Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
460/19.6T8VNF-A.G1
Relator: ANIZABEL PEREIRA
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS EM PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
INCIDENTE
PATRONO OFICIOSO
HONORÁRIOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
- A “reclamação de créditos” consubstancia um verdadeiro incidente do processo principal de insolvência e, assim deve ser considerada no âmbito da questão do montante de honorários devidos ao patrono oficioso que ali teve intervenção, pelo que os seus honorários também deverão ser calculados com referência ao ponto 5 da tabela anexa à portaria 1386/2004, de 10.11.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
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I- Relatório:

1- A apelante/requerente foi oficiosamente nomeada para representar M. G. por meio de ofício de nomeação de 09 de agosto de 2018, N. P. 136475/2018, sendo que, na sequência de tal nomeação, correu termos o processo de insolvência N.º 460/19.6T8VNF, no juízo de comércio de Vila Nova de Famalicão – Juiz 4 e no qual foi declarada a Insolvência de M. G..
2- Em tal processo de insolvência foi proferido despacho de encerramento nos termos do art. 232º do CIRE, em 02-05-2019.
3- No apenso A- reclamação de créditos– autuado no dia 26-03-2019, a apelante/requerente apresentou requerimento de “Impugnação da Lista de Credores” – com assinatura eletrónica de 04-04-2019, tendo a final, em sede de sentença datada de 02-07-2019, sido julgada procedente.
4- A apelante/requerente, a título pessoal e na qualidade de patrona apresentou, em 11-08-2020, reclamação do ato de secretaria que lhe recusou o pagamento da compensação de honorários em relação ao referido Apenso A, no valor de 204€, nos termos do ponto 5 da tabela anexa à portaria 1386/2004, de 10.11.
5- Foi proferido despacho em 08-09-2020 que indeferiu a reclamação apresentada nos termos do qual, além do mais, se lê: “ Pede o pagamento da compensação de honorários em relação ao Apenso A (o presente apenso de Reclamação de Créditos), no valor de EUR204,64 (duzentos e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos), nos termos do ponto 5 da Tabela.
De referir, antes de mais, que o Ponto 5 da Tabela citada diz respeito a “Incidentes processuais, procedimentos cautelares, meios processuais acessórios e pedidos de suspensão de eficácia de acto”.

Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/6/2017, “Os incidentes da instância traduzem-se em relações processuais secundárias, intercorrentes no processo principal, de caráter episódico ou eventual, que se destinam a prover, em regra, sobre questões acessórias, nomeadamente respeitantes ao preenchimento ou à modificação de alguns dos elementos da instância em que se inserem, como sucede nos casos de substituição de alguma das partes - art.º 262.º, alínea a), do CPC".
Ora, o apenso de Reclamação de Créditos no processo de Insolvência não tem caracter episódico ou eventual, antes ocorrendo em todos os processos de insolvência.
Por outro lado, versa sobre relações processuais principais (e não secundárias), pois é nesse apenso que se define o universo dos credores do insolvente, em beneficio de quem corre o próprio processo de insolvência, com vista à distribuição por eles do produto da liquidação do activo.
Em face do exposto, não podemos senão concluir que a Reclamação de Créditos não constitui um incidente do processo principal de insolvência.
Não constituindo, não pode ser aplicado o ponto 5 da Tabela anexa ao Regulamento das Custas Processuais (não estão em causa procedimentos cautelares, meios processuais acessórios e pedidos de suspensão de eficácia de acto), estando o trabalho efectuado abrangido pelos honorários referentes ao processo principal.”
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Inconformada com este despacho, veio a ilustre patrona dele interpor recurso, e a terminar as respetivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

