Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3270/2.8TJVNF-A.G1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1.- Tendo um contrato de Locação Financeira Imobiliária sido assinado pelos executados em momento posterior ao próprio acto de reconhecimento notarial , a invocação da irregularidade/nulidade referida e em sede de oposição a execução pode revelar-se inoperante quando a argução do referido vício colide intoleravelmente com a boa fé e os bons costumes, defraudando as legítimas expectativas e a confiança da exequente.
2. – Tal sucederá v.g. quando , tendo os outorgantes de obrigação principal e da garantia à mesma respeitante estado todos presentes em instalações da exequente, momento em que assinaram o termo de fiança , mas , por mero lapso, não assinaram já a obrigação principal – tendo-lhes todavia no momento sido explicado, quer os termos e condições do contrato quer os termos e condições da fiança - , e , mais tarde, quando confrontados com o referido lapso, logo se aprestaram a supri-lo, assinando o contrato de Locação Financeira Imobiliária e devolvendo-o à exequente.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 2ª Secção CÍVEL Do Tribunal da Relação de GUIMARÃES
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1.Relatório.
No seguimento acção executiva movida por BANCO..,SA, contra P.., E.., e outros - com vista à cobrança coerciva da quantia de 52.974,99 € (sendo a dívida de €46.360,10, e, o remanescente, de juros vencidos) - , vieram ambos os identificados executados deduzir oposição à execução, pugnando pela extinção da respectiva instância e a absolvição do pedido.
Para tanto, aduziram os oponentes, em síntese, as seguintes considerações:
- O contrato de locação financeira junto aos autos não foi assinado pelos oponentes, sendo um documento falso, razão porque irão os executados deduzir queixa crime ao MP e, consequentemente, verifica-se a excepção dilatória da sua ilegitimidade;
- Ademais, para além de a exequente não ter resolvido o contrato de locação financeira imobiliária, não lhes deu também conhecimento do putativo incumprimento do mesmo, além de que não explica a exequente como alcançou o montante por que liquidou a quantia exequenda;
- Acresce que, em momento algum a exequente ou quem quer que seja explicou aos executados o conteúdo e alcance do contrato referido, o que sucedeu, de igual forma, com o termo de livrança que assinaram, não tendo os oponentes sido sequer interpelados pela exequente.
1.1.- Notificada a exequente da oposição, apresentou a mesma contestação, no essencial por impugnação motivada, pugnando quer pela improcedência da alegada excepção dilatória da ilegitimidade dos oponentes, quer da própria oposição.
Para tanto, diz a exequente que os oponentes sabem bem que assinaram o contrato de contrato de locação financeira, do mesmo tiveram conhecimento e, de resto, o respectivo conteúdo foi-lhes devidamente lido e explicado, o que sucedeu, de igual forma, com o termo de fiança que assinaram.
Acresce que, diz a exequente , não apenas procedeu a exequente à resolução do contrato de locação, por força da declaração de insolvência da empresa locatária , como inclusive interpelou os oponentes para assumirem as responsabilidades emergentes do termo de fiança que assinaram, o que estes não fizeram.
1.2.- Designado dia para uma audiência preliminar, realizou-se a mesma sem que tenha sido possível lograr-se a sua conciliação , e , elaborado o despacho saneador, nele foi a excepção dilatória da ilegitimidade julgada desde logo como improcedente, fixando-se então a factualidade assente e a base instrutória da causa.
1.3.- Por fim, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, a qual decorreu com observância do legal formalismo, tendo-se no seu final respondido à matéria de facto controvertida e, conclusos os autos para o efeito, foi de imediato proferida a competente sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor :
“ (…)
5. DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar a presente oposição à execução totalmente improcedente e, em consequência, absolver-se a exequente/oposta dos pedidos formulados pelos oponentes/executados.
Mais se decide absolver exequente e executados/oponentes dos recíprocos pedidos de condenação em multa e indemnização, por, alegadamente, litigaram com má-fé.
Custas pelos executados/oponentes. Registe e notifique.
V.N.F., d.s. “
1.4.- Inconformados com o desfecho da oposição, vieram então os executados P.. e E.. , da sentença referida em 1.3. interpor recurso de apelação, que admitido foi e com efeito devolutivo, formulando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões:
1 - O contrato entregue como título executivo pelo Exequente, aqui Recorrido Banco.., S.A. é falso porque não foi assinado pelos Executados P.. e E.., aqui Recorrentes.
2 - Deverão ser tiradas as consequências por a diligência designada para o dia 1 de Outubro de 2014 não se ter realizado , e , não existir nenhuma acta do Tribunal a quo ;
3 - As rubricas como é habitual em todas as celebrações e outorgas de contratos que são efectivamente outorgados, não constam do documento junto aos autos como título executivo.
4 - Na décima página do documento junto como título executivo, está um documento exarado por um notário, Dr. João Ricardo Menezes o qual reconhece a assinatura das pessoas que supostamente outorgaram o contrato em nome do Exequente Banco.., S.A.
5 - Nesse documento são reconhecidas igualmente as assinaturas dos Recorrentes, apesar de estes não terem assinado o contrato, o que torna o reconhecimento nulo.
6 - Verifica-se que as assinaturas do contrato de locação financeira aqui junto como título executivo e o entregue na conservatória para proceder ao registo não são as mesmas, são outras, cfr. docs. Juntos aos autos a fls ….. com o requerimento de …….
7 - Trata-se de um outro documento que o Banco Exequente pretende fazer crer que é um mesmo documento mas que as assinaturas dos outros intervenientes manifestamente não são as mesmas como se verifica por simples observação.
