Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
30491/18.7YIPRT.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: REQUERIMENTO DE INJUNÇÃO
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
FALTA DE CAUSA DE PEDIR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. A petição inicial é inepta quando falte a indicação da causa de pedir, consubstanciada nos factos concretos que preenchem a previsão da norma jurídica na qual a parte funda o seu direito.

2. Embora num requerimento de injunção se tenha de formular a causa de pedir e o pedido num modelo aprovado pelo Ministério da Justiça (nos termos do art. 10º do DL n.º 209/98, de 01.09), o que implica uma necessária concisão, a lei não dispensa que se invoquem os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, para que se compreenda, incluindo o requerido, o negócio que está na origem do litígio.
Decisão Texto Integral:
X – AGÊNCIA PORTUGUESA TÊXTIL, LDA., melhor identificada nos autos, apresentou requerimento de injunção contra Y – COMÉRCIO INTERNACIONAL DE VESTUÁRIO, LDA., também melhor identificada nos autos, pedindo que a ré fosse notificada a pagar-lhe a quantia global de € 5.311,38, correspondendo a € 4.502,49 de capital, € 556,89 de juros de mora, € 150,00 de outras quantias e € 102,00 de taxa de justiça paga.

Invocou para tanto e em síntese que forneceu à ré, a pedido desta, vários bens, fornecimentos esses a que respeitam as facturas que identifica, já vencidas, não tendo a ré procedido ao pagamento respectivo, apesar de interpelada para o efeito.

Devidamente notificada, veio a ré deduzir oposição, arguindo a ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir, mais alegando, por outro lado, não dever à autora o valor peticionado, seja a que título for, invocando ser antes credora da autora no valor de € 4.492,65, sendo certo que argui existirem contas a acertar entre as duas partes.
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Nos termos do disposto no artigo 16.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro foram os presentes autos apresentados à distribuição.
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Notificada a autora para se pronunciar quanto à excepção arguida pela ré, a mesma nada disse no prazo que lhe foi concedido para o efeito, tendo junto aos autos, por determinação do Tribunal, as facturas em causa nos autos.
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Por despacho proferido a fls. 23 a 24, foi julgada improcedente a excepção dilatória da nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial.
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Tramitados regularmente os autos foi proferida a seguinte decisão:

“Pelo exposto, tudo visto e ponderado, decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:

a) Condenar a ré a pagar à autora o valor global de € 4.502,49, correspondendo a quantia de € 2.167,95, à factura n.º 1/4, a quantia de € 2.324,70 à factura n.º 1/332 e a quantia de € 9,84, à factura n.º 1/391, acrescidas dos respectivos juros de mora, contabilizados à taxa de juro comercial, desde a respectiva data de vencimento das aludidas facturas (respectivamente, 20.03.2016, 20.11.2016 e 20.01.2017) e até efectivo e integral pagamento;
b) Absolver a ré do demais peticionado pela autora.
Custas a cargo da autora e da ré na proporção do respectivo decaimento – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil…”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela veio a ré interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:

“I Salvo o devido respeito que nos merece a opinião e ciência jurídica da Meritissima Juiza a quo, afigura-se á Recorrente que o Douto Despacho Saneador de fls.. dos autos, objecto do presente recurso, não poderá manter-se, devendo ser revogado e substituído por outro que julgue verificada a ineptidão da petição inicial e que absolva a Ré da instância, por padecer de erro de análise da matéria de facto alegada (“não alegada") pela Autora no requerimento inicial quer de erro de interpretação do direito aplicável e, consequentemente, tendo decidido como decidiu o Tribunal a quo, aplicou mal o direito.
II. Entendeu o Douto Tribunal a quo que a petição inicial não é inepta,
Ill. Assim, na sua fundamentação, o Douto Tribunal refere: “Compulsado o requerimento de injunção apresentado pela autora, verificamos que alega que a injunção visa o pagamento das importâncias tituladas pelas facturas que identifica, referentes a um contrato de fornecimento de bens ou serviços celebrado com a ré, pelo que alega a autora factos, referindo-se a uma operação comercial concreta perfeitamente identificada através da prestação dos bens e serviços em causa e, inclusivamente, refere expressamente os valores das facturas e respectivas datas de vencimento. Acresce que, não obstante não concretizar a autora no requerimento de injunção apresentado quais os bens e serviços efectivamente prestados e que constam das facturas que identifica, a verdade é que a autora veio, entretanto, juntar aos autos as facturas onde os mesmos constam descriminados.

Concluímos, assim que não obstante as insuficiências apontadas na exposição dos factos, insuficiências entretanto supridas pela autora no requerimento de resposta que apresentou, não se verifica, no caso, a causa de ineptidão da petição inicial prevista na alínea a) do nº 2 do artigo 186º do Código de Processo Civil, nem, em consequência, a excepção dilatória prevista na alínea b) do artigo 577º do mesmo Código."

