Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1163/13.OTABRG.G1
Relator: TOMÉ BRANCO
Descritores: COACÇÃO
FORMA TENTADA
CONSUMAÇÃO EM ESTABELECIMENTO ESCOLAR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/07/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I) Para a verificação do crime de coacção é necessário que alguém, através de ameaças ou violências injustas, force, obrigue, constranja outrem a praticar actos ou a incorrer em omissões ou situações que não é obrigado a suportar e que não quer, diminuindo-o na sua liberdade de acção,
II) Na caso dos autos a arguida cometeu o referido ilícito, na forma tentada, na medida em que dirigiu palavras de teor insultuoso e ofensivo à ofendida, que exercia funções de professora, para além de expressões intimidatórias, criando e fazendo sentir à vítima um risco iminente de agressão física, tudo num quadro de grande de grande exaltação, postura que manteve, quer dentro das instalações da escola, quer no exterior, ali permanecendo, à espera que a ofendida saísse, apenas abandonando o local à chegada da entidade policial, só não conseguindo o resultado pretendido (entrega do telemóvel), por razões independentes da sua vontade.
Decisão Texto Integral: TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES


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Acordam, em conferência, na Secção Criminal do tribunal da Relação de Guimarães
I)
Relatório

No processo comum Singular supra referenciado da Secção Criminal da Comarca de Braga, por sentença de 10.02.2015, foi para além do mais, decidido:
Condenar a arguida Liliana A. , pela prática, em autoria material e concurso real, de:
- Um crime de coacção agravada, na forma tentada, p. e p.p. artº 154º, nº 1 e 155º, nº 1, al. c) e 22º e 23º do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão substituída por 210 (duzentas e dez) horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.
- Um crime de injúria agravada, p. e p.p. artº 181º, n° 1 e 184º do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo a multa de € 420,00 (quatrocentos e vinte euros).
- Julgar provado e procedente o pedido de indemnização civil, condenando a arguida a pagar à demandante a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais.

A arguida interpôs recurso da sentença, extraindo da correspondente motivação as seguintes conclusões: (transcrição)
«1 - Prima facie, entende a recorrente que as diversas condutas por si empreendidas, objecto destes autos, não constituem o preenchimento da resolução criminosa, pois que a actuação da arguida, embora lamentável, e da qual se mostra arrependida, não se tra­duziu no emprego de meios de violência ou cariz extremos, como armas, etc...
2 - Tem sido dado como não provado que sequer dirigisse os punhos, as mãos, ao corpo da ofendida.
3 - Que apenas barafustou de uma forma tipicamente minhota, uns palavrões, tendentes a conseguir que a ofendida concordasse em entregar o telemóvel da filha da arguida a esta.
4 - Pelo que, da factualidade dada como provada na douta sentença não consta o empre­go dos tais meios de violência extrema. Mas, sim de um certo rubor emotivo, tão celta, tão típico das pessoas do norte, que tantas vezes berram e berram, mas nenhum mal querem fazer.
5 - O que na verdade se veio a verificar: muito berreiro de parte a parte, sendo que a arguida nem sequer dirigiu as mãos ou gestos que tentassem ferir a ofendida, conforme resulta dos factos não provados, ver douta sentença. alinea B.
6 - Pelo que, injúrias – único crime pelo qual a arguida apenas deveria ser condenada, realmente houve, porém coação ou sua tentativa, e uso de meios terríficos, super violen­tos, não se vislumbra, quando muito terá havido injurias e ameaças, coação não.
7 - Por outro lado, ainda que não se entendesse a pena imputada – 7 meses de prisão, e o pagamento da quantia de 1.500 euros a título de indemnização por danos não patrimo­niais, para quem no fundo só dispõe de 300 euros mensais direcionados às despesas rela­tivas à sua pessoa e para a filha a seu cargo, manifestam-se exagerados. No fundo, a arguida e a filha vão comer o quê durante meses? Atentas a indemnização e as penas, estamos perante uma tripla penalização. Na verdade, trabalha num …, o que cer­tamente vai por em causa o seu posto de trabalho.
8 - O Tribunal não interpretou, nem aplicou, correctamente as normas ínsitas nos arts 22º, 23º, 154º e 155º do Código Penal e 562º do C. Civil, as quais se mostram violadas.
9- Pelo que, como se referiu, a pena deverá ser outra.
10-Já que a arguida é primária».

