Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1292/15.6T8VCT.G1
Relator: MARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
CASO JULGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SEÇÃO CÍVEL
Sumário: ●. O objecto da ação de verificação e graduação de créditos não é propriamente o reconhecimento do direito de crédito, mas o reconhecimento do direito real que o garante. Aqui, o reconhecimento do crédito funciona apenas como um pressuposto da decisão, como tal não abrangido pelo caso julgado, de sorte que o caso julgado se forma (e isto desde que se verifique o pressuposto da intervenção efectiva do executado nessa ação) quanto à graduação, mas não quanto à verificação dos créditos.
●. Portanto, a consideração do crédito em sede da acção de verificação e graduação de créditos não respeita ao crédito em termos absolutos, como acontece na acção declarativa, mas só ao crédito enquanto concretizado no direito a participar na distribuição do produto da venda, de modo que a admissão à distribuição do produto dos bens do devedor tem o seu valor limitado à distribuição, dela não nascendo nenhum caso julgado a fazer valer em acções futuras
Decisão Texto Integral: - Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães –

I.RELATÓRIO
A presente acção declarativa com processo comum, ordinário foi intentada pela C, com sede na Praça Dr. António Feio Ribeiro da Silva, da cidade de Viana do Castelo, contra A e mulher M, residentes no Lugar de Moldes, freguesia de Castelo do Neiva, concelho de Viana do Castelo, e D, residente na Avenida Eng.º Losa Faria, …, 2º esquerdo nascente, freguesia e concelho de Esposende na qual pede que se declare nula e de nenhum efeito a confissão de dívida e hipoteca e, em consequência, se ordene o cancelamento do registo da hipoteca a favor do réu D e, caso assim não se entenda, que se reconheça o direito da autora executar o prédio objecto da hipoteca com precedência sobre o crédito do réu D.
Alegou a autora que a confissão de dívida e a constituição da hipoteca celebrados entre os réus se tratam de negócios simulados, ou caso assim não se entenda, foram celebrados com vontade e consciência de prejudicar a autora, credora dos 1ºs réus.
Citados, os réus impugnaram a factualidade alegada pela autora, pedindo a improcedência da presente acção, com todas as consequências legais, devendo os réus ser absolvidos do pedido formulado pela autora.
Findos os articulados, foi realizada a audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador e ainda fixado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova, ao abrigo do disposto no art.º 596º, do NCPC.
Apreciados os requerimentos probatórios e produzida a prova pericial, designou-se dia para a audiência de discussão e julgamento, a qual se veio a proceder com inteira observância das formalidades legais, como consta da respectiva acta.
No final foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a presente e, em consequência, decide-se:

A) julgar improcedente o pedido principal formulado pela autora, não considerando nulo, por simulação, o contrato de confissão de dívida e hipoteca celebrado entre os réus e titulado pela escritura celebrada em 22.12.2011, absolvendo os réus de tal pedido;
B) julgar parcialmente procedente o pedido subsidiário formulado pela autora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Noroeste, CRL, assim julgando procedente a arguida impugnação pauliana e, em consequência, declara-se ineficaz quanto à autora a constituição daquela hipoteca, titulada pela escritura celebrada em 22.12.2011, podendo assim a autora executar o seu crédito, correspondente aos créditos exequendos reclamados nos processos executivos nºs 647/14.8TBVCT e 650/14.8TBVCT, sobre o prédio urbano identificado nos autos.

Custas a cargo da autora e dos réus, na proporção de 2/5 e 3/5, respectivamente – cf. art.º 527º, nºs 1 e 2, do NCPC.