IV. Da leitura do requerimento inicial extraem-se os seguintes factos alegados pela Autora:

“... -1) A requerente é uma sociedade comercial com o escopo do lucro:
- 2) Requerente e requerida encetaram relações comerciais tendo a aqui requerida encomendado vários fornecimentos de bens à aqui requerente:
- 3) Tendo a aqui requerente emitido as seguintes facturas:
- 4) Factura nº 4 com data de 14.01.2016 e vencimento a 20.03.2016 no valor de 2,167,95€;
- 5) Factura nº 332 com data de 14.09.2016 e vencimento a 20.11.2016 no valor de 2.324.70:
- 6) Factura nº 391 de 16.11.2016 e vencimento a 20.01.2017 no valor de 9. 84€;
- 7) Instada extra judicialmente para pagar a aqui requerida não a fez;"
V Transcrita que está toda a matéria de facto alegada pela Autora no requerimento inicial e bem assim, a fundamentação do Douto Tribunal para decidir pela não verificação da ineptidão da petição inicial…, passamos a analisar os factos e o direito.
VI. É convição da recorrente que o requerimento inicial apresentado pela Autora é inepto por falta de causa de pedir, ou seja, por falta de alegação dos factos necessários à sustentação do pedido deduzido,
VII A falta de causa de pedir consubstancia um fundamento de ineptidão da petição inicial (artº 186, nº 2 al. b) do C.P.C) a qual implica a nulidade de todo o processo (nº 1 da citada norma), nulidade essa de conhecimento oficioso pelo tribunal (artº 196 do CPC), no despacho saneador (se não tiver sido apreciada em momento anterior (artº 200 nº 2 do CPC) ou na sentença final,
VIII. Trata-se de uma excepção dilatória nominada (artº 577 al. b) do CPC) a qual conduz à absolvição do Réu da instância (artº 576 nº 2 do CPC).
IX. Relativamente ás injunções, rege o artº 10º do DL. 269/98 de 1 de Setembro, com as alterações introduzidas pelo DL 32/03 de 17/02, pela Lei 14/06 de 26/04 e pelo Dec. Lei 107/2005 de 1/07, sobre a forma e conteúdo do requerimento de injunção.
X. No que a este particular respeita, textua o nº 2, al. d) do referido normativo legal que no requerimento deve o Requerente expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão.
Xl. A exposição suscinta dos factos que à pretensão processual do Requerente servem de fundamento, assumem particular relevância no contexto do normativo em análise, porque se trata de causa de pedir susceptível de apreciação jurisdicional, no caso do procedimento de injunção se transmutar em acção declarativa.
XII. O Requerente da injunção não está dispensado de invocar, no requerimento, os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, certo que a lei só flexibiliza a sua narração em termos sucintos, sintéticos e breves,
XIJJ. Como a pretensão da Requerente só é susceptível de derivar de um contrato, a causa de pedir, embora sintética, não pode deixar de envolver o conteúdo das respectivas declarações negociais e os factos positivos e negativos consubstanciadores do seu incumprimento por parte da Requerida.
XIV. Como é evidente, a indicação pela Requerente do módulo contratual "fornecimento de bens", não passa de uma mera qualificação jurídica, pelo que nada tem a ver com a factualidade concreta que deve integrar a pertinente causa de pedir.
XV, Também a data do contrato releva em sede de causa de pedir, porque funciona como elemento temporalmente delimitador da constituição do direito de crédito invocado.
XVI. Mas o que verdadeiramente releva como causa de pedir é a descrição da origem concreta do crédito invocado pela Requerente ou os períodos a que se reporta.
XVII. No caso em apreço, a Requerente na parte do formulário destinado à descrição da origem do crédito refere, unicamente, tratar-se de "fornecimento de bens", não referindo a data do(s) contratos), os bens concretamente fornecidos, nem as quantidades e preços, dos concretos bens fornecidos,
XVIIII Ora, estando em causa um ou mais contratos de fornecimentos de bens, cabia á Requerente alegar - ainda que sucintamente - o conteúdo das respectivas declarações negociais e os factos positivos e negativos consubstanciadores do seu incumprimento por parte da Requerida.
XIX, Não basta identificar as facturas e juntá-las aos autos em momento posterior como o fez!
XX. A factura é um meio de prova do facto.
XXI. Não supre a falta de alegacão dos factos que se destina a provar.
XXII. Essa alegação não foi feita, mesmo á luz do caracter sucinto que a lei impõe e como vem sendo já jurisprudência uniforme.
XXIII. E não o tendo feito, a Requerente obstou a que a Requerida pudesse deduzir oposição especificada, quer por impugnação, mas principalmente por excepção, nomeadamente, quanto a um eventual cumprimento defeituoso por parte da Requerente, relativamente aos alegados fornecimentos, em virtude da total ausência de identificação dos bens concretamente fornecidos.