8 - No documento do “Termo de Fiança” junto aos autos fls… constam as assinaturas dos Executados P.. e E.., aqui Recorrentes, mas mesmo assim não poder-se-á afirmar que sobre os Recorrentes impende pessoalmente o dever de satisfazerem o direito de crédito da Exequente, aqui Recorrida, já que devido ao carácter acessório da fiança, esta ficará subordinada a acompanhar a obrigação afiançada, ou seja, o “Contrato de Locação Financeira Imobiliária”.
9 - Que deveriam ter assinado em momento prévio que, não o fizeram.
10 - O mencionado contrato para produzir efeitos pretendidos e a que os Recorrentes foram condenados, obrigava com a assinatura dos quatro sócios da sociedade T.., Lda. no dia da suposta celebração do mesmo, ou seja, o dia 5 de Dezembro de 2005;
11 - O contrato não foi assinado pelos quatro sócios, nomeadamente pelos Recorrentes P.. e E...
12 - Assim, percebe-se facilmente que o contrato de locação financeira, a cópia junta como título executivo não poderá proceder por não preencher todos os requisitos legais e consequentemente ser nulo;
13 - Assim o termo de fiança assinado pelos aqui Recorrentes P.. e E.. junto aos autos deverá ser igualmente considerado nulo, e não poderá produzir os efeitos pretendidos e a que foram condenados, devido à característica de acessoriedade da garantia pessoal que não reveste in casu;
14 - Como tal, sobre os Recorrentes não impende pessoalmente o dever de satisfazerem o direito de crédito da Exequente, aqui Recorrida.
15 - A sentença recorrida deverá ser revogada por outra em considere procedente a oposição dos aqui Recorrentes, incluindo a litigância de má-fé por parte do Banco Exequente, com as demais consequências legais.
16 - Caso assim não se entenda o que se admite por dever de patrocínio, deverá ser ordenada a junção aos autos por parte do Banco Exequente dos documentos originais e,
17 - Consequentemente ser repetida a audiência de julgamento para, que o Tribunal possa decidir com base em documentos originais.
Como é de Justiça
1.5.- Contra-alegando, entende a recorrida BANCO..,SA que deve a douta sentença objecto de recurso ser mantida.
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Thema decidendum
1.6. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem - cfr. artºs. 684º nºs 2 e 3, e 685º-A, nº 1, ambos do Cód. de Proc. Civil anterior ao aprovado pela Lei nº 41/2013,de 26/6 e tendo presente o disposto no artº 5º, nº1 e 6º,nº3, ambos deste último diploma legal ] , e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir resumem-se a saber :
I) Se deve este Tribunal retirar quaisquer consequências em razão de alegadamente concreta diligência designada para o dia 1 de Outubro de 2014 não se ter realizado , e , não existir nenhuma acta do Tribunal a quo ;
II) Se in casu importa introduzir alterações na decisão de facto proferida pelo tribunal a quo ;
III) Se deve ser revogada a decisão/sentença proferida pelo tribunal a quo , impondo-se determinar a extinção da execução relativamente aos oponentes;
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2. - Motivação de Facto.
Mostra-se fixada pelo tribunal a quo a seguinte factualidade :
2.1.- Entre a exequente e a empresa "T.., Lda" , representada pelos seus legais representantes, os executados J.. e R.., foi assinado o escrito que constitui o documento nº1, junto ao processo principal com o requerimento executivo, denominado "Contrato de Locação Financeira Imobiliária" ,cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, através do qual a exequente (locadora) deu em locação financeira à referida empresa (locatária), uma fracção autónoma, designada pela letra "F", correspondente ao rés-do-chão, lado esquerdo do arruamento central, destinado a indústria, armazenamento e comércio, como n °6, do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito no .., Vermoim ( Al. A dos factos assentes ) .
2.2. - Esse contrato foi celebrado pelo prazo de 180 meses, tendo a empresa locatária assumido a obrigação de pagar à exequente 180 prestações mensais e sucessivas, sendo cada uma, à data da celebração do contrato, do montante de 1.561,53 euros. ( Al. B dos factos assentes );
2.3. - Desse contrato, não consta a data em que o mesmo foi celebrado ( Al. C dos factos assentes ).
2.4. - Esse contrato, não obstante do mesmo constar que a empresa locatária era representada pelos sócios J.., R.., P.. e E.., não foi assinado por estes dois últimos, ora executados/opoentes ( Al. D dos factos assentes ).
2.5. - Acresce que, embora essas assinaturas nem sequer constem do contrato, o Sr. Notário João Ricardo Menezes certificou, com data de 13 de Dezembro de 2005, que as mesmas foram feitas na sua presença, corno, de resto, se evidencia pelo teor de fls.7 do processo principal ( Al. E dos factos assentes ).
2.6. - Mediante sentença, transitada em julgado, datada de 27/12/2010, a empresa locatária foi declarada insolvente, no âmbito do processo especial de insolvência que, autuado sob o n °3952/10.9TJVNF, corre os seus termos pelo 5 Juízo Cível deste mesmo Tribunal ( Al. F dos factos assentes ).