Inconformado com esta decisão recorreu o réu Delfim Duarte Fernandes rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1º. O Tribunal a quo decidiu mal, havendo erro manifesto na aplicação do Direito.
2º. O recorrente reclamou o crédito que possui sobre os réus A e mulher, no processo executivo que correu termos no Pº 152/13.0TBVCTA, da Instância Central Cível J1, do Tribunal da Comarca de Viana do Castelo, como se constata de fls.203 e ss. e 215 e ss. dos autos.
3º. A aqui autora C, era credora no referido processo, foi notificada da reclamação feita pelo aqui recorrente, não impugnou o crédito do credor D, foi proferida Douta Decisão que reconheceu o crédito do referido D, Douta Decisão que foi colocada em crise pela aqui autora, tendo sido objecto de recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, que confirmou a Decisão de primeira instância,
4º. A Decisão supra referida transitou em julgado muito antes da Sentença recorrida, conforme certidão de fls. 214 dos autos, que se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.
5º. A referida decisão constitui caso julgado.
6º. Na verdade, quer as partes, quer o efeito jurídico, quer a causa de pedir são idênticos no identificado Pº 152/13.0TBVCT-A, da Instância Central Cível J1, do Tribunal da Comarca de Viana do Castelo, e nos presentes autos.
7. Assim, s.m.o., existindo uma decisão transitada em julgado, confirmada pela Relação (Pº152/13.0TBVCT-C. G1, 2ªSecção Cível) que reconheceu o crédito do aqui recorrente, e a sua graduação, num processo em que a recorrida C era parte, a Sentença proferida nos presentes autos viola o disposto nos artigos 580º, nº 1 (parte final), 581º e 625º do C.P.C.
Sem prescindir,
8º.Tendo o Tribunal a quo julgado, e bem, não haver simulação no contrato de confissão de dívida e hipoteca celebrado entre os réus, titulado pela escritura celebrada em 22/12/2011, e em face dos factos julgados provados, e os factos julgados não provados, não podia ter decidido por julgar parcialmente procedente o pedido formulado pela autora, pelas razões que a seguir se referem.
9º. Para uma impugnação pauliana proceder, num ato oneroso, como é o caso sub judice, é necessário que o devedor e o terceiro tivessem agido de má-fé (artº 612º, nº 1 do C. Civil).
10º.Perante a factualidade provada, e não provada, dúvidas não há, que nem devedores, e muito menos o terceiro, agiram de má-fé.
11º.Dos factos julgados não provados, com interesse para o supra exposto passa-se a citar:
- “O negócio de confissão de dívida e hipoteca foi combinado entre os réus com intuito de enganar a autora”;
- “Os 1ºs réus nunca quiseram dar de hipoteca ao 2º réu o prédio supra identificado em 4. Dos factos provados”;
- “Em 22.12.2011 ou em qualquer outra data, os 1ºs réus não deviam ao 2º réu a quantia de €150.000, nem qualquer outro valor”;
- “O 2º réu tinha conhecimento das dívidas bancárias assumidas pelos 1ºs réus”.
12º.Ao dar como não provados os factos constantes do artigo anterior falece qualquer possibilidade de verificação do requisito imposto pelo artº 612º, nº 1 (primeira parte) e nº 2 do C. Civil, como condição necessária e imprescindível para a impugnação pauliana.
13º. A objetiva não verificação da má-fé, leva, sem mais, à improcedência do pedido subsidiário formulado pela autora, e à ilegalidade cometida pelo Tribunal a quo ao julga-lo parcialmente procedente.
14º.Acresce que, os réus A e mulher, à data que contraíram os empréstimos junto da autora tinham vários bens imóveis livres de quaisquer ónus ou encargos, entre eles o prédio que mais tarde foi hipotecado ao réu Delfim Fernandes.
15º.Já após a hipoteca registada sobre o prédio em causa, a autora concedeu novos empréstimos aos réus A e mulher.
16º.Ao contrário do recorrente, a autora é uma instituição de crédito, habituada a efectuar profissionalmente contratos de mútuo aos seus clientes, o que faz parte do respectivo objecto de negócio.
17º.Se a autora não fez depender a concessão de crédito, ou empréstimos, aos réus Abel e mulher, da constituição de hipotecas, ou outros ónus, a incidir sobre os vários prédios livres que os réus, A e mulher, possuíam, foi porque não quis.
18º. A Douta Sentença recorrida, na prática atinge o credor que foi previdente e agiu de boa fé –o recorrente-, em benefício do credor profissional, que foi relapso e imprudente, e que não fez prova dos factos necessários, e indispensáveis para a procedência da impugnação paulina.
19º. A Douta Sentença recorrida percorre um caminho denso e sinuoso, para conseguir chegar ao destino errado a que chegou.
20º. No entanto, como todas as soluções rebuscadas, afasta-se do espírito e da letra da Lei, que secundariza a verdade material, e que conduz à injustiça, porquanto não há justiça sem verdade.
21º.Desse modo, o Tribunal a quo não falhou na apreciação da matéria de facto, falhou sim na aplicação da Lei, tendo assente a decisão a que chegou numa interpretação cirúrgica e rebuscada de doutrina, que sendo Douta, não substitui os factos, nem o espírito e a letra da Lei.
22º. A Sentença recorrida viola o disposto nos artigos 580º, nº 1 (parte final), 581º e 625º do C.P.C., e, artigos 610º, 612º, 686º, 939º, do C. Civil
Desse modo, dando provimento ao recurso, revogando a Douta Sentença recorrida, substituindo-a por Acórdão que em conformidade com o concluído, Vossas Excelências farão, como sempre, JUSTIÇA.

Contra-alegou a requerida defendendo com os argumentos que constam de fls. 256 a 262 que deve ser negado provimento ao presente recurso, com as legais consequências, fazendo-se assim JUSTIÇA!

O recurso foi recebido como de apelação com efeito meramente devolutivo, a subir imediatamente e nos próprios autos.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões a resolver, partindo das conclusões formuladas pelo apelante, como impõem os artºs. 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, do C.P.Civ, serão as seguintes:
I.Se se verifica a excepção de caso julgado
II. se o acto impugnado: hipoteca, deve ser considerado acto oneroso ou acto gratuito.
III. Decisão da causa perante a resposta dada à questão anterior e os factos provados.


*

II.FUNDAMENTAÇÃO
OS Factos:

Foram dados como provados os seguintes factos:

1.A autora intentou, em 4.03.2014, contra, entre outros os 1ºs réus uma execução comum, com o valor de € 88.680,62, que corre termos sob o nº 647/14.8TBVCT, com base numa livrança, no valor de € 74.819,68, com data de emissão em 3.03.2003 e data de vencimento em 19.07.2012, conforme documentos de fls. 10 a 17 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

2.A autora intentou, em 5.03.2014, contra, entre outros, os 1ºs réus uma execução comum, com o valor de € 18.871,09, que corre termos sob o nº 649/14.4TBVCT, com base numa livrança, no valor de € 18.464,92, com data de emissão em 30.04.2012 e data de vencimento em 27.01.2014, conforme documentos de fls. 17v a 23v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

3.A autora intentou, em 5.03.2014, contra os 1ºs réus uma execução comum, com o valor de € 46.929,93, que corre termos sob o nº 650/14.8TBVCT, com base numa livrança, no valor de € 75.000,00, com data de emissão em 28.06.2007 e data de vencimento em 28.07.2012, conforme documentos de fls. 24 a 32 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

