seguro objeto dos autos.
XVIII - Estando em causa um contrato de seguro de responsabilidade civil através do qual a seguradora garante o pagamento das indemnizações emergentes de responsabilidade civil extracontratual que sejam exigíveis ao segurado por força do exercício da sua atividade de construção civil, por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros, o seu âmbito de cobertura restringe-se à responsabilidade civil extracontratual, dele estando excluídos os danos resultantes de responsabilidade civil contratual.
IXX - Em geral, para a delimitação do objeto do contrato de seguro há que interpretar, as condições gerais, especiais e particulares, que o constituem e que constam da apólice do contrato.
XX - O regime imperativo das cláusulas contratuais gerais aplica-se às condições gerais e especiais elaboradas sem prévia negociação individual, mas já não às cláusulas particulares, às quais se aplicam as regras gerais de interpretação do negócio jurídico previstas nos arts. 236º a 238º do Código Civil.
XXI - Um motivo primordial que preside à outorga de um seguro de responsabilidade civil consiste na tutela de terceiros lesados, pretendendo-se que estes não fiquem privados do ressarcimento dos danos, em especial, por via da incapacidade financeira do lesante.
XXII - É precisamente na tutela de danos causados em prédios confinantes e respetivos ocupantes que, regra geral, mais se faz sentir a garantia do seguro de responsabilidade civil extracontratual do empreiteiro.
XXIII - Dada a relevância económica que uma cláusula de delimitação da cobertura – que descreve o objeto seguro como a responsabilidade civil extracontratual da atividade de “construção civil s/danos nos prédios contíguos” – pode assumir num seguro de responsabilidade civil de empreiteiro, para efeitos da sua formalização negocial não é adequado que a mesma seja dissimuladamente acoplada à definição da atividade segurada, sem qualquer destaque e sem a sua inserção no campo das coberturas constante das Condições Particulares, posto poder facilmente passar despercebida a um contraente normal, colocado na posição do contraente real.
XXIV - Mas mesmo a entender-se que a referida menção possa valer como cláusula de delimitação do objeto seguro, excluindo da cobertura todos e quaisquer danos provocados em prédios contíguos, dada a sua amplitude ela mostrar-se-ia uma restrição desproporcionada dos direitos do segurado, impedindo o contrato de cumprir devidamente a sua finalidade prática, posto que os prédios contíguos e as pessoas que neles permaneçam são inegavelmente os bens mais expostos aos riscos de responsabilidade extracontratual associada à construção civil.
XXV - O afastamento da cobertura de todos os danos em prédios contíguos – não se restringindo ao âmbito da cláusula específica de exclusão prevista no art. 3.º, n.º 2, al. d) da Condição Especial n.º 226 – seria incompatível com a finalidade prática do contrato e conduziria a um considerável esvaziamento do objeto do contrato de seguro.
*
VI. DECISÃO

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedentes as apelações interpostas e, em consequência, revogando parcialmente a sentença recorrida, decidem:

1 - Condenar, solidariamente, a Ré “A. M., Lda.” e a Ré X – Companhia de Seguros S.A. (esta até ao limite da responsabilidade assumida na apólice), no pagamento à Autora D. L.:
a) da quantia de € 62.500,00,00€ (sessenta e dois mil e quinhentos euros), a título de compensação pela perda do recheio;
b) da quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais;
c) da quantia correspondente à construção de obra nova do prédio n.º ..., a liquidar em incidente póstumo;
d) no pagamento da quantia necessária à demolição e remoção dos escombros existentes no prédio n.º ..., a liquidar em incidente póstumo.
2- Condenar a Ré A. M., Lda no pagamento à Autora D. L., Lda:
a) da quantia correspondente à construção de obra nova do prédio n.º ..., a liquidar em incidente póstumo;
b) da quantia de € 18.333,24 (dezoito mil, trezentos e trinta e três euros e vinte e quatro cêntimos) referente ao recheio destruído do prédio n.º ....
