Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
247/22.9T8BRG.G1
Relator: JOSÉ CARLOS PEREIRA DUARTE
Descritores: PRÁTICA DE ACTO PROCESSUAL
TRANSMISSÃO ELETRÓNICA
JUSTO IMPEDIMENTO
ATA DA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
TRANSACÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
ADVOGADO OFICIOSO
PERDA DE CHANCE
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Estando a parte patrocinada por mandatário e havendo justo impedimento para a prática dos atos processuais por transmissão electrónica de dados (n.º 1 do art.º 144º), tais actos podem ser praticados (n.º 8 do art.º 144º) mediante uma das formas previstas no n.º 7 do art.º 144º.
II. Não está expressamente prevista na letra da lei a consequência para o facto de uma parte utilizar um meio de apresentação a juízo de actos processuais que não seja a transmissão electrónica de dados ou, havendo justo impedimento, um dos previstos nas alíneas a) a c) do n.º 7 do art.º 144º.
III. Mas, perante o disposto no art.º 132º do CPC, a prática de um acto que não seja por meio de transmissão electrónica de dados ou, havendo justo impedimento, por um dos meios previstos nas alíneas a), b) ou c) do n.º 7 do art.º 144º, parece ditar a sua inexistência.
IV. Mas o acto não poderá ser considerado inexistente, sem que antes a parte seja convidada a praticá-lo nos termos legais, sob pena de tal cominação ser desproporcional face à gravidade e relevância da falta e, nessa medida não se mostrar compatível com um processo equitativo, que respeite a efetividade da tutela jurisdicional, alicerçada na prevalência da justiça material sobre a justiça formal.
V. A Acta da audiência de julgamento em que constam as cláusulas declaradas pelas partes que consubstanciam uma transação, constitui um documento autêntico e faz prova plena quanto ao facto de as partes terem proferido declarações com aquele teor, pelo que, não havendo noticia de que tenha sido invocada procedentemente a falsidade da mesma, não é possível dar como provados factos excludentes, contrários ou diferentes dos que nela constam.
VI. A responsabilidade do advogado nomeado oficiosamente é de natureza obrigacional.
VII. A perda de chance traduz-se no malogro de uma possibilidade séria e consistente de obter uma vantagem ou de evitar uma desvantagem, a qual terá de ficar apurada, apuramento que se faz realizando o “julgamento dentro do julgamento”, ou seja, indagando, através de um juízo de prognose póstuma, qual seria a decisão hipotética.
VIII. A impugnação de uma transação só pode ser actuada através de acção de declaração de nulidade ou anulação, pelas mesmas causas que valem para qualquer outro negócio jurídico.
IX. A sentença homologatória da transação antes do trânsito em julgado, pode ser impugnada mediante recurso de apelação (art.º 644º n.º 1, alínea a) do CPC), se a homologação ocorrer em 1ª instância ou recurso de revista (art.º 671º n.º 1 do CPC), se a decisão homologatória for proferida pela Relação) e depois de transitada, pode ser impugnada mediante recurso de revisão (art.º 696º, alínea d, do CPC) e tal impugnação apenas se pode fundar no facto de o juiz não ter verificado alguma irregularidade quanto ao objecto ou quanto á qualidade das partes e não num vicio da transação.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1. Relatório

Nos presentes autos de acção declarativa de condenação, AA demanda BB, Advogada, pedindo seja condenada a pagar-lhe a quantia de 35.000,00€ a título de indemnização.

Alegou para tanto, em síntese e com relevância que, no âmbito do processo 25/13.... do J 5 dos ... foi supostamente celebrada uma transação entre as partes, a qual não é válida nem eficaz porque o A. não se encontrava capaz de entender e, em função disso, expressar a sua concordância ou oposição á referida transação, porquanto já antes do inicio dos autos, tinha decaído para um estado de fragilidade emocional, depressivo e com lapsos de memória que afectavam tanto a sua capacidade de se expressar, mas também de compreender o alcance das próprias palavras.

No dia da audiência prestou declarações entre as 15h42 e as 16h38, sendo que só após este decurso de tempo e esforço se chegou ao momento da alegada transação, o que contribuiu para a falta de capacidade de compreender e entender tudo quanto lhe foi exposto e dele se pretendia, no que toca à tomada de posição quanto ao litigio.

No momento da transação o A., com 72 anos, estava muito cansado e confuso, em resultado de um dia emocionalmente desgastante e do longo e agressivo depoimento de parte a que havia sido submetido.

Após o depoimento de parte o Mmº. Juiz do processo aconselhou as partes no sentido de transigirem.

Finda uma pausa de alguns minutos reiniciou-se a audiência – procede à transcrição da parte final da mesma; naquele momento o A. não emitiu qualquer declaração de concordância; o S. Juiz teve necessidade de se dirigir aos filhos do A. porque o mesmo ficou sem reacção e sem capacidade de articular fosse o que fosse.

Logo nos dias seguintes o A. e a filha CC entraram em contacto com a R. a fim de impugnarem/reclamarem/recorrerem do referido acordo e sua homologação; no entendimento da Ré não havia fundamento para tal.

A Ré pediu escusa, mas não remeteu o comprovativo do pedido de escusa aos autos.

O A. pediu a interrupção do prazo de recurso, o que foi indeferido; interposto recurso, a decisão foi mantida; “a transação” transitou em julgado.

Está-se perante uma situação de perda de chance (de recurso) no âmbito do contrato de prestação de serviços.

E refere os danos que teve: do ponto de vista patrimonial a diferença entre o valor dos imóveis reclamados naquela acção - € 345.000,00 – e o valor da transação - € 315.000,00 e do ponto de vista moral, o agravamento do seu quadro clinico.

Mais alega que o recurso pretendido pelo A. não estava votado ao insucesso, sendo verosímil que a Relação de Guimarães, em sede de recurso para impugnação da transação, poderia ter reconhecido a existência de um vício da vontade por parte do A., bem como algumas nulidades, como a ausência da R. DD, o A. não emitiu qualquer declaração negocial no sentido de desistir dos pedidos.

Finalmente refere que intentou acção de anulação da transação, a qual corre termos no J ... do Juízo Central Cível ... com o n.º 3462/20.....

Citada, a Ré contestou, por excepção, invocando a nulidade do processo, num primeiro momento por falta de causa de pedir e num segundo momento por ininteligibilidade da causa de pedir.

E por impugnação, dizendo, em síntese, em sede de “Contexto”, que foi nomeada patrona oficiosa do A. a 17 de Setembro de 2018 no processo 25/13...., em sede de “Factos “, o que correu na sessão de julgamento do citado processo, nomeadamente que foi explicado ao A. o teor da transação, o mesmo concordou expressamente com o “Acordo”, um eventual recurso apenas podia incidir sobre um vício da própria decisão homologatória e não sobre o mérito da transação homologada, sobre a validade intrínseca do contrato de transação celebrado entre as partes, considera e sempre considerou que não existia qualquer vicio na sentença homologatória, pelo que entendeu que não havia fundamento para a interposição de recurso, pediu escusa, que não comunicou aos autos, tal facto determinou o trânsito em julgado da sentença, mas não teve qualquer “efeito cominatório” para o A., pelo que de nada teria servido  a interrupção do prazo que o A. invoca que ficou privado em virtude da conduta da Ré.

Invocou a litigância de má fé do A. dizendo que o mesmo lançou mão desta acção alegando factos que bem sabe não corresponderem á realidade, para obter um resultado contrário à lei, tentando obter um beneficio ilegítimo e prejudicar a Ré, obrigando-a a defender-se de uma acção sem qualquer fundamento, o A. deduz pretensão [não] desconhecendo a sua falta de fundamento, pelo que o mesmo deve ser condenado em multa e em indemnização a favor da Ré em valor não inferior a € 2.000,00.

E deduziu reconvenção em que pediu a condenação do A. no pagamento de € 5.000,00, alegando para tanto que está a ser demandada apenas por não ter cedido aos caprichos  do A. e dos seus filhos, dá por reproduzido o que consta da contestação quanto “à perseguição que o demandante pretende fazer á demandada”, teve de contratar advogados para a patrocinar, os honorários devidos serão fixados em € 100,00, além da taxa de justiça, é devida uma indemnização por causa dos transtornos e aborrecimentos de ter de se defender de uma acção sem qualquer fundamento.

Não foi apresentada réplica.

Foi proferido despacho que admitiu a reconvenção, fixou o valor da causa, julgou improcedente a ineptidão da petição inicial, julgou verificados os pressupostos processuais, consignou o Objecto do litigio – Responsabilidade civil profissional da ré pelos danos advindos para o autor mercê do incumprimento dos deveres a que aquela estava adstrita, como patrona, no âmbito do patrocínio que prestou ao autor no processo n.º 25/13...., que correu termos no J... do Juízo Central Cível ..., danos estes alegadamente derivados da omissão de interposição de recurso da sentença homologatória que veio a ser proferida em tal processo; Responsabilidade civil do autor pelos danos/custos em que a ré incorreu com a presente demanda; Litigância de má-fé do autor – e os Temas da prova - A) Factos que demonstram a incapacidade do autor para a celebração da transação. B) Não emissão pelo autor da declaração que se lhe encontra atribuída na transação. C) Danos sofridos pelo autor em consequência da não interposição, pela ré, do recurso da sentença homologatória da transação – pronunciou-se sobre as provas e designou data para audiência de julgamento.

A Ré veio apresentar articulado superveniente e requerer a suspensão da instância em virtude da pendência no J ... do Juízo Central Cível ... com o n.º 3462/20...., ambos rejeitados.

Realizou-se o julgamento, tendo sido proferida sentença que decidiu:

“Pelo exposto, decido:
a) julgar totalmente improcedente a ação e, em consequência, absolvo a ré do pedido contra si deduzido pelo autor;
b) julgar totalmente improcedente a reconvenção e, em consequência, absolvo o autor do pedido contra si deduzido pela ré/reconvinte;
c) condenar o autor como litigante de má-fé, condenando-o a proceder ao pagamento de uma multa no valor de 5 UC`s e de uma indemnização à ré no valor de 1.000,00€.

A notificação da sentença às partes foi elaborada a 27/05/2022.

A 12/07/2022, pelas 00:37, com origem no endereço electrónico ..., o Patrono do A. endereçou aos autos e concretamente à Sra. Secretária de Justiça, uma mensagem de correio electrónico, solicitando fosse dada entrada a um requerimento e respectivos documentos.

A referida mensagem de correio electrónico foi acompanhada de vários anexos.

O primeiro anexo constitui a impressão de uma mensagem de correio electrónico endereçada pelo Patrono do A., a 11 de julho de 2022 22:43, para  ...', em que o mesmo refere a “impossibilidade de efectuar log-in na plataforma Citius, impossibilidade verificada desde as 22h00.”, acompanhada de print screen de uma janela, onde consta “...”, solicitando a resolução do problema.

O segundo anexo é um requerimento em cujo cabeçalho consta a identificação do Ilustre Patrono do A., em que é requerida a admissão da junção aos autos do requerimento de recurso de apelação, respectivas alegações e conclusões, por email, invocando estar impedido, desde 11/07/2022, de aceder ao Citius e de submeter, por essa via, o requerimento de recurso, que tal deve-se a impossibilidade técnica, não sendo possível efectuar o login na referida plataforma, requerendo seja reconhecido o justo impedimento, para a prática atempada do acto e para o envio da peça processual anexa, por via de email e não pelo Citius, bem como considerada tempestiva.
Mais é requerido prazo não inferior a 10 dias, para completar as alegações de recurso, uma vez que sem a acta da audiência de julgamento, não é possível completar a especificação a que se refere a al. a) do nº 2 do art. 640º do CPC, quanto à indicação das horas em que as testemunhas iniciam e terminam os respectivos depoimentos, informação essa constante da acta.
No referido requerimento não está aposta qualquer assinatura.

O terceiro anexo constitui o requerimento de interposição de recurso, alegações e conclusões, em cujo cabeçalho consta a identificação do Ilustre Patrono do A., em que o A. pede a revogação da decisão recorrida, a procedência do pedido e condenação da Ré/Recorrida no peticionado e a absolvição do Autor/Recorrente da condenação por litigância de má-fé.
No referido requerimento não está aposta qualquer assinatura.