ACRESCE,

XXIV. Algo surpreendentemente e para fundamentar a sua decisão, invoca a Meretíssima Juíza a quo o seguinte: "Acresce que, não obstante não concretizar a autora no requerimento de injunção apresentado quais os bens e serviços efectivamente prestados e que constam das facturas que identifica, a verdade é que a autora veio entretanto juntar aos autos as facturas onde os mesmos constam descriminados."(sublinhado nosso)
XXV. Com o devido respeito, este segmento da fundamentação da decisão proferida é urna contradição pura e dura: A Meretissima Juíza a quo não leu as facturas a que se refere no segmento do seu Douto Despacho antes transcrito, porque se o tivesse feito, não escreveria o que escreveu, porquanto, teria constatado que delas não consta a descriminação de quaisquer bens ou serviços!
XXVI. Assim, ao contrário do que se afirma neste segmento da decisão proferida, as facturas então juntas aos autos, nada vieram acrescentar quanto ao objecto do negócio das partes, não tendo a virtualidade de colmatar a falta de alegação da causa de pedir, ou seja, não vieram identificar, não vieram concretizar os bens ou serviços alegadamente fornecidos.
XXVII. O que está em causa e importa decidir, é se o requerimento de injunção obedece aos requisitos ínsitos ao artº l0º do DL. 269/98, se constam escritos, se estão alegados neste requerimento, os factos que consubstanciam a causa de pedir, independentemente de quaisquer documentos que possam, ou não, ter sido juntos.
XXVl1L É este requerimento inicial que é notificado á Requerida para deduzir oposição, e tão só.
XXIX. A Requerida só é notificada pelo BNI deste requerimento e, por isso, só tem conhecimento do que está escrito em tal requerimento e é sobre este que tem de deduzir oposição.
XXX. Se neste requerimento não está escrito o conteúdo das respectivas declarações negociais nem os factos positivos e negativos consubstanciadores do seu incumprimento por parte da Requerida, esta está impossibilitada de deduzir toda a sua defesa, seja por impugnação, seja por excepção.
XXXI. Atente-se que, no requerimento inicial, identificam-se as facturas mas não se reproduz o conteúdo destas (ainda que parcialmente). Como resulta do despacho em crise, as facturas só foram juntas aos autos em momento muito posterior....
XXXII. Ora, quanto às facturas juntas aos autos pela Requerente importa atentar no seguinte:

a)- No requerimento de injunção a Requerente identifica do seguinte modo as facturas:

- Factura nº 4 com data de 14.01.2016 e vencimento a 20.03.2016 no valor de 2.167,95€;
- Factura nº 332 com data de 14.09.2016 e com vencimento a 20.11.2016 no valor de 2.324,70€;
-Factura nº 391 de 16.11.2016 e vencimento a 20.01.2017 no valor de 9.84€;

b) Olhando para as facturas juntas aos autos verifica-se que destas consta o seguinte:

- Factura 1/4, datada de 2016-01-14 e vencimento em 20.03.2016, no valor de Euros 28.622,59;
- Factura 1/32, datada de 2016-09-14 e vencimento em 20.11.2016, no valor de Euros 17.454,22;
- Factura 1/391, datada de 2016-11-16 e vencimento em 20-01-2017 no valor de Euros 9,84;

XXXIII. Resulta evidente que as facturas identificadas no requerimento de injunção não correspondem ás facturas que a Requerente juntou aos autos.
XXXIV. Olhando para o descritivo de cada uma das mencionadas facturas constata-se que nelas não se identifica um único bem. Assim sendo, como é, da leitura das mesmas não resulta a identificação dos concretos bens transaccionados.
XXXV. No entendimento da Meretissíma Juiza a quo, a junção posterior aos autos das facturas a que se alude no requerimento inicial, teve a virtualidade de sanar as deficiências existentes no requerimento inicial.
XXXVI. Este entendimento é inaceitável: - A petição inicial é uma peça estrutural do processo e deve conter todos os factos que integram a causa de pedir e o pedido, ainda que de uma forma sucinta. Isto é uma coisa.
XXXVII. Outra coisa bem diferente, são as facturas que são meios de prova e, como tal, são coisa bem distinta e diversa, da petição inicial!
XXXVIII. Para concluir, sempre se dirá que o requerimento informático do procedimento de injunção tem hoje, e desde há alguns anos a esta parte uma capacidade de texto que possibilita às partes dele fazerem constar, com bastante amplitude e concretização táctica, todos os elementos exigidos pelo artº 10º do DL 269/98 de 1 de Setembro com as alterações introduzidas pelo DL 32/03 de 17/02, pela Lei 14/06 de 26/04 e pelo DL. 107/05 de 1/07, pelo que o carácter sucinto na alegação dos factos que constituem a causa de pedir, deve ser, também, interpretado a luz das actuais capacidades técnicas e informáticas ao dispor das partes.
XXXIX. Assim sendo, como é, parece de mediana evidência, verificar-se in caso a invocada excepção dilatória da ineptidão da p.i., por manifesta falta ele causa de pedir,
XL. Pelo que o Tribunal a quo deveria ter julgado como verificada a excepção invocada pela Ré e, consequentemente, deveria ter proferido decisão que a absolvesse da instância.
XLI. Ao decidir que a petição inicial não é inepta e ao designar data para a realização da audiência de julgamento, o Tribunal a quo violou as disposições dos artºs 182, nº 2 al. b), artº 196, artº 200 nº 2, artº 577 al. b) e artº 576 nº 2 todos do CPC; artº 10 do DL. 269/98 de 1 de Setembro com as alterações introduzidas pelo DL 32/03 de 17/02, pela Lei 14/06 de 26/04 e pelo DL 107/05 de 1/07.