3 – Absolver as Rés do demais peticionado;
4 - Quanto ao mais, confirmar a sentença recorrida (no tocante à absolvição do pedido da Ré Lareiras ... – Sistemas de Aquecimento Lda).
*
Custas da ação e da apelação (quanto à parte líquida) a cargo das Autoras e da 1ª e 3ª Rés, na proporção do decaimento; quanto à parte ilíquida, no tocante ao segmento decisório sob os itens 1.c e d., fixam-se as mesmas a cargo da 1ª ré e da 3ª ré e, quanto ao segmento decisório sob o item 2.a, provisoriamente, em partes iguais, a cargo das Autoras e da 1ª Ré, a corrigir em função do que resultar da posterior liquidação.
*
Guimarães, 11 de março de 2021

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)



1. Cfr., na doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, pp. 271/300, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, 2017 – reimpressão, Almedina, pp. 384 a 396; Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. do STJ de 24/09/2013, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/dezembro 2013, p. 33 e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pp. 462 a 469; na jurisprudência, Acs. do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), de 24/09/2013 (relator Azevedo Ramos), de 03/11/2009 (relator Moreira Alves) e de 01/07/2010 (relator Bettencourt de Faria); Acs. da RG de 11/07/2017 (relatora Maria João Matos), de 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), todos consultáveis em www.dgsi.pt.
2. Cfr. Ac. desta Relação de 28/1/2021 (relator Afonso Cabral de Andrade), in www.dgsi.pt.
3. Cfr., neste sentido, Acs. do STJ de 28/09/2017, proc. n.º 659/12.6TVLSB.L1.S1 (relatora Fernanda Isabel Pereira) e proc. n.º 809/10.7TBLMG.C1.S1 (relatora Fernanda Isabel Pereira), Acs. da RP 24/10/2016 (relator Oliveira Abreu) e de 18/09/2017 (relator Manuel Domingos Fernandes) e Ac. da RE de 3/11/2016 (relatora Maria da Graça Araújo), todos acessíveis in www.dgsi.pt.; no sentido de que às conclusões de direito são assimiladas, por analogia, as conclusões de facto, ou seja, “os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados”, José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2001, Coimbra Editora, pp. 605 e 606.
4. Cfr., Acs. do STJ de 28/09/2017 (relatora Fernanda Isabel Pereira), de 29/04/2015 (relator Fernandes da Silva), de 14/01/2015 (relator Fernandes da Silva), de 14/01/2015 (relator Pinto Hespanhol); na doutrina, Tiago Caiado Milheiro, Nulidades da Decisão Da Matéria de Facto, www.julgar.pt., e Antunes Varela, “Juízos de valor da lei substantiva, o apuramento dos factos na ação e o recurso de revista”, CJ, Ano XX, tomo IV, pp. 7 a 14.
5. Cfr., Ac. RP de 23/04/2018 (relator Jerónimo Freitas), in www.dgsi.pt..
6. Cfr. Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, pp. 407/409.
7. Cfr., obra citada, pp. 291/292.
8. Embora no corpo das alegações a impugnação deste ponto esteja inserida na motivação do ponto I.112 (cfr. fls. 1004 e 1007), nas conclusões surge no item 3.14, sob a al. J.
9. Cfr. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., 2004, Almedina, pp. 252/253; no mesmo sentido, à luz do atual CPC, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., 2014, Almedina, p. 40.
10. Cfr. Processo Civil Declarativo, 2ª ed., 2017, Almedina, p. 22.
11. Dada a extensão da matéria de facto, optou-se por manter a numeração da sentença recorrida, fazendo-se menção à alteração nos casos em que a impugnação foi integralmente procedente.
12. Por contraposição à responsabilidade civil contratual ou obrigacional, que se verifica sempre que preexista uma relação jurídica obrigacional e aquele que nela ocupa a posição de devedor não cumpra pontualmente a prestação a que está vinculado (art. 762º, n.º 1 do CC).
13. Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª ed., Almedina, 2018, pp. 527/528,
14. Cfr. Antunes Varela, obra citada, pp. 533/537.
15. Cfr. Antunes Varela, obra citada, pp. 539/540.
16. Cfr. Antunes Varela, obra citada, p. 562.
17. Sendo a culpa um dos elementos constitutivos do direito do lesado à indemnização, a norma está em consonância com a regra em matéria de repartição do ónus da prova (art. 342º, n.º 1 do CC).
18. Cfr. José Alberto González, Direito da Responsabilidade Civil, pp. 371/372.
19. Cfr. Pedro Romano Martinez, Responsabilidade civil no contrato de empreitada – Responsabilidade do empreiteiro e seguro de responsabilidade civil, Revista Julgar, n.º 42, Set/Dez-2020, p. 94.
20. Cfr. Rui Alarcão, Direito das Obrigações, Texto elaborado pelos Drs. J. Sousa Ribeiro, J. Sinde Monteiro, Almeno de Sá e J. C. Proença, com base nas lições do Prof. Doutor Rui de Alarcão ao 3.º Ano Jurídico, 1983, p. 270.
21. Cfr. obra citada, p. 598 e segs.
22. Cfr. Antunes Varela, obra citada, p. 599.
23. Cfr. Ana Prata, Código Civil Anotado, Vol. I, Coordenação de Ana Prata, Almedina, 2017, p. 630.
24. Cfr. Mário Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6ª edição, Almedina, p. 507.
25. Cfr. Elsa Vaz de Sequeira, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações/Das Obrigações em Geral, Universidade Católica, p. 280, José Alberto Gonzalez, obra citada, pp. 212/219 e o Acórdão do STJ de 15/04/93, in CJSTJ, Tomo 2, p. 5.
26. Cfr. José Alberto González, obra citada, pp. 17/18.
27. Cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 2ª ed., Almedina, 2002, pp. 304/305, cuja fundamentação vimos seguindo de perto.
28. Tais como as previstas nos arts. 491º (pessoas obrigadas à vigilância de outrem), 492º (danos causados por edifícios ou outras obras), 493º (danos causados por coisas, animais ou atividades) e 503º, n.º 3 (condutor do veículo por conta de outrem) do CC. Correspondem tais presunções a situações em que se verifica uma fonte específica de perigo, cuja custódia se encontra atribuída a determinado sujeito, resultando assim a sua responsabilização da violação de deveres de segurança do tráfego que lhe impunham evitar a ocorrência de danos resultantes dessa fonte de perigo (cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, obra citada, p. 305).
29. Cfr. Ana Prata, Código Civil Anotado, Vol. I, Coordenação de Ana Prata, Almedina, 2017, p. 639.
30. Cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, obra citada, pp. 307/308.
31. Cfr. Maria da Graça Trigo/Rodrigo Moreira, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Portuguesa (coordenação de José Brandão Proença), 2018, nota 4 ao artigo 493º do CC, p. 321.
32. Cfr. Antunes Varela, obra citada, p. 594.
33. Cfr. Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul de 5/07/2017 (relatora Catarina Gonçalves Jarmela), in www.dgsi.pt.
34. Cfr. José Brandão Proença, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Portuguesa (coordenação de José Brandão Proença), 2018, nota I ao artigo 570º do CC, p. 577.
35. Cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6ª ed., Almedina, Coimbra, 1994, p. 673.
36. Cfr. José Brandão Proença, obra citada, p. 578.
37. Nas palavras de Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos, a expressão “culpa do lesado” deve ser tomada em sentido genérico, como caraterizando uma conduta incongruente que toda a pessoa razoável evita, ou deve evitar, no seu próprio interesse (cfr. Notas ao Código Civil, Vol. III, Lisboa 1993, p. 42).