O recorrente termina as suas alegações com as seguintes conclusões:
A- Por sentença de 26/05/2022 (Ref.ª ...38), foi julgado inteiramente improcedente o pedido formulado pelo A., além de ter sido o mesmo condenado como litigante de má-fé, cf. als. a) e c) do dispositivo da decisão.
B- Não concordando e não se conformando, o A. interpõe o presente recurso de apelação, quando a esses dois concretos pontos.
I- Da absolvição do pedido, al. a) do dispositivo:
C- A decisão de absolvição da R. e de improcedência do pedido do A., assentou, essencialmente, na convicção do tribunal de que este manifestou o seu consentimento expresso ao acordo formulado em audiência de julgamento na audiência de julgamento de 24/04/2019, no processo de impugnação pauliana nº 25/13.....
D- Porém, a prova produzida nestes autos, quer documental, quer testemunhal, impunha decisão diferente.
E- Resulta da gravação da audiência de julgamento, transcrita em 5º das alegações, supra, a ausência completa de qualquer expressão de vontade por parte do Recorrente quanto ao acordo que veio a ser homologado, resumido no facto provado B da sentença.
F- Denota-se que os termos do acordo não foram previamente discutidos e aceites, durante a interrupção dos trabalhos, indicada após as declarações do A., a págs. 6 da acta de julgamento, doc. ... da PI.
G- Não se discutiu o valor, que foi necessário calcular com base numa confissão discutida naqueles autos, cf. se transcreveu acima, nem a repartição das custas do processo.
10º- Pelo que não se pode concluir, como consta da sentença ora em recurso, que tudo foi explicado ao A., e aos filhos deste, e que tal mereceu o consentimento expresso daquele.
11º- Sinal disso mesmo é o facto de os filhos do Recorrente, EE e FF, terem sido chamadaÉ igualmente de carácter muito expressivo o facto de ter sido determinada a entrada dos filhos do A., testemunhas naqueles e nestes autos, EE e FF, para a sala de audiências, no dia 24/04/2019, a fim de virem assistir à alocução do Mmº Juiz do processo, sendo, inclusive, e cf. gravação acima transcrita e assinalado a negrito, tratados como autores, em conjunto com o efectivo autor AA, além de ter o Mmº Juiz se ter dirigido à testemunha EE, filha do A., a fim de a procurar convencer a ela?!, da bondade do acordo.
I- O A. não ouvido na hora de expressar a sua concordância com o acordo formulado, o que resulta da ausência das suas palavras nesse sentido, quaisquer que elas pudessem ter sido, na gravação da audiência, quer no trecho acima transcrito, quer imediatamente antes, quer imediatamente depois.
J- A concordância expressa do A. para a conformidade da transacção a homologar (e homologada), constitui requisito essencial e precedente para se aferir da validade da sentença homologatória.
K- Sem que, contudo, nenhuma das mesmas testemunhas nos presentes autos tenha conseguido afirmar de que forma ou por que palavras o A. aceitou transigir.
L-A ausência de qualquer registo, na gravação daquela audiência de 24/04/2019, desse consentimento expresso, demonstra que o A. não prestou o devido consentimento.
M- Este consentimento não pode ser presumido, nem podem os depoimentos das testemunhas indicadas pela R., nos autos, valer na parte em que atestam que o mesmo foi dado.
N- A prova gravada, e no caso, o silêncio do A. na referida prova, contrariam a versão das testemunhas.
O- Não podem os depoimentos produzidos nestes autos, cerca de 3 anos depois daqueloutra audiência, serem julgados de maior validade do que o registo fonético.
P- A gravação da audiência de julgamento de 24/04/2019 não tem insuficiências técnicas de relevo que justifiquem a omissão da voz do Recorrente quando era oportuno
Q- Se expresso foi o consentimento, mas nenhuma prova existe de que palavras foram ditas nem a gravação daquela audiência o relata, apenas se pode concluir pela falta da mesma e que tal significa a sua discordância com o acordo.
R- Admitir que a prova testemunhal produzida nos presentes autos é de maior validade e relevo que o registo daquela gravação viola o disposto no art. 232º do CC e no art. 155º do CPC e os princípios da certeza e segurança jurídicas, normas que se consideram violadas.
S- O comportamento do Recorrente, antes, durante e após aquela audiência de julgamento demonstra a sua oposição, constante e reiterada, a qualquer transacção, cf. factos provados na sentença recorrida D, G, H e J.
T- Considera-se incorrectamente julgado o facto provado B, caso se se interprete a expressão “foi formalizado o seguinte acordo”, no sentido de o mesmo ter sido celebrado de forma válida, pelo que, para essa hipótese, deverá ser alterada a sua redacção, inclusive para efeitos de clarificação do referido facto provado, “foi ditado o seguinte acordo”, a fim de se traduzir apenas a ideia de que o acordo foi redigido com as cláusulas transcritas em B.
U- Considera-se incorrectamente julgado o facto provado AA., segundo o qual, “o autor concordou expressamente com o acordo referido em B.”, devendo o mesmo ficar a constar do acervo dos factos provados, mas pela negativa.
V- Nenhuma das testemunhas da Recorrida, ouvidas nos presentes autos, soube dizer de que forma o Recorrente expressou a sua concordância com a transacção, ao passo que a ausência da mesma na gravação da referida audiência, juntamente com os depoimentos dos filhos do Recorrente, prestados no julgamento dos presentes autos, atestam o inverso.
V- Não foram prestados os esclarecimentos ao A./Recorrente nem aos filhos deste, apesar de serem meras testemunhas naquele processo, que permitissem àquele proferir, em consciência, o seu acordo com a transacção, não se podendo retirar da expressão “para fazerem acordo, que era o melhor para vocês”, alegadamente proferida pela R., em 24/04/2019, que tivessem sido prestados quaisquer esclarecimentos, devendo o facto provado BB ser julgado como não provado e retirado da matéria de facto provada.
X- Consideram-se incorrectamente julgados como não provados os factos 1, 2 e 3, os quais devem ser dados como provados e integrados no respectivo rol.
W- O facto 1 é corroborado pelo relatório clínico de 20/01/2020, o qual atesta os sintomas e a sua precedência já a 2012, junto com a PI, não existindo prova que o contrarie.
Y- O facto 2 resulta provado quer pela acta de julgamento de 24/04/2019, onde se lê que os trabalhos se iniciaram às 09h00 da manhã e duraram até cerca das 17h00, o que perfaz 8 horas de stress e ansiedade, pois ali se discutia o esforço de uma vida de trabalho do A., e dentro desse período, o A. prestou declarações durante mais de uma hora, o que, conjugado com as regras de experiência comum, permite admitir que o Recorrente estivesse profundamente desgastado.
Z- Quanto ao facto 3, a prova positiva do mesmo decorre do depoimento do Mmº Juiz da acção pauliana, que no seu depoimento, confirmou que o A. se remeteu ao silêncio, após a interrupção da audiência e durante elaboração dos termos da transacção.
AA- A ausência de esclarecimentos sobre a previsível improcedência da acção, sobre os contornos do acordo visado, o facto de ser, ali e então, confrontado perante a questão de um acordo que nunca quis, as limitações decorrentes do seu estado de saúde psíquico, são, as regras da experiência normal, factores que contribuíram, naquele momento da audiência de 24/04/2019, para a ausência de reacção e de resposta ante o que ia sendo dito.
AB- Pelo que deve o facto não provado 3 ser julgado como provado, e acrescer à matéria de facto provada.
AC- O mesmo se diga quanto ao facto não provado 4, devendo ser julgado afirmativamente provado, para o que concorre a mesma argumentação expendida para o facto provado AA, sobre a inexistência de qualquer concordância por parte do A./Recorrente com o acordo em causa, sendo estes dois factos opostos entre si e inconciliáveis.
AD- Também o facto não provado 5 foi incorrectamente julgado, constando da acta de julgamento de 24/04/2019 que logo após ditados os termos do acordo, a audiência foi encerrada, novamente sendo omissa da gravação qualquer outro registo sonoro, onde pudesse constar a pretendida intervenção da filha do A./Recorrente.
AE- Devendo tal facto ser julgado como provado e carreado para o conjunto de factos dados por provados.
AF- Transversalmente, para apreciação das limitações do A. para prestar o seu consentimento, deverá considerar-se a necessidade de serem chamados os filhos do A. À sala, quando os mesmos eram meras testemunhas, bem como as serem os mesmos, em especial a testemunha GG, directamente visada para a bondade do acordo, e não o próprio A.
AG- Considera-se incorrectamente julgado o facto não provado 6, acerca do valor da acção pauliana e dos imóveis ali discutidos, pois decorre dos arts. 85º e 103º da Contestação, bem como do acordo homologado, que se fixou o crédito do A./Recorrente em 315.000,00€, pelo que pelo menos este valor deveria ter sido dado como provado que o valor seria este e não o superior, decaindo nessa parte o A., mas nunca dado por não provado o facto 6, o qual deverá ser julgado como provado.
AH- O facto não provado 7 foi incorrectamente julgado, devendo ser julgado como provado.
AI- Resulta da transcrição da audiência de julgamento de 24/04/2019, o R. AA e as sociedades que representava foram considerados insolventes, no âmbito da “insolvência que correu termos no ... Juízo Cível do Tribunal Judicial ..., sob o número 7405/12.2 o que não invalida, por parte do Réu AA e das Sociedades Rés o reconhecimento efectuado na presente data” (cf. transcrição feita acima em 5º, citando o Mmº Juiz da acção pauliana.
AJ- Corroborado pelo teor do facto provado K, segundo o qual, até hoje o A. Nada recebeu em cumprimento daquele acordo.
AK- O facto não provado 8 foi incorrectamente julgado.
AL- Quanto à ausência de nexo causal entre o pedido e a causa de pedir, a págs. 12 e 13 da sentença (no caso, a conclusão do processo nº 25/13.... com o acordo formulado e descrito nos autos, bem como o lapso da R. em não comunicar àqueles autos o seu pedido de escusa, que não obstou ao trânsito em julgado e por conseguinte precludiu a possibilidade de recurso da sentença homologatória), também persiste o erro de julgamento.
AM- Quanto à coerência entre o depoimento das testemunhas do A. e a prova médica documental, que resulta dos docs. ..., ... e ...0 da PI (relatórios médicos e nota de alta) que já desde 2012, data que precede o início do processo de impugnação pauliana nº 25/13...., que o A. sofre de depressão major por “motivos financeiros” e, após o decurso daquele processo e até ao presente, as “questões judiciais em curso”, são o foco das suas preocupações.
AN- Sobre a proximidade temporal entre o proc. nº 25/13.... e o agravamento do estado de saúde psíquica do A., decorre das regras de experiência comum que estados psíquicos como a depressão provêm, na esmagadora maioria dos casos, de causas presentes de forma prolongada/duradoura, e que os sintomas demoram meses e anos a instalar-se e a evidenciar-se.
AO- Os docs. ..., ... e ...0 estabelecem um quadro clínico que precede a discussão judicial sobre os imóveis que o A. reclamava, quadro clínico esse que se manteve e que se agravou quando a acção pauliana terminou com um acordo não desejado, quando a R./Recorrida não recorreu da sentença homologatória, quando foi surpreendido com o trânsito em julgado dessa sentença, quando viu o recurso do despacho de intempestividade ser improcedente, confirmando-se o trânsito, por acórdão de 24/10/2019, e, com tudo isso, viu, na sua perspectiva (idêntica à de qualquer cidadão, com ou sem conhecimentos de direito) a sua causa ser definitivamente decidida de forma prejudicial aos seus interesses e direitos.
AP- A própria passagem do tempo é motivo de profundo desgaste e desânimo, tendo transcorrido cerca de 6 anos entre o início e o fim da acção pauliana, e mais de 3 anos, até ao dia de hoje, enquanto o A./Recorrente continua a batalhar e a desgastar-se, com perspectivas de sucesso cada vez mais reduzidas, o que conduz à interiorização de que o resultado de uma vida de trabalho, corporizado nos imóveis que perdeu, se desfez definitivamente, ou quase.
AQ- Este efeito de desgaste na psique do A./Recorrente agrava-se, directa e necessariamente, com o passar do tempo, tendo contribuído para a evolução do estado psíquico daquele, antes, durante e após a acção pauliana, tendo-se agravado mais ainda em 2021, altura em que voluntariamente procurou o internamento psiquiátrico, o que é coerente com a evolução de doenças como a depressão.
AR- Ao contrário do que consta da sentença, não é na proximidade temporal que se deve buscar a causa directa e necessária do estado depressivo, antes no conjunto de factores de stress mental, os quais, pela sua constância ao longo do tempo, constituem a causa mais provável da depressão, o que se verifica no caso presente.
AS- O que corrobora, nesta parte também, os depoimentos das testemunhas do A. Recorrente, referidos na sentença.
AT- Deve o facto não provado 8, como incorrectamente julgados, devendo o mesmo integrar a matéria de facto provada, com base na prova documental, docs. ..., ... e ...0 da PI, e testemunhal, indicada pelo A./Recorrente, que se acaba de enunciar, que atesta a verificação de “um discurso por vezes desconexo em relação ao sucedido, com ideação suicida, mas também heterolesiva, discurso negativista quanto ao futuro, que o priva do sono e descanso, o que culminou em internamento que durou de 02 a 09 de setembro de 2021”.
AU- Posto isto, o A. entende ser um erro de apreciação da prova a sobrevalorização dos depoimentos das testemunhas da R., em detrimento das por si indicadas, a tal ponto de também se ter apoiado naqueles depoimentos para minimizar o valor probatório da prova documental junta com a PI, ao ponto de a desconsiderar.
AV- Em todos os depoimentos das testemunhas indicadas pela R./Recorrida é patente o comprometimento com o desfecho da acção pauliana, seja porque tal beneficia o seu trabalho e os respectivos clientes/patrocinados, seja porque partilham/partilhavam o domicílio profissional com a R./Recorrida, seja porque coloca em causa as funções desempenhadas.
AW- Sendo tal comprometimento comum a ambos os conjuntos de testemunhas, e porque não resulta do texto da sentença que tenham sido outras provas, por si ou concomitantemente, a criar no tribunal a quo a convicção em favor de umas e em detrimento de outras, entende o A./Recorrente que tal viola o princípio da igualdade de armas, patente no art. 4º do CPC e o direito a um processo justo e equitativo.
AX- Cf. consta supra, de 88º a 106º, os depoimentos das testemunhas da R./Recorrida, sobretudo na parte descrita e sintetizada na sentença, são repletas de contradições.
AY- Tal como são, em vários pontos, contraditórios os fundamentos e argumentos indicados pelo tribunal para atribuir mais credibilidade a uns e menos a outros, o que leva a concluir por erro na apreciação da prova, precisamente porque não seguem um raciocínio lógico entre a premissa que se pretende demonstrar e a conclusão a que se chega e porque existem provas nos autos que demonstram as desconformidades acima apontadas, e melhor explicitadas nas alegações, como as próprias regras da experiência normal impõe o acolhimento de entendimento diverso, se não como certo, pelo menos como possível e verosímil, como sucede com o alegado pelo A./Recorrente na PI.
AZ- Sendo perfeitamente plausível que o silêncio do A./Recorrente se tenha devido não a um defeito na gravação da audiência, que não colhe, mas que o seu silêncio se devesse, tal como alegou desde a PI, ao cansaço, ao estado psíquico debilitado, ao temor reverencial e ainda à própria discordância da sua consciência e vontade com tal transacção, o que o tribunal aparentemente não equacionou nem sopesou.
BA- Resulta das regras da experiência comum que a esmagadora maioria dos cidadãos, perante a reverência devida à figura do juiz e perante a solenidade da audiência de julgamento, não se insurge contra a condução da diligência perante figura de autoridade.
BB- Pelo que a sentença, também com este fundamento, incorre em múltiplos vícios de fundamentação.
BC- Adiante, consta a págs. 11, 2º par. da sentença: “Aliás, o que nos parece é que o autor pretenderia valer-se na ação da circunstância de, durante a gravação da redação do acordo, não ter sido captada a sua voz (atente-se que as suas declarações, anteriormente prestadas, também se encontram praticamente inaudíveis por erro do sistema de gravação).”
BD- Tendo o tribunal se apoiado nas gravações das declarações do A./Recorrente, produzidas na acção pauliana, para concluir que este se achava perfeitamente capaz de compreender e se expressar e de entender tudo quanto foi discutido na pate final daquela audiência, não pode, noutro lugar da sentença, vir invocar que a má qualidade da gravação justifica a ausência da voz do mesmo para dar consentimento ao acordo, e que o  A./Recorrente se pretende fazer valer dessa circunstância, cuja verificação não ocorre, diga-se.
BE- Tal consideração ofende as garantias processuais do A./Recorrente, como seja o seu direito ao recurso, o direito a um processo justo e equitativo, e ainda os princípios da certeza e segurança jurídicas.
BF- As garantias de recurso, de aplicação isenta do direito, da certeza e segurança jurídicas, obrigam à correcta documentação da audiência e à recolha de sinal ou verbalização inequívoca da vontade da parte que deva pronunciar-se.
BG- O que no presente caso, ocorreu, devendo o que ficou registado ser valorado nos seus exactos termos, e o que não ficou, porque a sua verificação era e é determinante, ser valorado com as necessárias consequências legais.
BH- Sopesando, de forma neutra, as respectivas declarações, sem perder de vista que todas as testemunhas têm algum nível de comprometimento com o desfecho daquela causa, bem como da presente, e conjugando o que foi alegado pelo A./Recorrente e dito pelas testemunhas, mereciam as declarações das testemunhas do A. que lhes fosse atribuída maior credibilidade, salvo prova que o contradiga, o que não se verifica, e, na parte em que são corroboradas pela prova documental, bem menos falível e sujeita a desvios que a prova testemunhal, julgar-se credíveis para sustentar como provados os factos 1 a 8.
BI- Os factos N a V, relativos à reconvenção, devem também ser excluídos dos factos provados, não só por não terem qualquer relevância para o objecto dos autos, mas também por não servirem de fundamento à verificação da ocorrência, ou não, de litigância de má-fé, mas também por não servirem para o cálculo da indemnização fixada a este título.
BJ- Quanto aos factos W e Y, os mesmos vão incorrectamente julgados, devendo ser retirados do conjunto de factos provados.
BK- Sobre o facto W, a R./Recorrida limitou-se a alegar o valor que terá pago por hora em honorários de advogado, não concretizando quantas horas foram, quanto despendeu efectivamente, nem tão pouco fez prova sobre estes aspectos, não juntando comprovativos com a contestação/reconvenção, nem sendo produzida qualquer prova em julgamento.
BL- Quanto aos transtornos sofridos, os mesmos não são imputáveis ao A., pelos mesmo motivos que não deve o mesmo ser condenado como litigante de má-fé.
BM- Não se poderão dar por provados estes dois factos, nos termos do art. 587º e 574º nº 1, ambos do CPC, por estarem em oposição com a defesa no seu todo, pois o dano da perda de chance que o A. reclama, e nos moldes em que o faz, provém da omissão de notificação ao processo de impugnação pauliana, comprovada e reconhecida nos autos, diligência essa que tivesse sido cumprida, teria interrompido o prazo de recurso.
BN- Os factos vertidos na PI, oferecem uma versão diferente da alegada pela R., oposta à mesma, e que, independentemente da decisão de mérito a proferir sobre o objecto principal da causa, sempre contrariam o alegado quanto a este ponto.
II- Da condenação em litigância de má-fé, al. c) do dispositivo:
BO- O A. foi, ainda, condenado como litigante de má-fé, por, no entendimento do tribunal a quo, ter intentado a acção com “manifesta e consciente falta de verdade dos factos por si alegados”.
BP- Pelos motivos acima expostos, e porque nada na conduta do A. revela que agiu com consciência de invocar factos que soubesse não serem verdade, antes pelo contrário, a prova documental junta com a PI, bem como a prova testemunhal produzida em juízo, afastam a perspectiva dessa consciência contrária ao Direito.
BQ- Os docs. ..., ... e ...0 da PI atestam um quadro mental fragilizado já anteriormente ao início da acção pauliana, o qual perdura até à presente data.
BR- O lapso da R., cerne da questão, em não notificar aqueles autos, para efeitos de suspensão do prazo de recurso, cf. nº2 do art. 34º da Lei nº 34/004, de 29/07, reconhecido nos autos, e a consequente preclusão da possibilidade de recurso da sentença homologatória, são matéria assente, pelo que a perda de chance se encontra, de antemão, demonstrada e presumida a culpa, cf. decorre dos arts. 798º e 799º, ambos do Código Civil (CC).
BS- A concordância expressa do A. para a conformidade da transacção a homologar (e homologada), constitui requisito essencial e precedente para se aferir da validade da sentença homologatória e tal não ocorreu.
BT- Foi devido à consumação do trânsito em julgado, que o A. ficou impedido de recorrer, e foi obrigado a lançar mão da acção de anulação, bem como da presente, com todos os prejuízos patrimoniais e não patrimoniais daí decorrentes, o que fez no uso de um legítimo direito que lhe assiste e que exerceu, sem qualquer consciência, sequer negligente, de ter carreado factos que efectivamente soubesse não serem verdadeiros.
BU- Considera-se incorrectamente julgado o facto CC, porquanto pretende o tribunal retirar do agendamento de uma reunião entre as partes que alegadamente transigiram no processo, promovida motu proprio pela R. e não a pedido do A., nem dos filhos deste, que o mesmo se conformou com o acordo homologado.
BV- Reunião essa precedida pela declaração de vontade de recorrer da sentença homologatória, constante do doc. ... da PI, transmitida via email à R., e sucedida por igual comportamento do A., descrito na sentença ora em apelo, e na qual não se abordaram formas e meios de cumprimento do acordo, antes o A. e o filho reclamaram os imóveis pretendidos e não qualquer pagamento.
BW- O facto CC, por este motivo, carece de qualquer relevância para fundamentar a condenação em litigância de má-fé, pelo que deve ser extirpado do conjunto dos factos provados.
BX- O tribunal a quo, na sentença, a págs. 23, último parágrafo, não conclui se a conduta do A., quanto a esta parte, foi dolosa ou negligente, o que viola o direito de defesa daquele e viola o dever de fundamentação e de concretização dos factos que preenchem o previsto no art. 542º do CPC, e reconduzindo esses factos a um ou a outro tipo de comportamento, ou a nenhum.
BY- Por todo o alegado quanto a este ponto da litigância de má-fé, resulta demonstrado que o A. deduziu a sua pretensão com a consciência de que a mesma é lícita e que assenta em factos que vivenciou, que atestam a validade do seu pedido e comprovam os diversos aspectos que lhe cabia demonstrar, na parte respeitante do ónus da prova.
BZ- Inexiste qualquer prova produzida nos autos de onde resulte a consciência da falta de verdade dos factos por si alegados, bem como se o fez a título doloso ou negligente.
CA- Consideram-se incorrectamente julgados os factos provados Z, AA e BB, na sentença, os quais devem ser dados por não provados.
CB- Quanto ao facto Z, apenas na parte final “para que todas as dúvidas pudessem ser esclarecidas”, porquanto não só não foram prestados esclarecimentos, como não houve um debate sobre os termos do acordo que o A., ou os filhos, mesmo sendo testemunhas, tivessem ajudado a conformar, como nenhum esclarecimento lhes foi prestado.
CC- Já os factos AA e BB, cf. já longamente se explanou na parte I, e para onde se remete por simplicidade, devem ser expurgados do conjunto de factos provados, na sua totalidade, por carecerem de prova bastante que os sustente.
CD- Refeito o conjunto dos dados que deverão ser dados como provados e como não provados, nos termos melhor acima descritos, deve a presente acção ser julgada procedente por provada, julgando-se demonstrados todos os requisitos da responsabilidade contratual, e, a final, revogar-se a sentença recorrida, bem como absolvendo-se o A. da condenação em litigância de má-fé.

A 13/07/2022, já através do Citius, o A. juntou aos autos email enviado de ... ao seu Patrono com o seguinte teor:

“Vimos por este meio informar que o seu Incidente registado com o ID I220711_000746, Aplicações Judiciárias/CITIUS, foi fechado pela nossa equipa de suporte.
Resposta:
Confirma-se a ocorrência de problemas na infraestrutura de comunicações as quais impossibilitaram o acesso às plataformas CITIUS.WEB e SIGNIUS entre as 22h15 do dia 11 de julho de 2022 e as 02h37 do dia 12 de julho de 2022.
(…)”

A Ré contra alegou, pugnando pela não admissibilidade do recurso ou, sendo o mesmo admitido, pela sua improcedência, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:
(…)

2. Questões a apreciar
O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.

Ordenadas logicamente, as questões que cumpre apreciar são, em síntese:

- não admissibilidade do recurso;
- rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto por incumprimento do ónus do art.º 640º do CPC;
- impugnação da matéria de facto provada e não provada;
- a sentença recorrida deve ser revogada.
           
3. Da não admissibilidade do recurso

A recorrida entende que o recurso não deve ser admitido por extemporâneo – sendo que neste âmbito parece invocar que o não cumprimento das exigências de natureza formal impostas pelo art.º 640º, é pressuposto da utilização da extensão do prazo a que alude o art.º 638º n.º 7 do CPC e, portanto, pode fundar a extemporaneidade da interposição do recurso -, porque foi remetido ao tribunal via e-mail quando devia ter sido remetido via Citius e tal falta não foi colmatada, o Patrono do A. invocou justo impedimento, mas assim que este impedimento cessou nada fez.

O tribunal recorrido pronunciou-se pela tempestividade do recurso e admitiu-o.

Nos temos do disposto no n.º 5 do art.º 641º do CPC, a decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior nem pode ser impugnada pelas partes, salvo na situação prevista no n.º 3 do artigo 306.º.

Uma vez que a questão está suscitada nas contra-alegações, impõe-se apreciá-la.

O prazo para interpor recurso da sentença recorrida é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão – art.º 638º n.º 1 do CPC.
           
A notificação da sentença às partes foi elaborada a 27/05/2022.
           
Nos termos do disposto no art.º 1 do art.º 248º os mandatários são notificados por via eletrónica nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, devendo o sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no terceiro dia posterior ao do seu envio, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.

Daqui decorre que as partes se presumem notificadas a 30 de Maio ( segunda feira).

Contando 30 dias desde o dia seguinte (nos termos da alínea b) do art.º 279º do CC, na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia… em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr), temos que as partes tinham até 29 de Junho para interpor recurso.

Mas, dispõe o n.º 7 do art.º 638º, se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias.

A extensão do prazo para recorrer, concedida pelo n.º 7 do art.º 638º, pode prestar-se a instrumentalizações.

Nessa medida e sob pena daquela extensão do prazo se tornar em regime regra, que não é, deve entender-se, como se afirma no Ac. da RP de 26/06/2014, processo 1040/12...., que o prazo suplementar para interposição de recurso e apresentação da resposta, do n.º 7 do art. 638.º do novo CPC pressupõe, cumulativamente, que (i) haja recurso da matéria de facto, (ii) a decisão seja impugnada com fundamento em depoimentos de testemunhas ou das partes, (iii) estes meios de prova estejam gravados e (iv) a decisão a proferir pressuponha a reapreciação destes meios de prova.

No âmbito do primeiro pressuposto de aplicação do n.º 7 do art.º 638º - que é haver impugnação da matéria de facto – colocam-se várias questões.

A primeira é a de saber que moldes deve observar essa impugnação.

Tendo em consideração a unidade do sistema jurídico (art.º 9º n.º 1 do CC) pode afirmar-se que a impugnação da matéria de facto exige a indicação pelo recorrente dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados.

É que, como se refere no Ac. do STJ de 03/10/2019, processo 77/06.5TBGVA.C2.S2, consultável in www.dgsi.pt/jstj, a concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados constitui um ónus primário da impugnação da decisão da matéria de facto, ou seja – dizemos nós - sem aquela concretização não se pode sequer falar em impugnação de tal decisão.

Por outro lado, com todo o respeito por opinião diversa, cremos que para se poder afirmar que o recorrente manifestou uma “vontade séria e inequívoca de impugnar a matéria de facto”, não se pode prescindir, sob pena de se cair nalgum subjectivismo, gerador de insegurança e incerteza, contrário ao bom funcionamento do sistema jurídico, de uma referência concreta e objectiva, o que se obtém considerando que tal só ocorre com a indicação dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados.

Isto é assim sem prejuízo de não haver fórmulas sacramentais para tal.

Tal concretização pode ser efectuada por referência aos pontos numerados da sentença, como através de uma indicação / expressão que permita estabelecer uma clara correspondência com algum ou alguns dos factos provados ou não provados e, assim, permita afirmar, sem margem para dúvidas, quer para a parte contrária, quer para a Relação, quais os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados.

Outra questão – ainda no âmbito do primeiro pressuposto - é a de saber se, para efeitos do disposto no art.º 638º n.º 7, essa impugnação deve constar das conclusões ou das alegações.

Não há dúvidas que para efeitos do cumprimento do ónus do art.º 640º n.º 1 alínea a) do CPC, o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões, as quais delimitam o objecto do recurso, conforme dispõe o art.º 635º, pelo que a indicação dos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões.

Neste sentido o Ac. do STJ de 19.02.2015, proc. 299/05.6TBMGD.P2.S1, www.dgsi.pt/jstj, que decidiu que o recorrente deve indicar, nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e, na motivação, deve identificar os meios de prova que, na sua perspetiva, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados, bem como as passagens da gravação relevantes e a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Mas – como veremos melhor já a seguir - aqui não cabe apreciar do cumprimento do ónus da alínea a) do n.º 1 do art.º 640º do CPC. Isto sem prejuízo de se considerar que, caso seja dado cabal cumprimento ao ónus relativo á alínea a) do n.º 1 do art.º 640º, o primeiro pressuposto de impugnação da matéria de facto com base em prova gravada deve considerar-se verificado.

Aqui apenas cabe apurar se, para efeitos do disposto no art.º 638º n.º 7 do CPC, ou seja, para verificar se o recurso reúne as condições para ser admitida a sua interposição na extensão do prazo previsto no preceito (não estando, portanto, em causa, qualquer “rejeição à posteriori”), essa impugnação deve constar das conclusões ou das alegações.

