Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2727/21.4T8VNF.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: CELEBRAÇÃO DE CONTRATO A TERMO
NULIDADE DA ESTIPULAÇÃO DO TERMO
PERÍODO EXPERIMENTAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
A nulidade de estipulação de termo resolutivo num contrato de trabalho celebrado na vigência de contrato de trabalho por tempo indeterminado não afecta a validade das demais cláusulas ajustadas pelas partes, desde que não sejam contrárias à lei, valendo as mesmas como alteração contratual das condições inicialmente estabelecidas.
Assim, ainda que o contrato de trabalho por tempo indeterminado primeiramente celebrado pelas partes se mantenha como tal, deve atender-se à redução da duração do período experimental para 30 dias, acordada por escrito no decurso deste prazo, nos termos permitidos pelo art. 112.º, n.º 5 do Código do Trabalho, não havendo que atender ao prazo legal.
As obrigações de ocupação e reabilitação de sinistrado vinculado por contrato de trabalho a termo, nos termos previstos no art. 155.º da Lei dos Acidentes de Trabalho, aprovada pela Lei n.º 98/2009, de 4/09, pressupõem a manutenção do contrato de trabalho, pelo que aquele trabalhador tem direito a uma indemnização igual ao dobro da que lhe competiria em caso de despedimento ilícito, de acordo com o n.º 4 do art. 157.º da mesma Lei.

Alda Martins
Decisão Texto Integral:
1. Relatório

A. S. intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra X SOCIEDADE CONSTRUTORA, LDA., pedindo a declaração de ilicitude do despedimento promovido pela R. no dia 04/02/2020 e a condenação da mesma a pagar-lhe:

a) 882,51 € a título de créditos salariais devidos durante a vigência do contrato de trabalho;
b) 3.810,00 € a título de indemnização em substituição da reintegração, em dobro, devida pelo despedimento ilícito;
c) as retribuições que o A. deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, sem prejuízo das deduções legais;
d) 1.000,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo A.;
e) 40,81 €, a título de juros de mora vencidos respeitantes à alínea a);
f) os juros de mora vincendos, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das obrigações da R. identificadas nas alíneas a), b) e d), até efetivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, que foi admitido verbalmente ao serviço da R. em 16/12/2019, tendo exercido as funções de servente de construção civil, mediante a retribuição base mensal de 700 €, acrescida de 5,86 € por dia a título de subsídio de refeição, sendo certo que, em 04/02/2020, assinou um contrato de trabalho a termo certo, embora datado de 06/01/2020, e foi despedido verbalmente, numa altura em que se encontrava incapacitado para o trabalho em virtude de acidente de trabalho que havia sofrido em 21/01/2020. A R. apenas lhe entregou 180,00 € em numerário no dia 21/12/2019 e um cheque no valor de 237,88 € aquando do seu despedimento.
A R. contestou, alegando, em síntese, que entre 16/12/2019 e 21/12/2020 o A. lhe prestou alguns serviços, como independente, apoiando-a na sua obra, sem horário de entrada ou saída, por forma a angariar algum rendimento para o período de Natal, situação a que a R. acedeu por solidariedade. Depois de ter sido confirmado pelo IEFP que o A. não era elegível para a medida “Contrato-Emprego”, a R. admitiu-o em 06/01/2020 mediante assinatura de contrato a termo. Quer a prestação de trabalho, quer o contrato de trabalho tiveram início nesta data, pelo que a duração do período experimental era de 30 dias. Caso se considere que o contrato teve início em 16/12/2019, deve entender-se que era por tempo indeterminado. Em qualquer dos casos, a denúncia do contrato de trabalho pela R., em 04/02/2020, verbalmente, foi no período experimental, sendo que a R. pagou ao A. o trabalho prestado de 06/01/2020 a 22/01/2020 e depois desta data o A. ficou com incapacidade temporária para o trabalho, competindo à Seguradora proceder ao pagamento da retribuição e subsídios respectivos.