4.Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o nº 2432/19960418, em nome da 1ª ré, o prédio urbano composto por casa de rés-do chão, andar e logradouro, com a superfície coberta de 225 m2 e descoberta de 682m2, sito em Moldes, freguesia de Castelo do Neiva, conforme documento de fls. 34 a 35 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

5.Por escritura pública de confissão de dívida e hipoteca, outorgada em 22.03.2011, os 1ºs réus declararam que se confessavam devedores ao 2º réu da quantia de € 150.000,00, obrigando-se a pagar a referida quantia no prazo máximo de 10 anos, sem vencimento de quaisquer juros; e que, para garantia do pagamento do referido montante constituíram hipoteca sobre o prédio referido em 4., conforme documento de fls. 32v a 33v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

6.A dita hipoteca foi registada na Conservatória do Registo Predial, pela ap. 3232 de 2011.12.23, conforme documento de fls. 34 a 35 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

7.O valor de mercado do imóvel referido em 4. ascendia, em 22.12.12, a cerca de € 170.000,00 e, actualmente, a cerca de € 183.350,00.

8.Actualmente, os 1ºs réus não dispõem de qualquer outro património.

9.O 2º réu conhecia as dificuldades económicas que o réu A atravessava no âmbito da sua actividade de construtor civil.

10.Por sentença proferida em 12.03.2014 no processo nº 152/13.0TBVCT-A, e transitada em julgado, foi reconhecido, verificado e graduado o crédito aí reclamado pelo aqui 2º réu sobre os aqui 1ºs réus, no valor de € 150.000,00, com base na escritura pública de confissão de dívida, conforme certidão de fls. 215 a 217 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

11.Por sentença proferida, em 25.11.2014 no processo nº 152/13.0TBVCT-A, e transitada em julgado, foi reconhecido e verificado o crédito aí reclamado pela aqui autora sobre os aqui 1ºs réus, no valor de € 91.280,34, tendo sido reformulada a graduação de créditos efectuada na sentença aludida em 10., conforme certidão de fls.

Fixados por esta Relação, ao abrigo do artº 662º nº1 al) a do CPC tendo por base documentos existentes nestes autos e nos apensos a cuja consulta se procedeu:

a). A decisão referida no ponto 10. foi proferida com data de 17.03.2014 no apenso à execução para pagamento de quantia certa que “Banco Comercial Português, SA" instaurou em 16 de Janeiro de 2013 contra A e M, no qual entre outros, foram reclamados os seguintes créditos: - por D o crédito de €150.000,00, com base na garantia decorrente da hipoteca sobre o prédio descrito na CRP de Viana do Castelo sob o …/ Castelo do Neiva; - por E e mulher MC o crédito de €101.160,00, acrescido dos juros já vencidos no montante de €288,24 e dos vincendos, com base na garantia da hipoteca sobre o prédio descrito na CRP de Viana do Castelo sob o nº …/ Castelo do Neiva. - Pelo Banco Santander Totta, SA o crédito de €123.334,27, acrescido dos juros moratórios vincendos, com base na garantia da hipoteca sobre o prédio descrito na CRP de Viana do Castelo sob o nº 3018/ Castelo do Neiva.

b) A decisão referida no ponto 11 dos F.P foi proferida com data de 25.11.2014 no apenso à execução para pagamento de quantia certa que B instaurou contra A e M.

c). Teve por base uma reclamação de créditos da C Mútuo do Noroeste CRL sobre os executados A e mulher M no montante de € 91 280,34 ao abrigo do disposto no artº 794 do CPC, em virtude de ter conseguido penhora posterior à ocorrida na execução de que aqueles autos são apensos sobre os bens imóveis descritos no auto de penhora de fls. 47 sob as verbas nº 1,2,3, e 5.

d). Em 17 de Abril de 2015 a C requereu a suspensão da execução aludida na supra al a) até à decisão da acção comum nº 1292/15.6 T8VCT.

e). Em 12 de Maio de 2015 o tribunal indeferiu a suspensão da execução.

f). Em 16 de Julho de 2015 a agente de execução notificou a Caixa de Crédito para, no prazo de 15 dias se pronunciar sobre a adjudicação do prédio urbano ao credor hipotecário D.

g). Em 15 de Setembro de 2015 a caixa de Crédito requereu a suspensão da adjudicação do prédio até à decisão da referida acção comum.

h). Em 17 de Setembro de 2015 o tribunal indeferiu a suspensão da adjudicação do referido prédio.

I). Em 06 de Outubro a C apresentou recurso desse despacho.

j). Seguiu-se despacho com o seguinte teor: “Com fundamento na sua extemporaneidade e inadmissibilidade não admito o recurso. Na verdade, o despacho de que se pretende recorrer como do mesmo expressa, e literalmente decorre nada decide, entendendo que a questão (novamente) suscitada já havia sido oportunamente apreciada.

L). Deste despacho apresenta a C em 16.11.2015 reclamação para este Tribunal da Relação o qual por decisão de 12.05.2016 desatendeu a reclamação e manteve o despacho reclamado

Factos Não Provados:

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a boa decisão da causa, designadamente, que:

-o negócio de confissão de dívida e hipoteca foi combinado entre os réus com o intuito de enganar a autora;

-os 1ºs réus nunca quiseram dar de hipoteca ao 2º réu o prédio supra identificado em 4. do elenco dos factos provados;

- em 22.12.2011 ou em qualquer outra data, os 1ªs réus não deviam ao 2º réu a quantia de € 150.000,00, nem qualquer outro valor;

-o vencimento do 2º réu ascende apenas a € 1.000,00 mensais;

-o 2º réu despende mensalmente todo o seu vencimento nas despesas correntes;

-os 1ºs réus agendaram a escritura de confissão de dívida e hipoteca e pagaram os respectivos emolumentos;

-o 2º réu tinha conhecimento das dívidas bancárias assumidas pelos 1ºs réus.