XLII. A Mm" Juíza a quo considerou como provado que:

"2) Autora e Ré encetaram relações comerciais, no âmbito dos quais a autora forneceu à Ré a solicitação desta os acessórios para aplicação em têxtil a que respeitam os facturas seguintes:

-Factura nº 1/4, com data ele 14.01.2016 e vencimento a 20.03.2016. no valor de 28.622,59;
-Factura n° 1/332, com data de 14.09.2016 e vencimento a 20.11.201 6, no valor de € 17.454.22;
-Factura nº 1/391, com data de 16.11.2076 e vencimento a 20.01.2017 no valor de € 9,84. "
XLIII. Quanto a este facto e para a formação da sua convicção, invocou a Mm" Juíza a quo o seguinte: - "a conviccão do Tribunal resultou da conjugação entre a análise dos documentos juntos aos autos a fls. 16 verso a 17 verso, 36, 39 e 42 (facturas elencadas em 2) dos factos provados), a fls.18 a 19 (conta corrente) e a fls. 37, 38, 40, 41 e 43 (guias de transporte) cujos teores e veracidade não resultaram infirmados pela demais prova produzida e os depoimentos das testemunhas A. M. e L. M.:"
XLIV. Ora, a Mm" Juiza a quo conheceu e julgou como provados factos que não foram alegados no requerimento de injunção,
XLV. Nem constam da prova documental junta aos autos;
XLVI. De facto não foi alegado pela recorrida no requerimento de injunção, ter fornecido á recorrente "acessórios para aplicação têxtil".
XLVII. Nem tal resulta do teor dos documentos invocados pela Mm. Juiza a quo para formação da sua convicção e para julgar como provada tal factualidade.
XLVIII. De facto, o requerimento de injunção não identifica os bens que a recorrida alegadamente terá fornecido á recorrente:
XLIX. E, de igual modo, da leitura dos documentos de fls. 16 verso a 17 verso, 36, 39 e 42 (facturas) a fls. 18 a 19 (conta corrente) e a fls. 37, 38, 40, 41 e 43 (guias de transporte) não é possível extrair tal factualidade.

ACRESCE,

L. Os documentos de fls. 37, 38, 40, 41 e 43 dos autos foram apresentados e juntos aos autos no início da audiência de julgamento.
LI. Até ao início da audiência de julgamento, não existia no processo, seja no requerimento de injunção, seja nas facturas, qualquer referência ou identificação dos bens, dos concretos bens, que possam ter sido transaccionados entre as partes.
LII. Aliás foi no decurso da audiência de julgamento, já depois da inquirição pelos advogados das partes da testemunha arrolada pela recorrida, A. M. que a Mm" Juiza a quo, interpela esta testemunha (…)
LIII. O Tribunal até este momento processual, ainda não sabia, (nem podia saber...), qual tinha sido o objecto do negócio,
LIV. E não sabia, porque o objecto do negócio não foi alegado no requerimento de injunção,
LV. E não sabia também, porque o objecto do negocio não está identificado nas facturas nem nos demais documentos juntos aos autos pela recorrida.
LVI. Não cabendo ao tribunal suprir a falta de alegação, pelas partes, da matéria de facto que constitui a causa de pedir e que fundamenta os pedidos formulados - cfr. artº 608 do CPC.
LVII. Em face do exposto, não podia o tribunal tomar conhecimento de factos que integrariam a causa de pedir mas que não foram alegados pela parte, designadamente, não podia o tribunal conhecer e julgar como provado que: “no âmbito dos quais a autora forneceu à ré, a solicitação desta, os acessórios para aplicação têxtil a que respeitam as facturas seguintes:"
LVIII. Mas tão só que: "Autora e Ré encetaram relações comerciais, no âmbito das quais foram emitidas as facturas seguintes:

- Factura nº 1/14 com data de 14.01.2016 e vencimento a 20.03.2016, no valor de 28.622,59;
-Factura nº 1/332, com data de 14.09.2016 e vencimento a 20.11.2016, no valor de € 17.454,22;
- Factura nº 1/391, com data de 16.11.2016 e vencimento a 20.01.2017 no valor de € 9,84."

LIX. "O excesso de pronúncia verifica-se quando o Tribunal conhece, isto é, aprecia e toma posição (emite pronúncio) sobre questões de que não podia conhecer, designadamente, porque não foram levantadas pelas partes e não eram de conhecimento oficioso. Por outras palavras...o excesso de pronuncia consiste numa apreciação ou decisão sobre questão que ultrapassa () quanto é submetido pelas partes ou imposto por lei à consideração do julgador" (Ac. STJ de 30.09.2010: Proc. 341/08.9TCGMR] Gl.S2.dgsi.Net);
LX. "As questões a que se reporta o artº 668, nº 1, alínea d), 2ª parte do Cod.Proc.Civil (actual artº 615 do CPC) são os pontos de facto e/ou direito relativos à causa de pedir e ao pedido] em que as partes centram o objecto do litigio (Ac. STJ, de OS.02.2004:03B3809/ fTU/ Net);
LXI. "A nulidade por excesso de pronúncia a que se reporta a alínea d) do nº l do artº 668 do Cod. Proc. Civil (actual artº 615 do CPC) reporta-se a questões e não a motivações, ou seja, apenas se reporta a pontos essenciais de facto ou de direito em que as portes centralizaram o litígio, incluindo as excepções (Ac. STJ, de 4.3.2004: Proc. 04B522/ITlJ/Net):