I. No processo de insolvência N.º 460/19.6T8VNF, no juízo de comércio de Vila Nova de Famalicão – Juiz 4, e no qual foi declarada a Insolvência de M. G.,
II. No âmbito do qual foi proferido despacho de encerramento do processo nos termos do artigo 235.º, do CIRE;
III. Por sua vez, no apenso A – Reclamação de Créditos – autuado no dia 26-03-2019, veio a ora apelante apresentar requerimento de “Impugnação da Lista de Credores” – com assinatura eletrónica de 04-04-2019 (ref.ª32079536 -ou 8486773,do histórico da página CITIUS);
IV. Tendo a final, em sede de sentença datada de 02-07-2019, sido julgada procedente.
V. E ainda que não o tivesse sido, ou nenhuma intervenção tivesse sido efetuada, uma vez que todos os advogados devem atuar com total independência e autonomia técnica e de forma isenta e responsável (nos termos do art.º 12.º, n.º 3, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto).
VI. A título pessoal e na qualidade de patrona, nomeada ao Devedor/Insolvente, apresentou em 21-07-2020 pedido de pagamento da compensação de honorários em relação ao Apenso A, no valor de EUR204,64 (duzentos e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos);
VII. Nos termos do ponto 5 da Tabela Anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10-11;
VIII. Sucede que, tal pedido de pagamento foi rejeitado pela Secretaria e comunicado por meio de notificação elaborada a 04-08-2020,
IX. Informando da rejeição do pedido de honorários, avançando como motivação o facto de «(…) os presentes autos são configurados como um incidente do CIRE e estão incluídos no pagamento relativo à própria insolvência (…) se tratar de um apenso meramente organizativo da insolvência». – Cf. Doc. 4, cuja cópia se anexa e se dá por integralmente reproduzida, para os devidos e legais efeitos;
X. Inconformada com tal entendimento, apresentou a Patrona a 11 de agosto de 2020, Reclamação de Ato de Secretaria;
XI. Onde,
XII. Aludindo à Lei n.º 34/2004, de 29/07, que alterou o regime de acesso ao direito e aos tribunais e a Diretiva n.º 2003/8/CE, do Conselho, de 27/01, estabelece no seu artigo 3.º, n.º 2, que o «O Estado garante uma adequada remuneração bem como o reembolso das despesas realizadas aos profissionais forenses que intervierem no sistema de acesso ao direito e aos tribunais», a regular por portaria conjunta;
XIII. Bem como, à Portaria n.º 1386/2004, de 10/11, veio estabelecer a tabela de honorários dos advogados, advogados estagiários e solicitadores pelos serviços prestados no âmbito da proteção jurídica;
XIV. Á qual se encontra anexa a “Tabela de honorários para a proteção jurídica”, que no seu ponto 4.4 menciona a Insolvência,
XV. E no seu ponto 5 menciona, entre outros “Incidentes processuais”, que deverão ser compensados com valores autónomos;
XVI. Sendo que a remuneração é apenas e só aquela que decorre da Lei, sendo os respetivos valores tabelados – cf. art.º 3.º, n.º 3, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho;
XVII. E sabendo que «O apoio judiciário mantém-se para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão sobre a causa, e é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar, sendo-o também ao processo principal, quando concedido em qualquer apenso» - cf. art.º 18.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho;
XVIII. Daqui resultando a operacionalidade e eficácia da garantia de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrada no art.º 20.º, da Constituição da República Portuguesa;
XIX. Assim, quer exista ou não intervenção do patrono no apenso em questão, sempre lhe seria devida compensação;
XX. Pelo que, o processo de reclamação de créditos, que corre por apenso ao processo de insolvência deve ser considerado um incidente nos termos do 5, da mencionada tabela,