2.7. - Com data de 13 de Dezembro de 2005, todos os executados, incluindo, portanto, os aqui opoentes, assinaram o escrito que constitui o documento junto ao processo principal a fls.9, denominado "Termo de Fiança" , cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, no qual, declaram, além do mais, que prestam fiança irrevogável, a favor da exequente, em garantia de todas as obrigações assumidas pela empresa "T.., Lda." ,em consequência de um contrato de locação financeira imobiliária, do montante de 187.500,00 euros, nessa data celebrado, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia ( Al. G dos factos assentes )
2.8.- Os executados/opoentes, embora tenham sido sócios da sociedade locatária, sendo-o em 13 de Dezembro de 2005, jamais foram seus gerentes. ( Al. H dos factos assentes )
2.9.- Os executados/opoentes jamais se deslocaram ao Cartório de João Ricardo Menezes, sito na rua Gonçalo Cristovão, 347, sala 215, Porto. ( Al. I dos factos assentes )
2.10 - Após a declaração de insolvência da empresa locatária, a exequente declarou à respectiva AI que considerava resolvido o contrato referido em 2.1. ( Res. ao quesito 1º).
2.11 - E, dessa resolução, resultou um crédito, a favor da ora exequente (locadora), do montante de 46.360,10 euros, conforme escrito que constitui o documento junto a fls.8 do processo principal ( Res. ao quesito 2º).
2.12 - O contrato referido em 2.1. foi celebrado em 13 de Dezembro de 2005 ( Res. ao quesito 3º)
2.13 - Na verdade nesse dia 13 de Dezembro de 2005, durante a manhã, pelas 11 horas, para a celebração do contrato de locação financeira apresentaram-se nas instalações do banco.., S.A., no Porto, os quatro sócios da sociedade locatária T.., Lda. ( Res. ao quesito 9º)
2.14.- Os sócios gerentes, J.. e R.. e os sócios, seus filhos, P.. e E.. ( Res. ao quesito 10º).
2.15. - A presença dos sócios ora opoentes ficou a dever-se ao facto dos sócios gerentes não poderem, apenas eles, celebrar o negócio, sob pena, como aliás viria a acontecer, da conservatória não proceder ao registo definitivo do contrato. ( Res. ao quesito 11º)
2.16 - Como é habitual nestes casos o notário, Dr. João Menezes, deslocou-se às instalações do banco a fim de formalizar o contrato ( Res. ao quesito 12º).
2.17 - Por uma questão de tempo trazia já consigo as minutas dos termos de autenticação a levar efeito ( Res. ao quesito 13º).
2.18 - Nesse dia de hora estavam presentes nas instalações do banco todos os interessados designadamente os ora opoentes ( Res. ao quesito 14º).
2.19 - Estes assinaram o termo de fiança e foi-lhes explicado, quer os termos e condições do contrato quer os termos e condições da fiança. ( Res. ao quesito 15º)
2.20 - Aconteceu que nenhum dos intervenientes presentes se deu conta que o contrato de locação financeira não tinha sido assinado pelos ora opoentes. ( Res. ao quesito 16º)
2.21 - "Tal lapso" ficou a dever-se aos vários contratos previstos para esse dia e também ao facto de habitualmente as sociedades serem representadas apenas por um ou dois gerentes ( Res. ao quesito 17º).
2.22 - Os serviços do banco só deram conta da situação quando viram recusado o registo definitivo do contrato pela conservatória do registo predial ( Res. ao quesito 18º).
2.23 - De imediato e desde logo para prover ao registo definitivo do contrato, o banco solicitou à empresa locatária, por carta datada de 2 de Maio de 2006, as assinaturas em falta, anexando para o efeito o respectivo contrato que veio devolvido, assinado, pelos dois sócios, os ora opoentes. ( Res. ao quesito 19º)
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3.- Motivação de Direito.
3.1.- Se ao ad quem se impõe retirar as devidas consequências em razão de alegadamente concreta diligência designada para o dia 1 de Outubro de 2014 não se ter realizado , e , não existir nenhuma acta do Tribunal a quo.
Qual questão prévia suscitada pelos apelantes em sede de instância recursória, dizem os recorrentes que, não obstante haver sido designado o dia 1 de Outubro de 2014, pelas 10,00 horas para se proceder à resposta à matéria de facto , esta última diligência , no dia, local e hora designados , nunca foi realizada ,uma vez que o Tribunal a quo não tinha a resposta pronta e, apesar de ter ficado prometido que , mais tarde, via Citius, seriam as partes notificadas da referida resposta, tal nunca veio a acontecer, não havendo qualquer acta desta mesma audiência junta aos autos.
Concluem a final os recorrentes, que , perante o ocorrido, deverão ser retiradas as necessárias consequências por a diligência designada para o dia 1 de Outubro de 2014 não se ter realizado , e , não existir nenhuma acta do Tribunal a quo .
Ora, para além de os apelantes não terem sequer e em rigor suscitado/arguido junto deste tribunal um qualquer vicio adjectivo que importasse reparar/decidir ( nos termos do artº 3º,nº1 e 199º,nº3, ambos do actual CPC , e a admitir que o pudessem fazer ), acresce ainda que, como é entendimento pacífico, quer na doutrina (1), quer na jurisprudência dos tribunais superiores (2), e sem prejuízo do conhecimento oficioso que alguma questão reclame, os recursos visam possibilitar que o tribunal superior reaprecie questões de facto e/ou de direito que no entender do recorrente foram mal decididas/julgadas no tribunal a quo, não se destinando eles, portanto, a conhecer de questões novas, ou seja, de questões que não foram , nem tinham que o ser ( porque não suscitadas pelas partes ), objecto da decisão recorrida .