ISTO POSTO,

LXII. O Tribunal a quo ao tornar conhecimento que a "Autora forneceu á Ré acessórios para aplicação em têxtil "conheceu e tomou posição sobre um facto que não foi alegado pela recorrida e que integraria a causa de pedir,
LXIII. Certo sendo que não cabe ao Tribunal dele conhecer, suprindo a falta de alegação pela parte,
LXIV. Nem, tal facto, é de conhecimento oficioso pelo Tribunal - cfr. artº 608º do CPC.
LXV. Ao conhecer e apreciar que a "Autora forneceu á Ré acessórios para aplicação em têxtil" o julgador foi além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes, verdade sendo que não pode o julgador considerar causa de pedir que não tenha sido invocada.
LXVI. Nos termos do disposto no n° 1, al. d) do artº 615 do C.P.C. é nula a sentença quando o Juiz aprecie ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
LXVII. Nos termos e pelas razoes expostas, o Tribunal a quo ao conhecer e apreciar que a Autora forneceu á Ré acessórios para aplicação em têxtil" foi além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes, tendo ocorrido excesso de julgado e, consequentemente, a sentença proferida é NULA,
LXVIII. Nulidade que aqui se invoca para todos os efeitos legais.
LXIX. Violou, por isso, a decisão recorrida o disposto nos artºs 607 nº 2, artº 608, artº 615, nº 1 al. d) do CPC; artº 874, artº 879 al. c), artº 406 nº l, artº 762 nº l, artº 798, artº 799, artº 804, artº 805 e artº 806, todos do Cod. Civil…”

Pede a final que seja revogada a decisão contida no despacho saneador, e que seja julgada inepta a petição inicial com a absolvição da ré da instância.
Se assim não se entender, que seja revogada a decisão proferida e verificada a nulidade da sentença.
*
Dos autos não consta que tenha sido apresentada Resposta às Alegações de recurso.
*
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:

- A de saber se o requerimento de injunção é inepto, por falta de causa de pedir; e
- se a decisão final proferida enferma de nulidade por excesso de pronúncia.
*
Foram dados como provados na primeira instância os seguintes factos:

“1) A autora é uma sociedade comercial com o escopo do lucro.
2) Autora e ré encetaram relações comerciais, no âmbito das quais a autora forneceu à ré, a solicitação desta, os acessórios para aplicação em têxtil a que respeitam as facturas seguintes:

- Factura n.º 1/4, com data de 14.01.2016 e vencimento a 20.03.2016, no valor de € 28.622,59;
- Factura n.º 1/332, com data de 14.09.2016 e vencimento a 20.11.2016, no valor de € 17.454,22;
- Factura n.º 1/391, com data de 16.11.2016 e vencimento a 20.01.2017, no valor de € 9,84.

3) Apesar de interpelada para o efeito, a ré não procedeu ao pagamento integral do valor respeitante às aludidas facturas, mostrando-se em dívida o montante global de € 4.502,49, correspondendo o valor de € 2.167,95, à factura n.º 1/4, o valor de € 2.324,70 à factura n.º 1/332 e o valor de € 9,84, à factura n.º 1/391”.

E foram dados como não provados os seguintes:

“a) A factura n.º 1/4 tem o valor de € 2.167,95.
b) A factura n.º 1/332 tem o valor de € 2.324,70.
c) A autora suportou a quantia de € 150,00 com despesas realizadas com a tentativa de cobrança extrajudicial da quantia em dívida”.
*
Da ineptidão do requerimento injuntivo:

Insurge-se a recorrente desde logo contra a decisão proferida no Despacho Saneador, que decidiu que a petição inicial não é inepta, pugnando pela revogação de tal decisão, e pela declaração da nulidade de todo o processo, com a sua absolvição da instância.
Aduz em abono da sua tese que não foi alegada no requerimento de injunção a causa de pedir da ação, consubstanciada nos factos concretos donde deriva o pedido formulado pela A.

E com razão, adiantamos já.

Compulsado o requerimento de injunção apresentado pela autora, verificamos que a A. visa no mesmo o pagamento das importâncias tituladas nas facturas que identifica, referentes a um alegado contrato de fornecimento de bens celebrado com a ré.

Mais concretamente, do requerimento inicial apresentado pela A constam os seguintes factos: “1) A requerente é uma sociedade comercial com o escopo do lucro; 2) Requerente e requerida encetaram relações comerciais tendo a aqui requerida encomendado vários fornecimentos de bens à aqui requerente; 3) Tendo a aqui requerente emitido as seguintes facturas: 4) Factura nº 4 com data de 14.01.2016 e vencimento a 20.03.2016, no valor de 2,167,95€; 5) Factura nº 332 com data de 14.09.2016 e vencimento a 20.11.2016 no valor de 2.324.70; 6) Factura nº 391 de 16.11.2016 e vencimento a 20.01.2017, no valor de 9. 84€; 7) Instada extra judicialmente para pagar a aqui requerida não a fez."