Face á jurisprudência acima recenseada, julga-se que a maioria, tendo em vista não cercear o direito ao recurso (tanto mais quanto outras situações existem em que são formalmente cumpridos todos os ónus do art.º 640º, a impugnação da matéria de facto é manifestamente improcedente, mas a extensão do prazo já foi usada), se inclina no sentido de que, para efeitos do disposto no n.º 7 do art.º 638º, basta que nas alegações o recorrente indique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (posição diametralmente oposta é a do Ac. do STJ de 08-09-2021, processo 5404/11....).
           
E cremos que esta é também a posição de Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Almedina, 6ª edição, pois, muito embora afirme na pág. 172 que “o recorrente apenas poderá beneficiar deste prazo alargado se integrar no recurso conclusões que envolvam efectivamente a impugnação da decisão da matéria de facto tendo por base depoimentos gravados, nos termos do art.º 640º, n.º 2, alínea a)”, e afirme na pág. 175 “que embora deva estabelecer-se uma distinção entre a apreciação do mérito da impugnação da decisão da matéria de facto e a apreciação dos requisitos formais que devem ser cumpridos pelo recorrente, está inviabilizada a consideração da existência de alguma impugnação da decisão da matéria de facto com base em prova gravada num caso em que o recorrente se tenha limitado a invocar uma divergência quanto à apreciação de determinados depoimentos testemunhais, sem a mínima indicação dos pontos de facto que refletiriam um erro de julgamento e sem a indicação da resposta alternativa que, com base em tais depoimentos, deveriam ter sido dadas.”, e afirme na mesma página afirma que “Se, apesar de existir prova gravada, o recurso for apresentado além do prazo normal sem que, como já se disse, seja inserida no seu objeto a impugnação da decisão da matéria de facto com base na reapreciação daquela, verificar-se-á uma situação de extemporaneidade determinante da sua rejeição.”, na nota 285 refere: “Esta solução apenas é ajustada nos casos em que as alegações revelem a pura omissão de qualquer impugnação da decisão da matéria de facto sustentada em prova gravada.”

Já no âmbito dos segundo e terceiro pressupostos - (ii) a decisão seja impugnada com fundamento em depoimentos de testemunhas ou das partes, (iii) estes meios de prova estejam gravadoscoloca-se a questão de saber se o cumprimento das alíneas b) do n.º 1 e a) do n.º 2, ambos do art.º 640º, é pressuposto da utilização da extensão do prazo a que alude o art.º 638º n.º 7 do CPC.

Dispõe o art.º 640º do CPC, cuja epigrafe é “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
(…)
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
(…)
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(…)”

A jurisprudência das Relações e sobretudo do STJ, vem afirmando, desde há muito e sucessivamente, que o não cumprimento das exigências de natureza formal impostas pelo art.º 640º, não é pressuposto da utilização da extensão do prazo a que alude o art.º 638º n.º 7 do CPC e, portanto, não pode fundar a extemporaneidade da interposição do recurso.

A consequência do não cumprimento daquelas exigências apenas dá lugar à rejeição da impugnação da decisão de facto.

Neste sentido (a recolha não é exaustiva):

-  o Ac. da RL de 12/04/2011, processo 1182/09.1TVLSB.L1-7, consultável in www.dgsi.pt/jtrl, proferido no domínio do CPC anterior à revisão de 2013 ( e que foi seguido pelo Ac. da RP de 10/07/2013, processo 391/11.8TBCHV.P1 consultável in www.dgsi.pt/jtrp), tem o seguinte sumário:
IV – Se o recorrente, apesar de ter usado aquele prazo e de manifestar o inequívoco propósito de impugnar a decisão proferida sobre os factos, não o faz, porém, em moldes que permitam apreciar o seu mérito, por não ter dado cumprimento às exigências de natureza formal impostas por lei, não se estará perante uma interposição fora de prazo geradora da inadmissibilidade do recurso, mas perante uma impugnação que, na parte atinente à matéria de facto, será objecto de rejeição.

Na fundamentação do mesmo considerou-se:
Dissemelhante será o caso em que o apelante, apesar de ter usado aquele prazo e de manifestar o inequívoco propósito de impugnar a decisão proferida sobre os factos, não o faz, porém, em moldes que permitam apreciar o seu mérito, por não ter dado cumprimento às exigências de natureza formal impostas por lei, como sejam as mencionadas especificações.
Neste quadro não se estará perante uma interposição fora de prazo geradora da inadmissibilidade do recurso, mas perante uma impugnação que, na parte atinente à matéria de facto, será objecto de rejeição.”
           
- o Ac. desta RG de 07/04/2016, processo 4247/10.3TJVNF.G1 (e onde já consta uma recensão da jurisprudência quanto à questão), consultável in www.dgsi.pt/jtrg, consta do sumário:
            I) Para que o recorrente possa beneficiar do prazo acrescido de 10 dias consignado no nº 7, do art.º 638º, do CPC, basta que, no seu requerimento manifeste inequivocamente a vontade de impugnar a decisão da matéria de facto com base em prova gravada. Não é necessário, para tal, que se mostrem observados os requisitos legais previstos, designadamente no art.º 640º, para se conhecer do mérito de tal impugnação.

- o Ac. da RP de 20/09/2021, processo 2024/20.2T8STS-A.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp, consta do sumário:
I - Para beneficiar do prazo suplementar de 10 dias o recorrente não tem que demonstrar o bem fundado da sua pretensão. A omissão dos pressupostos de ordem formal para requerer a reapreciação da decisão de facto apenas determinam a rejeição do recurso nessa parte (art. 640º/1 CPC). Não configuram pressupostos de admissibilidade do recurso.

No que respeita ao Supremo Tribunal de Justiça (todos os acórdãos citados estão disponíveis em www.dgsi.pt/jstj e apenas se consideraram os Acordãos proferidos pelas Secções Cíveis, muito embora a Secção Social também se tenha pronunciado sobre a questão, em virtude de no CPT existir norma idêntica ao n.º 7 do art.º 638º, concretamente o n.º 3 do art.º 80º):

- o Ac. de 22/10/2015, processo 2394/11...., tem o seguinte sumário:
1. Contendo a alegação apresentada pelo recorrente uma impugnação séria, delimitada e minimamente consistente da decisão proferida acerca da matéria de facto, deve ter-se por processualmente adquirido, em termos definitivos, que se verificou a prorrogação do prazo para recorrer por 10 dias, independentemente do preciso juízo que ulteriormente se faça acerca do cumprimento do ónus de exacta indicação das passagens da gravação – que naturalmente poderá condicionar o conhecimento de tal impugnação, sem, todavia, pôr em causa a tempestividade do recurso de apelação.
           
E na sua fundamentação consta:
“ …a prorrogação de 10 dias, decorrente da citada disposição legal, (…) não depende de um integral cumprimento dos ónus secundários (por visarem apenas a localização no suporte que contém a gravação dos depoimentos invocados) decorrente do preceituado na alínea a) do nº 2 do art.º 640º, cuja utilidade e funcionalidade só ganham sentido se a Relação for efectivamente reapreciar as provas.
Em suma: contendo a alegação apresentada pelo recorrente uma impugnação séria, delimitada e minimamente consistente da decisão proferida acerca da matéria de facto, deve ter-se por processualmente adquirido, em termos definitivos, que se verificou a prorrogação do prazo para recorrer por 10 dias, independentemente do preciso juízo que ulteriormente se faça acerca do cumprimento do ónus de exacta indicação das passagens da gravação – que naturalmente poderá condicionar o conhecimento de tal impugnação, sem, todavia, pôr em causa a tempestividade do recurso de apelação, na parte em que apenas versa sobre questões jurídicas.”
           
- o Ac. do STJ de 28/04/2016, processo 1006/12...., tem o seguinte sumário:
3. A extensão do prazo de 10 dias previsto no art. 638º, nº 7, do CPC, para apresentação do recurso de apelação quando tenha por objecto a reapreciação de prova gravada depende unicamente da apresentação de alegações em que a impugnação da decisão da matéria de facto seja sustentada, no todo ou em parte, em prova gravada, não ficando dependente da apreciação do modo como foi exercido o ónus de alegação.
4. Tendo o recorrente demonstrado a vontade de impugnar a decisão da matéria de facto com base na reapreciação de prova gravada, a verificação da tempestividade do recurso de apelação não é prejudicada ainda que houvesse motivos para rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto com fundamento na insatisfação de algum dos ónus previstos no art. 640º, nº 1, do CPC.

- Ac do STJ de 08/02/2018, processo 8440/14...., em cujo sumário consta:
II - A apelante que sustenta a alteração da matéria de facto com base em depoimento testemunhal gravado beneficia da prorrogação do prazo de dez dias para recorrer, independentemente da regularidade da impugnação da matéria de facto e do respectivo mérito (art. 638.º, n.º 7, do CPC).
           
- o Ac. do STJ de 14-09-2021, processo 18853/17...., consta do sumário:
            Na avaliação da tempestividade de um recurso, tendo sido feito uso do alargamento do prazo previsto no art. 638º, nº 7, do CPC, há que verificar se faz parte do objecto desse recurso a reapreciação de prova gravada, o que é independente da observância dos ditames do art. 640º do CPC.

Feita este enquadramento, verifica-se, em concreto, que o recorrente indicou nas conclusões os concretos pontos de facto incorrectamente julgados ( cfr. conclusões T, U, V, X, W, Z, AC, AD, AG, AH, AK, BI, BJ, BU, BW, CA).

Além disso e como decorre dos pontos 23 (onde é manifesto que há um lapso na data indicada), 39, 48, 98 das alegações, faz parte do objecto do recurso a reapreciação da prova gravada, pelo que se mostram cumpridos os pressupostos do n.º 7 do art.º 638º do CPC.

Assim e retomando a sequência, o recurso podia ser interposto até 09 de Julho. Mas tratando-se de um sábado, o prazo transferiu-se para o dia 11 de Julho.

Avançando, decorre do Relatório supra que a 12/07/2022, pelas 00:37, com origem no endereço electrónico ..., o Patrono do A. endereçou à Sra. Secretária de Justiça do tribunal recorrido uma mensagem de correio electróncico, solicitando fosse dada entrada a um requerimento e respectivos documentos.

A referida mensagem vem acompanhada de três anexos.

O segundo anexo é um requerimento em cujo cabeçalho consta a identificação do Ilustre Patrono do A., em que é requerida a admissão da junção aos autos do requerimento de recurso de apelação, respectivas alegações e conclusões, por email, invocando estar impedido, desde 11/07/2022, de aceder ao Citius e de submeter, por essa via, o requerimento de recurso, que tal deve-se a impossibilidade técnica, não sendo possível efectuar o login na referida plataforma, requerendo seja reconhecido o justo impedimento, para a prática atempada do acto e para o envio da peça processual anexa, por via de email e não pelo Citius, bem como considerada tempestiva.
No referido requerimento não está aposta qualquer assinatura.

O primeiro anexo à referida mensagem de correio electrónico constitui uma impressão de uma mensagem de correio electrónico endereçada pelo Patrono do A., a 11 de julho de 2022 22:43, para ...', em que o mesmo refere a “impossibilidade de efectuar log-in na plataforma Citius, impossibilidade verificada desde as 22h00.”, acompanhada de print screen de uma janela, solicitando a resolução do problema.

E a 13/07/2022, já através do Citius, o A. juntou aos autos email enviado de ... ao seu Patrono com o seguinte teor:
“Vimos por este meio informar que o seu Incidente registado com o ID I220711_000746, Aplicações Judiciárias/CITIUS, foi fechado pela nossa equipa de suporte.
Resposta:
Confirma-se a ocorrência de problemas na infraestrutura de comunicações as quais impossibilitaram o acesso às plataformas CITIUS.WEB e SIGNIUS entre as 22h15 do dia 11 de julho de 2022 e as 02h37 do dia 12 de julho de 2022.
(…)”
           
Em termos gerais, nos termos do n.º 1 do art.º 132º do CPC, o processo tem natureza eletrónica, sendo constituído por informação estruturada constante do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais e por documentos eletrónicos e nos termos do n.º 2, a tramitação dos processos, incluindo a prática de atos escritos, é efetuada no sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.

No que concretamente respeita aos actos das partes, dispõe o n.º 1 do art.º 144º que os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva expedição.

A Portaria a que se refere o n.º 2 do art.º 132º, é a Portaria n.º 280/2013, de 26/08, cujo art.º 5º n.º 1 dispõe que a apresentação de peças processuais e documentos por transmissão eletrónica de dados por mandatários judiciais é efetuada através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, no endereço eletrónico https://citius.tribunaisnet.mj.pt, de acordo com os procedimentos e instruções aí constantes e cujo art.º 6º n.º 1 dispõe que a apresentação de peças processuais é efetuada através do preenchimento de formulários disponibilizados no endereço eletrónico referido no artigo anterior, aos quais se anexam ficheiros e documentos.

Estando a parte patrocinada por mandatário e havendo justo impedimento para a prática dos atos processuais nos termos indicados no n.º 1 do art.º 144º, ou seja, por transmissão electrónica de dados, o n.º 8 do mesmo artigo dispõe que tais actos  podem ser praticados nos termos do disposto no n.º 7 do mesmo artigo 144º, ou seja, mediante:
a) Entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do ato processual, a da respetiva entrega;
b) Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do ato processual, a da efetivação do respetivo registo postal;
c) Envio através de telecópia, valendo como data da prática do ato processual a da expedição.

O “justo impedimento” está definido no n.º 1 do art.º 140º do CPC como o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato, dispondo o n.º 2 do mesmo normativo que a parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.

A não inclusão neste elenco da alínea d) do n.º 7 do art.º 144º – Entrega por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, valendo como data da prática do ato a da respetiva expedição – resulta do facto de a mesma se reportar à transmissão electrónica de dados, cuja impossibilidade de utilização é, precisamente, a razão de ser do n.º 8, que remete para aquele normativo.

Da remissão do n.º 8, para o n.º 7, resulta que nem este, nem qualquer normativo inclui a possibilidade de apresentação de peças processuais através de correio electrónico.

Não se encontra expressamente prevista na letra da lei a consequência para o facto de a parte utilizar um meio de apresentação a juízo de actos processuais que não seja a transmissão electrónica de dados ou alguma das previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do art.º 144º em caso de justo impedimento (neste sentido o Ac. do STJ de 19/0672019, proc. 1418/14.7TBEVR.E1-A.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj).

Tal previsão apenas existe para a petição inicial, dispondo o n.º 3 do art.º 558º que, sendo a petição inicial apresentada por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do artigo 144.º, compete à secretaria recusar o recebimento da petição inicial, indicando por escrito o fundamento da rejeição.

Poder-se-á pensar que estamos perante uma nulidade processual.

Mas nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 195º, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

A lei não prescreve a nulidade para a prática de um acto processual através de forma diferente da transmissão electrónica de dados ou de uma das formas previstas nas alíneas a), b) ou c) do n.º 7, fora do seu enquadramento legal, nem se vislumbra que tal irregularidade possa influir no exame ou decisão da causa.

Perante todo o quadro normativo, nomeadamente perante o disposto no n.º 1 do art.º 132º -  o  processo tem natureza eletrónica, sendo constituído por informação estruturada constante do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais e por documentos eletrónicos – perante o disposto no n.º 2 do art.º 132º do CPC - a tramitação dos processos, incluindo a prática de atos escritos, é efetuada no sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça – a prática de um acto que não seja por transmissão electrónica de dados ou uma das formas previstas nas alíneas a), b) ou c) do n.º 7, fora do seu enquadramento legal, parece ditar a sua inexistência.

Mas, seja a consequência a nulidade processual ou a inexistência, cabe perguntar se qualquer uma delas não será desproporcional face á gravidade e relevância da falta, de tal modo que coloque em causa o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva ( art.º 20º da CRP).

Expliquemo-nos

O Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 434/2011, ... Secção, ponto 7, consultável in https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110434.html, considerou o seguinte ( sublinhado nosso):
“….uma falha processual – maxime que não acarrete, de forma significativa, comprometimento da regularidade processual ou que não reflita considerável grau de negligência - não poderá colocar em causa, de forma irremediável ou definitiva, os fins substantivos do processo, sendo de exigir que a arquitetura da tramitação processual sustente, de forma equilibrada e adequada, a efetividade da tutela jurisdicional, alicerçada na prevalência da justiça material sobre a justiça formal, afastando-se de soluções de desequilíbrio entre as falhas processuais – que deverão ser distinguidas, consoante a gravidade a e relevância - e as consequências incidentes sobre a substancial regulação das pretensões das partes.”

E no Acórdão n.º 462/2016, da ... Secção, ponto 2.2., consultável in https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20160462.html, considerou que (sublinhados nossos):
«(…) a ampla liberdade do legislador no que respeita ao estabelecimento de ónus que incidem sobre as partes e à definição das cominações e preclusões que resultam do seu incumprimento está sujeita a limites, uma vez que os regimes processuais em causa não podem revelar-se funcionalmente inadequados aos fins do processo (isto é, traduzindo-se numa exigência puramente formal e arbitrária, destituída de qualquer sentido útil e razoável) e têm de se mostrar conformes com o princípio da proporcionalidade. Ou seja, os ónus impostos não poderão, por força dos artigos 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição, impossibilitar ou dificultar, de forma arbitrária ou excessiva, a atuação procedimental das partes, nem as cominações ou preclusões previstas, por irremediáveis ou insupríveis, poderão revelar-se totalmente desproporcionadas face à gravidade e relevância, para os fins do processo, da falta cometida, colocando assim em causa o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva (cfr., sobre esta matéria, Carlos Lopes do Rego, “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, in «Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa», Coimbra Editora, 2003, pp. 839 e ss. e, entre outros, os Acórdãos n.ºs 564/98, 403/00, 122/02, 403/02, 556/2008, 350/2012, 620/13, 760/13 e 639/14 do Tribunal Constitucional).
O Tribunal Constitucional, procurando densificar, na sua jurisprudência, o juízo de proporcionalidade a ter em conta quando esteja em questão a imposição de ónus às partes, tem reconduzido tal juízo à consideração de três vetores essenciais:
- a justificação da exigência processual em causa;
- a maior ou menor onerosidade na sua satisfação por parte do interessado;
- e a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento dos ónus (cfr., neste sentido, os Acórdãos n.ºs 197/07, 277/07 e 332/07).»

É seguro afirmar que a exigência de apresentação de peças processuais por transmissão electrónica de dados ou por uma das formas previstas nas alíneas a), b) ou c) do n.º 7, nos casos legalmente previstos, não se traduz numa imposição arbitrária, sem qualquer sentido útil para a tramitação processual.

Mas cominar imediatamente com a nulidade ou a inexistência a prática de um acto processual que não seja praticado por transmissão electrónica de dados ou por uma das formas previstas nas alíneas a), b) ou c) do n.º 7, nos casos legalmente previstos, traduz-se numa consequência desproporcional face á gravidade e relevância da falta e, nessa medida, não se mostra compatível com um processo equitativo, um processo justo, que respeite a efetividade da tutela jurisdicional, alicerçada na prevalência da justiça material sobre a justiça formal,  sobretudo quando pode estar em causa o exercício de um importante direito processual, como seja a apresentação de uma contestação ou a interposição de um recurso.
           
E isso torna-se mais evidente no caso concreto perante duas ordens de considerações.

A primeira é a de que do ponto de vista infraconstitucional o processo não é um fim em si mesmo, mas um instrumento para obter a justa composição do litigio ( cfr. art.º 6º n.º 1 e 411º n.º 1, máxime), em que o fundo deve prevalecer sob a forma, devendo ainda o tribunal assegurar um processo equitativo (cfr. 547º ).

Neste sentido, a prática de um acto processual, por outro modo que não a transmissão electrónica de dados ou uma das formas previstas nas alíneas a), b) ou c) do n.º 7, nos casos legalmente previstos, em nada influiu no exame ou decisão da causa.

A segunda é que, desde há algum tempo, em virtude da acelerada evolução tecnológica, o correio electrónico é o meio de comunicação privilegiado e mais utilizado, por ser o mais cómodo, acessível e actual, quando comparado com os meios de comunicação previstos nas alíneas a) a c) do n.º 7 do art.º 144º do CPC, ou seja, é mais cómodo e acessível do que uma deslocação á secretaria judicial, que pode ficar a centenas de quilómetros e que uma remessa por via postal, atenta a acentuada diminuição em todo o território nacional de estações de correio e manifestamente actual que o envio por telecópia, hoje claramente em desuso.
           
E isto é tanto mais assim quando qualquer Advogado dispõe de endereço electrónico fornecido pela OA.

Por outro lado é, também, um meio de transmissão electrónica de dados.

Feito este excurso, é tempo de concluir.

Estando em causa única e exclusivamente uma questão formal, estando assegurado que a forma do acto não reflicta um considerável grau de negligência, a única forma de compatibilizar qualquer uma das cominações com o direito a um processo que respeite a efetividade da tutela jurisdicional é, previamente, convidar a parte a apresentar o acto pelo meio de comunicação adequado.

Vejamos agora no caso concreto

Da factualidade acima relatada e concretamente do e-mail do IGFEJ de 13/07/2022, resulta comprovada “a ocorrência de problemas na infraestrutura de comunicações as quais impossibilitaram o acesso às plataformas CITIUS.WEB e SIGNIUS entre as 22h15 do dia 11 de julho de 2022 e as 02h37 do dia 12 de julho de 2022.”

Ou seja, bem ao contrário do que está alegado pela recorrida, o justo impedimento iniciou-se ainda dentro do prazo para a parte interpor recurso.