O Direito:

Primeira questão: Excepção do caso Julgado

Sustenta o Apelante que, contrariamente ao que se concluiu na decisão recorrida, se verifica a excepção do caso julgado material.
Como esclarece o acórdão desta Relação proferido no processo nº 1248/11.8 TBEPS.G1 com data de 13.06.2013 (relator Manso Rainho):
O caso julgado material “consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (ação destinada a fazer valer outro efeito dessa relação)” (Manuel Andrade, 305). Portanto, quando se fala em caso julgado material tem-se em vista saber até que ponto o decidido (com trânsito em julgado) num processo produz efeitos num outro distinto, subsequente. Os efeitos são diferentes consoante a relação entre o objeto da decisão transitada e o do processo posterior. Podem assim isolar-se, designadamente, relações de identidade (nesta situação o caso julgado vale como exceção de caso julgado) e relações de prejudicialidade (nesta situação o caso julgado vale como autoridade de caso julgado) (Teixeira de Sousa, 574 e 576).
Para que se verifique a exceção do caso julgado material é necessário que a causa atual (a ação posterior) seja idêntica à causa precedentemente decidida com trânsito em julgado, aí no que toca aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. É através desta tríplice identidade que se define a abrangência (extensão) do caso julgado enquanto exceção (art.°s 497º e 498º do CP Civil).
Entretanto, há que ver que o caso julgado forma-se diretamente sobre o pedido (o efeito jurídico pretendido pelo autor [ou pelo reconvinte]), limitado através da respetiva causa de pedir. No plano dos respetivos limites objetivos, o caso julgado cobre apenas a resposta dada pela decisão à pretensão (delimitada em função da causa de pedir) do peticionante. A sentença tem autoridade para qualquer processo futuro, mas só em exata correspondência com o seu conteúdo, e daqui que “não pode impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesma não definiu” (Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 309). O caso julgado não cobre autonomamente os motivos ou fundamentos, estando a sua eficácia limitada aos efeitos concretos que as partes tiverem realmente em vista ao litigarem na ação. Todavia, “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos da decisão” (Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Processo Civil, pp. 578 e 579).
(…) o caso julgado não se impõe apenas como exceção (efeito negativo do caso julgado), senão também como autoridade (efeito positivo do caso julgado). Na realidade, (…) a autoridade do caso julgado refere-se às relações de prejudicialidade, e estas verificam-se “quando a apreciação de um objeto (que é o prejudicial) constitui um pressuposto ou condição do julgamento de um outro objeto (que é o dependente). A decisão proferida sobre o objeto prejudicial vale como autoridade de caso julgado na ação em que é apreciado o objeto dependente.
De salientar também que a razão de ser do caso julgado é evitar uma contradição prática de decisões e não já uma colisão teórica ou lógica. Deste modo, a incoerência ou a falta de sintonia entre duas injunções judiciais não é só por si razão ou argumento para que se veja aí o desrespeito pelo caso julgado.
Isto posto:
O que acaba de ser dito vale certamente por inteiro no âmbito das ações declarativas. Já quanto à ação executiva, inclusivamente quanto aos procedimentos de natureza declarativa nela enxertadas (pois que estão unicamente ao serviço instrumental da ação executiva), algumas dúvidas se podem colocar. Isto é assim porque o fim precípuo da ação executiva não é a produção de uma decisão que, em atenção à certeza ou segurança jurídica, defina ou acerte definitivamente (ou seja, incontestavelmente para o futuro) o direito inerente a uma qualquer relação jurídica controvertida de fundo (e é esta a razão fundamental da existência do caso julgado material), mas sim realizar o direito previamente acertado (ainda que, dentro de certos limites, possa ser discutido), e a tanto se confinando a sua função. Por isso, e contrariamente ao que sucede no processo declarativo (em que o efeito preclusivo se dissolve no efeito geral do caso julgado imposto pela decisão proferida), a omissão da prática de certos atos no processo executivo, como seja a indefesa perante o crédito exequendo ou perante os créditos reclamados (e isto, quanto a nós, tanto vale para o devedor como para os diversos credores nas relações entre si) só deverá produzir, em princípio, efeitos intraprocessuais (preclusão de um direito que se poderia revelar vantajoso no processo executivo) e não efeitos extraprocessuais (v. a propósito, embora focalizado na omissão do ónus da oposição à execução, Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 4ª ed., pp. 190 e 191).
Entretanto, importa observar que isto não tem por que significar que qualquer decisão obtida no âmbito da ação posterior seja suscetível de neutralizar o decidido (consolidado) na execução. Na realidade, a decisão proferida subsequentemente poderá não ter eficácia no processo executivo, pois que neste também vale o caso julgado aí formado. Mas já poderá tal decisão subsequente produzir outros efeitos, designadamente os que visam a reintegração patrimonial daquele (devedor ou credor reclamante) que é afetado em decorrência de uma execução injustamente acertada (Lebre de Freitas, ob. cit., p. 191; Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3ª ed., pp. 296 seguintes).
De outro lado, e particularmente no tocante à ação de verificação e graduação de créditos na ação executiva parece ser de entender, isto na sequência da lição de Lebre de Freitas (ob. cit., pp. 325 e 326), que o caso julgado só se forma quando o executado tenha tido intervenção efetiva na execução ou quando para ela tenha sido pessoalmente notificado e todos os créditos tenham sido impugnados (pelo exequente, por credor reclamante ou mesmo pelo cônjuge do executado). Em todo o caso, mais expende o referido mestre, o objeto da ação de verificação e graduação de créditos não é propriamente o reconhecimento do direito de crédito, mas o reconhecimento do direito real que o garante. Aqui, o reconhecimento do crédito funciona apenas como um pressuposto da decisão, como tal não abrangido pelo caso julgado, de sorte que o caso julgado se forma (e isto desde que se verifique o pressuposto da intervenção efetiva do executado nessa ação) quanto à graduação, mas não quanto à verificação dos créditos. Portanto, a consideração do crédito em sede da ação de verificação e graduação de créditos não respeita ao crédito em termos absolutos, como acontece na ação declarativa, mas só ao crédito enquanto concretizado no direito a participar na distribuição do produto da venda, de modo que a admissão à distribuição do produto dos bens do devedor tem o seu valor limitado à distribuição, dela não nascendo nenhum caso julgado a fazer valer em ações futuras (idem, lição do referido mestre, citando a doutrina de Satta).
Apliquemos então ao caso vertente as directivas que ficam expostas com as quais se concorda:
Há que começar por dizer que a acção anterior e onde foi produzida a decisão que supostamente se imporia como caso julgado impeditivo da presente ação, se traduz no procedimento de reclamação de créditos enxertado no processo executivo.
Tem-se discutido na doutrina e jurisprudência se estamos perante uma verdadeira acção declarativa inserida na tramitação da execução ou se se trata de um mero incidente daquela. Seguimos a orientação dos que entendem que se trata de uma verdadeira acção declarativa, de estrutura autónoma embora funcionalmente subordinada à acção executiva. Em abono desta orientação atente-se na circunstância de que aos credores reclamantes são concedidos poderes próprios e exclusivos de quem é parte principal no processo (ex. artºs 763 nº4; 799 nº2; 812 nº1 todos do CPC).