Ora, analisado o requerimento inicial apresentado pela Autora, verificamos que do mesmo não consta a causa de pedir, ou seja, dele não consta a alegação dos factos necessários à sustentação do pedido deduzido.
*
Efetivamente, nos termos do nº1 alínea d) do artº 552º do CPC, intitulado “Requisitos da petição inicial”, “Na petição com que propõe a acção deve o Autor (…) expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção”, sendo a causa de pedir, nos termos do artº 581º nº4 alínea d) do CPC o facto jurídico de que emerge o direito que se visa acautelar ou fundamenta o efeito jurídico pretendido.

Já José Alberto dos Reis se referia ao conceito de “causa de pedir” (Código de Processo Civil Anotado, I, 3.ª ed., 309), como “o acto ou facto jurídico em que o autor se baseia para enunciar o seu pedido…”

Também Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 234-235), ensinam que “causa de pedir” é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido, pelo que, se o autor não mencionar esse facto concreto, a petição será inepta.

Segundo os mesmos autores, não basta, para o preenchimento da exigência legal, a indicação vaga ou genérica dos factos em que o autor fundamenta a sua pretensão, dizendo por exemplo que na acção possessória de manutenção, que o réu tem praticado actos de perturbação do seu direito; na acção de divórcio, que o réu tem violado os deveres conjugais, sem mais precisão; na acção de reivindicação, não indicando todos os factos concretos que interessam à aquisição do domínio…

Por seu turno, Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, I, 207 e ss) afirma que se encontra consagrada na nossa lei processual civil “a teoria da substanciação”, consagrada no n.º 4 do art. 498.º do anterior CPC (actual nº4 do artº 581º), tendo o autor na petição inicial de expor “os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção”, ou seja, de fazer a indicação dos factos concretos constitutivos do direito, não se podendo limitar à indicação da relação jurídica abstracta.

O mesmo nos diz Miguel Teixeira de Sousa (Estudos sobre o novo Processo Civil, 269), ao tratar do conteúdo formal da petição inicial, quando afirma que na narração o autor deve expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção (art. 467º nº1, al. d) do anterior código, alínea d) do nº1 do artº 552º do actual CPC), aí se contendo a alegação dos factos principais.

E compreende-se a exigência legal, porquanto não só o juiz tem de saber o que está em causa nos autos, isto é, o que as partes pretendem que seja dirimido na ação, como ainda tal alegação é de manifesta importância para a definição da causa de pedir e do pedido, elementos estes de primordial importância à delimitação do âmbito do caso julgado e também à arguição de uma possível litispendência (arts. 580º e 581º do CPC).

A relevância da indicação da causa de pedir e do pedido na petição inicial é de tal ordem e tão manifesta, que o legislador sanciona (como já sancionava no anterior código) a sua omissão com a nulidade de todo o processado, por ineptidão da petição inicial (artº 186º nº1 e 2 al. a) do CPC), nulidade essa que é de conhecimento oficioso (artº 196 do CPC), a ser proferida no despacho saneador, se não tiver sido apreciada em momento anterior (artº 200 nº 2 do CPC), ou na sentença final.

Trata-se além disso de uma excepção dilatória nominada (artº 577 al. b) do CPC), que conduz à absolvição do Réu da instância (artº 576 nº 2 do CPC).
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Claro que todos os preceitos legais citados se reportam à petição inicial, como o articulado principal do processo de declaração, e o que temos em apreciação é um requerimento de injunção, relativamente ao qual rege o artº 10º do DL. 269/98 de 1 de Setembro (com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DL 32/03 de 17/02, pela Lei 14/06 de 26/04 e pelo Dec. Lei 107/2005 de 1/07) no qual se prevê, no seu nº1, que o requerimento de injunção deve constar de impresso aprovado por portaria do Ministro da Justiça, estabelecendo o seu nº 2 que o requerente deve nele expor sucintamente os factos que fundamentam a sua pretensão (alínea d)), devendo formular o pedido, com discriminação do capital, juros vencidos e outras quantias devidas (alínea e)), divergindo ele, de certa forma, da petição inicial do processo declarativo.

O processo de injunção, instituído pelo citado DL nº 269/98, de 1 de Setembro, tem por fim conferir força executiva a requerimento formulado pela parte, que se pode no entanto transmutar em processo comum, em face da dedução de oposição por parte do requerido.

O mencionado diploma legal, como do seu art. 1º resulta, transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, e insere-se na luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais, aplicando-se, nos termos do seu art. 2º, a todos os pagamentos efectuados como remunerações de transacções comerciais, nas quais se inclui a prestação de serviços contra remunerações – cfr. art. 3º al. a).

Ora, este diploma legal, não estabelecendo um regime processual próprio, determina todavia o recurso a um regime processual específico, como seja o da injunção (art. 7º nº 1), em manifesta consonância com os objectivos de simplificação e eficácia pretendidos com a introdução do processo injuntivo.