38. Cfr. RLJ, n.º 102, p. 60.
39. Cfr. José Brandão Proença, obra citada, p. 579.
40. cfr. Recuperador de calor e lareira: sabe as diferenças?, acessível em https://www.pedradecoracao.pt/blog/recuperador-de-calor-e-lareira-sabe-as-diferencas-8935/
41. Cfr., neste sentido, o Ac. da. RL de 18/06/2019 (relatora Micaela Sousa), in www.dgsi.pt.
42. A doutrina (cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 2ª ed., Almedina, 2002, pp. 303/304, e Ana Prata, Dicionário Jurídico (Direito Civil/Direito Processual Civil/Organização Judiciária), 4ª ed., Almedina, 2005, p. 344) costuma distinguir a graduação da culpa em três graus: a) Culpa grave – situação de negligência grosseira que só uma pessoa especialmente descuidada comete, uma vez que a grande maioria das pessoas não procederia da mesma; b) Culpa leve – situação em que a conduta do agente não seria suscetível de ser praticada por um homem médio, correspondendo a sua atuação à omissão de diligência do bonus pater familias; c) Culpa levíssima – situação em que a conduta do agente só não seria realizada por uma pessoa excecionalmente diligente, uma vez que mesmo um homem médio não a conseguiria evitar.
43. Cfr., em sentido similar, Antunes Varela, obra citada, p. 918.
44. Ac. do STJ de 30/11/2010 (relator Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt.
45. A obrigação de resultado ocorre quando o devedor, “ao contrair a obrigação, se compromete a garantir a produção de certo resultado em benefício do credor ou de terceiro” (“o cumprimento envolve já a produção do efeito a que tende a prestação, havendo coincidência entre a realização da prestação debitória e a plena satisfação do interesse do credor”) - cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 4ª ed., Almedina, pp. 71 e 10.
46. Cfr. Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, 1994, pp. 30 e 143 e Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte especial) Contratos, Almedina, 2000, p. 430.
47. No caso de responsabilidade contratual a inexistência da culpa funciona como uma exceção, incumbindo ao devedor provar que não teve culpa na inexecução.
48. Cfr. Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações - Programa 2017/2018 - Apontamentos, 5ª ed., AAFDL Editora, 2017, p. 264.
49. Cfr. Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte especial) (…), p. 435.
50. Cfr. Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte especial), (…), pp. 435-440.
51. Cfr., Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso (…), p. 181.
52. Cfr., Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte especial) (…), p. 436.
53. Cfr., Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte especial) (…), p. 436 e A. Santos Justo, Manual de Contratos Civis, Vertentes Romana e Portuguesa, Petrony, p. 440.
54. Cfr. Ac. da RC de 01/07/2014 (relator Fonte Ramos), in www.dgsi.pt.
55. Cfr., J. Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2020, 7ª ed., Almedina, 2020, p. 70 e Ac. da RP de 05.02.2018 (relator Jorge Seabra), in www.dgsi.pt.
56. Cfr. J. Cura Mariano, obra citada, p. 71.
57. Cfr. obra citada, p. 73.
58. Cfr. J. Cura Mariano, obra citada, pp. 73/75, Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (parte Especial) (…), p. 443 e o Ac. da RC de 01/07/2014 (relator Fonte Ramos), in www.dgsi.pt.
59. Cfr. Ac. do STJ de 9/04/2019 (relator José Rainho), in www.dgsi.pt, cuja fundamentação seguiremos de perto.
60. Como inicialmente explicitámos, no tocante à 1ª ré a 1ª Autora fundamentou o seu direito indemnizatório na responsabilidade civil extracontratual e a 2ª Autora alicerçou a sua pretensão na responsabilidade civil contratual.
61. Cfr., obra citada, pp. 455 a 461.
62. Cfr. obra citada, pp. 81/83.
63. Cfr. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª ed., Almedina, 2017, p. 159.
64. Cfr. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, obra citada, p. 159.
65. Cfr., ente outros, Ac. da RC de 24/02/2015 (relatora Maria João Areias), in www.dgsi.pt.
66. Cfr. Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, (…), pp. 436 e 440 e Pedro Romano Martinez, Responsabilidade civil no contrato de empreitada – Responsabilidade do empreiteiro e seguro de responsabilidade civil, Revista Julgar, n.º 42, Set/Dez-2020, p. 102
67. Cfr., Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança, Almedina, 2001, p. 95.
68. Cfr. Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, (…), p. 439.
69. Cfr., Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, p. 611.
70. Está alegado, no art. 96º, que “as rés são responsáveis pela reparação in natura do prédio no estado em que ele se encontrava a data do incêndio” e, no art. 97º, “ou subsidiariamente, a indemnização corresponderá ao valor que resulta do mapa de trabalho (…)” (sublinhado nosso).