Não tendo sido possível ao patrono do A. aceder à plataforma Citius no referido período – sendo que até às 23:59:59 do dia 11/07/2022 o A. poderia remeter o requerimento de interposição de recurso, acompanhado das alegações - há que concluir pela verificação de uma situação de justo impedimento, ou seja, por motivo não imputável ao A., não só não foi possível a prática atempada do acto, como não foi possível a prática do acto pelo meio legal, ou seja, por transmissão electrónica de dados.

Neste caso, seria possível conjecturar duas opções:
- ou o A. aguardava a cessação do justo impedimento
Estamos no âmbito da previsão do  n.º 2 do art.º 140º - a parte apresentar-se a requerer logo que cesse o justo impedimento – a qual tem em vista aquelas situações em que a parte ou o seu patrono ou mandatário têm, mediante a adequada diligência, controlo sobre a fonte do impedimento  e, assim, conhecimento da sua cessação.
Tal não sucede numa situação de impossibilidade de acesso ao Citius. Só com um grau de diligência inexigível face ás realidades práticas da vida (sobretudo tendo em consideração a hora tardia a que a referida impossibilidade se verificou e quando o facto não lhe era imputável) é que saberia que a mesma tinha cessado;
- ou comunicava através de uma das formas previstas nas alíneas a), b) ou c) do n.º 7 do art.º 144º.
Como já ficou dito, em virtude da evolução tecnológica, as referidas formas de comunicação não são cómodas, facilmente acessíveis e actuais.

A parte não optou por nenhuma delas, tendo, às 00:37 do dia 12/07, ou seja, 37 minutos após o termo do prazo, remetido uma mensagem de correio electrónico acompanhado de um ficheiro electrónico que constitui um requerimento em que é invocado o justo impedimento e outro ficheiro electrónico contendo o requerimento de interposição de recurso, alegações e conclusões.

Não só a forma de comunicação adoptada não reflecte um considerável grau de negligência, como revela, pode dizer-se, uma actuação em excesso de zelo, já que em tempo muito próximo do inicio da situação de justo impedimento (há uma diferença de cerca de 2 horas) e antes da cessação do mesmo, a parte adotou uma forma de comunicação não prevista na lei, mas a que era, de acordo com a realidade actual, a mais acessível.

Muito embora a forma de comunicação não seja a legalmente prevista, demonstrado que estava o justo impedimento e que a prática do acto ocorre em tempo muito próximo à sua verificação e antes da sua cessação, não seria caso de não admitir o acto (o que não sucedeu, pois, desde logo, a Secretaria não só não rejeitou o acto, como o juntou ao processo electrónico logo no dia 12/07), mas de convidar a parte a apresentar o recurso pela forma adequada.

Sucede que não só isso não foi feito, como em 1ª instância foi proferido despacho de admissão do recurso.

E muito embora tal despacho não vincule este tribunal, mandar agora praticar o acto pelo Citius, quando o recurso foi admitido, o processo se encontra na Relação e decorreu muito tempo desde a interposição do recurso, seria praticar um acto absolutamente formal, sem qualquer sentido útil, contrário à prevalência da justiça material sobre a justiça formal, à economia e celeridade processual, pelo que não se ordena tal e mantêm-se a admissão do recurso.

4. Fundamentação de facto
Factos provados (com relevância para a discussão da causa e selecionados de acordo com as regras da repartição do ónus da prova):
A. Na acção n.º 25/13...., que correu termos no Juiz ... dos ..., o autor peticionou, nomeadamente, que fossem declarados nulos e/ou ineficazes vários negócios jurídicos que tinham como objecto vários imóveis.
B. No dia 24 de abril de 2019, no âmbito de audiência de julgamento realizada na acção referida em A., foi formalizado o seguinte acordo, que foi homologado por sentença transitada em julgado:
“1ª O Autor desiste dos pedidos formulados nos presentes autos relativamente aos 4º, 5º, 6º, 7º e 8º Réus e Chamadas.
2ª O Réus AA e as sociedades «R..., Lda.» e «D..., Lda.», ambas representadas por AA, reconhecem que são solidariamente devedoras ao Autor AA da quantia de € 315.000,00 (trezentos e quinze mil euros).
3ª Consigna-se ainda que este crédito foi reclamado e reconhecido no âmbito do Processo de Insolvência que correu termos no extinto ... Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca ..., sob o n.º 7405/12...., o que não invalida por parte do Réu AA e das sociedades Rés «R..., Lda.» e «D..., Lda.», o reconhecimento efetuado na presente data.
4ª As custas processuais eventualmente em dívida serão suportadas por todas as partes em partes iguais, não prescindindo os 4º, 5º, 6º, 7º e 8º Réus e os Chamados de custas de parte”.
C. O autor sofria, à data referida em B., de depressão major que, à data de 27/4/2021, se caracterizava por anedonia, apatia, desmotivação e insónia, com repercussões na vida diária e nas interacções sociais e familiares o autor.
D. Em 26 de Abril, o autor e a filha, CC, entraram em contacto com a ré, a fim de impugnarem/reclamarem/recorrerem do acordo referido em B. e sua homologação, tendo a ré entendido que não haveria fundamento para tal.
E. Considerando a discordância de posições entre as partes, a ré decidiu pedir escusa junto da Ordem dos Advogados, em 20/05/2019.
F. A ré não remeteu o comprovativo do seu pedido de escusa aos próprios autos.
G. Em 31 de Maio, o autor deu entrada, pessoalmente, de requerimento a solicitar a interrupção do prazo de recurso, até nova nomeação de patrono, o qual mereceu despacho, datado de 03/06/2019, que decidiu que a comunicação ao processo apenas se deu após o termo do prazo de recurso, o qual ocorreu em 24/05/2019, pelo que o referido prazo não se interrompeu e foi ultrapassado.
H. O autor recorreu do despacho referido em H., sem sucesso, porquanto esta decisão veio a ser confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24/10/2019.
I. A ré informou o autor de que não interporia o pretendido recurso e da sua decisão de pedir escusa, a qual veia a ocorrer validamente perante o Conselho ... da Ordem dos Advogados.
J. O autor intentou ação destinada a fazer anular o acordo referido em B., a qual corre termos no Juízo Central Cível ... - Juiz ..., com o nº de processo 3462/20.....
K. Até hoje, o autor nada recebeu por conta do acordo referido em B. uma vez que as partes rés que ali se comprometeram a pagar não o fizeram.
L. A ré DD esteva ausente na sessão onde veio a ser obtido o acordo referido em B., não tendo ali comparecido representante da mesma.
*
Da reconvenção
M. A ré foi nomeada patrona oficiosa do autor no dia 17 de setembro de 2018 na sequência da escusa de patrocínio por parte dos patronos anteriormente nomeados.
N. A filha do Autor, HH, contactava quase diariamente o escritório da ora ré e pedia a marcação de consultas praticamente todas as semanas.
O. Quando foi designada data para a realização de tentativa de conciliação, para o dia 19 de fevereiro de 2019, foram realizados pedidos de consultas diárias no seu escritório.
P. Ligaram várias vezes para o escritório, sendo certo que a funcionaria da Ré informou o autor e filha, várias vezes, que tinha instruções para não agendar mais reuniões e consultas dado que a ré já estava munida de toda a informação necessária para o efeito.
Q. Antes da tentativa de conciliação, a ré voltou a reunir com o autor e a sua filha, uma reunião que demorou cerca de 1 hora.
R. A tentativa de conciliação realizada a 19 de fevereiro de 2019 não se logrou chegar a acordo e ficou agendada a Audiência de Discussão e Julgamento para o dia 24 de abril de 2019.
S. Retomaram então os telefonemas constantes para o escritório da Ré a solicitar reuniões.
T. A filha do autor comparecia sem avisar no escritório da ré, enviava emails, alegando querer definir a estratégia a adotar, que queria ver os documentos a juntar.
U. Foi então marcada uma reunião para meados de abril, tendo comparecido o autor e o seu filho.
V. O autor apresentou participação disciplinar contra a ré.
W. Com a presente ação, a ré/reconvinte teve que contratar advogados para a patrocinar e os honorários devidos serão fixados na média de €100,00/hora.
X. E teve de pagar taxa de justiça para se defender da presente ação.
Y. A ré sofreu transtornos e aborrecimentos por ter que se defender na ação.
*
Para a litigância de má-fé
Z. Durante a celebração do acordo referido em B., foi permitido aos seus filhos estarem presentes na sala de audiências para que todas as dúvidas pudessem ser esclarecidas.
AA. O autor concordou expressamente com o acordo referido em B..
BB. Tudo foi explicado ao autor e aos seus dois filhos, tendo o autor entendido muito bem o teor do acordo que realizou e o acordo alcançado só se concretizou porque o mesmo assim o pretendeu, depois de esclarecidas todas as suas dúvidas.
CC. No dia 30.04.2019, a ré enviou email à Dra. II (mandatária dos réus naquela ação) no seguimento da transação efetuada (em 24.04.2019) a propor uma reunião com ambas as partes, no sentido de ser delineado um plano de pagamento em prestações, tendo a referida reunião ficado agendada para dia 13.05.2019, com consentimento de ambas as partes, tendo estado presentes, na referida reunião, ademais, o autor e os filhos.
DD. No dia 20.5.2019, a filha do autor (HH) enviou email à ré o email que consta de fls. 13, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
*
Factos não provados (com relevância para a discussão da causa e selecionados de acordo com as regras da repartição do ónus da prova):
1. À data referida em B., o autor tinha lapsos de memória que afetavam tanto a sua capacidade de se expressar, mas também a de compreender inteiramente o alcance das próprias palavras.
2. No momento do acordo referido em B., o autor estava muito cansado e confuso.
3. E não se encontrava capaz de entender, e, em função disso, expressar a sua concordância ou oposição aos termos do acordo referido em B., não tendo capacidade de compreender e entender tudo quanto lhe foi exposto e dele se pretendia, no que toca a tomada de posição quanto ao objeto do litígio.
4. O autor não emitiu conscientemente qualquer declaração de concordância com o acordo referido em B., tendo ficado sem reação e sem capacidade de articular o que quer que fosse, tendo permanecido em silêncio, resultante de cansaço e confusão, da depressão major e do temor reverencial ante a postura do Ex.mo Senhor Juiz de Direito.
5. Antes de encerrada a audiência de julgamento, a filha do autor, ali testemunha, JJ, tentou dizer que o seu pai não queria fazer acordo, pois queria que a ação continuasse, porém não lhe foi permitido falar.
6. À data da interposição da ação referida em A., os imóveis objeto da ação tinham um valor de 345.000,00€.
7. As rés que se comprometeram a pagar no acordo referido em B. não o farão em virtude da falta de património e/ou insolvência.
8. Como decorrência direta da forma como se concluiu o processo referido em A., o autor sofreu um agravamento do seu quadro clínico, tendo ficado profundamente desgostoso e abalado, desenvolvendo um discurso por vezes desconexo em relação ao sucedido, com ideação suicida, mas também heterolesiva, discurso negativista quanto ao futuro, que o priva do sono e descanso, o que culminou em internamento que durou de 02 a 09 de setembro de 2021.
*
9. O autor pretendia recorrer da prova gravada.
10. O autor intentou a presente ação e fez o referido em V. com o objetivo de massacrar a ré.
11. O Autor é uma pessoa saudável, com discurso coerente e organizado.

4.2. Impugnação da decisão de facto
4.2.1. Os requisitos do art.º 640º do CPC

Dispõe o art.º 640º do CPC, cuja epigrafe é “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(…)”

Não releva dar aqui conta do percurso legislativo percorrido até se chegar à norma em referência – para tal cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6ª edição, pág. 194-195.

Apenas importa considerar que em tal percurso “…foram recusadas soluções maximalistas que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.” – aut. e ob. cit. pág. 194

O mesmo autor, in ob. cit. pág. 196-197, procede a uma síntese da jurisprudência quanto ás exigências legais quando o recurso de apelação envolva a impugnação da matéria de facto, nomeadamente quanto ao “lugar” (alegações ou conclusões) em que as mesmas devem ser observadas e que são:
a) o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões, dizendo em nota (307) que são as conclusões que delimitam o objecto do recurso, conforme dispõe o art.º 635º, de modo que a indicação dos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões;
b) deve ainda especificar, na motivação, os concretos meios de prova, constantes do processo (documentos ou confissões reduzidas a escrito) ou de registo (depoimentos que não foi possível gravar, mas que foram reduzidos a escrito, como sucede com cartas rogatórias) ou gravação nele realizada (depoimentos orais prestados em audiência que ficaram gravados em áudio ou vídeo), que no seu entender determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos objecto de impugnação;
c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação tenha por base, no todo ou em parte, a prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere pertinentes;
d) o recorrente deixará, expresso, na motivação, a decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação critica dos meios de prova produzidas.

Impõe-se acrescentar algumas notas.

Assim e relativamente ao referido em b), não basta ao recorrente indicar os concretos meios de prova que no seu entender impunham decisão diversa da recorrida.
Impõe-se ao recorrente o “ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, ónus esse que atua numa dupla vertente:  cabe-lhe rebater, de forma suficiente e explicita, a apreciação critica da prova feita no tribunal a quo e tentar demonstrar que tal prova inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente.” ( Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in CPC Anotado, 2ª edição, pág. 797), ou seja, o recorrente tem o ónus de indicar as razões pelas quais aqueles meios de prova permitem se considere provado, ou não provado, consoante for o caso, o facto impugnado, tem de fazer uma análise critica dos meios de prova que no seu entender impõem decisão diversa da recorrida.

Relativamente ao referido na alínea c), consta do sumário do Ac. do STJ de 18/06/2019, proc. 152/18.3T8GRD.C1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj:
III - A alínea a) do n.º 2 do art. 640.º do Código de Processo Civil deve ser interpretada no sentido de que a impugnação da matéria de facto com base em prova gravada tanto se pode fazer mediante a indicação dos concretos segmentos da gravação como mediante a transcrição deles.
IV - Todavia, transcrever os depoimentos é reproduzir objetivamente, sem fazer intervir qualquer subjetividade, filtro ou juízo apreciativo, aquilo que as pessoas ouvidas declararam (verbalizaram).
V - Não vale como transcrição uma “resenha” (sic) ou aquilo que “em suma” (sic) terão referido as pessoas de cujos depoimentos o recorrente se quer fazer valer.
VI - Neste caso não se está senão perante a interpretação dada pelo recorrente aos depoimentos em causa, e não, como é devido, perante uma transcrição objetiva do teor desses depoimentos.

Em terceiro lugar, ainda quanto ao referido em c), a alínea a) do n.º 2 do art.º 640º rege para a hipótese de os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas terem sido gravados e o recorrente não dar cumprimento ao ónus de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, nem proceda á transcrição dos excertos que considere relevantes.
E, caso se verifique esta hipótese, determina a rejeição do recurso “na respectiva parte”, ou seja - e é isto que se quer relevar - , na parte relativa aos meios probatórios que tenham sido gravados.
Se acaso a parte tiver invocado, além de meios probatórios que tenham sido gravados, outros meios de prova – documentos, perícia - nesta parte, quanto a estes meios de prova, a impugnação não pode ser rejeitada.

Finalmente e como refere Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ª edição, pág. 200, a análise do cumprimento destes ónus deve ser realizada “à luz de um critério de rigor. Trata-se afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Exigências que, afinal, devem ser o contraponto dos esforços que todos quantos, durante décadas, reclamaram a atenuação do princípio da oralidade pura e a atribuição à Relação de efetivos poderes de sindicância da decisão da matéria de facto como instrumento da realização da justiça”.

4.2.2. Em concreto
Da mesma forma que a fundamentação de facto e a respectiva motivação ou apreciação critica da prova são tratadas numa parte distinta da sentença e concretamente distinta da fundamentação de direito, assim também um recurso, que tenha por objecto a impugnação da decisão de facto, devia tratar da mesma de forma autónoma e distinta das alegações de Direito.

Porém, tal não se verifica no caso concreto, traduzindo-se as alegações numa  mistura de impugnação de facto, manifestação de inconformismo sobre o que foi dado como provado ou não provado e alegações de Direito.

Concretamente no que respeita á vertente da impugnação de facto, a complexidade das alegações do recorrente impuseram a este tribunal que procedesse a uma “apreciação global das alegações de recurso, extraindo desse conjunto o que verdadeiramente importa para a aferição da existência, ou não, de algum erro de julgamento da matéria de facto”  (Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ª edição, pág. 205), tendo em consideração que está em causa o direito ao recurso, emanação do direito fundamental a um processo justo e equitativo.

Vejamos
Se as conclusões permitem identificar os pontos de facto que o recorrente pretende impugnar, assim tendo sido dado cumprimento ao ónus referido na alínea a) supra, o mesmo não sucede, quanto a parte dos factos impugnados, com os ónus referidos nas alíneas b) e c).

Assim, é patente que relativamente:
- à alínea Z dos factos provados, o recorrente não deu cumprimento ao ónus previsto na alínea b), ou seja, não especifica os meios de prova que determinavam decisão diversa;
- à alínea BB dos factos provados, muito embora se reporte ao depoimento de uma testemunha ( cfr. art.º 39º das alegações) não deu cumprimento ao ónus da alínea c), ou seja nem indica as passagens da gravação relevantes, nem transcreve os excertos que considera relevantes;
- à alínea CC, o recorrente, muito embora mencione três testemunhas ( cfr. art.º 150º das alegações) não deu cumprimento ao ónus da alínea c), ou seja nem indica as passagens da gravação relevantes, nem transcreve os excertos que considera relevantes, sendo certo que não são indicados quaisquer outros meios de prova;
- ao ponto 3 dos factos não provados não deu cumprimento ao ónus referido na alínea c), pois no art.º 48º das alegações refere que o “facto não provado 3 foi demonstrado pelo depoimento do Mmº Juiz da acção pauliana, que no seu depoimento, a mins e ss. confirmou que o A. se remeteu ao silêncio”, mas não indica as passagens da gravação relevantes nem transcreve os excertos que considera relevantes, sendo certo que não indicou outros meios de prova;
- ao ponto 8 dos factos não provados, o recorrente não deu cumprimento aos ónus previstos nas alíneas b) e c) pois, muito embora refira o “depoimento das testemunhas do A. “ (cfr. art.ºs 74º, 83º, 84º, 85º das alegações) em parte alguma as especifica e muito menos indica as passagens da gravação relevantes ou transcreve os excertos que considera relevantes; além disso, muito embora posteriormente se refira criticamente ao depoimento de outras testemunhas (cfr. artigos 88º, 91º, 92º, 93º, 94º, 95º, 97º, 100º), não deu, quanto a estas, cumprimento ao ónus da alínea c) supra, não tendo indicado as passagens da gravação relevantes nem transcrito os excertos que considera relevantes.

Neste conspecto, rejeita-se a impugnação da matéria de facto quanto ás alíneas Z e CC dos factos provados e ponto 3 dos factos não provados – na sua totalidadee rejeita-se a impugnação da decisão de facto quanto à alínea BB dos factos provados e ponto 8 dos factos não provados - na parte em que tal impugnação se sustenta em depoimentos gravados.

4.3. Da modificabilidade da decisão de facto
4.3.1. Enquadramento jurídico
O art.º 662º do CPC, com a epigrafe “Modificabilidade da decisão de facto” dispõe:
“1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
(…)”

Está em causa saber como a Relação deve mover-se no domínio da modificabilidade da decisão de facto.

A apreciação, pela Relação, da decisão de facto impugnada, não visa um novo julgamento global ou latitudinário da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão (cfr. o Ac. do STJ de 01/07/2021, processo 4899/16.0T8PRT.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj)

O sentido deste normativo é o de impor à Relação o dever de modificar a decisão de facto, sempre que havendo impugnação da matéria de facto e no respeito do principio do dispositivo quanto ao objecto do recurso, ou seja, quanto aos factos impugnados, os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, entendendo-se que:
i) incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em 1.ª instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir [cfr. nº 2, als. a) e b) do citado  art.º 662º],  à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC (cfr. o Ac. do STJ de 01/07/2021, processo 4899/16.0T8PRT.P1.S1 e em sentido semelhante os Ac.s do STJ de 14/09/2021, proc. 60/19.0T8ETZ.E1.S1, de 13/04/2021, proc. 2395/11.1TBFAF.G2.S1 todos consultáveis in www.dgsi.pt/jstj) assumindo-se o mesmo como tribunal de instância (Abrantes Geraldes, Recursos em processo civil, 6ª edição, pág. 331 e 332);
ii) no processo de formação de uma convicção autónoma, a Relação não está adstrita aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido tendo plena aplicação o disposto no art.º 413º do CPC.

Concretamente afirma-se no Ac. do STJ, de 20.12.2017, proc. 3018/14.2TBVFX.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj (sublinhado nosso):
“Neste quadro, a apreciação do erro de julgamento da decisão de facto é circunscrita aos pontos impugnados, embora, quanto à latitude da investigação probatória, o Tribunal da Relação tenha um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, como decorre do preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, sem estar adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido.
São, portanto, as referidas condicionantes da economia do julgamento do recurso e da natureza e estrutura da decisão de facto que postulam o ónus, por banda da parte impugnante, de delimitar com precisão o objeto do recurso, ou seja, de definir as questões a reapreciar pelo tribunal ad quem, especificando os concretos pontos de facto ou juízos probatórios, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC.
Por seu turno, a indicação dos concretos meios probatórios convocáveis pelo recorrente, nos termos da alínea b) do mesmo artigo, já não respeita propriamente à delimitação do objeto do recurso, mas antes à amplitude dos meios probatórios a tomar em linha de conta, sem prejuízo, porém, dos poderes inquisitórios do tribunal de recurso de atender a meios de prova não indicados pelas partes, mas constantes dos autos ou das gravações realizadas.”