Como consta do Preâmbulo do citado DL 269/98, avança-se “…no domínio do cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que não excedam o valor da alçada dos tribunais de 1ª instância, com medida legislativa que, baseada no modelo da acção sumaríssima, o simplifica, aliás em consonância com a normal simplicidade desse tipo de acções, em que é frequente a não oposição do demandado. Paralelamente (…) no intuito de permitir ao credor de obrigação pecuniária a obtenção, «de forma célere e simplificada», de um título executivo (…), o legislador consagrou um menor grau de exigibilidade na indicação da causa de pedir neste tipo de processo, bastando-se com uma exposição sucinta dos fundamentos…”

E de facto no artº 10º nº2 do diploma legal em análise dispõe-se que no requerimento o requerente deve “expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão”.

Cumprirá então averiguar o que se deve entender por “expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão” e a relevância desta norma na exposição dos fundamentos do requerimento de injunção.

Podemos avançar desde já que em nosso entendimento tal significa que, embora de forma sucinta, também neste tipo de processos, tal como se prevê para o processo comum (artº 552º nº1 alínea d) do CPC), o requerente não está dispensado de indicar a causa de pedir em que fundamenta o pedido formulado.

Aliás, em situações como a presente, em que houve oposição da requerida (como poderá sempre ocorrer perante um requerimento injuntivo), a exposição suscinta dos factos que à pretensão processual do requerente servem de fundamento, assume particular relevância, porque se trata de causa de pedir susceptível de apreciação jurisdicional, dado que o procedimento de injunção se transmutou em acção declarativa pela dedução da oposição por parte da requerida.

Por isso consideramos que o requerente da injunção não está dispensado (nunca) de invocar no seu requerimento os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, embora a lei flexibilize a sua narração em termos sucintos, sintéticos e breves (conforme artº 10º nº2 do DL 269/98).

Assim, como a pretensão do requerente (neste tipo de procedimento) só é susceptível de derivar de um contrato, a causa de pedir, embora sintética, não pode deixar de envolver o conteúdo das respectivas declarações negociais, assim como os factos positivos e negativos consubstanciadores do seu incumprimento por parte da requerida.

Como refere Salvador da Costa (A Injunção e as Conexas Acção e Execução, pág. 163), a possibilidade de procedimento de injunção que abstraísse de qualquer menção fáctica à causa de pedir só seria compreensível e viável se não se transmutasse na acção declarativa de condenação no seguimento de oposição. Desde que haja oposição, para que o tribunal não se veja na contingência de não poder decidir de mérito, por verificar a existência da excepção dilatória de ineptidão do requerimento de injunção por falta de causa de pedir, tem o requerente de assegurar que nesse requerimento se encontram os elementos factuais necessários a preencher a mesma, isto é, que o mesmo individualiza o contrato invocado.
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Transpondo agora os ensinamentos mencionados para o caso dos autos, haverá então que averiguar se o requerimento de injunção em causa, no que se refere aos fundamentos da providência, nos termos em que foi preenchido pela requerente, integra suficiente explanação da causa de pedir, sendo certo que esta, como se disse, quando venha a existir oposição, se torna mais exigente, visto que a providência passa a acção declarativa, vindo a ser sindicada pelo juiz, e sendo sujeita à produção de prova em julgamento (art. 17.º/1 do DL 269/98).

E como já fomos adiantando, analisado o requerimento inicial apresentado pela Autora, verificamos que do mesmo não consta a causa de pedir, ou seja, dele não consta a alegação dos factos necessários à sustentação do pedido por ela deduzido.

Efetivamente, do requerimento inicial apresentado pela A consta apenas – no que à causa de pedir respeita –, que a requerida encomendou à requerente vários fornecimentos de bens, sem especificar quais e em que circunstâncias. Mais acrescenta a requerente que emitiu três faturas em nome da requerida, que juntou mais tarde aos autos, delas constando apenas o seu valor (não coincidente, aliás, com o inicialmente alegado), a data da sua emissão e a data do seu vencimento.

Ora, a simples alusão à encomenda de vários fornecimento de bens pela requerida à requerente, sem os concretizar, ou a simples alusão ao contrato de fornecimento, não se revela suficiente em termos de causa de pedir, por se tratar de mera qualificação jurídica do contrato, sem individualização do negócio concreto entre as partes celebrado (como se decidiu no Ac RP de 30.3.2006, disponível em www.dgsi.pt).

Acresce que mesmo as faturas aludidas no requerimento de injunção - juntas mais tarde aos autos pela requerente -, não contêm a discriminação dos alegados bens fornecidos, pelo que, ainda aí há uma manifesta falta de concretização do negócio celebrado e dos seus termos (a causa de pedir da acção).

Pertinente é nesta matéria o que refere José Alberto dos Reis (ob citada, III, 3.ª ed., 121) - dissertando sobre a identidade da causa de pedir no âmbito mais lacto das excepções de litispendência e de caso julgado, e referindo-se a Baudry e Barde (Traité de droit civil, 15.º, 359) -, que não se deve confundir a causa de pedir com os meios (de prova) de que a parte se serve para a sustentar ou demonstrar, constituindo estes as provas e os argumentos por via dos quais se procura estabelecer a existência do facto jurídico que serve de fundamento à acção, o que leva a que se se apresentaram testemunhas para provar a existência dum empréstimo e se decair, não se pode propor nova acção com base no mesmo empréstimo, embora se pretenda, agora, fazer a prova dele mediante documento, porque a segunda acção teria a mesma causa de pedir que a primeira: o contrato de empréstimo, apenas mudando o meio de prova do contrato.