Ora, tentando de alguma forma subsumir no que acima se aduziu em tema de caso julgado o tal processo declarativo enxertado de verificação e graduação de créditos, temos então (adequando as coisas ao caso específico da execução) que quer o ora Apelante como a Apelada (como credores reclamantes) funcionariam como uma espécie de demandantes e que o ora Apelante (credor que podia impugnar o crédito da credora Caixa de Crédito porque apresentado ao abrigo do disposto no artº 794 nº2 do CPC) funcionaria como uma espécie de demandado. Em termos de pedido, consistiria este na pretensão de reconhecimento da existência do crédito, na sua admissão à execução e na sua graduação no lugar que lhe compete face ao direito material. Em termos de causa de pedir, radicar-se-ia esta no facto concreto de onde emerge o crédito do ora Apelante e Apelada,
Não foram apresentadas impugnações aos créditos reclamados.
A falta de impugnação dos créditos e a sua verificação não ter estado dependente de prova a produzir determinou que o tribunal tenha conhecido da sua existência e os graduou com o crédito do exequente (conforme certidão das sentenças juntas a fls. 204 e 205 e 216 a 217 destes autos).
A questão colocada em termos de excepção do caso julgado, é então a seguinte: a dita sentença decidiu sobre pedido e causa de pedir idênticos àqueles que enformam a presente ação, de modo a dizer-se que se verifica aqui uma repetição de causa?
A nosso ver a resposta só pode ser a negativa.
Pois que a ora apelada não impugnou o crédito reclamado do Apelante (nem tal lhe era permitido considerando que na altura não fazia parte do processo nos termos exigidos pelo artº 789 nº1 do CPC)(2) nenhum efeito jurídico visou obter naquela ação que de alguma forma se identifique com o efeito jurídico (o pedido formulado) visado na presente acção: a declaração de nulidade da promessa de divida com hipoteca ou a impugnação pauliana.
Da mesma forma, nada aduziu factualmente em sede dessa (inexistente) impugnação que se identifique com a causa de pedir que enforma a presente ação. E da mesma forma que nada aduziu, também é exacto que a sentença que julgou reconhecidos os créditos e os graduou nada decidiu sobre a invalidade dos actos que deram origem aos créditos.
E como acima se expôs, a decisão só tem valor para qualquer processo futuro na exacta correspondência com o seu conteúdo, e daqui que não pode impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesma não definiu.
É certo que na alegação que apresentou no recurso que interpôs para esta Relação de Guimarães contra a dita decisão que indeferiu a suspensão da adjudicação (ver alíneas I) a J) dos F.P) a ora apelada invocou esta acção e a temática que versa a presente ação. Mas nada disto foi objecto de apreciação por parte do acórdão respectivo, o qual apenas desentendeu uma reclamação que indeferiu a admissão do recurso.
Portanto, o que se decidiu (sentença de 1ª instância) na acção de reclamação e graduação de créditos foi apenas que o crédito do ora apelante se havia como reconhecido e que havia de ser graduado como foi.
Donde, não se verifica qualquer excepção do caso julgado que impeça a presente acção.
Mas, não poderá o decidido naquela acção valer de alguma forma como autoridade do caso julgado a impor-se na presente ação?
Também aqui a nossa resposta é a negativa.
Desde logo, - seguindo o acórdão supra citado por similar com a situação dos autos, e na sequência daquilo que acima se apontou, julgamos que será de entender que na acção de verificação e graduação de créditos não se forma qualquer caso julgado relativamente à verificação dos créditos. O reconhecimento do crédito funciona apenas como um pressuposto da decisão que define os termos da distribuição pelos credores (graduação). Isto significa que a efectiva existência do crédito exequendo pode ser sempre discutida em acção ulterior por aquele que se sinta prejudicado com o acertamento (distribuição) feito na execução, e é precisamente disto que trata a presente ação.
Já quanto à decisão que graduou os créditos se poderá porventura entender (isto é uma mera hipótese, até porque, como acima ficou referenciado, parece que a formação do caso julgado estaria sempre dependente da impugnação dos créditos, e esta impugnação não aconteceu) que produz caso julgado, aí onde reconheceu ao ora apelante o direito real que ele invocou (hipoteca).
Mas bem refere a decisão recorrida seguindo o acórdão desta Relação já acima mencionado “Se este ponto de vista fosse acaso exacto, então a distribuição feita operar na execução em função daquela decisão não poderia ser mais afrontada. Simplesmente, e como decorre do acima exposto, a autoridade do caso julgado reporta-se à relação de prejudicialidade, e esta relação verifica-se quando uma decisão (a proferida em primeiro lugar) é pressuposto ou condição de uma outra (a proferida em segundo lugar). Neste caso, e só neste caso, é que o tribunal da ação dependente está vinculado à decisão proferida na causa prejudicial. Acontece que nenhuma relação de prejudicialidade se surpreende no caso vertente. Pois que o decidido na acção de verificação e graduação de créditos não funciona em si mesmo como um pressuposto ou condicionante da presente ação (a circunstância dos créditos terem sido graduados como foram não funciona como pressuposto ou condicionante do efeito jurídico a apreciar nesta ação, qual seja, a declaração de nulidade dos contratos-promessa), mas apenas, e no limite, como a razão que levou à presente demanda. Não é a mesma coisa”.
Portanto, julgamos que em termos de caso julgado nada obsta ao seguimento da presente acção.
O caso julgado formado pela decisão recorrida assume assim foros de um caso julgado meramente incidente sobre a relação processual, de eficácia e autoridade circunscritas à instância circum-executiva do apenso da reclamação e verificação de créditos. Isto é, a um caso julgado formal com força obrigatória restringida ao próprio processo (ou procedimento concursal) em que foi proferida (art.º 672.º, n.º 1, do CPC), sem, pois, a eficácia erga omnes própria de um caso julgado material, a que se reporta o n.º 1 do art.º 671.º do mesmo corpo normativo”.
Acresce que seja como for não se verifica, na hipótese vertente, o requisito da chamada tripla ou tríplice identidade a que se reporta o artº 581º do NCPC.
A presente acção (constitutiva/anulação) não é idêntica no procedimento declarativo designado por acção de reclamação de créditos em acção executiva. Se bem que haja uma certa identidade de partes do ponto de vista jurídico, já que a mesma independe da diversidade da posição processual e das formas do processo utilizado, o certo é que as mesmas não actuam em ambas as acções (meios processuais) como titulares da mesma relação substancial, nem coincidem subjectivamente nos citados processos.
Não existe também entre as duas formas processuais identidade do pedido, já que numa e noutra causa, se não pretende obter o mesmo efeito jurídico; na presente acção declarativa, pretende-se (a título principal) que o tribunal declare nulo e de nenhum efeito ( por simulação absoluta) o negócio jurídico da confissão de divida com hipoteca celebrado entre ao executados e aqui 1ª réus e o também aqui réu Delfim Duarte Fernandes com extracção das consequências previstas no artº 289º do C. Civil, tudo ao abrigo do disposto no artº 240 e seguintes do mesmo diploma; na acção de relação de créditos nº 152/13.0 OTBVCT-A o pedido consistiu no reconhecimento(verificação) da existência do crédito reclamado, a sua admissão ao concurso e a sua graduação no lugar que lhe competia, seguido do respectivo pagamento a efectuar pelo produto da liquidação dos bens dos executados.
E não há identidade de causa de pedir, porquanto a pretensão deduzida nas duas acções não procede do mesmo facto jurídico; a presente acção tem como causa de pedir a nulidade específica traduzida no vicio de invalidação do negócio jurídico subjacente ao documento titulador do crédito reclamado ( o arguido vício da simulação absoluta); na citada acção de reclamação e verificação de créditos, a causa de pedir radica na força garantística do crédito reclamado e na exequibilidade do respectivo documento titulador ( titulo executivo) em confronto com o crédito exequendo, os demais créditos reclamados e os bens concretamente penhorados- veja-se a decisão recorrida com a qual se concorda.