Realizada a audiência de julgamento, proferiu-se sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:

«Face ao exposto, julga-se a acção parcialmente procedente, em função do que se decide:
1. Declarar ilícito o despedimento do Autor A. S. promovido pela Ré “X SOCIEDADE CONSTRUTORA, LDA.”
2. E, consequentemente, condenar a Ré “X SOCIEDADE CONSTRUTORA, LDA.” a pagar ao Autor A. S. as seguintes quantias:
a) As retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento (04/02/2020) até à data do termo do contrato (05/07/2020), no montante de € 3.196,27;
b) A quantia de € 353,16, a título de proporcional de subsidio de Natal;
c) A quantia de € 211,94 a título de compensação pela caducidade que também deixou de auferir por força do despedimento;
d) A quantia de € 193,28, ainda em falta, relativamente à retribuição do mês de Dezembro de 2019;
e) A quantia de € 206,48, ainda em falta, relativamente à retribuição do mês de Janeiro de 2020;
f) A quantia de € 134,78 a título de subsídio de refeição ainda em falta relativamente aos meses de Dezembro de 2019 e Janeiro de 2020;
Acrescidas dos juros de mora contados sobre as referidas quantias, a contar da data do respectivo vencimento (remunerações em falta, subsídio de refeição e subsídio de natal) e, quanto ao mais, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento (artigo 559.º, 804.º, 805.º e 806.º do Código Civil),
Absolvendo-se a Ré do demais peticionado.
Custas da acção a suportar pelo Autor e pela Ré na proporção do decaimento. (Cfr. Artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil)»

A R. interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:

«1. Salva a devida consideração pelo Tribunal a quo, a douta sentença de que se recorre viola as disposições jurídicas vertidas nos artigos 53º da Constituição da República Portuguesa, art. 147º Código do Trabalho, art. 10º Código Civil, al. j) do art. 129º do Código do Trabalho, art. 139º do Código do Contrato de trabalho, art. 294º do Código Civil, art. 339.º do Código do Trabalho e art. 112º do Código do Trabalho, interpretando as mesmas de forma manifestamente contrárias à intenção do legislador e à coerência do sistema laboral, conforme infra se pretende demonstrar.
2. O ora recorrente discorda em absoluto com a interpretação que o Tribunal a quo faz daquelas normas jurídicas, que considerou que que a celebração de um contrato de trabalho a termo certo durante a vigência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, como ocorrido nos presentes autos determinou a conversão do contrato de trabalho por tempo indeterminado em contrato de trabalho a termo certo. Adicionalmente, considerou que, ocorrendo a conversão do contrato de trabalho por tempo indeterminado em contrato de trabalho a termo certo, que a contagem do período experimental se inicia na data da celebração do contrato de trabalho a termo incerto e não na data da celebração do contrato de trabalho a termo certo, razão pela qual considerou que a denúncia do contrato de trabalho operada pela aqui Recorrente se deu para além do prazo do período experimental, considerando, assim, que ocorreu o despedimento ilícito do Autor.
3. Assim, consideramos que a celebração de um contrato de trabalho a termo certo durante a vigência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado não determina a cessação tácita do primeiro por tempo indeterminado (face ao regime da imperatividade da cessação contratual que não prevê esta modalidade de cessação contratual laboral nem tal intenção de cessação se pode retirar pelo mero facto de um trabalhador assinar aquele segundo contrato de trabalho);
4. Também consideramos que, não se extinguindo o primeiro contrato de trabalho por tempo indeterminado pelo facto de ser celebrado o segundo contrato de trabalho a termo certo, consideramos ainda que o contrato de trabalho por tempo indeterminado também não se converte em contrato de trabalho a termo certo, porquanto uma interpretação que permita a conversão de um contrato de trabalho por tempo indeterminado em contrato de trabalho a termo certo não tem qualquer respaldo legal.
5. Com efeito, a figura da conversão contratual laboral apenas tem previsão legal nas situações precisamente inversas, isto é, de conversão de contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho por tempo indeterminado (art. 147º Código do Trabalho).
6. Por outro lado, o eventual recurso à analogia (art. 10º Código Civil) para resolver a omissão legislativa também não se mostra adequado porquanto a intenção do legislador foi a de criar mecanismos formais e sancionatórios que previnam a precariedade, não de a abraçar e promover.
7. Como consequências, não tendo cessado, por qualquer forma, o contrato de trabalho por tempo indeterminado, nem sendo possível a sua conversão em contrato de trabalho a termo certo, defendemos que o segundo contrato de trabalho a termo certo é nulo.
8. Com efeito, por ter sido celebrado na pendência da vigência de um primeiro contrato por tempo indeterminado com o qual é manifestamente incompatível, sendo igualmente contrário a todas as disposições e princípios laborais respeitantes às relações laborais precárias, previstas na SECÇÃO IX (Modalidades de contrato de trabalho), SUBSECÇÃO I do Código do Trabalho (Contratos a termo resolutivo), que prevê e define mecanismos formais e sancionatórios que limitam a sua possibilidade da sua vigência (forma do contrato a termo, validade substancial do termo, prazo de vigência, número de renovações, conversão em contrato de trabalho sem termo como consequência jurídica da não conformidade do contrato com as exigências legais….), por ainda ser contrário ao princípio da estabilidade laboral previsto no art. 53º da Constituição da República Portuguesa, e também por ser incompatível com o previsto na al. j) do art. 129º do Código do Trabalho que impede a entidade patronal de fazer cessar o contrato e readmitir o trabalhador, mesmo com o seu acordo, com o propósito de o prejudicar em direito ou garantia decorrente da antiguidade, entendemos que este segundo contrato a termo certo é nulo por força da imperatividade do regime do contrato a termo resolutivo prevista no art. 139º do Código do Contrato de trabalho, que prevê que o regime do contrato de trabalho a termo resolutivo, não pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho e, por maioria de razão, pelas próprias partes, e ainda art. 294º do Código Civil que dispõe que os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos.
9. Assim não se entendendo, sempre se dirá que, não tendo cessado, por qualquer forma, o contrato de trabalho por tempo indeterminado, nem sendo possível a sua conversão em contrato de trabalho a termo certo, o segundo contrato a termo certo não se poderá sobrepor ao primeiro por tempo indeterminado em tudo quanto for manifestamente incompatível entre si, quer quanto ao teor do clausulado efetivamente negociado entre as partes (salvo se do novo clausulado resultarem melhores condições para o trabalhador, pois aqui deverá prevalecer a salvaguarda de direitos entretanto adquiridos assim como o principio da irredutibilidade salarial) como quanto às garantias e procedimentos de cessação contratual que cada tipo de contrato proporciona às partes, quer seja ao trabalhador como à entidade patronal. Assim, se do segundo contrato a termo resultarem condições que não sejam incompatíveis com o primeiro contrato por tempo indeterminado, mas antes sejam um acréscimo de condições laborais livremente negociadas entre as partes (por exemplo: atribuição de ajudas de custo pela entidade patronal ao trabalhador a partir da celebração do segundo contrato a termo que não encontravam previstas no primeiro contrato por tempo indeterminado…), nada impedirá que tais condições, compatíveis com a existência do primeiro contrato, possam produzir os seus efeitos, não porque se encontram previsto no segundo contrato a termo, mas antes por se tratarem de direitos adquiridos na vigência do primeiro contrato por tempo indeterminado que, recorde-se, nunca cessou.
10. Por último, consideramos ainda que a decisão proferida pelo Tribunal a quo resultou de uma interpretação em manifesto benefício do trabalhador de acordo com o princípio “favor laboratoris” (atende-se à argumentação do Tribunal a quo que considera que com a interpretação que operou o Trabalhador pretendeu retirar um benefício com a celebração do contrato de trabalho a termo certo, que foi o da diminuição do período experimental), princípio esse que já não tem qualquer respaldo com a atual legislação.
11. Acresce que entendemos esta interpretação perigosa de uma forma não intencional, que não tem qualquer respaldo na lei nem na intenção do legislador, que pode, no limite, potenciar e promover ações mal intencionadas por parte de entidades patronais, que, sabendo da possibilidade de converterem contratos de trabalho por tempo indeterminado em contratos de trabalho a termo certo, se sintam tentados a recorrer desta possibilidade para fazerem cessar contratos de trabalho com trabalhadores mal informados e sugestionáveis.
12. Desta forma, tendo o Autor sido admitido ao serviço da ora Recorrente a 16 de Dezembro de 2019 e tendo a Ré feito cessar o contrato de trabalho por tempo indeterminado que a vinculava ao Autor a 4 de Fevereiro de 2020, tal cessação do contrato de trabalho promovida pelo Recorrente foi efetuada a ao abrigo e no prazo do período experimental legalmente previsto para os contratos por tempo indeterminado (90 dias – al. a) do nº 1 do art. 112º do Código do Trabalho), pelo que não carecia de qualquer formalidade especial na sua operação, não se vislumbrando, assim, qualquer despedimento ilícito, o que rebatemos.
13. Em face do exposto, e salvo melhor opinião, impõe-se a revogação da decisão em mérito que determinou a condenação do ora Recorrente nos termos nela previstos.»