E no mesmo sentido Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, 6ª edição, pág. 357 afirma (sublinhado nosso):
“ Posto que (…) a modificação da decisão da matéria de facto esteja dependente da iniciativa da parte interessada e deva limitar-se aos pontos de facto especificamente indicados, desde que se mostrem cumpridos os requisitos formais que constam do art.º 640º, a Relação já não está limitada á reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência ( art.º 413º), sem exclusão sequer da possibilidade de efetuar a audição de toda a gravação se esta se revelar oportuna para a concreta decisão.”

Deve ainda referir-se que o tribunal ad quem pode alterar oficiosamente a decisão sobre a matéria de facto quando:
i) repute a decisão da matéria de facto sobre pontos determinados da matéria de facto deficiente, obscura ou contraditória e constem do processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida (cfr. art.º 662º n.º 2 alínea c);
ii) quando o tribunal recorrido tenha considerado não provado um facto apesar de estar junto ao processo meio de prova com força plena ( documento – art.ºs 371º n.º1 e 376º n.º 1 do CC) ou tenha desatendido uma declaração confessória ( art.ºs 358º do CC e art.sº 484º n.º 1 e 4463º do CPC) ou tenha desconsiderado algum acordo das partes quanto a determinado facto ( art.º 574, n.º 2 do CPC) ou tenha considerado provado um facto que só podia ser provado por documento ou confissão, na medida em que nestas situações a Relação se limita a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material ( cfr. art.º 607º n.º , aplicável ex vi art.º 663º n.º 2) ( cfr. Abranges Geraldes, ob. cit. pág. 333-334);
iii) quando na sequência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto apresentada pela recorrente, o Tribunal recorrido procedeu à reapreciação e à alteração desta decisão e, numa reapreciação conjunta e global dos factos, seja necessário alterar algum facto não impugnado, a bem da coerência daquela decisão (cfr. Ac. do STJ de 29/04/2021, proc. 684/17.0T8ABT.E1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj).

4.3.2. Em concreto
Antes de analisar em concreto a impugnação, impõe-se verificar que, relativamente ás alíneas N) a V), o que o recorrente alega não corresponde a impugnação da decisão de facto.

Esta pressupõe a invocação de que os factos julgados provados, deviam ter sido julgados não provados ou que os factos julgados não provados, deviam ter sido julgados provados.
Ou seja: impõe-se que a parte afirme – e explique – que os factos foram incorrectamente julgados, provados ou não provados.

No caso, o que o recorrente alega é que – cfr. conclusão BI –“os factos N a V, relativos à reconvenção, devem também ser excluídos dos factos provados, não só por não terem qualquer relevância para o objecto dos autos, mas também por não servirem de fundamento à verificação da ocorrência, ou não, de litigância de má-fé, mas também por não servirem para o cálculo da indemnização fixada a este título.”

Saber se um facto é relevante ou não, constitui matéria de direito e não impugnação de facto.

Assim, apenas são objecto da impugnação da decisão de facto as alíneas B, W, Y, AA e BB dos factos provados e pontos 1 a 8 dos factos não provados.

A análise da impugnação de facto deve obedecer a uma lógica, isto é, deve ter em consideração que os factos não são uma amálgama desordenada. Pelo contrário, têm uma ordenação sequencial, lógica e cronológica, uma determinada coerência interna, que é dada pelas questões jurídicas a apreciar.

E isto é tanto mais assim quanto o “ art.º 607º, nº 4, 2ª parte, impõe ao juiz a tarefa de compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, o que necessariamente implica uma descrição inteligível da realidade litigada, em lugar de uma sequência desordenada de factos atomísticos.” ( cfr. Abrantes Geraldes, in Sentença Cível, pág. 10-11, consultável in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/asentencacivelabrantesgeraldes.pdf).

Assim a ordem lógica por que se impõe analisar a factualidade impugnada é a seguinte:
i) alínea B. dos factos provados;
ii) pontos 4, 5, 1, 2, 3 e 8 dos factos não provados e alíneas AA. e BB. dos factos provados;
iii) pontos 6 e 7 dos factos não provados;
iv) alíneas W. e Y. dos factos provados.

Consta da alínea B. dos factos provados:
B. No dia 24 de abril de 2019, no âmbito de audiência de julgamento realizada na acção referida em A., foi formalizado o seguinte acordo, que foi homologado por sentença transitada em julgado:
“1ª O Autor desiste dos pedidos formulados nos presentes autos relativamente aos 4º, 5º, 6º, 7º e 8º Réus e Chamadas.
2ª O Réus AA e as sociedades «R..., Lda.» e «D..., Lda.», ambas representadas por AA, reconhecem que são solidariamente devedoras ao Autor AA da quantia de € 315.000,00 (trezentos e quinze mil euros).
3ª Consigna-se ainda que este crédito foi reclamado e reconhecido no âmbito do Processo de Insolvência que correu termos no extinto ... Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca ..., sob o n.º 7405/12...., o que não invalida por parte do Réu AA e das sociedades Rés «R..., Lda.» e «D..., Lda.», o reconhecimento efetuado na presente data.
4ª As custas processuais eventualmente em dívida serão suportadas por todas as partes em partes iguais, não prescindindo os 4º, 5º, 6º, 7º e 8º Réus e os Chamados de custas de parte”.

O tribunal recorrido consignou a seguinte fundamentação para a alínea referida:
“Já a factualidade constante de B. (…) foi consignada como provada em face da certidão da ata de fls. 61 e ss. (…).”

Concorda-se que a fonte do facto em referência é a Acta da audiência de julgamento do processo 25/13, que teve lugar a 24/09/2019, Acta essa assinada electronicamente pelo Sr. Juiz que presidiu á mesma, Dr. KK e cuja certidão foi junta aos presentes autos a 08/04/202.

Sucede que a alínea B. não retrata com fidelidade o que consta da referida Acta e que se mostra relevante para a boa decisão da causa.

Assim e no que ora releva consta da mesma:
“Após o Meritíssimo Juiz determinou a suspensão da presente sessão de julgamento por 10 minutos.
*
Decorrido o período concedido para conversações e retomados os trabalhos  em audiência, foi pedida a palavra pelos Ilustres mandatários das partes, Autor e Réu AA (por si e enquanto legal representante das sociedades (….)) a qual lhes foi concedida  e, no uso da mesma disseram que pretendiam pôr termo à presente Acção Pauliana (Ordinária), nos termos das CLÁUSULAS que se seguem:

1ª O Autor desiste dos pedidos formulados nos presentes autos relativamente aos 4º, 5º, 6º, 7º e 8º Réus e Chamadas.
2ª O Réus AA e as sociedades «R..., Lda.» e «D..., Lda.», ambas representadas por AA, reconhecem que são solidariamente devedoras ao Autor AA da quantia de € 315.000,00 (trezentos e quinze mil euros).
3ª Consigna-se ainda que este crédito foi reclamado e reconhecido no âmbito do Processo de Insolvência que correu termos no extinto ... Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca ..., sob o n.º 7405/12...., o que não invalida por parte do Réu AA e das sociedades Rés «R..., Lda.» e «D..., Lda.», o reconhecimento efetuado na presente data.
4ª As custas processuais eventualmente em dívida serão suportadas por todas as partes em partes iguais, não prescindindo os 4º, 5º, 6º, 7º e 8º Réus e os Chamados de custas de parte”. (…)”

Destarte e para que a alínea B. dos factos provados retrate com fidelidade o que consta da Acta, impõe-se alterar a sua redacção, a qual passa a ser:
B. Foi lavrada Acta da audiência de julgamento do processo 25/13, que teve lugar a 24/09/2019, Acta essa assinada electronicamente pelo Sr. Juiz que presidiu á mesma, Dr. KK e onde consta, no que ora releva:
“Após o Meritíssimo Juiz determinou a suspensão da presente sessão de julgamento por 10 minutos.
*
Decorrido o período concedido para conversações e retomados os trabalhos  em audiência, foi pedida a palavra pelos Ilustres mandatários das partes, Autor e Réu AA (por si e enquanto legal representante das sociedades (….)) a qual lhes foi concedida  e, no uso da mesma disseram que pretendiam pôr termo à presente Acção Pauliana (Ordinária), nos termos das CLÁUSULAS que se seguem:
1ª O Autor desiste dos pedidos formulados nos presentes autos relativamente aos 4º, 5º, 6º, 7º e 8º Réus e Chamadas.
2ª O Réus AA e as sociedades «R..., Lda.» e «D..., Lda.», ambas representadas por AA, reconhecem que são solidariamente devedoras ao Autor AA da quantia de € 315.000,00 (trezentos e quinze mil euros).
3ª Consigna-se ainda que este crédito foi reclamado e reconhecido no âmbito do Processo de Insolvência que correu termos no extinto ... Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca ..., sob o n.º 7405/12...., o que não invalida por parte do Réu AA e das sociedades Rés «R..., Lda.» e «D..., Lda.», o reconhecimento efetuado na presente data.
4ª As custas processuais eventualmente em dívida serão suportadas por todas as partes em partes iguais, não prescindindo os 4º, 5º, 6º, 7º e 8º Réus e os Chamados de custas de parte”. (…)”

Consta dos pontos 4, 5, 1, 2, 3 e 8 dos factos não provados e alíneas AA. e BB. dos factos provados:
4. O autor não emitiu conscientemente qualquer declaração de concordância com o acordo referido em B., tendo ficado sem reação e sem capacidade de articular o que quer que fosse, tendo permanecido em silêncio, resultante de cansaço e confusão, da depressão major e do temor reverencial ante a postura do Ex.mo Senhor Juiz de Direito.
5. Antes de encerrada a audiência de julgamento, a filha do autor, ali testemunha, JJ, tentou dizer que o seu pai não queria fazer acordo, pois queria que a ação continuasse, porém não lhe foi permitido falar.
1. À data referida em B., o autor tinha lapsos de memória que afetavam tanto a sua capacidade de se expressar, mas também a de compreender inteiramente o alcance das próprias palavras.
2. No momento do acordo referido em B., o autor estava muito cansado e confuso.
3. E não se encontrava capaz de entender, e, em função disso, expressar a sua concordância ou oposição aos termos do acordo referido em B., não tendo capacidade de compreender e entender tudo quanto lhe foi exposto e dele se pretendia, no que toca a tomada de posição quanto ao objeto do litígio.
8. Como decorrência direta da forma como se concluiu o processo referido em A., o autor sofreu um agravamento do seu quadro clínico, tendo ficado profundamente desgostoso e abalado, desenvolvendo um discurso por vezes desconexo em relação ao sucedido, com ideação suicida, mas também heterolesiva, discurso negativista quanto ao futuro, que o priva do sono e descanso, o que culminou em internamento que durou de 02 a 09 de setembro de 2021.

AA. O autor concordou expressamente com o acordo referido em B..
BB. Tudo foi explicado ao autor e aos seus dois filhos, tendo o autor entendido muito bem o teor do acordo que realizou e o acordo alcançado só se concretizou porque o mesmo assim o pretendeu, depois de esclarecidas todas as suas dúvidas.

O que consta dos pontos 4 e 5 dos factos não provados, foi alegado pelo A. na petição inicial depois de proceder à transcrição na petição inicial da parte final da audiência de julgamento realizada no processo 25/13, no dia 24/04/2019.
Ou seja: os referidos factos sustentam-se na gravação da audiência realizada naquele processo.

Foi totalmente olvidado o que consta da Acta da referida Audiência de julgamento.

 Porém, impõe-se ter em consideração o que consta da mesma.

Vejamos porquê.

O art.º 363º n.º 2 do CC dispõe que são documentos autênticos os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares.

Como refere Luís Pires de Sousa, in Direito probatório material, 2ª edição, pág. 118, “os documentos autênticos têm, assim, três requisitos: a autorização, expedição ou intervenção de uma autoridade pública ou oficial público (publicis persona); a atuação da autoridade ou do oficial público dentro do seu âmbito de competências funcionais e territoriais decorrentes da lei; e que o documento revista as formalidades ou solenidades previstas pela lei (solmniter confecta). Se o documento autêntico contém apenas as declarações do seu emitente, estamos perante um documento meramente declarativo. Se o documento reproduz declarações de outros sujeitos, proferidas na presença do oficial público, o documento é, nessa parte, narrativo.”

O art.º 290º n.º 4 do CPC dispõe que a transação pode também fazer-se em ata, quando resulte de conciliação obtida pelo juiz…

A Acta da audiência de julgamento é um documento autêntico (arts. 363º, n.º 2 e 369º do CC) uma vez que se mostra assinada pelo Sr. Juiz que presidiu à audiência de julgamento.

Neste sentido Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, págs. 560, onde se lê que: “Em sede de atos judiciais, há que se distinguir entre os que assumem a natureza de documentos autênticos e os que são apenas documentos particulares. Os autos assinados pelo juiz e as atas de audiência (consubstanciando a realização e conteúdo de ato presidido pelo juiz) constituem documentos autênticos que fazem prova plena do que neles consta (art. 371º do CC, art. 159º, n.º 1, do CPC; STJ 20-2-2014, 4622/08).

E na jurisprudência (a título meramente exemplificativo):
- o Ac. do STJ de 28/01/2003, processo 03B2330, consultável in www.dgis.pt/jstj, em cujo sumário consta:
1. A acta da audiência de discussão e julgamento tem a acta natureza de documento autêntico, fazendo prova plena dos factos que integram o seu conteúdo e a sua força probatória, ressalvada a possibilidade da sua rectificação nos termos do nº 3 do art. 159º do C.Proc.Civil, só pode ser ilidida através de prova da falsidade dos actos que nela se consubstanciam, no respectivo incidente de falsidade.

- o Ac. desta RG de 11/05/2017, proc. 81/16.5T8MTR-A.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg, em cujo sumário consta:
I – As Atas de audiência de julgamento ou de qualquer diligência judicial são documentos públicos, qualificáveis como documentos autênticos, por força das disposições legais dos art. 369.º e ss. doC.Civil.

- o Ac. da RL de 02/02/2021, proc. 26297/19.4T8LSB-A.L1-7, consultável in www.dgsi.pt/jtrl, em cujo sumário consta:
3. Assumindo a ata de uma diligência judicial a natureza de documento autêntico, ela faz prova plena dos factos que integram o seu conteúdo, constituindo a assinatura do juiz a garantia da fidelidade da sua reprodução, pelo que a força probatória da mesma só pode ser ilidida através da prova da falsidade dos atos a que se reporta, em sede de incidente de falsidade.

- e o Ac. desta RG de 30/11/2022, proc. 2722.6T8CHV.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg, em cujo sumário consta:
1- A ata de conferência de progenitores que explana o acordo quanto ao exercício das responsabilidades parentais, na medida em que explana o conteúdo de um ato presidido pelo juiz, que a assinou, consubstancia um documento autêntico, pelo que, salvo invocação da respetiva falsidade, a ser deduzido mediante o incidente de falsidade de ato judicial a que alude o art. 451º do CPC, ou em recurso extraordinário de revisão (art. 696º, al. b) do CPC), essa ata faz prova plena de todos os factos que nela constam exarados como tendo sido praticados e/ou percecionados pelo juiz que presidiu a essa conferência.

Dispõe o art.º 371º n.º 1 do CC que os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.

Como refere Luís Pires de Sousa, Direito Probatório material, Almedina, 2ª edição, pág. 143, “ No que diz respeito às declarações proferidas pelas partes perante o oficial público, a eficácia probatória plena reporta-se apenas  (…) ao facto histórico que as partes proferiram declarações com aquele teor perante o oficial público documentador. A força probatória não se estende (…) á veracidade, sinceridade e validade do que foi afirmado pelas partes perante o oficial público (…) porquanto a veracidade/sinceridade/validade das declarações está subtraída à percepções do documentador.”

Assim, no caso de uma Acta em que constam as cláusulas que consubstanciam uma transação, a mesma faz prova plena quanto ao facto de as partes terem proferido declarações com aquele teor, não quanto à veracidade do declarado.

Nos termos do n.º 2 do art.º 372º do CC, a força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade.

Distingue-se:
a) a falsidade material – ocorre alteração da materialidade gráfica do documento, por contrafacção (formação do documento por um sujeito diverso do autor aparente) ou por alteração do documento após a sua formação;
b) a falsidade ideológica – atesta-se no documento a prática de um facto ou uma realidade que não foi praticado ou não se verificou; há falta de correspondência entre o que se dá como ocorrido e o que realmente ocorreu.

A falsidade ideológica de acto judicial traduz-se na desconformidade entre o que é atestado no processo e o que efectivamente ocorreu.

Processualmente, a questão da falsidade de um acto judicial está contemplada no art.º 451º, o qual dispõe:
(…)
2 - A falsidade de qualquer outro ato judicial deve ser arguida no prazo de 10 dias, a contar daquele em que deva entender-se que a parte teve conhecimento do ato.
3 - Ao incidente de falsidade de ato judicial é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 446.º a 450.º.
(…)

Como decorre do normativo citado, a falsidade de acto judicial deve ser arguida no próprio processo, no prazo de 10 dias a contar do dia em que deva entender-se que a parte teve conhecimento do ato.

Retomando a sequência, vejamos

Face ao teor actual da alínea B. dos factos provados, onde consta que “… e retomados os trabalhos em audiência, foi pedida a palavra pelos Ilustres mandatários das partes, Autor e Réu AA (por si e enquanto legal representante das sociedades (….)) a qual lhes foi concedida  e, no uso da mesma disseram que pretendiam pôr termo à presente Acção Pauliana (Ordinária), nos termos das CLÁUSULAS que se seguem:…”, não pode haver dúvidas de que, além dos Ilustres mandatários e do R., também o A. pediu a palavra e, no uso da mesma declarou, ele, por si, as cláusulas que ali ficaram transcritas.

Muito embora entre as expressões “…foi pedida a palavra pelos Ilustres mandatários das partes,…” e “…Autor e Réu AA…” não tenha sido colocada a contração “pelo”, não pode haver dúvidas de que, face ao que consta da Acta, a palavra foi pedida e usada pelos mandatários e pelas partes, Autor e Réu, tanto assim que se refere que o Réu declarava por si e enquanto legal representante das sociedades….

De referir que não consta da Acta que depois de exaradas as cláusulas e imediatamente antes da sentença homologatória, o Sr. Juiz tenha perguntado às partes, em si mesmo consideradas, se aquelas cláusulas eram a expressão da sua vontade e o que as mesmas disseram, o que deve ser entendido como resultado do facto de partes terem declarado por si.

A Acta da Audiência de julgamento no processo 25/13, enquanto documento autêntico que é, faz prova plena dos factos que neles são atestados com base nas percepções do Sr. Juiz, ou seja, no caso, que também, pelo Autor foram declaradas as cláusulas que consubstanciam a transação.

Sendo assim e não havendo noticia de que tenha sido invocada procedentemente a falsidade da Acta, não é possível dar como provados factos contrários ou diferentes dos que constam da mesma.

A este respeito refere Luís Pires de Sousa, ob. cit., pág. 144: “ A eficácia legal da prova plena significa que, por um lado, tem força vinculante para o julgador, independentemente do resultado de quaisquer outros meios de prova distintos e, por outro, implica que, nas vertentes do documento em que opera a prova plena, o juiz não pode admitir qualquer prova contrária sem que seja arguida e demonstrada a falsidade material ou ideológica do documento autêntico ( art.º 372º). A força probatória plena só cede perante a prova em contrário, através da demonstração de que: (i) nele foi atestado como tendo sido objecto de prática ou percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade não se verificou ( falsidade ideológica); (ii) ou que ocorre alteração da materialidade gráfica do documento, por contrafação ou por alteração do documento após a sua formação ( falsidade material) (…).”

Constando da Acta que as cláusulas que consubstanciam o Acordo foram declaradas pelo A. não é possível dar como provado que 4. O autor não emitiu conscientemente qualquer declaração de concordância com o acordo referido em B.(…)

Concordar significa manifestar que se adere, dá o seu acordo, ao que foi declarado por outrem.

No caso concreto, isso significava que as cláusulas do acordo tinham sido ditas por outrém e o A. tinha manifestado, por palavras ou actos, estar de acordo com elas.

E é esse o contexto da petição inicial, pois o que consta do ponto 4. dos factos não provados foi alegado pelo A. na sequência da transcrição da parte final da audiência (que se ouviu e confirma) donde resulta que foi o Sr. Juiz que presidiu à audiência, que ditou as cláusulas que consubstanciam a transação.

Manifestar a concordância é uma realidade diferente, excludente e assim contrária a o A. ter declarado, por si, aquelas cláusulas e que, ao constar da Acta da audiência, faz prova plena.

Destarte, o facto constante do ponto 4 dos factos não provados deve manter-se como não provado.

E pelas mesmas razões também não é possível dar como provado que O autor concordou expressamente com o acordo referido em B.

Por isso, o facto constante da alínea AA. deve ser eliminado dos factos provados e integrar o elenco dos factos não provados.