XXI. E, por via disso, sempre será devida a compensação prevista na Lei 34/2004, em relação ao tal Apenso;
XXII. Em resposta a tal reclamação foi proferido despacho a 08-09-2020 (ref.ª 169374339), de que ora se recorre,
XXIII. No âmbito do qual, com fundamento no entendimento de que a «(…) Reclamação de Créditos não constitui um incidente do processo de insolvência»;
XXIV. E de que “os incidentes da instância [se traduzirem] em relações processuais secundárias, intercorrente no processo principal, de carácter episódico ou eventual
XXV. Concluiu, sem mais, que pelo facto de Apenso de Reclamação de Créditos “ocorrendo em todos os processos de insolvência” não é passível de constituir um incidente do processo principal de insolvência;
XXVI. Indeferindo a reclamação/pretensão apresentada.
XXVII. Não se conformando com essa decisão,
XXVIII. Desde logo, conforme refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto «(…) A relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos a que alude o art.º 129.º do CIRE constitui um documento autónomo da lista provisória de credores anexa ao relatório e é ela que vai dar origem à tramitação judicial do incidente de verificação e graduação de créditos, que corre termos por apenso ao processo de insolvência enquanto incidente que se apresenta com uma tramitação própria e diferenciada daquele processo principal, como resulta dos art.º 128.º ss. do CIRE» negrito e sublinhado nosso – Processo n.º 213/19.1T8AMT-B.P1, Relatora Inês Moura, de 13-09-2019, disponível para consulta em:
http://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/998ddd277cde5b6f80258485003760bd?OpenDocument;
XXIX. E no mais, por se considerar que , «(…) que o processo de reclamação de créditos que corre termos por apenso ao processo de insolvência é passível de ser considerado um incidente e, como tal, dar azo ao pagamento de honorários nos termos fixados no Ponto 5 da Tabela Anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro» - como refere DECISÃO SINGULAR do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 1295/13.5TBSCR-B.L1, de 03 de março de 2020, disponível para consulta em: https://portal.oa.pt/media/130618/decisao-singular_tribunal-da-relacao-de-lisboa.pdf;
XXX. Independentemente da existência ou não de qualquer intervenção efetiva do patrono nomeado, sempre terá lugar o direito à compensação prevista na Lei 34/2004;
XXXI. Porquanto, «(…) no valor dos honorários já pagos não se incluem os devidos em relação ao Apenso da Reclamação de Créditos, que devem ser satisfeitos nos termos previstos no ponto 5 da Tabela Anexa à Portaria n.º 1386/2004 de 10/11.» - cf. DECISÃO SINGULAR do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 1295/13.5TBSCR-B.L1, de 03 de março de 2020, supra mencionada.
XXXII. Devendo, por consequência, ser a decisão do Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que, no sentido de ver reconhecido à Apelante o direito à compensação (de honorários), pela sua intervenção nos presentes autos.
XXXIII. Porquanto, ao decidir nos termos em que o fez na douta decisão, o Tribunal a quo violou e fez errada interpretação e aplicação do disposto nas normas e princípios legais supra referidos. ”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão essencial que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber: se o patrono nomeado no processo ( principal) de insolvência tem direito à compensação de honorários prevista no ponto 5 da tabela anexa à portaria 1386/2004, de 10.11- em relação ao Apenso A -o apenso de Reclamação de Créditos, onde teve intervenção efetiva na impugnação da lista de credores.
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III. Fundamentação de facto.