O A. também interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:

«1. Porque o presente recurso restringe-se à (não) aplicação da norma prevista no artigo 157.º, n.º 4, da Lei n.º 98/2009, de 04-09, in casu, que culminou com a absolvição da recorrida, relativamente ao pedido do pagamento em dobro da indemnização decorrente do despedimento ilícito do recorrente, em concreto, as quantias constantes das alíneas a) e c) do ponto 2 da douta Sentença recorrida;
2. Porque as quantias constantes das alíneas a) e c) do ponto 2 da douta Sentença recorrida têm, in casu, a natureza jurídica de uma indemnização em substituição da retribuição, porquanto estamos diante de um despedimento ilícito no âmbito de um contrato de trabalho a termo certo;
3. Porque o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo de que as quantias constantes das alíneas a) e c) do ponto 2 da douta Sentença recorrida se refere a uma “compensação”, não tem respaldo e/ou previsão na Lei – portanto é ilegal! – e, ainda, é contrário ao entendimento da Jurisprudência Pátria;
4. Porque a norma prevista no artigo 157.º, n.º 4, da Lei n.º 98/2009, de 04-09, aplica-se aos casos de despedimento ilícito no âmbito dos contratos de trabalho a termo certo;
5. Porque no momento em que o recorrente foi ilicitamente despedido pela recorrida, o mesmo encontrava-se incapacitado em resultado de um acidente de trabalho;
6. Porque a recorrida deveria ter sido condenada ao pagamento em dobro das quantias constantes das alíneas a) e c) do ponto 2 da douta Sentença recorrida;
7. A douta Sentença recorrida viola o disposto no artigo 157.º, n.º 4, da Lei n.º 98/2009, de 04-09, ao não condenar a recorrida ao pagamento em dobro das quantias constantes das alíneas a) e c) do ponto 2 da mesma.»
O A. apresentou resposta ao recurso da R., pugnando pela sua improcedência.
Os recursos foram admitidos como apelação, para subirem imediatamente, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos nesta Relação, o Senhor Procurador Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos.
Vistos os autos, cumpre decidir em conferência.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil –, as questões que se colocam a este Tribunal, por ordem de precedência lógica, são as seguintes:

- recurso da R.: se o A. foi dispensado no decurso do período experimental, não equivalendo a despedimento ilícito;
- recurso do A.: se a indemnização por despedimento ilícito deve ser em dobro, nos termos do art. 157.º, n.º 4 da LAT.

3. Fundamentação de facto

Os factos provados são os seguintes:

A. A R. é uma sociedade comercial por quotas, que tem por objecto social a “Construção, reparação e acabamentos de edifícios e outras construções. Serviços de pintura. Construção e reparação de estradas, redes de transporte de águas, de esgotos, de distribuição de energia, de telecomunicações e de outras redes. Actividades de arquitectura, de engenharia e técnicas afins. Promoção, compra e venda de imóveis”.
B. No início do mês de Dezembro de 2019, o A. foi informado de uma oferta de emprego, promovida pela R., através do Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P., nos seguintes termos:
“N.º Oferta: ……..1
A Tempo: Completo
Tipo Contrato: Termo certo
Actividade: construção de edifícios [residenciais e não residenciais]
Local de Trabalho: …..
Profissão: pedreiro
Remuneração ilíquida: 700 Euros Mês
Pessoa/serviço a contactar: C. M.
Tipo[s] de contacto a efectuar: Marcação de Entrevista
Contacto[s]: Telefone: ………; E-Mail: ...@.....com
Prazo para efectuar o contacto: 2 dias[s] útil[eis] após a recepção deste documento.”
C. Em 16 de Dezembro de 2019, o A. foi admitido, verbalmente, ao serviço da R..
D. Para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer as funções inerentes à categoria profissional de Servente de Construção Civil.
E. O A. desempenhou as funções referidas em D. desde 16/12/2019 até 04/02/2020.
F. O local de trabalho era em Vila Nova de Famalicão, junto ao Parque de ..., na obra em curso denominada “... Residenciais”.
G. A retribuição base acordada entre A. e R. foi de 700 € mensais.
H. À retribuição base auferida acrescia, por cada dia de trabalho, o subsídio de refeição no valor de 5,86 €.
I. No dia 21 de Dezembro de 2019, o sócio gerente da R., Sr. A. P., foi à residência do A. entregar-lhe pelo menos a quantia de 180,00 € em numerário.
J. No dia 21/01/2020, o A. sofreu um acidente de trabalho.
K. O A. solicitou que fosse accionada a seguradora, pois estava incapacitado por força do acidente de trabalho.
L. Entre o A. e a R. foi celebrado o “contrato de trabalho por termo certo”, datado de 6/01/2020, com as seguintes cláusulas:
“PRIMEIRA
O Segundo Outorgante é admitido ao serviço da Primeira Outorgante, com a categoria profissional de Servente Construção Civil , mediante a remuneração mensal ilíquida, no montante de €635, ao qual acresce o subsídio de alimentação, no montante diário de €5,86, podendo a Primeira Outorgante, em qualquer altura e de acordo com as suas necessidades, incumbir o Segundo Outorgante do exercício de outras funções compatíveis com as suas aptidões profissionais, designadamente as que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o Segundo Outorgante tenha qualificação adequada.
SEGUNDA
O segundo outorgante prestará o serviço referido na anterior cláusula na sede da primeira outorgante e nos locais que lhe sejam indicados pela primeira outorgante, dentro e fora do território nacional, designadamente naqueles onde a Primeira Outorgante se encontre a executar empreitadas e às quais o segundo outorgante esteja afecto.
TERCEIRA
3.1- O segundo outorgante obriga-se a prestar a sua actividade segundo o horário de trabalho que for fixado pela primeira outorgante, sendo o dia de descanso semanal obrigatório o domingo.
3.2- O Segundo Outorgante desde já aceita a variabilidade e flexibilidade do horário de trabalho; neste sentido poderá o Segundo Outorgante vir a trabalhar aos Sábado sempre que a Primeira Outorgante o determinar.
3.3- A Primeira Outorgante reserva-se o direito de, nos termos da lei, alterar o horário de funcionamento do estabelecimento, ou o horário de trabalho do Segundo Outorgante.
QUARTA
O presente contrato é celebrado a termo resolutivo certo, ao abrigo do disposto no artigo 1400-2-f) e h), da Lei n. 0 7/2009, de 12 de Fevereiro. O motivo da contratação do Segundo Outorgante, com o referido fundamento, ou seja, o acréscimo excepcional de actividade da Primeira Outorgante, decorre do aumento súbito da procura dos materiais que esta produz e comercializa e da adjudicação de empreitadas a favor da Primeira Outorgante, por parte de clientes novos, com prazo curtos de entrega de obra, sendo que a Primeira Outorgante não consegue garantir o cumprimento desses novos contratos sem a contratação em causa, situação esta que é excepcional por ultrapassar o parâmetro normal e habitual de actividade empresarial.
QUINTA
O presente contrato é feito pelo período de seis meses, tem o seu início no dia 06 de Janeiro de 2020 e termo no dia 5 de Julho 2020, desde que a primeira outorgante o denuncie por escrito, com a antecedência mínima de quinze (15) dias relativamente ao seu termo ou das suas renovações, ou desde que o segundo outorgante o denuncie por escrito com a antecedência mínima de oito (8) dias, sob pena de, não o fazendo, o contrato se renovar automaticamente por igual período, até ao limite máximo de três renovações, de acordo com o estabelecido na lei.
SEXTA
O período experimental tem a duração de trinta dias (30) a partir da execução do contrato, altura esta em que qualquer das partes o pode rescindir, sem aviso prévio nem invocação de justa causa, não havendo, neste caso, lugar ao pagamento de qualquer indemnização nos termos do artigo 1 12º-2-a) da referida Lei.
SÉTIMA
É aplicável ao Segundo Outorgante o contrato colectivo de trabalho para o sector da construção civil e obras publicas.»
M. No dia 4/01/2020, o A. dirigiu-se à sede da R., acompanhado da mulher, para proceder à entrega dos documentos relativos ao acidente de trabalho, de modo a que fossem processados, bem como para resolver a situação relativamente ao pagamento da sua retribuição.
N. No dia 4/01/2020, a R. informou verbalmente o A. da cessação do seu contrato.
O. E entregou ao A. um cheque no valor de 237,88 €, afirmando que se reportava à retribuição do mês de Janeiro de 2020.
P. Relativamente ao mês de Janeiro de 2020, foi pela R. descontado o valor correspondente a 11 dias por faltas referentes ao período em que o A. esteve incapacitado para o trabalho devido ao acidente sofrido.
Q. O A. esteve na situação de incapacidade temporária absoluta para o trabalho desde o dia 23/01/2020 até ao dia 21/02/2020.
R. A responsabilidade pelos acidentes de trabalho dos trabalhadores da R. encontrava-se à data do acidente transferida para a seguradora Y SEGUROS, através da apólice n.º ……….74.