O A. pretende ainda que se considere não provada a seguinte factualidade:
BB. Tudo foi explicado ao autor e aos seus dois filhos, tendo o autor entendido muito bem o teor do acordo que realizou e o acordo alcançado só se concretizou porque o mesmo assim o pretendeu, depois de esclarecidas todas as suas dúvidas.

Esta matéria tem como antecedente lógico o que constava da alínea AA., ou seja, que AA. O autor concordou expressamente com o acordo referido em B.

Não podendo esta ser dada por provada, por que diferente, excludente e contrária ao que consta da Acta da audiência de julgamento e sendo a mesma antecedente lógico do que consta da alínea BB., então, coerentemente, esta matéria também não pode ser considerada provada, devendo ser eliminada dos factos provados e integrar o elenco dos factos não provados.

O A. pretende ainda se considere provada a seguinte factualidade:
4. (…) tendo ficado sem reação e sem capacidade de articular o que quer que fosse, tendo permanecido em silêncio, resultante de cansaço e confusão, da depressão major e do temor reverencial ante a postura do Ex.mo Senhor Juiz de Direito
5. Antes de encerrada a audiência de julgamento, a filha do autor, ali testemunha, JJ, tentou dizer que o seu pai não queria fazer acordo, pois queria que a ação continuasse, porém não lhe foi permitido falar.
1. À data referida em B., o autor tinha lapsos de memória que afetavam tanto a sua capacidade de se expressar, mas também a de compreender inteiramente o alcance das próprias palavras.
2. No momento do acordo referido em B., o autor estava muito cansado e confuso.
3. E não se encontrava capaz de entender, e, em função disso, expressar a sua concordância ou oposição aos termos do acordo referido em B., não tendo capacidade de compreender e entender tudo quanto lhe foi exposto e dele se pretendia, no que toca a tomada de posição quanto ao objeto do litígio.
8. Como decorrência direta da forma como se concluiu o processo referido em A., o autor sofreu um agravamento do seu quadro clínico, tendo ficado profundamente desgostoso e abalado, desenvolvendo um discurso por vezes desconexo em relação ao sucedido, com ideação suicida, mas também heterolesiva, discurso negativista quanto ao futuro, que o priva do sono e descanso, o que culminou em internamento que durou de 02 a 09 de setembro de 2021.

Esta matéria tem como antecedente lógico o que constava do ponto 4 dos factos não provados, ou seja, 4. O autor não emitiu conscientemente qualquer declaração de concordância com o acordo referido em B.(…)

Não podendo esta matéria ser dada por provada, por que diferente, excludente e contrária ao que consta da Acta da audiência de julgamento e sendo a mesma antecedente lógico do que consta da restante parte do ponto 4 e dos pontos 5, 1, 2 e 3 dos factos não provados então, coerentemente, esta matéria também não pode ser considerada provada, devendo manter-se nos factos não provados.

Consta do ponto 6. dos factos não provados:
6. À data da interposição da ação referida em A., os imóveis objeto da ação tinham um valor de 345.000,00€.

O tribunal recorrido motivou a decisão quanto a este ponto da seguinte forma:
Não foi produzida qualquer mínima prova a respeito da factualidade constante de 6. (…)

O A. pretende que se dê como provado o que consta do ponto 6 - se bem compreendemos - com base no facto de ter sido o valor considerado na transação - € 315.000,00.

A pretensão do A. não tem qualquer fundamento.

A cláusula 2ª apenas diz que os RR. ali indicados se reconhecem devedores da quantia de € 315.000,00.
Não diz qual é o fundamento desse reconhecimento e, muito menos, diz que aquele valor corresponde ao valor dos imóveis “objecto” da acção de impugnação pauliana.

Destarte, o teor da referida cláusula não é meio de prova idóneo para considerar provado o valor dos imóveis “objecto” da acção de impugnação pauliana.

E o A. não indicou – nem se vislumbra - outros meios de prova para considerar provado o que consta do ponto.

Destarte, improcede a impugnação do ponto 6 dos factos não provados.

Consta do ponto 7. dos factos não provados
7. As rés que se comprometeram a pagar no acordo referido em B. não o farão em virtude da falta de património e/ou insolvência.

O tribunal recorrido motivou a decisão quanto a este ponto da seguinte forma:
 “ (…) e, se bem que a factualidade constante de K. tivesse resultado do teor da globalidade dos depoimentos produzidos, certo é que não veio a ser produzida qualquer prova concreta a respeito da factualidade constante de 7, desconhecendo-se o estado dos processos de insolvência dos réus que se obrigaram ao pagamento e a existência/inexistência de património na massa/património pessoal para dar pagamento à dívida assumida no acordo.

O A. pretende que se dê como provada a matéria constante do ponto 7 dos factos não provados por resultar da transcrição da audiência de julgamento de 24/04/2019 juntamente com o facto provado sob a alínea K..

A transcrição a que o A. se refere não é mais do que consta da Cláusula 3ª da transação e que tem o seguinte teor:
3ª Consigna-se ainda que este crédito foi reclamado e reconhecido no âmbito do Processo de Insolvência que correu termos no extinto ... Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca ..., sob o n.º 7405/12...., o que não invalida por parte do Réu AA e das sociedades Rés «R..., Lda.» e «D..., Lda.», o reconhecimento efetuado na presente data.

Quanto á alínea K., tem o seguinte teor:

K. Até hoje, o autor nada recebeu por conta do acordo referido em B. uma vez que as partes rés que ali se comprometeram a pagar não o fizeram.

Vejamos

Em primeiro lugar não consta dos autos qualquer prova quanto ao estado da insolvência dos RR. – pessoa singular e sociedades – e, nomeadamente, se foram apreendidos ou não bens que permitam satisfazer o crédito do A., ou seja, não há qualquer prova quanto à “existência/inexistência de património na massa/património pessoal para dar pagamento à dívida assumida no acordo.”
           
Em segundo lugar, o que consta do ponto 7 dos factos não provados é uma afirmação quanto ao futuro.
Salvo situações muito contadas, como é o caso de danos futuros em virtude da lesão da integridade físico-psíquica, ou seja, os efeitos da referida lesão que só com o passar do tempo se revelarão, e que a experiência médico-legal permite dar por verificados, em geral ninguém sabe o que vai acontecer.

A única realidade que é possível afirmar é o acontece no presente. E o que acontece no presente é o que consta da alínea K. dos factos provados: K. Até hoje, o autor nada recebeu por conta do acordo referido em B. uma vez que as partes rés que ali se comprometeram a pagar não o fizeram.

Destarte, nenhum elemento probatório permite dar como provado o que consta do ponto 7 dos factos não provados, pelo que nesta parte improcede a impugnação.

Consta das alíneas W. e Y. dos factos provados:
W. Com a presente ação, a ré/reconvinte teve que contratar advogados para a patrocinar e os honorários devidos serão fixados na média de €100,00/hora.
Y. A ré sofreu transtornos e aborrecimentos por ter que se defender na ação.

O tribunal recorrido motivou a decisão quanto ás referidas alíneas da seguinte forma:
“(….) tendo-se já considerado confessada a factualidade enunciada de M. a Y. atenta a falta de dedução de réplica pelo autor (cfr. art. 587.º, n.º 1, do CPC).”

O A. opõe que estes factos não podem ser considerados provados “por estarem em oposição com a defesa no seu todo”, face ao que consta da PI.

A factualidade em referência foi alegada pela Ré para fundar a reconvenção ( art.ºs 134º e 138º da contestação), a qual foi expressamente identificada e deduzida separadamente na contestação ( art.º 583º n.º 1 do CPC)

Pese embora a reconvenção tenha sido julgada improcedente e a sentença tenha, nessa parte, transitado em julgado, verifica-se que pelo menos o facto referido em W. foi tido em consideração para determinar a indemnização devida à Ré, na sequência de se ter julgado verificada a litigância de má fé do A..
Daí a relevância da impugnação.

Uma vez que os factos em referência foram invocados pela Ré para fundar a reconvenção, era admissível réplica para o autor deduzir toda a defesa quanto á matéria da reconvenção – art.º 584º n.º 1 do CPC.

Não o tendo feito, rege o disposto no art.º 587º n.º 1: a falta de apresentação da réplica ou a falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu tem o efeito previsto no art.º 574º, ou seja, consideram-se admitidos por acordo.

É certo que o n.º 2 do art.º 574º ressalva da admissão por acordo os factos “que estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto…”
Mas este normativo pressupõe que tenha sido deduzida alguma defesa.
No caso, o A. não apresentou réplica, pelo que aquele pressuposto não se verifica, ou seja, nenhuma defesa foi deduzida que possa ser considerada no seu conjunto.

E não se invoque a petição inicial porque, muito embora, em algumas situações, a mesma possa conter, em alguma medida, aspectos que podem ser considerados uma defesa antecipada, de modo algum isso sucede in casu, já que os factos em referência são totalmente novos, não se encontrando na petição inicial qualquer alegação que possa ser considerada impugnação dos mesmos.

Em face do exposto e também aqui, improcede a impugnação da decisão de facto.

5. Fundamentação de direito
5.1. Natureza da responsabilidade civil do Advogado nomeado oficiosamente
No despacho saneador o tribunal recorrido consignou correctamente que o Objecto do litigio era, no que releva à economia do recurso, a Responsabilidade civil profissional da ré pelos danos advindos para o autor mercê do incumprimento dos deveres a que aquela estava adstrita, como patrona, no âmbito do patrocínio que prestou ao autor no processo n.º 25/13...., que correu termos no J... do Juízo Central Cível ..., danos estes alegadamente derivados da omissão de interposição de recurso da sentença homologatória que veio a ser proferida em tal processo; (…) Litigância de má-fé do autor”

Efectivamente resulta da alínea M dos factos provados que “ a Ré foi nomeada patrona oficiosa do autor no dia 17 de Setembro de 2018, na sequência da escusa de patrocínio por parte dos patronos anteriormente nomeados.”

Em nenhum ponto da factualidade provada se refere, mas resulta dos autos, sem qualquer oposição, seja de quem for, que a referida nomeação teve em vista patrocinar o aqui A. na acção referida na alínea A. dos factos provados, ou seja “na acção n.º 25/13...., que correu termos no Juiz ... dos ...” em que o aqui autor era, também, ali, A. e em que “peticionou, nomeadamente, que fossem declarados nulos e/ou ineficazes vários negócios jurídicos que tinham como objecto vários imóveis.”

A sentença recorrida considerou que muito embora a Ré tivesse sido nomeada patrona ao A., a pretensão do autor se alicerça na responsabilidade civil contratual da ré, enquanto advogada.
Não só o recorrente não colocou em crise tal entendimento, como o mesmo está correcto.

A este respeito afirma Orlando Guedes da Costa, in Direito Profissional do Advogado - Noções Elementares, 7.ª Edição, Almedina, 2010, p. 401 que mesmo a responsabilidade do advogado nomeado oficiosamente não poderá também deixar de ser obrigacional «(…) apesar de a prestação de serviços pelo nomeado não se basear propriamente num contrato entre ele e o patrocinado oficiosamente, pois não deixa de haver, na sua intervenção, uma base contratual, como se evidencia pela possibilidade de livre escolha ou, pelo menos, de livre indicação do nomeado pelo patrocinado, com aceitação daquele, ao menos quanto ao defensor oficioso em processo penal, não se operando com a nomeação uma substancial alteração do estatuto do patrono ou do defensor em relação ao Advogado constituído, de forma a poder afirmar-se que a responsabilidade daqueles deixaria de ser contratual para ser extracontratual.»

E ainda na mesma página refere que «o contrato inominado ou atípico de patrocínio ou de mandato judicial é regulado por um conjunto de obrigações para com o cliente impostas ex lege ao Advogado quer pelo interesse público da profissão quer pelo dever de independência do advogado e na prestação de serviços por nomeação oficiosa não pode deixar de se exigir o mesmo conjunto de obrigações do patrono ou do defensor para com o patrocinado oficiosamente, pois a prestação de serviços pelo advogado está enformada pelas mesmas regras num e no outro caso.»

E também na mesma página afirma que «não deve distinguir-se, para efeitos de responsabilidade civil profissional, entre a prestação de serviços por nomeação oficiosa no caso de o patrocinado não encontrar quem voluntariamente queira patrociná-lo e o mandato judicial, e por isso é também ilegítimo distinguir-se, para o mesmo efeito, a prestação de serviços por mandato judicial. Se é igualmente proibido ao advogado aceitar mandato ou nomeação oficiosa em questão em que já tenha sido intervindo noutra qualidade, como a de perito ou testemunha, não razão, em caso de violação desta obrigação, para que ele responda contratualmente perante quem lhe passou procuração forense e extracontratualmente perante o patrocinado oficiosamente.»

No mesmo sentido – de que a responsabilidade do Advogado nomeado oficiosamente é de natureza contratual -  vd. Vítor Manuel Azevedo Furtado Sousa, in   Responsabilidade civil dos advogados pela violação de normas deontológicas, in Dissertação de Mestrado em Direito - Ciências Jurídico-Privatisticas, Faculdade de Direito da Universidade do Porto, julho de 2014, pp. 48-49, acessível na internet em https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/78338/2/34287.pdf, onde afirma que «de facto, ao ser nomeado e não existindo motivo de escusa, o advogado encontra-se vinculado ao cumprimento da sua prestação no âmbito do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais (Lei n.º Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho) e de igual forma vinculado ao cumprimento dos seus deveres deontológicos. Logo, a verdade é que o patrono ou defensor nomeado oficiosamente continuará de igual modo vinculado a um conjunto de obrigações (nas quais se incluem as normas deontológicas) cujo incumprimento se deverá situar no âmbito da responsabilidade obrigacional. Portanto, a responsabilidade do advogado nomeado oficiosamente não poderá também deixar de ser obrigacional.».

E a jurisprudência segue idêntico entendimento.

Assim:
- Ac. da RP de 14/07/2010, proc. 2555/07.3TBVNG.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp, citado na decisão recorrida e em que se afirma que “No entanto, mesmo o patrono nomeado (que não actua por conta da entidade que o nomeia nem do Estado) não deixa de estar sujeito aos mesmos deveres inerentes à profissão de advogado, como qualquer outro a quem seja conferido mandato, nem de defender, com a independência e autonomia técnica inerente à função, os interesses do patrocinado, da mesma forma que o advogado mandatado pelo cliente. Até porque ao solicitar a nomeação, o requerente aceita o patrocínio do que vier a ser nomeado, e este, não pedindo escusa, aceita patrocinar aquele, ficando em posição semelhante á do mandatário forense, no que concerne à observância dos deveres deontológicos e ao tipo (ainda que se recorra á analogia) de responsabilidade (a contratual), com o ónus, na situação de violação de tais deveres (o facto ilícito), ter de demonstrar não haver culpa da sua parte. Isto é, também o patrono nomeado, no âmbito do apoio judiciário, nas suas relações com o patrocinado, incorre em responsabilidade civil, a que se deve aplicar o disposto do artigo 799º do CC, se violando os deveres de diligente patrocínio, com isso lhe causar danos.

- Ac. da RL de 10.02.2015, proc. 5105/12.2TBSXL.L1-1 , consultável in www.dgsi.pt/jtrl, decidiu-se que «quer se trate de Advogado constituído pela parte, quer seja Patrono nomeado, há que verificar se o recorrido incumpriu os deveres constantes do Estatuto da Ordem dos Advogados, equiparando-se a situação daquele à existência de um verdadeiro contrato de mandato entre as partes.
(...)
Ora, ao Advogado impõem-se, para lá dos comuns vínculos de mandatário, particulares deveres deontológicos, muito em especial, na relação com o seu cliente, como seja o vínculo de estudar com cuidado, e de tratar com zelo, a questão de que ele o incumba, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade. Se o não fizer, corre o risco de ter de o indemnizar pelos prejuízos que, com esse comportamento, ele sofra».

- Ac. desta RG de 28.09.2017, proc. 4364/12.5TBGMR.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg, decidiu-se: «Não vemos razão para entender que a nomeação do advogado por via do regime do apoio judiciário para praticar os atos jurídicos em conformidade com o fundamento do pedido que motivou o pedido de nomeação do mesmo, afaste a aplicação a esta relação assim estabelecida, da eventual responsabilidade contratual porquanto uma vez aceite a nomeação, o advogado nomeado prestará ao requerente os serviços por este pretendidos precisamente em termos análogos ao contrato do mandato, como tal estando o advogado nomeado sujeitos às obrigações decorrentes do artigo 1161º do CC ainda que limitado ao fim para que o pedido de apoio judiciário foi requerido e no que às contas e remuneração concerne, ao disposto na lei do Apoio Judiciário.»

- Ac. da RL de 07/05/2020, proc. 7848/17.5T8LSB.L1-6, consultável in www.dgsi.pt/jtrl, em que se afirma que:
A situação enquadra-se, em consequência, na norma do artigo 16.º, n.º 1, alínea b), da Lei 34/2004, de 29 de Julho, que estabelece em concreto que o apoio judiciário compreende as seguintes modalidades (…) nomeação e pagamento da compensação de patrono.
 O artigo 98.º, n.º 1, da Lei 145/2015, de 9 de Setembro (Estatuto da Ordem dos Advogados – EOA), instaura uma fundamental igualdade entre o patrocínio com origem convencional ou decorrente de nomeação legal, justamente na fonte da sua constituição, a aceitação pelo advogado[1].
Por seu turno, o Regulamento 330-A/2008, de 24 de Junho[2], relativo à organização e funcionamento do sistema de acesso ao direito e aos tribunais, assimila o patrocínio aos deveres constantes do EOA, conforme resulta patente da norma do seu artigo 10.º que se transcreve na parte pertinente: sem prejuízo dos deveres previstos no Estatuto da Ordem dos Advogados, na Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais e na Regulamentação em vigor, constituem deveres dos Advogados, designadamente os seguintes: a) exercer o patrocínio judiciário, por nomeação da Ordem dos Advogados, no rigoroso cumprimento de todas as regras deontológicas.
Entendemos assim, que, independentemente da origem formalmente contratual, tal determina que deve assimilar-se a situação de patrocínio com origem em nomeação legal ao mandato forense com origem em contrato, a saber ao regime do mandato forense previsto no EOA, sub-espécie do mandato civil previsto nos artigos 1157.º a 1184.º, do CC.
Concordamos assim inteiramente com a primeira instância quanto ao enquadramento da responsabilidade em sede contratual, o que, não obstante, não conduzirá a resultados dissemelhantes dos que seriam obtidos em enquadramento aquiliano.

- Ac. da RL de 08/03/2022, proc. 5247/17.8T8LSB.L1-7, consultável in www.dgsi.pt/jtrl, constando do respectivo sumário que:
1. É obrigacional a responsabilidade do advogado nomeado oficiosamente, apesar de a prestação dos seus serviços não se basear propriamente num contrato de mandato celebrado entre ele e o patrocinado.

Assente que a responsabilidade do advogado nomeado oficiosamente é obrigacional, vejamos.

5.2. Responsabilidade obrigacional – pressupostos
A responsabilidade obrigacional pressupõe a existência de uma relação inter-subjectiva, que primariamente atribuía ao lesado um direito à prestação, surgindo como consequência da violação de um dever emergente dessa relação específica.

Assim, dispõe o art.º 798º que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.

Desta norma resulta uma clara equiparação dos pressupostos da responsabilidade obrigacional aos pressupostos da responsabilidade civil delitual, uma vez que também aqui se estabelece uma referência a um facto voluntário do devedor ( “o devedor que” ) cuja ilicitude resulta do não cumprimento da obrigação ( “falta (…) ao cumprimento da obrigação” ) , exigindo-se da mesma forma a culpa ( “culposamente”), o dano ( “ torna-se responsável pelos prejuízos “) e o nexo de causalidade entre o facto e o dano ( “ que causa ao credor “) – Menezes leitão, Direito das Obrigações, I, pág. 329.

Na responsabilidade obrigacional, a ilicitude consiste na inexecução da obrigação, que o art.º 798º define como a falta de cumprimento.

Consistindo o cumprimento na realização pelo devedor da prestação a que está vinculado ( art.º 762º n.º 1 ), este actuará ilicitamente sempre que se verifique qualquer situação de desconformidade entre a sua conduta e o conteúdo obrigacional.

Neste âmbito cabe considera que tendo a responsabilidade obrigacional como pressuposto a violação de uma obrigação, esta não se pode constituir sem a existência prévia de um direito de crédito, cuja existência tem de ser provada pelo credor, nos termos do art.º 342º n.º 1 do CC.

Mas, na medida em que o cumprimento da obrigação aparece como facto extintivo desse direito de crédito, nos termos do art.º 342º n.º 2 incumbe ao devedor o ónus da prova do cumprimento.

Quanto à culpa, importa considerar que o art.º 799º n.º 1 do CC dispõe que incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua.

Neste sentido caberá ao devedor demonstrar que não lhe é pessoalmente censurável o facto de não ter adoptado o comportamento devido, o que sucederá sempre que esse não cumprimento seja devido a facto do credor, de terceiro ou a caso fortuito ou de força maior.

Tal presunção não é afastada na obrigação de meios, como refere Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, I, 4ª edição, pág. 129-130, aceitando a critica da distinção entre obrigação de meios e obrigação de resultado feita por Gomes da Silva, in O dever de prestar e o dever de indemnizar, Lisboa, 1944, afirmando que em ambas as obrigações ao devedor cabe sempre o ónus da prova de que realizou a prestação ( art.º 342º n.º 2 ) ou de que a falta de cumprimento não procede de culpa sua ( art.º 799º).