71. Cfr., Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, p. 612 e Abrantes Geraldes, Temas da reforma do Processo Civil, vol. I, Almedina, 1997, p. 147.
72. Em consequência da alteração da resposta ao ponto 69 dos factos provados.
73. Diploma legal que estabelece o regime jurídico do contrato de seguro.
74. Cfr., no mesmo sentido, Ac. da RC de 10/12/2019 (relator Manuel Capelo), in www.dgsi.pt., onde se lê que, se não tiver sido «suscitada a questão relativa à comunicação e explicação do conteúdo da cláusula contratual geral, não pode nesse domínio abordar-se a questão da nulidade do contrato». Ver ainda, Ac. da RG de 20/02/2020 (relatora Maria João Matos), in www.dgsi.pt..
75. Entre os direitos reais o mais paradigmático, quando estão em causa empreitadas, é a violação do direito de propriedade, que pode revestir os mais variados aspetos, tais como a privação do uso ou fruição da coisa imposta ao titular; a apropriação, deterioração ou destruição da coisa; a disposição indevida dela; a subtração dela; a perturbação do exercício do direito do proprietário, mediante a emissão de fumos, cheiros, vapores ou ruídos, bem como produção de trepidações e outros quaisquer factos semelhantes, fora dos termos permitidos pelo art. 1346.º; o seu uso, fruição ou consumo não facultado pelo respetivo titular Cfr. Antunes Varela, obra citada, pp. 533.
76. Cfr., Acs. do STJ de 12/06/2003 (relator Salvador da Costa) e de 10/01/2006 (Nuno Cameira), Acs. da RL de 30/10/2014 (relator Tomé Ramião) e de 24/04/2019 (relator Arlindo Crua), Ac. da RP de 9/12/2020 (relator Miguel Baldaia de Morais) e Ac. da RG de 09/03/2017 (relatora Francisca Micaela Vieira), in www.dgsi.pt.
77. Cfr. Ac. do STJ de 7/12/2016 (relator Salazar Casanova), in www.dgsi.pt. 78. O seguro de responsabilidade civil surge integrado no Ramo Nâo vida (art. 8º, als. j, k, l) e m) da Lei n.º 147/2015, de 9/09).
79. Cfr. Almeida Costa, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 129.º, n.º 3862, pp. 20-21.
80. Cfr. Margarida Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiros, Estudo de Direito Civil, Coimbra Editora, 2010, p. 66.
81. Cfr. José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra Editora, pp. 102-110.
82. Cfr. Ac. da RL de 9/11/2010 (relator Luís Filipe Brites Lameiras), in www.dgsi.pt. e Ac. da RP de 15/03/1999, CJ, Ano XXIV-1999, T. 2, p. 182.
83. Cfr. Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 2011, p. 132.
84. Cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, vol. I, Almedina, p. 248/249.
85. Cfr. Ac. do STJ de 04/12/2014 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), in www.dgsi.pt.
86. Cfr., em sentido similar, Ac. da RG de 27/04/2017 (relatora Maria dos Anjos), in www.dgsi.pt.
87. Cfr. Lei do Contrato de Seguro – Anotada, 3ª ed./2016, Almedina, p. 38.
88. Cfr. Ac. da RL de 19/12/2019 (relator Carlos Castelo Branco), in www.dgsi.pt.
89. Cfr. Margarida Lima Rego, “O contrato e a apólice de seguro”, in Temas de Direito dos Seguros; II, Almedina, 2ª ed., 2020, pp. 20/21.
90. Cfr. José Vasques, Contrato de Seguro, (…), pp. 30-31 e o Ac. do STJ de 4/12/2014 (relator Granja da Fonseca), in www.dgsi.pt.