4. Apreciação dos recursos

4.1. Recurso da R.: se o A. foi dispensado no decurso do período experimental, não equivalendo a despedimento ilícito.

De acordo com o art. 111.º, n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho, o período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção, devendo agir de modo a que possam alcançar tal finalidade.
Tendo em conta tal desiderato, nos termos do art. 114.º, n.º 1 do mesmo diploma, durante o período experimental, salvo acordo escrito em contrário, qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização.

Quanto à duração do período experimental, estabelece o art. 112.º do mesmo Código:

1 - No contrato de trabalho por tempo indeterminado, o período experimental tem a seguinte duração:
a) 90 dias para a generalidade dos trabalhadores;
b) 180 dias para trabalhadores que:
i) Exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação;
ii) Desempenhem funções de confiança;
iii) Estejam à procura de primeiro emprego e desempregados de longa duração;
c) 240 dias para trabalhador que exerça cargo de direcção ou quadro superior.
2 - No contrato de trabalho a termo, o período experimental tem a seguinte duração:
a) 30 dias em caso de contrato com duração igual ou superior a seis meses;
b) 15 dias em caso de contrato a termo certo com duração inferior a seis meses ou de contrato a termo incerto cuja duração previsível não ultrapasse aquele limite.
3 - No contrato em comissão de serviço, a existência de período experimental depende de estipulação expressa no acordo, não podendo exceder 180 dias.
4 - O período experimental, de acordo com qualquer dos números anteriores, é reduzido ou excluído, consoante a duração de anterior contrato a termo para a mesma actividade, de contrato de trabalho temporário executado no mesmo posto de trabalho, de contrato de prestação de serviços para o mesmo objecto, ou ainda de estágio profissional para a mesma actividade, tenha sido inferior ou igual ou superior à duração daquele, desde que em qualquer dos casos sejam celebrados pelo mesmo empregador.
5 - A duração do período experimental pode ser reduzida por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por acordo escrito entre partes.
6 - A antiguidade do trabalhador conta-se desde o início do período experimental.

E o art. 113.º esclarece o seguinte:
Contagem do período experimental
1 - O período experimental conta-se a partir do início da execução da prestação do trabalhador, compreendendo acção de formação determinada pelo empregador, na parte em que não exceda metade da duração daquele período.
2 - Não são considerados na contagem os dias de falta, ainda que justificada, de licença, de dispensa ou de suspensão do contrato.