Dispõe o n.º 2 do art.º 799º que a culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil, ou seja, ( art.º 487º do CC), pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, o que nos remete, no que releva aos autos, para o “ bom profissional” da mesma categoria do Advogado do caso, isto é, se é um generalista ou um especialista, um recém-licenciado ou alguém com vários anos de experiência.

Trata-se de um critério objectivo de aferição da culpa, já que o modelo a empregar para determinar aquilo que se podia exigir àquele concreto profissional é exterior ao específico agente, sendo pensado em função de um paradigma ideal abstractamente edificado. A abstracção não é, no entanto, absoluta, já que o arquétipo é forjado com base em elementos extraídos da hipótese considerada.

5.3. Especificamente
5.3.1. A ilicitude e o dano da perda de chance processual na actuação de Advogado
Dispõe o n.º 2 do art.º 97º do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei n.º 145/2015 de 9 de setembro que o advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas.

Nesta sequência, nas suas relações com o cliente, o advogado tem o dever de dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca – art.º 100º n.º 1 alínea a) do EOA.

E colimado a este dever está o disposto no art.º 100º n.º 1 alínea b) do mesmo Estatuto: nas suas relações com o cliente, o advogado deve estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade.

Resulta claro do preceito citado que o Advogado não está obrigado a um resultado. O resultado é, quase sempre, em maior ou menor grau, aleatório ou incerto. A obrigação do advogado é de meios.

Como diz o n.º 2 do art.º 97º, o advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, o que significa que está obrigado a actuar com a diligência necessária para que o resultado seja obtido. Mas não está obrigado a um resultado, nem o garante.

O Advogado, fica constituído na obrigação de assegurar a diligente promoção e o esclarecido acompanhamento do caso, estudando-o com cuidado, tratando-o com zelo e movendo para esse efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade.

E isto apesar de se reconhecer que a distinção entre obrigação de meios e de resultado é objecto de critica, porquanto na obrigação de meios há, ainda assim, vinculação a um fim: o interesse do credor (Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, I, 4ª edição, pág. 129, seguindo Gomes da Silva, O dever de prestar e o dever de indemnizar, Lisboa, 1944 ).

Na verdade, a obrigação aprece sempre como um mecanismo funcionalmente orientado para um fim que nela não contido - a satisfação de um concreto interesse do credor.

Mas nas obrigações de meios o interesse final do credor, a realização da prestação debitória constitui, apenas, um instrumento ou um meio para a satisfação daquele interesse final, e o cumprimento verifica-se com a adopção dessa conduta “ encaminha” para a obtenção do resultado pretendido pelo credor, ainda que este não se venha a produzir. A incerteza desta obtenção torna inviável que o resultado seja objecto da obrigação – o qual terá de ser constituído pela diligência e competência dirigidas a essa obtenção – Rute Teixeira Pedro, in Responsabilidade  Civil do médico – reflexões sobre a noção de perda de chance e a tutela do doente lesado, Coimbra editora, pág. 116.

E mais adiante refere a mesma autora, ob. cit. pág. 117 ( sublinhados nossos):
“Consideremos as obrigações de meios para compreender que a realidade é plural, sob o ponto de vista funcional, urgindo, por consequência, identificar, no respectivo quadro obrigacional, dois resultados distintos: um imediato, que equivale à satisfação daquele interesse instrumental, e outro mediato ou ulterior ( “ l’eventuale «risultato del risultato » ) que corresponde à efectivação do interesse final. Assim, numa obrigação de meios, há também, pelo menos, um resultado a alcançar: o imediato. Por isso, a distinção maniqueísta entre obrigações de meios e de resultado, não parece totalmente de acolher, já que todas as obrigações são de resultado – o resultado é que é diferente. “

E aplicando, mutatis mutandis, o que ali se refere para o médico (ob. cit pág. 119 e 120), ao Advogado, o resultado imediato traduz-se no aproveitamento das chances que o caso apresenta para alcançar o resultado final, o que passa pelo adopção de um comportamento atento, cuidadoso, em suma diligente.
Se, por facto que lhe é imputável, o advogado dissipa as referidas chances de obtenção do resultado final, estará a impedir a obtenção do resultado imediato (e consequentemente do resultado final).

E incumpre, assim, a obrigação de aproveitar as chances de obtenção do resultado final (que poderiam, ou não, vir a concretizar-se na produção do resultado final desejado).

Para não ser responsabilizado, caberá ao advogado demonstrar que aplicou a aptidão e diligência que lhe era exigível.

Surge assim o dano autónomo e emergente da perda de chance processual.
Em termos puramente naturalisticos, entende-se por dano a supressão de uma vantagem.
No entanto, esta noção não é suficiente para definir o dano em termos jurídicos, já que as vantagens que não sejam juridicamente tuteladas não são susceptíveis de indemnização.

Assim o dano terá de ser definido de modo fáctico-normativo e corresponderá à frustração de uma utilidade que era objecto de tutela jurídica - Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I, 4ª edição, pág. 314.

A perda de chance traduz-se no malogro da possibilidade de obter uma vantagem ou de evitar uma desvantagem. Malogro de uma possibilidade, dada a incerteza da verificação do efeito favorável pretendido e da ocorrência do efeito desfavorável indesejado, respectivamente – Rute Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico, Coimbra Editora, pág. 187.

Como se afirma no AUJ n.º 2/22, publicado no Diário da República n.º 18/2022, Série I de 2022-01-26, páginas 20 – 42 e consultável in www.dgsi.pt/jstj pelo proc. 34545/15.3T8LSB.L1.S2-A, o cerne do dano autónomo e emergente da perda de chance processual não é o resultado final desfavorável da causa (relativamente ao autor, no não “ganhar”; relativamente ao R., no “perder” a causa) mas na própria perda da possibilidade/oportunidade de obter um resultado favorável (de “ganhar” a causa ou não “perder” a causa), o qual é causado pela falta de diligência do advogado.

Refere-se no texto do citado AUJ que “a  toda a chance ou oportunidade perdida (a todo o ato lesivo e a todo o processo perdido) não se segue, como que automaticamente e sem mais uma indemnização por dano de perda de chance: a verificação do ilícito não contém já em si o dano a indemnizar.
(…)
Não há indemnização civil sem dano e este tem de ser certo, sendo que a certeza do dano de chance (que, por isso, merece a tutela do direito a ser indemnizado ) está exactamente na probabilidade suficiente, em função da consistência da chance, do resultado favorável da ação comprometida.
Uma “chance” puramente abstrata e especulativa – isto é, independente da prova de qualquer concreta probabilidade – não é, de modo algum, um dano certo; assim como não atingirão a certeza exigível, não sendo indemnizáveis, as “perdas de chance” que correspondam a uma pequena probabilidade de sucesso da ação comprometida.”

E mais adiante afirma-se:
“ (…) colocando-se num processo (…) a questão da indemnização pelo dano da perda de chance, tal probabilidade – o mesmo é dizer, a consistência concreta da oportunidade ou “chance” processual que foi comprometida – tem sempre que ficar apurada/provada, uma vez que, sem a mesma estar apurada/provada, não se poderá falar em “dano certo” e sem este não pode haver indemnização.
Apuramento este que terá assim que ser feito na apreciação incidental – o já chamado “julgamento dentro do julgamento” – a realizar no processo onde é pedida a indemnização pelo dano de perda de chance, em que se indagará qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometido o ato lesivo (a falta do mandatário), indagação que no fundo irá permitir estabelecer, caso se apure que a ação comprometida tinha uma suficiente probabilidade de sucesso (ou seja, no mínimo, uma probabilidade de sucesso superior à probabilidade de insucesso), que há dano certo (a tal chance “consistente e séria”) e ao mesmo tempo o nexo causal entre o facto ilícito do mandatário e tal dano certo.
Apreciação/decisão hipotética em que, sendo assim, se procurará, num juízo de prognose póstuma, reconstituir, para efeitos da possível indemnização do dano da perda de chance, o desenrolar e a decisão que o processo (onde foi cometida a falta do mandatário) teria tido – na perspetiva do tribunal que o teria que decidir – sem tal falta do mandatário, com o que, concluindo-se que o processo teria tido uma suficiente (no referido limiar mínimo) probabilidade de sucesso, se estará também a concluir ter sido o evento lesivo conditio sine qua non (requisito mínimo da causalidade jurídica) do dano.”

E finalmente afirma-se:
“ Assim, (…) após o incidental “julgamento dentro do julgamento”, concluindo-se que “se não pode estabelecer (no caso) o grau de probabilidade da amplitude do êxito da ação, sem afastar, inclusive, a sua improcedência”, a conclusão imediata e “automática” será a de, então, dizer que não se provou a consistência e seriedade da perda de chance, ou seja, que não se provou um dano de perda de chance suscetível de indemnização, não se podendo assim passar, justamente por não se ter provado o requisito (da responsabilidade civil) do dano[29], à fixação duma indemnização com base na equidade (nos termos do art. 566.º/3 do C. Civil).”

E concluiu fixando jurisprudência no sentido de que:
O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade.

Antes de avançar para a análise concreta, cabe referir que o direito de se fazer representar e aconselhar por um advogado constitui uma garantia elementar do processo num Estado de direito democrático.

Por outro lado, a obrigatoriedade de constituição de advogado em determinados processos resulta da consideração de que os interesses das partes são melhor defendidos quando as mesmas actuam através de profissionais munidos da adequada preparação técnico-jurídica.

Como referem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 190:
“ Os litigantes não são, do ponto de vista dos seus próprios interesses, as pessoas mais indicadas para orientarem o processo O conflito directo de interesses aguça, sem dúvida, o engenho das pessoas e estimula a sua combatividade; mas as paixões geradas pela luta em juízo privam as partes da serenidade de espírito indispensável á defesa mais eficaz da sua posição na lide.
Por outro lado, faltam ao comum das partes a experiência e os conhecimentos técnicos necessários á exacta valoração das razões que lhes assistem em face do direito aplicável. Só entre os profissionais do foro, com o saber, a experiência e as regras deontológicas próprias do mandato judicial, se podem encontrar os colaboradores ideias da administração da justiça que a função jurisdicional requer”

Sustenta-se e vive este entendimento do valor da confiança: confiança na adequada preparação técnico-jurídica daqueles a quem é facultado o exercício da actividade de advogado e na observância dos deveres deontológicos estabelecidos para o respectivo exercício.

Neste sentido diz o art.º 88º n.º 1 do EOA que o advogado é indispensável á administração da justiça, como tal, deve ter um comportamento profissional adequado á dignidade e responsabilidades da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no EOA e todos aqueles que a ali, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem.

Mas diz também o n.º 1 do art.º 81º do EOA que o advogado exercita a defesa dos direitos e interesses que lhe sejam confiados sempre com plena autonomia técnica e de forma isenta, independente e responsável.

Este preceito significa, além do mais, que a orientação do patrocínio cabe inteira e exclusivamente ao advogado, pelo que só a ele compete escolher os meios que entenda mais adequados á defesa dos interesses que lhe são confiados.

No entanto, caso incorra em erro na escolha dos meios técnicos ou omita o meio técnico adequado, daí resultando a perda da acção por parte do cliente, ficará sujeito a responsabilidade civil se não alegar e demonstrar que aplicou a aptidão e diligência que lhe era exigível, exigibilidade que será aferida pelo bom profissional nas circunstâncias do caso.

5.3.2. Em concreto -
Importa recordar que o concreto fundamento da acção é a perda da chance de recorrer da sentença homologatória da transação, perda de chance que na alegação do A. radica no seguinte: i) muito embora a Ré tenha sido contactada para recorrer da sentença, considerou não haver fundamento para tal; ii) face à discordância de posições, a Ré pediu escusa à Ordem dos Advogados, mas não comunicou tal facto ao processo, como impunha o n.º 2 do art.º 34º da Lei n.º 34/2004, de 29/07 (LAPJ) ( cfr.s art.ºs 15º, 16º, 17º, 18º, 23º, 24º).

Temos assim a considerar duas vertentes: o facto de a Ré ter declarado que não havia fundamento para interpor recurso e o facto de a Ré não ter comunicado a escusa dentro do prazo de interposição do recurso.

O facto de a Ré ter declarado que não havia fundamento para interpor recurso da sentença homologatória, sem mais, não permite afirmar que a Ré agiu ilicitamente, ou seja, que violou a obrigação de assegurar a diligente promoção e o esclarecido acompanhamento do caso, estudando-o com cuidado, tratando-o com zelo e movendo para esse efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade.

E isto porque, desde logo, nos termos do n.º 1 do art.º 81º do EOA, o advogado exercita a defesa dos direitos e interesses que lhe sejam confiados sempre com plena autonomia técnica e de forma isenta, independente e responsável.

Colocada, aqui, a questão no campo da ilicitude (e não do dano), para tal seria necessário alegar e provar que havia fundamento certo e seguro para o recurso e que só por falta de estudo e cuidado é que a Ré tomou aquela posição.

O A. alegou nestes autos que havia fundamento para o recurso porque não emitiu qualquer declaração de concordância quanto á transação.

A ré defende que um eventual recurso da sentença homologatória apenas poderia incidir sobre um vício da própria decisão homologatória e não sobre o mérito da transação homologada.

Impõe-se aqui um breve enquadramento jurídico das possibilidades processuais de reagir a uma transação ou à respectiva sentença homologatória.

Relativamente à transação em si mesma considerada
Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 1248º do CC é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões.

Estamos perante um negócio jurídico.

Em decorrência da natureza jurídica da transação, o n.º 2 do art.º 291º dispõe que a mesma pode ser declarada nula ou anulada como os outros atos da mesma natureza, ou seja, pelos mesmos motivos que podem ser declarados nulos ou anulados os negócios jurídicos em geral, nomeadamente, por vícios da vontade

Assim, refere Miguel Teixeira de Sousa, CPC Online, 259-361 (vs. 2022-12), pdf, consultável in https://drive.google.com/file/d/1EroOf6TjJk9bS0gLRTMoFY0x9tSLs6zC/view, anotação ao art.º 291º: “ (a) Como negócios processuais, a desistência, confissão ou transacção podem ser inválidos pelas mesmas causas que valem para qualquer outro negócio jurídico. Além de aspectos relacionados com a forma, a desistência, confissão e transacção podem ser inválidas por incapacidade da parte, por falta de disponibilidade da parte sobre o objecto, por falta de vontade da parte ou por vícios que afectam a vontade da parte.”

Nos termos do n.º 3 do art.º 291º, o trânsito em julgado da sentença proferida sobre a confissão, a desistência ou a transação não obsta a que se intente a ação destinada à declaração de nulidade ou à anulação de qualquer delas, ou se peça a revisão da sentença com esse fundamento, sem prejuízo da caducidade do direito à anulação.

Relativamente à sentença homologatória da transação
Antes do trânsito em julgado, pode ser impugnada mediante recurso de apelação (art.º 644º n.º 1, alínea a) do CPC), se a homologação ocorrer em 1ª instância ou recurso de revista (art.º 671º n.º 1 do CPC), se a decisão homologatória for proferida pela Relação) e depois de transitada, pode ser impugnada mediante recurso de revisão (art.º 696º, alínea d, do CPC).

O recurso só pode ter objecto a sentença homologatória em si mesma considerada e não a transação. A impugnação desta só pode ser actuada pelas vias acima referidas: acção de declaração de nulidade ou anulação.

Por outro lado, a possibilidade de interpor recurso tem duas condicionantes.

Assim e desde lodo, a legitimidade.

Como decorre do n.º 1 do art.º 631º do CPC, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido. No entanto e como decorre do n.º 2 do mesmo normativo, as pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.
Portanto e no que respeita às partes principais, as mesmas apenas podem recorrer se tiverem ficado vencidas.

No caso da transação é pedido ao tribunal a sua homologação (cfr. Tiago Soares da Fonseca, A Transação Civil na Litigância Extrajudicial e Judicial, Gestlegal, pág. 901 e segs.)
Daqui decorre que só haverá vencimento se o tribunal recusar a homologação (o vencimento não se afere em relação ao objecto da causa, pois esse estará na disponibilidade das partes e, assim, dispõem dele como lhes aprouver, sem que haja qualquer sindicância do tribunal quanto às “concessões” que cada parte faça).
Se o tribunal homologar a transação como pedido, não haverá qualquer vencimento: a homologação corresponde exactamente ao que foi pedido pelas partes e como tal não têm legitimidade para recorrer.
Refere a este respeito Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 492, que nestas circunstâncias, reconhecer ás partes que pediram a homologação e a obtiveram, o direito de recorrer, “implicaria um verdadeiro venire contra factum proprium”.

A segunda condicionante respeita aos fundamentos do recurso
Face ao disposto no n.º 3 do art.º 290º do CPC, o juiz verifica/fiscaliza a validade e regularidade do acordo, no que diz respeito ao seu objecto e qualidade das pessoas que nela intervieram.

Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, 4ª edição, Almedina, págs. 586 e 587 «o juiz verifica, pela indagação relativa ao objecto, se este estava na disponibilidade das partes (art. 289º) e tinha idoneidade negocial (arts. 280º CC e 281º CC) e, pela indagação relativa às pessoas, a sua capacidade e a legitimidade que tinham para se ocupar do objecto (art. 287º, nomeadamente), o que constitui aplicação do direito substantivo. Verifica também a pertinência do objecto do negócio para o processo, isto é a sua coincidência com o pedido deduzido, dado o acto processual pelo qual as partes fazem valer o negócio de auto-composição do litígio (…); mas, no caso da transacção, há que ter em conta que ela pode envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido (art. 1248º-2 CC). (…) deve ser verificada também a coincidência entre o sujeito do acto e a parte processual».

Refere Miguel Teixeira de Sousa, CPC online, anotação ao art.º 290º, consultável in https://drive.google.com/file/d/1EroOf6TjJk9bS0gLRTMoFY0x9tSLs6zC/view: “ (a) A sentença homologatória da desistência, confissão ou transacção deve controlar a validade destes negócios processuais (n.º 3). (b) O tribunal tem de controlar o objecto do negócio processual, dado que, no caso da desistência do pedido, da confissão do pedido e da transacção, este não pode ser indisponível (art. 289.o) e também não pode ser impossível, indeterminável, contrário à lei ou à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes (art. 280.º e 1249.º CC). “

De tudo isto decorre que o recurso da sentença homologatória apenas se pode fundar no facto de o juiz não ter verificado alguma irregularidade quanto ao objecto  ou quanto á qualidade das partes, só pode ter por objecto os motivos que teriam justificado a não homologação da desistência, confissão ou transacção.

Como vem sendo afirmado pela jurisprudência, o recurso da sentença homologatória da transacção há-de fundar-se num vício da mesma e não num vício da transação.

Assim:
- Ac. da RL de 12/12/2013, proc. 6898/11.0TBCSC.L1-1, consultável in www.dgsi.pt/jtrl em cujo sumário consta:           
I- Sobre a transacção judicial terá de recair uma sentença homologatória, sem o que o acordo das partes não produz efeito (art.º 300.º, n.º 3 do C.P.C);
II- Todavia, a função dessa sentença não é decidir a controvérsia substancial, mas apenas fiscalizar a regularidade e a validade do acordo. Por isso, pode afirmar-se que a verdadeira fonte da resolução do litígio é o acto de vontade das partes e não a sentença homologatória proferida pelo Juiz;
III- A transacção (como negócio das partes) vale por si, sendo a intervenção do Juiz de mera fiscalização sobre a legalidade do objecto desse contrato e da qualidade das pessoas que o celebram, não conhecendo do mérito, antes sancionando a solução que as partes encontraram para a demanda;
IV- A homologação judicial deste tipo de acordo não traduz a resolução do litigio, mas tão-somente, o sindicar da validade da transacção, quer na perspectiva da legitimidade dos outorgantes, quer da substância do objecto;
V- A homologação da transacção, necessária apenas para apreciação da legalidade dos seus pressupostos quanto ao objecto e à qualidade dos intervenientes, não lhe retira, contudo, o carácter e natureza contratual, pelo que, como contrato que é (art.º 1248.º do Código Civil), a transacção está sujeita ao respectivo regime geral (arts. 405.º e segs do Cód. Civil) e ao regime geral dos negócios jurídicos (arts. 217.º e segs. do mesmo diploma);
VI- Por isso, o trânsito em julgado da sentença proferida sobre a transacção não obsta a que se intente acção destinada à declaração da sua nulidade ou à sua anulação, sem prejuízo da caducidade do direito a esta última (art. 301.º, n.º 2, do C.P.C);
VII- De qualquer modo, o recurso da sentença homologatória duma transacção apenas pode incidir sobre um vício da própria decisão homologatória e não sobre o mérito da transacção homologada, a validade intrínseca do contrato de transacção celebrado entre as partes;
VIII- Assim sendo, o recurso a interpor da sentença homologatória duma transacção não constitui a sede própria para se pôr em causa a validade substantiva do contrato de transacção;

- Ac. da RL de 17/03/2015, proc. 51/15.0YLPRT.L1-2, consultável in www.dgsi.pt/jtrl, onde se afirma ( sublinhado nosso):
“Ora, se alguma das partes pretende no próprio processo em que foi proferida a sentença de homologação da transacção que esta seja revogada, e que, em consequência dessa revogação, seja reposta a situação anterior à mesma, de modo a que a causa venha a ser julgada em função dos factos nela alegados – como parece ser o caso da aqui apelante - apenas o poderá fazer se no recurso que dela interponha fizer valer a inexistência em concreto de algumas das acima referidas condições para a mesma ter sido proferida.
Quer dizer, haverá de demonstrar – pese embora a sua responsabilidade pelo resultado homologatório, pois que o pediu enquanto parte do negócio em que a transacção se analisa - que a fiscalização pelo juiz da regularidade e validade do acordo foi irregularmente realizada, já que, afinal, o objecto do litigio não estava na disponibilidade das partes, ou não tinha idoneidade negocial, ou as pessoas que intervieram na transacção não se apresentavam com capacidade e legitimidade para se ocuparem desse objecto.
O recurso da sentença homologatória da transacção há-de, pois, incidir sobre um vício da própria sentença homologatória, como se faz notar no Ac desta Relação 12/12/2013 [        proc. 6898/11.0TBCSC.L1-1, consultável in www.dgsi.pt/jtrl] sendo que o normal é que, existindo tal vício, se apresente a fazê-lo valer em recurso dessa sentença terceiro que se mostre afectado pelo caso julgado que daquela decorre (…).