Os factos a atender com relevo jurídico-processual constam do relatório elaborado.
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IV. Fundamentação de direito.

A questão essencial do presente recurso reconduz-se a saber se o patrono nomeado oficiosamente no âmbito de um processo de insolvência tem direito à compensação de honorários prevista no ponto 5 da tabela anexa à portaria 1386/2004, de 10.11- em relação ao Apenso A -o apenso de Reclamação de Créditos, nomeadamente quando teve intervenção no mesmo, conforme ocorre in casu.
Dito de outro modo: o apenso de reclamação de créditos está configurado legalmente como um incidente do CIRE e como tal haverá lugar ao pagamento de honorários ao advogado nos termos do ponto 5 da tabela anexa à citada portaria ou será considerado apenso não configurado como incidente do CIRE e como tal incluído no pagamento relativo à própria insolvência ( ponto 4.4)?
Ora, são duas as posições que se perfilam a respeito:

1)- a que defende, conforme despacho recorrido, que a Reclamação de Créditos não constitui um incidente do processo principal de insolvência, pelo que não pode ser aplicado o ponto 5 da Tabela anexa ao Regulamento das Custas Processuais (não estão em causa procedimentos cautelares, meios processuais acessórios e pedidos de suspensão de eficácia de ato), estando o trabalho efetuado abrangido pelos honorários referentes ao processo principal e, como tal incluído no pagamento relativo à própria insolvência ( ponto 4.4);

2) a que defende, conforme sustentado pela apelante/requerente, estarmos perante um incidente de verificação e graduação de créditos com tramitação própria e diferenciada do processo principal e como tal deverá ser tomado em conta no âmbito da questão do pagamento dos honorários do patrono oficioso, devendo, assim, ser calculado nos termos do ponto 5 da tabela anexa à citada portaria.

Vejamos.