É que, como bem refere o STJ (3) “ (…) sendo os recursos meios de impugnação das decisões judiciais, destinados à reapreciação ou reponderação das matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal a quo e não meios de renovação da causa através da apresentação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada) ou formulação de pedidos diferentes (não antes formulados), ou seja, visando os recursos apenas a modificação das decisões relativas a questões apreciadas pelo tribunal recorrido ( confirmando-as, revogando-as ou anulando-as ) e não criar decisões sobre matéria nova, salvo em sede de matéria indisponível, a novidade de uma questão, relativamente à anteriormente proposta e apreciada pelo tribunal recorrido, tem inerente a consequência de encontrar vedada a respectiva apreciação pelo Tribunal ad quem (art. 676º CPC).”
Dito de uma outra forma, e como efectivo meio impugnatório de decisões judiciais, a interposição do recurso apenas vai desencadear a reapreciação do decidido [ o tribunal de recurso vai reponderar a decisão tal como foi proferida ], não comportando ele o ius novarum, ou seja, a criação de decisão sobre matéria que não tenha sido submetida (no momento e lugar adequado ) à apreciação do tribunal a quo ( nova, portanto ).
Concluindo, no nosso direito adjectivo a função do recurso ordinário tem pois como desiderato a reapreciação de uma decisão recorrida , sendo o respectivo modelo adoptado o da reponderação, que não o de reexame (4).
Postas estas breves considerações, porque os apelantes, apesar de entenderem que a montante da decisão apelada incorreu o tribunal a quo na prática de irregularidade processual [ que o processo físico não reflecte, pois que do mesmo consta uma acta que contraria o alegado ], não as suscitaram/reclamaram porém junto da primeira instância, antes só agora as vêm suscitar ( qual arguição/reclamação per saltum ) junto do tribunal ad quem e já em sede de instância recursória de apelação, inevitável é que de questão nova se trata, e , consequentemente, do respectivo conhecimento está o ad quem liberto.
A 2 dª conclusão recursória é, assim, em absoluto inoperante.
3.2. - Se in casu importa aferir e conhecer da pertinência de se introduzirem alterações na decisão do a quo proferida sobre a matéria de facto, em razão de pretenda impugnação deduzida pelos recorrentes .
No âmbito das alegações ( stricto sensu ) dos recorrentes, aludem e transcrevem os apelantes alguns excertos de pretensos depoimentos prestados por testemunhas em sede de audiência de julgamento , o que prima facie obriga [ de outra forma não se entende qual a respectiva utilidade para o objecto da apelação ] a conjecturar pretenderem os recorrentes censurar a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo.
Porém, ainda em sede de alegações, e outrossim nas conclusões recursórias, não são os apelantes peremptórios em indicar/mencionar quais os concretos pontos de facto de cujo julgamento discordam e que consequentemente impugnam , e , bem assim, não indicam outrossim quais as decisões que, no seu entender, devem pelo ad quem ser proferidas no tocante aos pontos de facto impugnados.
Feita esta breve resenha direccionada para a forma como os apelantes prima facie e aparentemente manifestam a discordância do julgamento da matéria de facto da primeira instância, importa de imediato aferir se in casu se impõe ao ad quem conhecer da pertinência/mérito da referida e suposta impugnação [ a não existir a pretensão de impugnar a decisão de facto, e no âmbito da mesma ter o recurso também por objecto a reapreciação da prova, então vedado estava, à partida, puderem os recorrentes beneficiar do prazo recursório alargado de 40 dias ].
Vejamos
Como é consabido, pretendendo o recorrente que a 2 dª instância aprecie da bondade/acerto da decisão da 1ª instância proferida sobre a matéria de facto, carece porém o mesmo de observar/cumprir determinadas regras/ónus processuais, a que acresce (para que a modificação da matéria de facto seja possível) a necessidade de verificação de determinados pressupostos.
Assim [ cfr. artº 640º, nº1, alíneas a) e b), do CPC ] e em primeiro lugar, deve o recorrente, obrigatoriamente, especificar quais :
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas .
Depois, caso os meios probatórios invocados pelo recorrente para sustentar o alegado erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe-lhe ainda, e sob pena de imediata rejeição do recurso na referida parte , indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda ( cfr. nº2, do artº 640º), e sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes .
Por fim, exigível é , outrossim, e agora para que a Relação deva alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, que os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, imponham uma decisão diversa da proferida pelo a quo ( cfr artº 662º, nº1, do CPC).
Tendo presentes tais regras e pressupostos orientadores e exigíveis, para que ao tribunal da Relação seja lícito sindicar da pertinência de a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto ser modificada/alterada, e tal como bem nota Abrantes Geraldes (5), dir-se-á que o legislador ( maxime e desde logo com as alterações introduzidas na lei adjectiva com o DL nº 303/2007, de 24 de Agosto ) veio introduzir mais rigor no modo como deve ser apresentado o recurso de impugnação da matéria de facto, com a indicação exacta dos trechos da gravação, com referência ao que tenha ficado assinalado na acta “.