É certo porém - como se decidiu no Ac RP de 30 de Maio de 2006 (disponível em www.dgsi.pt), aderindo a uma corrente mais tolerante -, que se poderá admitir a simples remissão do requerimento injuntivo para os factos que constem de documentos que o autor junte, considerando-se os mesmos como ali reproduzidos (no mesmo sentido já havia decidido a Relação de Lisboa, por Ac de 21/4/81, C.J., 1981, 2.º, 194).

Os defensores dessa corrente entendem que a causa de pedir da acção é (apenas) o contrato específico de que emerge a obrigação a pagar. E que “há petições em que se alega o tipo de actividade exercido pelo autor e o fornecimento de determinadas mercadorias ou serviços no exercício dessa actividade, durante certo tempo ou na execução de certa encomendas, que se demonstram devidamente com facturas ou guias de remessa, ou numa conta-corrente, que assim completam a petição, em consequência das quais se invoca a existência de um crédito de certo montante, correspondente ao preço ou saldo existente, cujo pagamento se pede. Nesses casos não pode haver dúvidas quanto à relação concreta de que se trata, ou seja, quanto ao facto jurídico concreto invocado para obter o efeito pretendido”.

Daí que exista ineptidão apenas quando o autor se limita a indicar vagamente uma transacção comercial ou serviço, como fonte do seu direito. Já não existirá ineptidão, por desconhecimento da causa de pedir, quando na petição inicial se pede o pagamento de determinada quantia proveniente de vendas contabilizadas em forma de conta-corrente de mercadorias e outros artigos, entendendo-se que em tal caso é nítida a causa de pedir, pois consiste nas referidas vendas (Ac. do S.T.J. de 12/3/63, B.M.J. n.º 125.º, 405).

Segundo esta corrente, o documento junto com a petição deve considerar-se parte integrante dela, suprindo as lacunas de que possa enfermar; a mesma virtualidade deve ser atribuída ao que for junto ulteriormente, mas a tempo de surtir o efeito que a concomitante junção produz (Ac. da R. de Évora de 25/6/86, B.M.J. n.º 368.º, 632), sendo legal a remissão, feita na petição inicial, para documentos a ela juntos, desde que a causa de pedir fique bem concretizada (Acs. da R. de Lisboa de 15712/87, B.M.J. n.º 372.º, 464; R. de Évora de 9/3/89, B.M.J. n.º 385.º, 627; e R. de Coimbra de 27/6/89, B.M.J. n.º 388.º, 612).

Cremos que foi esta a corrente - mais tolerante -, seguida pelo tribunal recorrido, ao dar relevância às faturas aludidas pela requerente no seu requerimento de injunção e que veio juntar mais tarde aos autos.

A questão é que dessas faturas não consta também a que tipo de bens ou serviços se refere a requerente no alegado contrato de fornecimento celebrado com a ré, ficando o requerimento apresentado sem qualquer substrato factual, mesmo que se considere que os documentos dele fazem parte integrante.

Temos assim de concluir - com a recorrente -, que no caso em análise o contrato invocado pela requerente não está minimamente individualizado, pelo que é manifesta a falta de causa de pedir da petição inicial (no que foi transmutado o requerimento injuntivo), o que acarreta a sua ineptidão e a nulidade de todo o processado, com a absolvição da ré da instância.

Tal ineptidão só não existiria, como se referiu, se não tivesse havido oposição, uma vez que o requerimento de injunção só pode ser recusado nas hipóteses previstas no art. 11.º/1 do DL 269/98, de 1.9, sendo certo que nenhuma delas se prende com os factos que fundamentam a pretensão, passando-se de imediato à aposição da fórmula executória (art. 14.º).

Como os autos foram apresentados à distribuição por causa da oposição, não se nos afigura viável outra atitude que não a de declarar inepta a petição inicial, com a absolvição da requerida da instância e com a revogação da decisão proferida no despacho saneador.

Com a revogação daquela decisão fica prejudicada a apreciação da outra questão colocada: da invocada nulidade da decisão final.
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DECISÃO:

Pelo exposto, Julga-se procedente a Apelação e em consequência, revogando-se a decisão proferida no despacho saneador:

- Julga-se procedente a exceção dilatória invocada pela requerida (da nulidade de todo o processo) e absolve-se a mesma da instância.
Custas (da Apelação) a cargo da recorrida (artº 527º do CPC).
Notifique.
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Sumário do acórdão:

1. A petição inicial é inepta quando falte a indicação da causa de pedir, consubstanciada nos factos concretos que preenchem a previsão da norma jurídica na qual a parte funda o seu direito.
2. Embora num requerimento de injunção se tenha de formular a causa de pedir e o pedido num modelo aprovado pelo Ministério da Justiça (nos termos do art. 10º do DL n.º 209/98, de 01.09), o que implica uma necessária concisão, a lei não dispensa que se invoquem os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, para que se compreenda, incluindo o requerido, o negócio que está na origem do litígio.
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Guimarães, 27.6.2019

Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Ana Cristina Duarte
2º Adjunto: Fernando Fernandes Freitas