Segunda questão: Verificação dos pressupostos da impugnação pauliana
O recorrente considera ainda que na sentença recorrida houve uma errónea aplicação do direito, alegando, que não se mostram preenchidos “in casu” os requisitos previstos no artº. 610º, al. b) e c) do Código Civil para a procedência da presente acção de impugnação pauliana.
Alega para o efeito que Dos factos julgados não provados, com interesse para o supra exposto passa-se a citar:
- “O negócio de confissão de dívida e hipoteca foi combinado entre os réus com intuito de enganar a autora”;
- “Os 1ºs réus nunca quiseram dar de hipoteca ao 2º réu o prédio supra identificado em 4. Dos factos provados”;
- “Em 22.12.2011 ou em qualquer outra data, os 1ºs réus não deviam ao 2º réu a quantia de €150.000, nem qualquer outro valor”;
- “O 2º réu tinha conhecimento das dívidas bancárias assumidas pelos 1ºs réus”.
Ao dar como não provados os factos constantes do artigo anterior falece qualquer possibilidade de verificação do requisito imposto pelo artº 612º, nº 1 (primeira parte) e nº 2 do C. Civil, como condição necessária e imprescindível para a impugnação pauliana.
A objetiva não verificação da má-fé, leva, sem mais, à improcedência do pedido subsidiário formulado pela autora, e à ilegalidade cometida pelo Tribunal a quo ao julga-lo parcialmente procedente.
Como resulta do exposto, toda a argumentação do apelante se baseava na não comprovação da matéria que consta dos factos não provados.
Era mediante a ausência dessa matéria que o apelante concluía pela falta de todos os pressupostos da presente impugnação pauliana, máxime quanto ao requisito constante do art. 612º do C. Civil.
Porém a decisão recorrida seguiu outro percurso que não foi impugnado em sede de recurso.
De efeito, assentes os factos e apreciando-os juridicamente, a sentença recorrida percorreu os vários requisitos da invocada impugnação pauliana, oposta à hipoteca, e foi concluindo um após outro pela sua verificação; e, chegada ao último requisito – isto é, à má-fé do art. 612.º do C. civil – considerou não ser o mesmo exigível em virtude de:
“Em 1.º lugar e desde logo por não estarmos perante uma hipoteca prestada por terceiro; mas antes perante uma hipoteca prestada pelo próprio devedor garantido.
E, em face de tudo o que se expôs, quando a garantia real é prestada pelo próprio devedor, podemos dizer que duas hipóteses se podem colocar: ou a garantia for prestada simultaneamente com o acto constitutivo do crédito e, então, ela será onerosa se se verificar a existência de uma relação de causalidade entre a concessão do crédito e a hipoteca.
Ou a constituição da garantia ocorre em data posterior à data da constituição do crédito e, então, esse acto – hipoteca – terá natureza onerosa ou gratuita conforme existam ou não contrapartidas específicas – v. g. perdão de juros, moratória ou desistência de arresto de bens – para o benefício adicionalmente concedido.
Ora, constando da escritura pública em causa que o empréstimo foi anterior à hipoteca e que o empréstimo foi concedido sem juros e pelo prazo de 10 anos, impõe-se concluir que estamos perante a 2ª hipótese colocada – ter ocorrido a constituição da garantia em data posterior à data da constituição do crédito – e, dentro desta, em face dos termos em que o empréstimo havia sido concedido, perante uma hipoteca prestada sem qualquer contrapartida ou correspectivo.
Por conseguinte, temos de considerar o negócio jurídico da hipoteca como gratuito e, por via disso, ao dispensar, para efeitos de impugnação pauliana, a verificação do requisito da má-fé (cf. 612.º do CC).
Sobre este passo da sentença não encontramos qualquer censura recursiva do apelante.
Limita-se a afirmar que que se trata de um acto oneroso sem explicar este seu entendimento.
Mas sem qualquer razão nesta afirmação.
Exigindo-se apenas a prova da má fé na impugnação dos actos onerosos Tratando-se de um acto gratuito, a letra do artº. 612º, nº. 1, 2ª parte do Código Civil é clara no sentido de que, neste caso, é indiferente que os intervenientes no acto tenham agido de boa ou má-fé. A impugnação será sempre procedente. E da norma não resulta que esta situação só se aplica a créditos anteriores. Só os actos gratuitos têm esta consequência, porque não há contrapartidas ou qualquer contraprestação. Daí que se compreenda que este normativo legal não abranja apenas as situações de créditos anteriores, como defende a maioria da doutrina e jurisprudência, pois um acto gratuito acarreta, em geral, diminuição do património, e, consequentemente, prejuízo para os credores, em geral (cf. Almeida Costa, ob. cit., pág. 863 e 864, acórdão da RG de 9/04/2015, relator Desemb. Espinheira Baltar, proc. nº. 397/10.4TBCMN, e acórdão da R.G de 09(02/2017 proferido no processo 162/10.9TBAVV: acessível em www.dgsi.pt) assume especial importância a qualificação dos actos jurídicos como gratuitos – o contrato gratuito cria para um só dos contraentes uma vantagem patrimonial, ou onerosos- este contrato implica ara cada um dos contraentes a obtenção de uma vantagem patrimonial à custa dum sacrifício correspondente.