Atualmente-e isto é pacífico- está em vigor a portaria nº 1386/2004, com as alterações implementadas pela portaria 210/2008, de 29.02, a qual alterou a portaria 10/2008, de 03.01 e republicada pela portaria 654/2010, de 11.08.
Assim sendo, nos termos do art. 25º,nº1 da portaria 10/2008 “ Os valores das compensações devidas aos profissionais forenses pela inscrição em lotes de processos ou pela nomeação isolada para processos são os estabelecidos na portaria 1386/2004, de 10.11”.
Em anexo a esta portaria encontra-se a tabela de honorários para proteção jurídica, constando do ponto 4.4 a menção “ insolvência” e no ponto 5 a menção entre outros a “incidentes processuais”, correspondendo a cada um respetivamente, os valores de 20 unidades de referência e 8 unidades de referência ( cada unidade de referência corresponde a ¼ da UC).
Chegados aqui resta-nos perguntar como se deverá interpretar a tabela anexa à portaria 1386/2004 no sentido de saber se se deve incluir na sua previsão o apenso da reclamação de créditos ( apenso a um processo de insolvência) no ponto 4.4 ou no ponto 5, sendo, neste caso, considerado um incidente e, como tal suscetível de pagamento de honorários.
Abrindo um parêntesis, desde já, importa realçar que, além do mais, o que esteve por detrás de toda a evolução das leis sobre o sistema de proteção jurídica e que envolve também a nomeação e o pagamento de honorários de patrono é demonstrativo de que se tem querido retirar, progressivamente, ao trabalho do patrono indigitado o tom miserabilista que lhe vinha sendo atribuído.
Sem embargo, e se é verdade que o patrono tem o justo direito à recompensa do seu trabalho, esta sua legítima retribuição terá também de corresponder ao justo pagamento usual no domínio privado do comum mandato forense.
É este o critério que presidiu à elaboração do regime legal assim instituído e terá de ser esta a máxima a observar pelo intérprete na procura do sentido legislativo que dele se quer encontrar.
Acresce que, por outro lado, e antes de mais, igualmente, importaria, fazer uma pequena incursão sobre esta fase da reclamação de créditos e subsequente à declaração da insolvência, para aferir da sua natureza jurídica, nomeadamente se estamos perante um incidente processual autónomo, com tramitação própria e diferenciada em relação ao processo principal.
Ora, a reclamação de créditos é mais informal do que antes: efetua-se agora por meio de requerimento endereçado ao administrador da insolvência ( doravante, designado AI) ( cfr. Art. 128º do CIRE).Este elabora e apresenta na secretaria uma lista de credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos ( cfr. art. 129 do CIRE). A lista de credores reconhecidos pode ser impugnada por qualquer interessado, através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento em indevida inclusão ou exclusão ou em incorreção do montante ou da qualificação do crédito ( cfr. art. 130º,nº1 do CIRE).
Não havendo impugnações, é imediatamente proferida sentença de verificação e graduação de créditos, em que salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo AI e se graduam os créditos atendendo ao que conste dessa lista ( cfr. art. 130º,nº3).
Havendo impugnações, o AI ou qualquer interessado ( incluindo o devedor) pode responder-lhes ( cfr. art. 131º,nº1). A comissão de credores deve apresentar parecer sobre as impugnações e respostas ( art. 135º). O juiz declara verificados com valor de sentença os créditos incluídos na respetiva lista e não impugnados, salvo o caso de erro manifesto, e pode designar dia para a tentativa de conciliação, finda a qual deve ser proferido despacho saneador ( cfr. art. 136º, nº1 e 3).
Assim: os créditos não impugnados são objeto de sentença imediata. O despacho saneador tem, assim, a forma e o valor de sentença de verificação e graduação de créditos quanto aos créditos reconhecidos ( art. 136º,nº6), que são os créditos incluídos na respetiva lista e não impugnados, os créditos que tiverem sido aprovados na tentativa de conciliação e os demais créditos que possam sê-lo face aos elementos de prova contidos nos autos ( art. 136nº4 e 5).
Caso o processo deva prosseguir para julgamento, tem lugar a audiência de julgamento ( art. 139º) em que se aplicam as regras do processo comum.
É proferida sentença final de verificação e graduação de créditos nos termos do art. 140,nº1 do CIRE.
Em suma: a fase da verificação e graduação de créditos inicia-se com a reclamação de créditos que é feita pelos credores que pretendam obter pagamento dos respetivos direitos de crédito no âmbito do processo de insolvência.
E é passível de ser considerado um incidente processual conforme consta do ponto 5 da tabela anexa à citada portaria?
O despacho recorrido entendeu que a reclamação de créditos não constitui incidente do processo de insolvência, por, citando o Ac do STJ de 29-06-2017, “ o apenso de Reclamação de Créditos no processo de Insolvência não tem caracter episódico ou eventual, antes ocorrendo em todos os processos de insolvência. Por outro lado, versa sobre relações processuais principais (e não secundárias), pois é nesse apenso que se define o universo dos credores do insolvente, em beneficio de quem corre o próprio processo de insolvência, com vista à distribuição por eles do produto da liquidação do activo.”
Salvo o devido respeito, entendemos que aquele apenso A-reclamação de créditos-constitui verdadeiro incidente do processo de insolvência com tramitação própria e diferenciada em relação ao processo principal ( neste sentido vide Ac. da RP de 12-09-2019: relatora: Inês Moura e citado pela apelante e ainda AC da RG de 20.04.2005;relator: António Gonçalves).
Em verdade, e fazendo apelo à noção de incidente processual dada por Salvador da Costa ( in Incidentes da Instância, 4ª ed. , pág.10) dir-se-á o seguinte: “ a ideia que está na base do incidente processual é a de que, no processo que é próprio de uma determinada acção ou de um recurso, se incrusta uma questão acessória e secundária que implica a prática de actos processuais que extravasam do núcleo processual da espécie em que se inserem…O incidente é, pois, a ocorrência extraordinária, acidental, estranha, surgida no desenvolvimento normal da relação jurídica processual, que origine um processado próprio, isto é, com um mínimo de autonomia, ou noutra perspetiva, a intercorrência processual secundária, configurada como episódica e eventual em relação ao processo próprio da ação principal ou recurso… Há, todavia, situações que a lei configura como incidentes em que não se verificam todos aqueles pressupostosem alguns casos não se incorpora na ação principal mas por apenso…”(sublinhados nossos).

Também o Prof. A. Reis ( in Comentário ao CPC, Vol.III,p. 564) se referia a que o incidente pressupõe:
“ 1º uma questão a resolver;
2º que esta questão apresenta, em relação ao objeto da ação, carater acessório e secundário;
3º que, além de secundária, a questão incidental reveste o aspeto de acidente ou ocorrência anormal produzida no processo principal;
4º que para a solução da ocorrência é necessária a formação dum processo distinto do processo da ação”.