Ainda em razão das supra indicadas regras, certo é que não é de todo admissível uma impugnação genérica e global da matéria de facto julgada em primeira instância, estando portanto vedado ao apelante impetrar, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida, manifestando uma genérica discordância com a decisão da 1ª instância. (6)
É que, não cabendo ao ad quem - aquando do julgamento da impugnação do recorrente da decisão do a quo relativa à matéria de facto - proceder a um segundo julgamento [ como ninguém questiona, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto não conduz necessariamente à realização de um segundo julgamento pelo ad quem, antes incumbe tão só à segunda instância, e ainda que formando a sua própria convicção, aferir da existência de erros do a quo no âmbito da valoração/apreciação dos meios probatórios colocados à sua disposição ] , importa que o recorrente alegue e especifique o porquê da discordância, isto é, como e porque razão é que determinados meios probatórios indicados e especificados contrariam/infirmam a conclusão factual do Tribunal recorrido, por outras palavras (7), importa apontar a divergência concreta entre o decido e o que consta do depoimento ou parte dele, ou seja, obrigado está o recorrente a concretizar e a apreciar criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa.(8)
Ou seja, como o considera - e bem - o STJ, ao impor-se/exigir-se que o recorrente-impugnante indique (concretamente) quais os depoimentos em que se funda, não basta “indicar um conjunto de testemunhas que depuseram a determinado a facto (mesmo que venham devidamente identificadas pelos nomes e outras referências), para depois se concluir, sem mais, que ouvidos os seus depoimentos se deveria decidir diferentemente. Importa alegar o porquê da discordância, isto é, em que é que tais depoimentos contrariam a conclusão factual do Tribunal recorrido, por outras palavras, importa apontar a divergência concreta entre o decido e o que consta do depoimento ou parte dele.” (9)
A propósito ainda do modo e forma correcta/adequada de se observarem os diversos ónus a que alude o acima indicado artº 640º, nºs 1 e 2, do CPC, importa também recordar que, e por diversas ocasiões de resto, já o mesmo STJ (10) veio decidir que, em sede do respectivo cumprimento, não é porém de exigir que o recorrente, nas conclusões do recurso, deva reproduzir tudo o que alegou anteriormente, sob pena de, ao assim proceder, transformar as conclusões, não numa síntese ( como o refere o nº1, do artº 639º, do CPC), como se exige que o sejam, mas numa complexa e prolixa enunciação repetida do que afirmara no corpo alegatório.
Mas, o mesmo recorrente, o que não está dispensado, e caso pretenda efectivamente impugnar a decisão do a quo relativa à matéria de facto, é , nas conclusões recursórias, de deixar bem claro que visa a apelação interposta a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, nelas - nas conclusões - indicando assim e sobretudo, quais os pontos concretos que pretende ver reapreciados (11) , e , outrossim , quais as respectivas e diferentes respostas que o recorrente pretende que sejam pelo ad quem proferidas no tocante às questões de facto impugnadas ou concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados ( cfr. alínea c), do nº1, do artº 640º, do CPC ) .
É que, neste conspecto, recorda-se , são precisamente as conclusões [ porque é nelas que o recorrente delimita objectivamente o recurso, precisando quais as exactas questões a decidir e indicando, de forma clara e concludente, quais as questões de facto e/ou de direito que pretende suscitar na impugnação que deduz e as quais o tribunal superior obrigado está a solucionar (12) ], o local adequado para os recorrentes procederam às indicações apontadas. (13)
Não o fazendo, ou seja, não observando o recorrente as supra apontadas regras/ónus a seu cargo, aquando da impugnação da decisão do a quo relativa à matéria de facto, outra alternativa não restará ao ad quem que não seja a da sua rejeição, e isto porque, como bem avisa Abrantes Geraldes (14), “a observação dos antecedentes legislativos leva a concluir que não existe, relativamente ao recurso da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento. (15)
De resto, acrescenta ainda Abrantes Geraldes (16), todas as apontadas exigências “ devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor (…). Trata-se, afinal de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Em suma, e a despeito de prima facie não deixar de repugnar [ tal como se refere em Ac. do STJ (17) importa “interpretar o preceito com grande cuidado, mas também com suficiente abertura, em ordem a não se frustrar, na prática, em muitos casos, o recurso sob a matéria de facto que a lei quis proporcionar aos recorrentes“ ] não poder conhecer-se de parte ( em sede de impugnação da matéria de facto ) de um recurso por o recorrente não ter cumprido os subjacentes ónus processuais, não há forma de o evitar, para tanto não se justificando enveredar por interpretações mais amplas e salvíficas, desvalorizando-se deste modo a função pedagógica da jurisprudência para quem deve alegar e concluir de harmonia com as prescrições legais impositivas da cooperação, da lealdade e da boa fé processuais. (18)
Isto dito e recapitulando, em razão de tudo o supra exposto, porque in casu e maxime em sede de conclusões , não se mostra observado pelos recorrentes todos os ónus que estavam obrigados a observar em sede de almejada e aparente impugnação da decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, designadamente os indicados no nº 1, alíneas a) e c), do artº 640º, do CPC, inevitável e inultrapassável é a aplicação da sanção a que alude o nº 1 do mesmo preceito legal, a saber, a rejeição [ o que se decreta ] do recurso dos apelantes no tocante à almejada impugnação da decisão proferida pelo a quo e relativa à matéria de facto, razão porque, forçosamente, impedido está este tribunal de alterar/ modificar tal decisão.
3.3. - Se deve ser revogada a decisão/sentença proferida pelo tribunal a quo , impondo-se determinar a extinção da execução relativamente aos oponentes.
Não questionando os recorrentes que , a ratio de a execução lhes ter sido foi movida pela exequente BANCO..,SA , entronca no facto de ambos terem subscrito/assinado, com data de 13 de Dezembro de 2005, um escrito [ junto ao processo principal a fls. 9 ] intitulado de "Termo de Fiança", e no qual declararam, além do mais, que prestavam fiança irrevogável, a favor da exequente, como e em garantia de todas as obrigações assumidas pela empresa "T.., Lda.", em consequência de um contrato de locação financeira imobiliária, do montante de 187.500,00 euros, nessa data celebrado, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia, é todavia entendimento dos recorrentes que, precisamente em razão da acessoriedade que caracteriza a fiança, deve tal garantia ter-se como inválida em razão da invalidade/nulidade da obrigação principal, porque não assinada pelos ora executado/recorrentes.