A apreciação jurídica que a sentença recorrida deu à questão merece – quer no seu desfecho quer na parte essencial do seu percurso – a nossa concordância decisão que de forma bastante desenvolvida explica a razão da gratuitidade da hipoteca em causa, recorrendo à sua conexão com o crédito garantido, seguindo a orientação do acórdão da Relação de Coimbra proferido no processo nº 983/07.0TBGRD-A .C1 datado de 02.11.2010.
Corresponde a orientação seguida ao entendimento que há anos é divulgado na doutrina acerca da distinção entre negócios onerosos e gratuitos.
Veja-se neste sentido o Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Número Especial intitulado “Estudos em Homenagem ao prof. Doutor J.J. Teixeira Ribeiro “consultado em 28.03.2017 no site https://www.uc.pt/fduc/corpo_docente/galeria.../homenagem_teixeira_ribeiro.pd..
No mesmo sentido João Cura Mariano na obra Impugnação Pauliana 3ª edição, Almedina pp 218 e sgs.
No nosso caso, interessa a qualificação como onerosos ou gratuitos dos actos em que o devedor diminui o seu património, importando, pois, verificar se o terceiro beneficiado por essa diminuição prestou ou não alguma contrapartida.
“Quando uma garantia real é prestada pelo próprio devedor simultaneamente com o acto constitutivo de um débito, ela assume a natureza deste, sendo onerosa ou gratuita conforme o acto se enquadre naquelas categorias. É a interdependência existente entre os dois negócios que provoca a comunicabilidade da sua natureza. Se a constituição dessa garantia real ocorre em data posterior à da constituição do crédito, esse acto terá natureza onerosa ou gratuita conforme existam ou não contrapartidas específicas para o benéfico adicionalmente concedido. É a aplicação da regra geral de distinção dos actos gratuitos ou onerosos”.
Já nas relações garante-devedor garantido, em qualquer das situações ela pode ser onerosa ou gratuita conforme este ultimo compensou ou não aquele pela prestação da garantia”. Cura Mariano na obra citada pp 224 e pp 226.
Aplicando estes ensinamentos ao caso em apreço, concluímos que é através da relação creditícia subjacente que podem ser encontrados os elementos que determinam se o negócio de hipoteca é gratuito ou oneroso.
Sendo que, se a hipoteca tiver sido constituída em data posterior à constituição do crédito/empréstimo, será gratuita se existirem contrapartidas específicas, ou onerosa se as mesmas não existirem.
Ora, decorre da escritura pública em causa que a hipoteca foi prestada pelos réus A e mulher ao recorrente, em data posterior ao empréstimo de € 150 000,00, que lhes foi concedido por este (entre 2003 e 2010), com expressa exclusão de quaisquer juros.
Os dois negócios (mútuo e hipoteca) não são por isso simultâneos, não estão numa relação de interdependência, já que a hipoteca não foi um meio para os réus obterem do recorrente o empréstimo do montante de € 150 000,00.
Deste modo, o recorrente / mutuante teve apenas um sacrifício patrimonial, o de emprestar dinheiro, sem receber então, em contraprestação, qualquer compensação para além do que emprestou.
Portanto resulta evidente que o negócio de hipoteca é gratuito.
Para que fosse oneroso necessário seria que a atribuição patrimonial efectuada pelo recorrente tivesse uma correspectiva compensação acrescida para além da restituição da coisa, de género e qualidade igual, em igual quantidade.
O que caracteriza a onerosidade é, pois, o pagamento de juros como retribuição por parte do mutuário.
O que não sucede no caso dos autos.
Ou seja, e em síntese, a constituição da garantia de hipoteca é posterior à data da constituição do crédito do recorrente e o empréstimo foi concedido sem qualquer contrapartida ou correspetivo, razão pela qual bem andou a sentença recorrida ao considerar o negócio jurídico da hipoteca como gratuito e, por via disso, dispensar, para efeitos de impugnação pauliana, a verificação do requisito da má-fé.
Assim, encontram-se preenchidos todos os requisitos de que depende a impugnação pauliana invocada pela recorrida, sendo a “confissão de dívida e hipoteca” de 22.12.2011 ineficaz relativamente à autora, podendo esta executar o prédio hipotecado para obter o pagamento do seu crédito sobre os primeiros réus.
Em conclusão, improcede “in totum” o que o apelante invocou e concluiu nas suas alegações recursiva, o que determina a improcedência da apelação e a confirmação do sentenciado na 1ª instância, que não merece os reparos que se lhe apontam, nem viola qualquer uma das disposições indicadas.
Custas a pagar pelo recorrente que ficou vencido na sua pretensão- artº 527º nº 1 e 2 do CPC.