Entendeu-se na sentença recorrida:
«(…)
Assim sendo, e seguindo a jurisprudência maioritária, considerando admissível a celebração de um contrato de trabalho a termo na vigência de um contrato por tempo indeterminado, concluímos que o contrato de trabalho celebrado em 16.12.2019 entre Autor e Ré converteu-se, por força da celebração, em 06.01.2020, de contrato de trabalho a termo certo, em contrato de trabalho a termo certo.
(…)
De acordo com o artigo 112.º, n.º 2 do Código do Trabalho, no contrato de trabalho a termo com duração igual ou superior a seis meses, como é o caso do contrato dos autos, o período experimental tem a duração de 30 dias.
Dispõe o artigo 112.º, n.º 4 do Código do Trabalho que “o período experimental, de acordo com qualquer dos números anteriores, é reduzido ou excluído, consoante a duração de anterior contrato a termo para a mesma actividade, de contrato de trabalho temporário executado no mesmo posto de trabalho, de contrato de prestação de serviços para o mesmo objecto, ou ainda de estágio profissional para a mesma actividade, tenha sido inferior ou igual ou superior à duração daquele, desde que em qualquer dos casos sejam celebrados pelo mesmo empregador”.
Ora, tendo o contrato de trabalho do Autor tido início em 16 de Dezembro de 2019, a cessação do contrato em 4 de Fevereiro de 2020 ocorreu para além do prazo do período experimental, tendo-se, ademais, em consideração o período de incapacidade temporário para o trabalho e o seu desconto no período experimental (como decorre expressamente do n.º 2 do artigo 113.º do Código do Trabalho). Entre 16 de Dezembro de 2019 e 21 de Janeiro de 2020 decorreram 37 dias, excedendo assim os 30 dias de período experimental previstos no citado artigo 11.º do Código do Trabalho.
Concluindo-se que a Ré fez cessar o contrato para além do prazo de 30 dias de período experimental, não é aplicável o disposto no artigo 114.º, n.º 1 do Código do Trabalho, quanto à possibilidade de denúncia livre e sem necessidade de invocação de justa causa ou de pagamento de indemnização.»
A Recorrente insurge-se contra este entendimento, sustentando que a celebração de um contrato de trabalho a termo certo durante a vigência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado não determina a cessação tácita deste, nem a sua conversão em contrato de trabalho a termo certo, sendo nulo o contrato de trabalho a termo certo celebrado pelas partes. Desta forma, tendo o A. sido admitido ao serviço da R. em 16/12/2019, e tendo a R. feito cessar o contrato de trabalho por tempo indeterminado que os vinculava em 4/02/2020, tal teria ocorrido dentro do período experimental de 90 dias previsto para os contratos por tempo indeterminado na al. a) do n.º 1 do art. 112.º do Código do Trabalho.
Ora, a argumentação da Apelante é irrelevante para a situação dos autos, uma vez que as partes, no contrato datado de 6/01/2020, para além de estipularem que o mesmo era pelo período de seis meses, com início naquela data e termo no dia 5/07/2020 (cláusula 5.ª), estabeleceram ainda outras condições, designadamente remuneratórias, e também que o período experimental tinha a duração de 30 dias a partir da execução do contrato (cláusula 6.ª).
Como a própria Recorrente reconhece no seu recurso (cfr. conclusão 11.ª), a nulidade de estipulação de termo resolutivo num contrato de trabalho não afecta a validade das demais cláusulas ajustadas pelas partes, desde que não sejam contrárias à lei, valendo as mesmas como alteração contratual das condições inicialmente estabelecidas.
Assim, ainda que o contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado pelas partes em 16/12/2019 se tivesse mantido como tal, ter-se-ia de atender a que, por acordo escrito de 6/01/2020, as mesmas tinham reduzido a duração do período experimental para 30 dias (ainda não decorrido), nos termos permitidos pelo art. 112.º, n.º 5 do Código do Trabalho, não havendo que atender ao prazo legal.
Consequentemente, também neste cenário se teria de concluir que a cessação do contrato em 4/02/2020 ocorreu para além do prazo do período experimental, tendo-se em conta o desconto dos dias em que o A. esteve com incapacidade temporária para o trabalho, por força do n.º 2 do art. 113.º do referido diploma, pois entre 16/12/2019 e 21/01/2020 decorreram 37 dias.
Em face do exposto, a dispensa do A. pela R. depois de decorrido o período experimental equivale a despedimento ilícito, nos termos explicitados na sentença, improcedendo o recurso da R..

4.2. Recurso do A.: se a indemnização por despedimento ilícito deve ser em dobro, nos termos do art. 157.º, n.º 4 da Lei dos Acidentes de Trabalho, aprovada pela Lei n.º 98/2009, de 4/09.
A norma em referência insere-se no Capítulo IV do mencionado diploma legal, que, segundo o art. 154.º, regula o regime relativo à reabilitação e reintegração profissional de trabalhador sinistrado por acidente de trabalho ou afectado por doença profissional de que tenha resultado incapacidade temporária parcial, ou incapacidade permanente, parcial ou absoluta para o trabalho habitual.
Aí se estabelece, além do mais, o seguinte:

Artigo 155.º
Ocupação e reabilitação
1 - O empregador é obrigado a ocupar o trabalhador que, ao seu serviço, ainda que a título de contrato a termo, sofreu acidente de trabalho ou contraiu doença profissional de que tenha resultado qualquer das incapacidades previstas no artigo anterior, em funções e condições de trabalho compatíveis com o respectivo estado, nos termos previstos na presente lei.
2 - Ao trabalhador referido no número anterior é assegurada, pelo empregador, a formação profissional, a adaptação do posto de trabalho, o trabalho a tempo parcial e a licença para formação ou novo emprego, nos termos previstos na presente lei.
(…)

Artigo 156.º
Ocupação obrigatória
1 - A obrigação prevista no n.º 1 do artigo anterior cessa se, injustificadamente, o trabalhador não se apresentar ao empregador no prazo de 10 dias após a comunicação da incapacidade fixada.
2 - O empregador que não cumprir a obrigação de ocupação efectiva, e sem prejuízo de outras prestações devidas por lei ou por instrumento de regulamentação colectiva, tem de pagar ao trabalhador a retribuição prevista no n.º 2 do artigo seguinte, salvo se, entretanto, o contrato tiver cessado nos termos legais.
Artigo 157.º
Condições especiais de trabalho
1 - O trabalhador com capacidade de trabalho reduzida resultante de acidente de trabalho ou de doença profissional, a quem o empregador, ao serviço do qual ocorreu o acidente ou a doença foi contraída, assegure ocupação em funções compatíveis, durante o período de incapacidade, tem direito a dispensa de horários de trabalho com adaptabilidade, de trabalho suplementar e de trabalho no período nocturno.
2 - A retribuição devida ao trabalhador sinistrado por acidente de trabalho ou afectado por doença profissional ocupado em funções compatíveis tem por base a do dia do acidente, excepto se entretanto a retribuição da categoria correspondente tiver sido objecto de alteração, caso em que é esta a considerada.
3 - A retribuição a que alude o número anterior nunca é inferior à devida pela capacidade restante.
4 - O despedimento sem justa causa de trabalhador temporariamente incapacitado em resultado de acidente de trabalho ou de doença profissional confere àquele, sem prejuízo de outros direitos consagrados no Código do Trabalho, caso não opte pela reintegração, o direito a uma indemnização igual ao dobro da que lhe competiria por despedimento ilícito.
Assim, resulta expressamente do art. 155.º que as obrigações de ocupação e reabilitação pelo empregador se referem a qualquer trabalhador que, ao seu serviço, sofreu acidente de trabalho ou contraiu doença profissional, ainda que vinculado por contrato a termo, estabelecendo as disposições subsequentes as condições adequadas a garantir o seu cumprimento e que este é efectuado em termos que permitam prosseguir aquele desiderato.
As normas em apreço mantêm, com alterações, o regime decorrente da Base XXXVI da Lei n.º 2127, de 3/08/1965, e do art. 61.º do Decreto n.º 360/71, de 21/08, bem como dos arts. 30.º e 40.º da Lei n.º 100/97, de 13/09, e do art. 54.º do DL n.º 143/99, de 30/04, sendo que já no domínio do primeiro, ainda sem a menção expressa, se entendia que a obrigação de ocupação do sinistrado em funções compatíveis era especialmente pertinente nas situações de contrato a termo certo ou incerto. (1)
Em face do exposto, e porque as obrigações de ocupação e reabilitação pressupõem a manutenção do contrato de trabalho, inexiste qualquer razão válida para excluir os trabalhadores vinculados por contrato a termo da especial tutela do n.º 4 do art. 157.º, em caso de despedimento ilícito. A diferença quanto ao montante da indemnização em função do modo de cálculo, relativamente aos trabalhadores vinculados por contrato por tempo indeterminado, repercute-se igualmente no montante da indemnização em dobro, garantindo o adequado tratamento diferenciado.
Deste modo, a indemnização fixada na sentença, nos termos conjugados dos arts. 393.º, n.ºs 1 e 2, al. a) e 344.º, n.º 2 do Código do Trabalho, deve ser elevada para o montante global de 6.816,42 €.
Procede, pois, o recurso do A..

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação da R. e procedente a apelação do A. e, em consequência, fixa-se em 6.816,42 € a indemnização a que aludem as als. a) e c) do n.º 2 do dispositivo da sentença, confirmando-se esta quanto ao mais.
Custas pela R..
30 de Junho de 2022

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso


1 - V. Vítor Ribeiro, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Petrony, 1994, pp. 47 e 105.