Destarte, concluem os apelantes, porque o documento principal ( o contrato de locação financeira imobiliária ) não foi assinado pelos apelantes, então também o documento acessório ( termo de fiança) não pode de todo produzir os seus efeitos tal como o considerado e justificado pelo Tribunal a quo, sendo antes o título executivo nulo por não preencher todos os requisitos legais.
A questão acabada de esmiuçar, porque inalterada a decisão de facto proferida pelo a quo, mormente com referência à factualidade vertida no tem 2.23 do presente Ac. [ De imediato e desde logo para prover ao registo definitivo do contrato, o banco solicitou à empresa locatária, por carta datada de 2 de Maio de 2006, as assinaturas em falta, anexando para o efeito o respectivo contrato que veio devolvido, assinado, pelos dois sócios, os ora opoentes ] , deve ter-se como que prejudicada/arrumada, sendo pois inquestionável que a obrigação principal foi pelos recorrentes querida/assinada.
Em todo o caso, dizem agora os apelantes/executados que, a terem subscrito/assinado a obrigação principal a posteriori , então o reconhecimento das assinaturas que do documento já constava, porque é anterior, deve considerar-se nulo [ porque não é possível o reconhecimento de algo que à data ainda não existia ] e, em ultima análise, a ratificação do contrato é assim inoperante, o que tudo conduz - novamente - necessariamente à invalidade da obrigação principal e, por arrastamento, à invalidade da própria fiança ( cfr. artº 632º, do CC).
Ainda que pertinente, a observação e entendimento dos apelantes não é de seguir, e isto pelas razões que de imediato se avançam.
Vejamos.
É vero que, à data em que terá sido outorgado ( em data anterior ao DL n.º 30/2008, de 25 de Fevereiro ) , obrigava o artº 3º DL n.º 149/95, de 24 de Junho [ REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA ] , no seu nº1, que “ Os contratos de locação financeira podem ser celebrados por documento particular, exigindo-se, no caso de bens imóveis, o reconhecimento presencial das assinaturas das partes e a certificação, pelo notário, da existência da licença de utilização ou de construção”.
Não se olvida, outrossim, que nos termos do disposto no artº 70º do DL n.º 207/95, de 14 de Agosto [ CÓDIGO DO NOTARIADO ] , o acto notarial é nulo, por vício de forma, quando falte a assinatura de qualquer dos outorgantes que saiba e possa assinar, sendo que, em todo o caso, a nulidade referida considera-se sanada ”Se os outorgantes, cujas assinaturas faltam, declararem, por forma autêntica, que estiveram presentes à leitura e explicação do acto, que este representa a sua vontade e que não se recusaram a assiná-lo”.
Por fim, prima facie tudo aponta para que o vício acima referido não tenha sido sanado nos termos exigidos pelo nº2, alínea d), do artº 70º do Código do Notariado.
Sucede que, analisada a factualidade assente, da mesma resulta que, quer a obrigação principal, quer a garantia pessoal da fiança, foram ambas celebradas em 13 de Dezembro de 2005, data em que todos os executados, incluindo os ora oponentes/apelantes, durante a manhã, se apresentaram nas instalações da exequente banco.., S.A., no Porto, ou seja, os quatro sócios da sociedade locatária T.., Lda [ os sócios gerentes, J.. e R.. e os sócios, seus filhos, P.. e E..].
Mais nos informa a factualidade assente que, estando presentes nas instalações do banco todos os interessados, designadamente os ora opoentes/apelantes, estes últimos assinaram o termo de fiança e foi-lhes explicado, então, quer os termos e condições do contrato quer os termos e condições da fiança.
Por fim, diz-nos também a factualidade provada que, não tendo no referido momento qualquer dos presentes dado conta que o contrato de locação financeira não havia sido assinado pelos ora opoentes, e vindo a ora exequente apenas a aperceber-se da situação atinente à inexistência de assinaturas dos ora apelantes apenas quando da recusa do registo definitivo do contrato pela conservatória do registo predial, a verdade é que , de imediato e desde logo - para prover ao registo definitivo do contrato - o banco/exequente solicitou à empresa locatária, por carta datada de 2 de Maio de 2006, as assinaturas em falta, anexando para o efeito o respectivo contrato que, depois, veio a ser devolvido, assinado, pelos dois sócios, os ora opoentes/apelantes.
Ora, conjugada toda a referida factualidade, à luz de um juízo de censura ético-jurídico e aferido o mesmo segundo um padrão do bonus pater famílias, tudo obriga a concluir que , ao pretenderem os ora apelantes socorrer-se do vício formal que afecta a obrigação principal ( vicio relacionado com concreto acto notarial ) com o único desiderato de se furtarem ao cumprimento da obrigação que principal que pessoalmente garantiram, e , ademais, depois de, com a assinatura e devolução ( possibilitando o registo definitivo do contrato ) do contrato, terem criado necessariamente na outra parte a confiança que em momento algum o vício acima referido seria invocado, temos para nós que , em rigor, agem os executados/oponentes em manifesto abuso do direito.