*
Concluindo:
●. O objecto da ação de verificação e graduação de créditos não é propriamente o reconhecimento do direito de crédito, mas o reconhecimento do direito real que o garante. Aqui, o reconhecimento do crédito funciona apenas como um pressuposto da decisão, como tal não abrangido pelo caso julgado, de sorte que o caso julgado se forma (e isto desde que se verifique o pressuposto da intervenção efectiva do executado nessa ação) quanto à graduação, mas não quanto à verificação dos créditos.
●. Portanto, a consideração do crédito em sede da acção de verificação e graduação de créditos não respeita ao crédito em termos absolutos, como acontece na acção declarativa, mas só ao crédito enquanto concretizado no direito a participar na distribuição do produto da venda, de modo que a admissão à distribuição do produto dos bens do devedor tem o seu valor limitado à distribuição, dela não nascendo nenhum caso julgado a fazer valer em acções futuras

III. DECISÃO
Nos termos expostos, decide-se julgar totalmente improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Notifique
Guimarães, 27 de Abril de 2017
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)

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(Maria Purificação Carvalho)

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(Maria dos Anjos Melo Nogueira)


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(José Cravo)

1 – Relator: Maria Purificação Carvalho
Adjuntos: Desembargadora Maria dos Anjos Melo Nogueira
Desembargador José Cravo
2 – A reclamação de créditos apresentada pelo réu Delfim Duarte Fernandes no processo nº 152/13.0OTBVCT-A apenas foi notificada aos ali exequente Banco Comercial Português SA e executados Abel Festa e mulher Maria Fagundes. A aqui apelada nem sequer teve oportunidade de deduzir impugnação à reclamação apresentada pela aqui apelante. Só veio deduzir a respectiva reclamação mais tarde e ao abrigo do disposto no artº 794 nº2 do NCPC.