Mas aquele insigne professor também alerta para o facto de “ nem sempre aqueles traços se observam com toda a nitidez”.(sublinhado nosso).
Por outro lado, há casos em que a lei tipifica e nomina vários incidentes, como é o caso – e isto é pacífico- do incidente nominado da qualificação da insolvência, o qual pode ter lugar ou não no processo de insolvência.
Reforça o entendimento ora acolhido a previsão do art. 303º do CIRE quando alude ao processo principal e incidentes tais como o incidente de qualificação da insolvência e o incidente de verificação do passivo previsto no art. 128º, o caso dos autos.
Ou seja, o legislador considerou a “verificação do passivo” de que a “reclamação de créditos” é o início como um verdadeiro incidente e nominou-o como tal naquele preceito ao determinar quais os trâmites do processo de insolvência e seus incidentes –quer estes ocorram em apenso ou separado-, cujas custas são suportadas pela massa insolvente.
Assim sendo, e apesar de a lei expressamente no capítulo em que prevê a verificação de créditos não ter classificado como “ incidente”, na verdade naquele preceito para efeitos de tributação já assim o considera.
Dito de outro modo, os incidentes objeto de remuneração autónoma não são apenas aqueles que adjetivamente são classificados expressamente como tal ( por ex, como o incidente de qualificação da insolvência), mas todos os restantes que possam ser configurados como incidentes de acordo com os critérios supra e ainda que não nominados, e ainda que não satisfaçam rigorosamente todos os requisitos aludidos pela doutrina, como é o caso da reclamação de créditos em que é deduzida impugnação às listas de credores.
Diga-se ainda, a respeito do segundo e terceiro requisito acima enumerado, e a que alude o despacho recorrido para afastar a natureza de incidente ao apenso da reclamação de créeditos, o seguinte: aqueles dois requisitos não se verificam, pois a reclamação de créditos não é um acidente nem é uma ocorrência anormal, tal como não o é o incidente de qualificação da insolvência, o qual pode ou não ter lugar. Mas, também a reclamação de créditos ainda que seja uma situação que as mais das vezes ocorre, a verdade é que pode não ocorrer igualmente.
Em verdade, ainda que se acolha a noção doutrinária da reclamação de créditos prevista no art.º 128.º e segs. do CIRE como sendo um ónus, a verdade é que “ parece existir na realidade a alternativa de condutas ( reclamar ou não reclamar o crédito)…em concreto, isto significa que, no caso de inércia do credor, fica precludida a possibilidade de reconhecimento judicial do crédito e este não chega a ser considerado para efeitos de pagamento, restando ao credor esperar para exercer o seu direito uma vez encerrado o processo e tornado in bonis o devedor” ( in “Lições de Direito da Insolvência”, Catarina Serra, p. 267, reimpressão 2019).
Em suma: a verificação do passivo será realmente um incidente ainda que não satisfaça aqueles requisitos, porquanto há situações em que a lei configura como incidentes até mesmo como incidentes típicos e em que não se verificam todos os referidos pressupostos.
Questão diferente e que não nos ocupa é a de saber se o advogado terá de ter ou não efetiva intervenção ( v.g, a decisão sumária aludida pela apelante vai no sentido afirmativo).

No caso vertente, tal problema não se coloca porquanto a advogada teve intervenção efetiva através da dedução de impugnação da lista de credores e que foi acolhida na sentença.

Por tudo o exposto, o recurso interposto pela ilustre patrona/apelante será assim de julgar procedente, devendo os honorários devidos à ilustre patrona nomeada englobar a sua intervenção no apenso de reclamação de créditos e com referência ainda ao ponto 5 da tabela anexa à portaria 1386/2004, de 10.11
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V- DECISÃO

Nos termos expostos, acordam as Juízes que constituem este Tribunal em julgar procedente o recurso de apelação, revogando-se o despacho recorrido, que se substitui por outro em conformidade com o supra decidido.
Custas pela massa insolvente.
Guimarães, 21 de Janeiro de 2021

Assinado electronicamente por:
Anizabel Sousa Pereira ( relatora)
Rosália Cunha e
Lígia Venade