Neste conspecto, não se olvida que, v.g. os Profs. António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro (19), começando por, em sede de análise/estudo da questão sob o título de “A inalegabilidade de nulidades formais“, aduzir que o recurso ao instituto do abuso do direito para obrigar à manutenção da situação jurídica alicerçada em negócio nulo mostra-se amparado no espaço jurídico alemão, concluem porém que tal possibilidade é de alguma forma já inviável perante o nosso Código Civil.
É que, justificam os citados Profs. António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, o Código Português, quando regula a nulidade, prescreve, claramente, os seus efeitos primordiais e, tendo presente o disposto no artº 289º,nº1, do CC, norma que “não comporta reduções teleológicas ,nem, muito menos, interpretações restritivas “, tudo conduziria a que a “manutenção dos efeitos pretendidos pelo negócio nulo, mercê da intervenção subsequente do exercício do direito pressuposto, por forma que transcenda manifestamente os limites impostos pela boa fé, implica a obtenção, mediante obrigações legais, dos efeitos procurados através do acto nulo”, sendo que “ É precisamente isso que o Direito , recorrendo ao artº 289º/1, sem atender, de propósito , a especificidades concretas, não quer “.
Porém , já não fechando de todo as portas à possibilidade de , por via do abuso do direito, se poderem ultrapassar os efeitos imperativos do artº 289º, do CC - obstando v.g. à procedência da arguição da nulidade por inobservância da forma legal - mas considerando estar-se sempre perante situações excepcionais, admitem já os Profs. Baptista Machado (20) e Vaz Serra (21) que a invocação da nulidade possa ceder perante o instituto do Abuso do Direito.
Já no âmbito da jurisprudência pátria, temos para nós que, paulatinamente, se vem caminhando para o entendimento largamente maioritário, e praticamente unânime nos dias de hoje, no sentido de se admitir a possibilidade de o abuso do direito poder conduzir à validade do negócio não obstante a falta de forma exigida.
É assim que, se em Ac. de 1991 , vem o nosso mais Alto Tribunal a considerar/decidir que a invocação do abuso de direito não pode bloquear o poder de qualquer interessado invocar a nulidade do contrato, não justificando o abuso de direito que se “ considere válido (subsistente e eficaz) um contrato de compra e venda de bem imobiliário não formalizado por escritura pública”, já em 2009, 2010 e em 2011, vem a reconhecer que “ Embora em casos excepcionais, é de admitir a relevância da invocação do abuso de direito em negócios formais”, e , que “ se a invocação do abuso de direito não pode redundar, com subversão do escopo das exigências de forma, em mero instrumento de convalidação de negócios que a lei declara inválidos, os efeitos da invalidade por vício de forma podem, apesar disso, ser excluídos pelo abuso de direito, mas sempre em casos excepcionais ou de limite, a ponderar casuisticamente, em que as circunstâncias apontem para uma clamorosa ofensa do princípio da boa fé e do sentimento geralmente perfilhado pela comunidade, situação em que o abuso de direito servirá de válvula de escape, tornando válido o acto formalmente nulo, como sanção do acto abusivo”. (22)
Em suma, é para nós inquestionável que, actualmente, não afasta o nosso mais Alto Tribunal a possibilidade de se poder lançar mão, em casos pontuais e de alguma forma de excepção [ maxime quando a clamorosa injustiça que derivaria da declaração de nulidade se manifeste por um conjunto de factos que permitam concluir que o interessado nessa declaração gerou uma situação de confiança da qual é responsável, que o afastamento da declaração de nulidade não afecta os interesses de terceiros de boa fé e que o investimento de confiança é sensível, sendo dificilmente assegurado por outra via ], do “instituto” da inalegabilidade de nulidades formais com vista a lograr-se o afastamento das injustiças resultantes, em certos casos, da nulidade formal.
Aqui chegados, ao ponderarmos a factualidade acima enfatizada, maxime a relacionada com o comportamento dos ora apelantes de, a posteriori , assinarem o título da obrigação principal, e o devolverem para efeitos de Registo na Conservatória e, anos volvidos, e já em sede de execução pendente, pretenderem aproveitar-se de irregularidade/vício atinente a acto notarial de mero reconhecimento de assinatura apenas com o intuito propósito de se furtarem ao cumprimento da obrigação principal que efectiva e pessoalmente garantiram, é nossa convicção estar-se na presença de uma conduta dos apelantes que, além de ofender o sentido ético-jurídico do normal cidadão, excede outrossim e manifestamente, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
É que, convenhamos, não pode a conduta [ qual sinal , objectivo, de que era intenção dos ora apelantes de honrarem e cumprirem o contrato que , ainda que a posteriori, apuseram as respectivas assinaturas ] dos apelantes/executados , segundo as máximas da experiência e do senso comum, deixado de ter criado junto da apelada/exequente a confiança, legítima e justificada, de que em momento algum pudessem mais tarde vir a por em causa a sua vinculação na obrigação principal, pretendendo dessa forma tão só "libertarem-se” da garantia ( termo de fiança) que efectiva e confessadamente subscreveram, qual sinal , objectivo, de que era intenção dos ora apelantes de honrarem e cumprirem o contrato que , ainda que a posteriori, apuseram as respectivas assinaturas.
Em razão do acabado de expor, e porque, ainda que ao correr da pena e implicitamente, a questão do comportamento contraditório dos apelados foi abordada em sede de articulados ( o que se chama a atenção para efeitos do disposto no artº 3º, do CPC ) , a apelação improcede in totum.
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4 - Sumariando ( cfr. artº 663º, nº7, do Cód. de Proc. Civil ).