- Ac. da RE de 17/03/2015, proc. 1682/14.1TBFAR.E1, consultável in www.dgsi.pt/jtre, em cujo sumário consta:
I - A desistência do pedido é de qualificar como acto jurídico unilateral em qualquer fase do processo, enquanto a transacção, assume a natureza de negócio jurídico bilateral.
II - Tendo as partes manifestado por aquelas declarações no processo a vontade de subtraírem ao juiz a composição da lide, a sentença recorrida, que homologa a desistência e a transacção, limita-se a apreciar da validade e regularidade das declarações das partes e, concluindo pela respectiva validade, quanto ao seu objecto e à qualidade das partes, confirma os termos e efeitos desses actos ou negócios jurídicos de direito substantivo praticados no processo, absolvendo do pedido e/ou condenando nos termos que resultam da transacção.
III - Por isso que, a revogação em sede de recurso da sentença homologatória de qualquer um dos indicados actos de auto-composição do litígio, só possa ter por fundamento a violação de um dos requisitos que o juiz tem que verificar.

- Ac. da RP de 24/09/2018, proc. 572/15.5T8GDM.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc, em cujo sumário consta:           
I - O recurso de sentença homologatória duma transacção apenas pode incidir sobre um vício da própria decisão homologatória e não sobre o mérito da transacção homologada, a validade intrínseca do contrato de transacção celebrado entre as partes.

- Ac. desta RG de 16/05/2019, proc. 6144/17.2T8BRG.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg em cujo sumário consta:
1 – O recurso interposto da sentença homologatória de uma transação apenas pode incidir sobre um vício da própria decisão homologatória e não sobre o mérito da transação homologada, ou seja, sobre a validade intrínseca do contrato de transação celebrado entre as partes.
2 – Ao juiz só cabe assegurar-se da disponibilidade do objeto da transação, da qualidade das partes que nela intervieram, da idoneidade negocial (que o contrato não versa sobre negócio jurídico ilícito) e que o contrato de transação abarca as pretensões deduzidas no processo.

- e Ac. da RC de 26/04/2022, proc. 651/20.7T8LMG-A.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc, em cujo sumário consta:
I - Se alguma das partes pretender, no próprio processo em que foi proferida a sentença de homologação da transacção, que esta seja anulada terá de demonstrar que o objecto do litigio não estava na disponibilidade das partes ou não tinha idoneidade negocial ou as pessoas que intervieram na transacção não se apresentavam com capacidade e legitimidade para se ocuparem desse objecto.
II – Se a parte pretender dar sem efeito a transacção com base na existência de vícios da vontade ou de vícios no objecto do negócio jurídico em que se traduz a transacção terá de instaurar acção na qual peça a declaração da nulidade ou a anulação desse negócio jurídico.

Retomando a sequência, está em causa saber se havia fundamento para a interposição de recurso de apelação da sentença homologatória da transacção e, assim, saber se a Ré ao manifestar o entendimento de que tal fundamento não existia, agiu ilicitamente, tendo violado a obrigação de assegurar a diligente promoção e o esclarecido acompanhamento do caso, estudando-o com cuidado, tratando-o com zelo e movendo para esse efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade.

Não foi invocado – e cabia ao A. alegar e provar, porque constitutivo do seu direito - nem resulta da factualidade provada, qualquer vício da própria decisão homologatória que pudesse sustentar um recurso da sentença homologatória, ou seja, não se vislumbra qualquer vicio quanto à disponibilidade do objeto da transação ou quanto à qualidade das partes que nela intervieram.

O que o A. alega – que não emitiu qualquer declaração de concordância com a transação (cfr. art.º 11º da PI), que no recurso a interpor, a Relação de Guimarães poderia reconhecer um vicio da vontade do A. ( art.º 40º da PI), que não emitiu, conscientemente, qualquer declaração negocial, nomeadamente, no sentido de desistir dos pedidos formulados naqueles autos “relativamente aos 4º, 5º, 6º, 7º e 8º Réus e Chamadas” ( cfr. art.º 41º da PI) – ( e foi apenas isto que alegou e que constitui o cerne da causa de pedir e que, diga-se, não ficou provado pelas razões já acima explicadas), não só está colocado em crise pelo que consta da Acta da audiência de julgamento realizado no processo 25/13 – o A. declarou por si as cláusulas que consubstanciam a transação -, como nunca poderia constituir fundamento idóneo para interpor recurso da sentença homologatória, já que não pode ser objecto de tal recurso os vícios da vontade de transigir; no limite tal apenas poderia servir como fundamento para uma acção de declaração de nulidade ou anulação da transação.

O A. invoca ainda, laconicamente, sem qualquer outra explicação, que no recurso a interpor podia ser reconhecida a existência de algumas nulidades, “ como a ausência da R. DD, naquela audiência, nem de seu representante com poderes para o efeito, que poderiam permitir sustentar a pretensão do A. e juízo decisório que desse sem efeito a transacção.”

Pode afirmar-se, com base na Acta da audiência de julgamento que teve lugar na Acção 25/13, a 24/04/2019, que a referida DD era a 4ª Ré naquela acção.
Mas não estão alegados nem provados factos dos quais resulte que era essencial a intervenção da mesma para a composição de interesses traduzida na transação, ou, em outro sentido, que o A. ou o R. AA, não podiam ter disposto dos interesses de que dispuseram sem a intervenção daquela.

Destarte, impõe-se concluir que a actuação da Ré, ao manifestar o entendimento de que a sentença homologatória não era susceptível de recurso, não configura qualquer incumprimento dos seus deveres de patrocínio, concretamente, o dever  de assegurar a diligente promoção e o esclarecido acompanhamento do caso, estudando-o com cuidado, tratando-o com zelo e movendo para esse efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade, pois não foi alegado nem provado qualquer vício dessa sentença, pelo que nesta vertente não se verifica o pressuposto da ilicitude.

Quanto ao facto de a Ré não ter comunicado a escusa dentro do prazo de interposição do recurso, vejamos em primeiro a factualidade provada relevante.

Na acção n.º 25/13...., que correu termos no Juiz ... dos ..., a 24/04/2019 realizou-se a audiência de julgamento, da qual foi lavrada Acta, assinada electronicamente pelo Sr. Juiz que presidiu á mesma, Dr. KK e onde consta, no que ora releva, que “… e retomados os trabalhos em audiência, foi pedida a palavra pelos Ilustres mandatários das partes, Autor e Réu AA (por si e enquanto legal representante das sociedades (..)) a qual lhes foi concedida e, no uso da mesma disseram que pretendiam pôr termo à presente Acção Pauliana (Ordinária), nos termos das CLÁUSULAS que se seguem:…” ( alíneas A. e B. dos factos provados).

Ficou também provado que a 26 de Abril, o autor e a filha, CC, entraram em contacto com a ré, a fim de impugnarem/reclamarem/recorrerem do acordo referido em B. e sua homologação, tendo a ré entendido que não haveria fundamento para tal ( alínea D. dos factos provados).

Considerando a discordância de posições entre as partes, a ré decidiu pedir escusa junto da Ordem dos Advogados, em 20/05/2019 (alínea E. dos factos provados).

Porém, a Ré não remeteu o comprovativo do seu pedido de escusa aos próprios autos. (alínea F. dos factos provados).

A 31 de Maio, o autor deu entrada, pessoalmente, de requerimento a solicitar a interrupção do prazo de recurso, até nova nomeação de patrono, o qual mereceu despacho, datado de 03/06/2019, que decidiu que a comunicação ao processo apenas se deu após o termo do prazo de recurso, o qual ocorreu em 24/05/2019, pelo que o referido prazo não se interrompeu e foi ultrapassado. ( alínea G) dos factos provados).

O autor recorreu do referido despacho, sem sucesso, porquanto esta decisão veio a ser confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24/10/2019.

Dispõe o art.º 34º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho – Lei do Apoio Judiciário:
1 - O patrono nomeado pode pedir escusa, mediante requerimento dirigido à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores, alegando os respectivos motivos.
2 - O pedido de escusa, formulado nos termos do número anterior e apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 24.º
3 - O patrono nomeado deve comunicar no processo o facto de ter apresentado um pedido de escusa, para os efeitos previstos no número anterior.

Ao não comunicar ao processo que havia pedido a escusa, não pode haver dúvidas de que a Ré não usou da adequada diligência, pelo que incumpriu os deveres que estavam cometidos no exercício do patrocínio, estando, portanto, verificado o pressuposto da ilicitude.

A questão é saber se isso deu causa à perda da possibilidade do A. interpor recurso da sentença homologatória.

Afirma-se na sentença recorrida que “o que a ré não poderia (…), era deixar de, uma vez pedida escusa do patrocínio por motivo de discordância de posição com o autor, comunicar ao processo o referido pedido, nos termos impostos pelo art. 34.º, n.º 3, da Lei de Acesso ao Direito, para efeito de interrupção do prazo de recurso em curso, nos termos do art. 34.º, n.º 2, da Lei de Acesso ao Direito, pois que só assim cumpriria escrupulosamente o dever de diligência a que estava adstrita e só assim protegeria os interesses legítimos do patrocinado, nos termos do art. 97.º, n.º 2, do EOA, e não impossibilitaria o autor de obter, em tempo útil, a assistência de outro advogado (cfr. art. 100.º, n.º 2, do EOA), pelo que, tendo omitido tal comunicação, com a consequente não interrupção do prazo de recurso e trânsito em julgado da sentença homologatória, sonegou ao autor ao possibilidade de interpor recurso ordinário da sentença.”

O facto de a Ré não ter comunicado ao processo que tinha pedido escusa determinou, directa e necessariamente e do ponto de vista jurídico, que o prazo que estava em curso, para recorrer da sentença homologatória, não se interrompeu, tendo-se consumado e aquela sentença transitado em julgado, ficando o A., como ficou, impossibilitado de recorrer.

Mas ainda não temos configurado o dano da perda de chance de recorrer, pois há que ter em consideração a jurisprudência fixada pelo AUJ n.º 2/22 - o dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade.

Por tudo quanto já ficou dito aquando da análise da questão de saber se havia fundamento certo e seguro para o recurso - e que aqui se dá por produzido para evitar repetições desnecessárias -, pode afirmar-se com segurança que não foi invocado fundamento certo e seguro para sustentar um recurso de apelação da sentença homologatória, pelo que não se pode considerar como verificado o dano que consiste na perda da chance de recorrer da sentença homologatória.

Em síntese: quer porque, no que respeita ao facto de a Ré ter manifestado o entendimento de que não havia fundamento para interpor recurso da sentença homologatória, não se verifica o pressuposto do dever de indemnizar que é a ilicitude, quer porque no que respeita ao facto de a Ré, no decurso do prazo para interpor recurso, ter pedido escusa e não ter comunicado tal pedido ao processo, prazo aquele que se consumou, tendo a sentença transitado em julgado, não se verifica o pressuposto do dever de indemnizar que é o dano da perda de chance de recorrer, impõe-se concluir não estar demonstrado o dever da Ré de indemnizar o A., pelo que se deve manter a decisão do tribunal a quo de julgar improcedente a acção e, em consequência, nesta parte, o recurso do A. deve improceder.

5.4. Da litigância de má fé
Já com a reforma do Código de Processo Civil operada pelo DL 329-A/95 e com a nova filosofia de colaboração que pretende trazer ínsita, consagrou-se "expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos" (Relatório do DL 329-A/95 de 12 de Dezembro).
Qualquer pessoa que se considere titular de um direito pode solicitar a intervenção judicial para o ver reconhecido ou para alcançar a sua realização coerciva - arts. 20° da Constituição da República Portuguesa e 2° do Cód. Proc. Civil -, assim como qualquer pessoa demandada pode usar os meios processuais existentes para se defender.
A ordem jurídica põe a tutela jurisdicional à disposição de todos os titulares de direitos, sendo indiferente que, no caso o concreto, o litigante tenha ou não razão: num e noutro caso gozam dos mesmos poderes processuais.
No entanto, ao princípio da licitude do exercício dos meios processuais a mesma ordem jurídica coloca uma limitação: que o exercício seja sincero, que a parte seja coerente e esteja convencida da justiça da sua pretensão.
Por outras palavras, uma coisa é o direito abstracto de acção ou de defesa, outra o direito concreto de exercer actividade processual. O primeiro não tem limites, é um direito inerente à personalidade humana. O segundo sofre limitações impostas pela ordem jurídica: é necessário que o litigante esteja de boa fé ou suponha ter razão.
Se a parte procedeu de boa fé, sinceramente convencida de que tinha razão, a conduta é perfeitamente lícita; se não tiver sucesso na sua pretensão, suporta unicamente o encargo das custas, como risco inerente à sua actuação. Mas se procedeu de má fé ou com culpa, se sabia que não tinha razão ou se não ponderou com prudência as suas pretensas razões, a sua conduta assume o aspecto de conduta ilícita, impondo o art.º 542º n.º 1 do Cód. Proc. Civil que a parte que litigar dessa forma seja condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
Em consequência da degradação dos padrões de actuação processual a que temos vindo a assistir e do realce que se impõe dar ao princípio da cooperação, expressamente consagrado como dever no art.º 7º e aos deveres da boa fé e de lealdade processuais, com consagração no art.º 8º do CPC, o legislador ampliou o âmbito de aplicação do referido instituto, assumindo-se claramente que a negligência grave também é causa de condenação como litigante de má fé.

Ainda a este respeito referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in CPC Anotado, anotação ao art.º 542º:
“A lei não coloca entraves irrazoáveis à introdução em juízo de pretensões ou de meios de defesa, nem consente que se faça do direito de acção uma interpretação correspondente a uma verdadeira petição de principio, segundo a qual o acesso aos tribunais estaria reservado apenas aos que tivessem razão. Se um dos objectivos do exercício do direito de acção é o reconhecimento de uma situação jurídica tutelável o recurso legítimo aos tribunais não pode restringir-se àqueles que inequivocamente tenham a razão do seu lado. Ao invés, a lei confere uma vasta amplitude ao direito de acção ou de defesa, de maneira que, além da repercussão no campo das custas judiciais, não retira do decaimento qualquer outra consequência, a não ser que alguma das partes aja violando os princípios básicos por que devem pautar a sua actuação processual.”

Assim, as partes têm o dever de não formular pedidos injustos, não deduzir oposição cuja falta de fundamento não deviam ignorar, não articular factos contrários à verdade, não fazer do processo um uso manifestamente reprovável; isto é, têm o dever de proceder de boa fé.

Nesta medida o art.º 542º n.º 2 prevê as situações que integram a má-fé:
a) ter deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) ter alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) ter praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) ter feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

O tribunal recorrido, depois de enquadrar juridicamente a questão, considerou:
Feito este introito, teremos de concluir que, no caso, se impõe atender à condenação do autor como litigante de má-fé em atenção à manifesta e consciente falta de verdade dos factos por si alegados.
De facto, para justificar o dano derivado da perda de chance, o autor invocou a invalidade/ineficácia da transação alcançada no processo n.º 25/13...., invocando, em suma, que o acordo que se consignou em ata, que a documenta, não correspondia à sua vontade uma vez que conscientemente não emitiu qualquer declaração, tendo ficado em silêncio, do qual nenhum valor negocial se poderia ter extraída, sendo que, discutida a causa, e perante os factos provados, resultou inequívoco que a ata onde se proferiu a sentença homologatória do acordo alcançado entre as partes limitou-se afinal a reproduzir fielmente aquilo que sucedeu na diligência, tendo-se apurado que o autor concordou expressamente com o acordo ali exarado.
Nesta conformidade, a versão apurada está bem longe da trazida a juízo pelo autor que, sabendo aquilo que acordou no processo n.º 25/13...., veio aqui alegar que se manteve em silêncio e que foi ante o seu silêncio que o acordo foi lavrado, pondo assim em causa o trabalho de todos os que naquele processo tiveram intervenção, desde logo, do Mmo. Juiz que, limitando-se a formalizar e homologar o acordo a que as partes chegaram, vê agora o seu trabalho posto em crise, com acusações de que determinou um temor reverencial ao autor pela sua postura, ditando-lhe o silêncio (vide art. 42.º da contestação), quando o que se apurou é que o autor concordou com o referido acordo, tendo aliás sido admitida a presença na sala de audiência dos seus filhos para que todas as dúvidas pudessem ser esclarecidas, tendo sido tudo explicado a todos e tendo o autor entendido bem o teor do acordo que realizou, que foi por si pretendido.
Tudo vale para dizer que assiste razão à ré quanto à pretendida condenação do autor como litigante de má-fé uma vez que estamos sem margem para dúvidas perante uma lide temerária, existindo elementos seguros, em face da matéria de facto assente, para se concluir pela existência de dolo, ou pelo menos negligência grave, na alegação de factos falsos, estando assim verificados os pressupostos a que alude o art. 542.º, n.º 2, alin. b), do CPC, pelo que deve o autor, tal como foi requerido pela ré, ser sancionado como litigante de má-fé através da condenação numa multa e ainda numa indemnização a favor da ré.”

Vejamos

O A. deduziu impugnação da matéria de facto, desde logo quanto á alínea B. dos factos provados, tendo ficado provado, face à Acta da audiência de julgamento do processo 25/13, que:
“ B. Foi lavrada Acta da audiência de julgamento do processo 25/13, que teve lugar a 24/09/2019, Acta essa assinada electronicamente pelo Sr. Juiz que presidiu á mesma, Dr. KK e onde consta, no que ora releva:
“Após o Meritíssimo Juiz determinou a suspensão da presente sessão de julgamento por 10 minutos.
*
Decorrido o período concedido para conversações e retomados os trabalhos  em audiência, foi pedida a palavra pelos Ilustres mandatários das partes, Autor e Réu AA (por si e enquanto legal representante das sociedades (….)) a qual lhes foi concedida  e, no uso da mesma disseram que pretendiam pôr termo à presente Acção Pauliana (Ordinária), nos termos das CLÁUSULAS que se seguem:…”

Nesta sequência e ainda em sede de impugnação da matéria de facto, ponderou-se que, constituindo a Acta da Audiência de julgamento no processo 25/13 um documento autêntico, fazendo a mesma prova plena dos factos que neles são atestados com base nas percepções do Sr. Juiz - no caso, que também, pelo Autor foram declaradas as cláusulas que consubstanciam a transação –,não era possível dar como provados factos diferentes, excludentes e assim contrários aos que constam da referida Acta.

Significou isto que não só não era possível dar como provada a matéria do ponto 4 dos factos não provados - 4. O autor não emitiu conscientemente qualquer declaração de concordância com o acordo referido em B. – como também não era possível manter como provada a matéria que constava da alínea AA. dos factos provados - AA. O autor concordou expressamente com o acordo referido em B.
             
Assim, se é certo que a versão dos factos trazida aos autos pelo A. não ficou provada, não é menos certo que a versão contrária, trazida pela Ré, também não ficou provada, pelo que, ao contrário do considerado na sentença recorrida, não é possível dar como verificada a litigância de má fé com base na “manifesta e consciente falta de verdade dos factos por si alegados.”

Em face do exposto e nesta parte a decisão recorrida não se pode manter, devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente o pedido de condenação do A. como litigante de má fé.

6. Decisão

Termos em que acordam os juízes que compõem a 1ª Secção da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso do A. e em consequência:

i) manter a sentença recorrida na parte em que julga totalmente improcedente a ação e, em consequência, absolve a ré do pedido contra si deduzido pelo autor;
ii) revogar a sentença recorrida na parte em que julgou procedente a invocação de litigância de má fé do A. e o condenou na multa de 5 UC`s e de uma indemnização à ré no valor de 1.000,00€, que se substitui por outra que julga improcedente a invocação de litigância de má fé do A. e, em consequência, o absolve do pedido de indemnização á Ré.
*
Custas do recurso por A. e Ré na proporção de 97,5% e 2,5% respectivamente.
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Notifique-se
*
Guimarães, 27/04/2023
(O presente acórdão é assinado electronicamente)
 
Relator: José Carlos Pereira Duarte
Adjuntos: Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais
José Fernando Cardoso Amaral