91. Cfr. José Vasques, in Lei do contrato de Seguro Anotada (Pedro Romano Martinez e Outros), 2016 – 3ª ed., Almedina, pp. 218 e 219.
92. Cfr. Acs. do STJ de 19/06/2018 (relator Paulo Sá) e 5/07/2012 (relator António Joaquim Piçarra), ambos disponíveis in www.dgsi.pt., que enunciam variada doutrina.
93. Cfr. Ac. da RC de 30/06/2015 (relator Fonte Ramos), in www.dgsi.pt.
94. Cfr. José Vasques, Contrato de Seguro, (…), p. 350, Ac. do STJ de 31/01/2019 (relatora Graça Trigo), Ac. da RC de 30/06/2015 (relator Fonte Ramos), Ac. da RP de 17/01/2008 (relator Teles de Menezes) e Ac. da RG de 20/02/2020 (relatora Maria João Matos), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
95. Cfr. Ac. do STJ de 13/07/2017 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), in www.dgs.pt.
96. Cfr. fls. 353 vº e ss.
97. Cfr. Pedro Romano Martinez, Responsabilidade civil no contrato de empreitada (…), p. 119
98. Cfr. Pedro Romano Martinez, Responsabilidade civil no contrato de empreitada (…), p. 120.
99. Cfr. Pedro Romano Martinez, Responsabilidade civil no contrato de empreitada (…), p. 120.
100. Cfr. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, T. 1, 2ª edição, 2000, Almedina, pp. 231 a 239.
101. Cfr., embora reportado ao domínio das cláusulas contratuais gerais, Ac. do STJ de 2/06/2015 (relator Hélder Roque), in www.dgsi.pt.
102. Cfr. Ac. do STJ de 24/01/2018 (relatora Graça Amaral), in www.dgsi.pt. 103. Remete-se para os factos provados n.ºs 136 e 137. Assinale-se que a 2ª Ré, que procedeu à instalação do recuperador de calor, foi absolvida do pedido, por inverificação dos pressupostos da responsabilidade civil, tendo nessa parte a sentença transitado em julgado.
104. Cfr. José Vasques, Lei do contrato de Seguro Anotada (Pedro Romano Martinez e Outros), 2016 – 3ª ed., Almedina, pp. 448/449.
105. Posto o deficiente isolamento dos tubos de exaustão do recuperador só ter sido evidenciado depois da conclusão dos trabalhos e da aceitação da obra pela 2ª Autora, e do incêndio ocorrido.
106. Seguir-se-á na exposição a fundamentação do parecer junto da Professora M. I. .
107. Cfr., em sentido similar, Ac. da RP de 27/02/2014 (relator Araújo Barros), in www.dgsi.pt.
108. Ac. do STJ de 7/12/2016 (relator Salazar Casanova) e Ac. da RG de 25/01/2018 (relatora Margarida Sousa), in www.dgsi.pt.
109. Cfr. factos provados n.ºs 13, 14, 40, 42, 54, 58, 90, 133 e 134.
110. Cfr. Ac. do STJ de 7/12/2016 (relator Salazar Casanova) e Ac. da RG de 25/01/2018 (relatora Margarida Sousa), in www.dgsi.pt.
111. Cfr. Acs. do STJ de 7/12/2016 (relator Salazar Casanova) e de 24/01/2018 (relatora Graça Amaral), e Acs. da RG de 25/01/2018 (relatora Margarida Sousa) e de 22/06/2017 (relatora Eva Almeida), in www.dgsi.pt. Como se referiu no citado Ac. do STJ de 7/12/2016, “a seguradora, uma vez condenada com o seu segurado, responde, nos limites da responsabilidade assumida na apólice, solidariamente com o segurado perante o credor”.
112. Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, (…), p. 580, Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, I Vol. (1 - Citações e notificações em processo Civil 2 – Custas judiciais e multas cíveis), Almedina, 1998, p. 238 – 242, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p. 419 e Ac. do STJ de 13/07/2017 (relator Olindo Geraldes), in www.dgs.pt.