4.1.- Tendo um contrato de Locação Financeira Imobiliária sido assinado pelos executados em momento posterior ao próprio acto de reconhecimento notarial , a invocação da irregularidade/nulidade referida e em sede de oposição a execução pode revelar-se inoperante quando a argução do referido vício colide intoleravelmente com a boa fé e os bons costumes, defraudando as legítimas expectativas e a confiança da exequente.
4.2. – Tal sucederá v.g. quando , tendo os outorgantes de obrigação principal e da garantia à mesma respeitante estado todos presentes em instalações da exequente, momento em que assinaram o termo de fiança , mas , por mero lapso, não assinaram já a obrigação principal – tendo-lhes todavia no momento sido explicado, quer os termos e condições do contrato quer os termos e condições da fiança - , e , mais tarde, quando confrontados com o referido lapso, logo se aprestaram a supri-lo, assinando o contrato de Locação Financeira Imobiliária e devolvendo-o à exequente.
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5.- Decisão.
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 2ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Guimarães, em ,
5.1.- Negando total provimento à apelação, confirmar a decisão/sentença da primeira instância.
Custas pelos apelantes.
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(1) Cfr. designadamente o Prof. João de Castro Mendes, in " Recursos ",edição da AAFDL, 1980, págs. 27 e segs. ; Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I , 2ª Edição, pág. 566 ; Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, pág. 153 a 158 ; Armindo Ribeiro Mendes, in Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, 2009, pág. 81 e António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2010, Almedina, pág. 103 e segs..
(2) Cfr. v.g. e de entre muitos outros: os Acs. do STJ 07.07.2009 e de 28.05.2009 ( proc. nº 160/09.5YFLSB ) , ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
(3) In ac. citado de 28.05.2009 , proc. nº 160/09.5YFLSB .
(4) Cfr. Armindo Ribeiro Mendes, ibidem .
(5) In Recursos em Processo Civil, Almedina, Novo Regime, 2010, Pág. 152.
(6) Cfr. Ac. do STJ de 18/11/2008, proc. nº 08A3406 e disponível in www.dgsi.pt.
(7) Cfr. Ac. do STJ de 15/9/2011, proc. nº 1079/07.0TVPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt.
(8) Cfr. Ana Luísa de Passos Martins da Silva Geraldes, in Trabalho de Agosto de 2012, publicado na Obra realizada em Homenagem ao Professor Lebre de Freitas.
(9) Cfr. Ac. do STJ de 15/09/2011, Proc. nº 1079/07.0TVPRT.P1.S1 , in www.dgsi.pt.
(10) Vide os Acs de 23/2/2010 e de 21/4/2010, ambos disponíveis in www.dgsi.pt .
(11) Conforme v.g. os Acórdãos do STJ de 13/11/2012, Proc. nº 10/08.0TBVVD.G1.S1, de 4/7/2013, proc. nº 1727/07.1TBSTS-L.P1.S1, e de 2/12/2013, Proc. nº 34/11.0TBPNI.L1.S1 , todos eles acessíveis in www.dgsi.pt.
(12) Cfr. Ac. do STJ de 18/6/2013, Proc. nº 483/08.0TBLNH.L1.S1 e in www.dgsi.pt.
(13) Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3/12/2013, Proc. nº 6830/09.0YIPRT.L1-1, e in www.dgsi.pt.
(14) Ibidem, pág.158/159
(15) Neste sentido vide o Ac. do STJ de 9/12/2012, Proc. nº 1858/06.5TBMFR.L1.S1, e in www.dgsi.pt.
(16) Ibidem, pág.159
(17) Cfr. Ac. de 25/6/2014, in Proc. nº 1825/09.7TBSTS.P1.S1, sendo Relator o Exmº Cons. Gabriel Catarino e in www.dgsi.pt.
(18) Cfr. João Aveiro Pereira, in “O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil“,www.trl.mj.pt/PDF/Joao%20Aveiro.pdf‎.
(19) In Da Boa Fé No Direito Civil, Vol. II, Colecção Teses , Almedina, 1984, Vol. II, págs. 794 e segs..
(20) In Revista de Legislação e Jurisprudência , ano 118 , págs. 10/11.
(21) Revista de Legislação e Jurisprudência , ano 103, páginas 451 e segs. , ano 109, págs. 28 e seguintes e ano 115, pág. 187.
(22) Cfr. Ac. de 11/7/1991, Proc. nº 080234 ; de 17/1/2002, Proc. 01B3778, sendo Relator Miranda Gusmão ; de 19/3/2009, Proc. nº 09A0273, e sendo Relator Salazar Casanova, ilustre Conselheiro que, de resto, no decurso ainda do ano de 2009 e outrossim como Relator, “reincide” ( em doutos Ac.s de 26/5/2009 e 29/9/2009, ambos disponíveis in www.dgsi.pt ) no entendimento de que “ O abuso do direito pode ser reconhecido e declarado de modo a paralisar os efeitos da declaração de nulidade de contrato nulo por vício de forma (artigos 220.º e 334.º do Código Civil ) ; de 27/5/2010, Proc. nº 148/06.8TBMCN.P1.S1, acessível in www.dgsi.pt e sendo Relator Custódio Montes e de 28/2/2012, sendo Relator Alves Velho, Proc. nº 349/06.8TBOAZ.P1.S1, e de 9/7/2015 , Proc. nº 796/08.1TVPRT.P1.S1, sendo Relator Pinto de Almeida, e todos eles acessíveis in www.dgsi.pt .
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Guimarães , 15/10/2015
António Santos
Maria Amália Santos
Ana Cristina Duarte