O Ministério Público quer junto do Tribunal recorrido, quer neste Tribunal da Relação pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
***

O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade:
1. No dia 23 de Maio de 2013, cerca das 18H40h, a arguida deslocou-se à Escola …., sita na Rua …, freguesia de …, em … a fim de tirar satisfações com Maria F., professora de sua filha menor, de nome Mariana B., nascida em ../../1998, aluna daquele estabelecimento de ensino, porquanto a ofendida, retirou o telemóvel à referida aluna, porque esta levou o telemóvel para a sala de aula sem o ter desligado, tendo o mesmo tocado enquanto se encontrava a decorrer a aula, tendo sido já advertida pela professora.
2. Ali chegada, a arguida, deslocou-se junto da sala de professores e quando avistou a professora Maria F. a sair da mesma, em voz alta e exaltada, batendo com as mãos uma na outra, fazendo gestos, disse-lhe: "aqui o telemóvel já!", "aqui o telemóvel já caralho ou vai ver já o que lhe acontece e não sabes o que sou capaz! "quero o telemóvel da minha filha senão parto esta merda toda".
3. Perante isto, Maria F. disse à arguida que o telemóvel estava na posse do Conselho Executivo da Escola, tendo a arguida sido convidada a sair do estabelecimento de ensino por outros professores que, perante o alarido, saíram da sala de professores e vieram ver o que estava a acontecer.
4. Não obstante, a arguida manteve a mesma postura dizendo "malcriada, filha da puta, não teve hoje o que queria por isso veio assim"; "não saio daqui sem levar o telemóvel"; "ela vai ver o que lhe acontece, nem que tenha que partir esta merda toda"; "os professores estão todos feitos uns com os outros"; "a filha da puta não sabe do que sou capaz; ela vai-se arrepender de se ter metido comigo".
5. Perante esta atitude, a professora Maria F. refugiou-se na sala de professores.
6. A arguida, acompanhada de uma funcionária da escola, deslocou-se para a entrada do estabelecimento de ensino e ali permaneceu à espera que a professora Maria F.a saísse, tendo apenas abandonado o local quando ali chegou uma patrulha da Polícia de Segurança Pública.
7. A arguida, ao agir como se descreveu, fê-lo com o propósito de compelir Maria F., professora, a entregar-lhe o telemóvel que esta havia retirado à sua filha, limitando a sua liberdade de actuação, ameaçando a integridade física da ofendida, mais sabendo que aquela era professora na Escola … e que estava no seu exercício de funções, o que representou.
8. Resultado que não aconteceu por motivos absolutamente alheios à vontade da arguida.
9. Mais agiu a arguida com o intuito concretizado de atingir a honra, dignidade e a idoneidade profissional de Maria F.a, quando esta se encontrava no exercício das suas funções e por causa delas, o que logrou conseguir.
10. A arguida sabia que as suas condutas eram criminalmente proibidas e punidas, tinha capacidade de se determinar de acordo esse conhecimento, o que não a demoveu de actuar como actuou.
11. A ofendida apenas abandonou as instalações da escola, depois da chegada da PSP, sendo acompanhada a casa, por dois funcionários da escola.
12. Os factos foram presenciados por funcionários, professores, alunos, designadamente pela filha da arguida e demais comunidade escolar, o que causou à ofendida forte vexame e humilhação.
13. Em consequência da conduta da arguida, a ofendida ficou afectada na sua dignidade e honra, enquanto cidadã e professora, sentindo-se denegrida e posto em causa o seu elevado profissionalismo.
14. A ofendida sentiu insegurança e medo, temendo, nomeadamente, pela sua integridade física.
15. Na sequência dos factos descritos no ponto 1 supra, a aluna Mariana B. foi alvo da aplicação da medida sancionatória de 3 dias de suspensão da escola, a cumprir nos dias 12, 13 e 14 de Junho de …, com base no incumprimento do arte 10º, al.s c), d), f) i) e r) da Lei nº 51/2012, de 05/09.
16. A arguida é funcionária administrativa no …., auferindo € 600,00 mensais.
17. Vive com sua filha, pagando € 279,00 de renda de casa.
18. Como habilitações possui o .. ano de escolaridade.
19. A arguida é bem considerada no seu meio social, sendo considerada pessoa habitualmente calma e educada.
20. A arguida não possui antecedentes criminais.
Factos não provados:
- Enquanto proferia a apurada expressão "aqui o telemóvel já...", a arguida fazia gestos como se fosse desferir um murro na professora ofendida.
Motivação da decisão de facto
O Tribunal baseou a sua convicção no conjunto da prova produzida em audiência, designadamente:
- Auto de notícia de fls 3, elaborado na sequência da deslocação da entidade policial à escola;
- Auto de denúncia de fls 8;
- Documentos de fls 32 a 40;
- Certificado de registo criminal de fls 156.
- Declarações da arguida quanto à sua situação socio-económica.
- No mais, a arguida prestou declarações, negando, no essencial todos os factos imputados, numa postura vitimizante e sem revelar qualquer autocensura dos factos. Admite que de facto se exaltou, mas não foi agressiva; que falou alto, mas de forma educada, deixando porém patente toda a sua exaltação com que se dirigiu à escola, depois da notícia de que o telemóvel tinha sido retirado à filha e com o evidente intuito de o reaver a todo o custo, naquele momento e não, esclarecer, de forma responsável e séria, os incidentes que estiveram subjacentes à actuação da professora, que justificaram mesmo a aplicação de sanção à aluna. Tudo isto é nítido, nomeadamente na atitude da arguida em mandar um terceiro (namorado da filha) dizer à professora que ela queria falar com a mesma, através de chamada em linha e achar estranho que a professora não acedesse a esse pedido, respondendo naturalmente que não falava dessa forma com a encarregada de educação e que a mesma se deslocasse à escola. Onde está a inconveniência/arrogância da professora, perguntamos nós? Não o vislumbramos, apenas temos a lamentar que sejam atitudes destas que contribuem para a crise de autoridade em contexto escolar que grassa nos nossos estabelecimentos de ensino, impedindo a boa formação escolar e cívica dos educandos.
- A assistente Maria F., prestou declarações sérias e sentidas, descrevendo com isenção os factos de que foi vítima, de que, em bom rigor, ninguém duvida – quer os que foram praticados na sua presença (verbalização fortemente insultuosa e forte gesticulação, que, pelo contexto de proximidade física, não poderia deixar de causar intimidação e receio de ofensa física iminente, caso não fosse satisfeita a pretensão – entrega imediata do telemóvel), quer os que foram praticados depois de naturalmente se resguardar no interior da sala de professores, quer ainda depois de a arguida ser conduzida ao exterior, insistindo por aguardar a saída da professora do recinto escolar, factos estes que lhe foram sendo reportados, durante o período de tempo que a mesma, cautelarmente, se manteve no interior do recinto escolar.
- A testemunha Maria M. (professora), referiu que apercebendo-se do alarido provocado pela arguida, que disse à ofendida para se afastar, ficando a declarante a tentar acalmar a arguida, explicando-lhe nomeadamente que o telefone não poderia ser entregue imediatamente, por ter sido entregue e guardado pela pessoa responsável pela Coordenação, razões que, porém, não demoveram a arguida de prosseguir com a sua postura agressiva e ofensiva, indiferente ao vexame e ao triste espectáculo que causava, na forma relatada pela declarante, de forma isenta e credível.
- A testemunha Maria E. (funcionária) confirmou que, ao chegar ao local, se deparou já com a arguida muito exaltada e aos gritos, não sabendo precisar as palavras concretamente utilizadas, tudo a respeito de um telemóvel que teria sido retirado à aluna e acabando por depois, perante a notícia que a arguida não abandonava o exterior da escolar, ali permanecendo, por chamar a Escola Segura. Explica ter considerado este um incidente grave, dados os seus contornos.
- A testemunha Teresa M. (professora), explicou também todo o contexto de exaltação e a forma agressiva e ofensiva com que a arguida exigia o telemóvel, optando por retirar a colega para o interior da sala, resguardando-a, quer dos insultos, quer de eventual agressão, risco que considerou existir, dado estado de exaltação da arguida, a proximidade física, o grau de gesticulação imprimido e a própria verbalização intimidatória.
- A testemunha Maria M. (funcionária), explica que, quando chegou já a arguida estava apenas com a Profª Manuela M. (a ofendida já tinha entrado na sala dos professores), numa postura ofensiva e agressiva, conduzindo a arguida até ao exterior, tentando que esta acalmasse (utilizando certamente alguma diplomacia), mas recusando-se a mesma a abandonar o exterior até á chegada da polícia, declarações estas conjugadas ainda com a leitura das declarações pela mesma prestadas nos autos (fls 43).
- A testemunha Eugénia F. (professora), alude a todo o quadro de exaltação da arguida, ficando com registo na memória de insultos, que não soube precisar ou assegurar ter ouvido (pelas razões que, de forma racional reconheceu e explicou em audiência) e uma atitude intimidatória, do que não tem dúvida, apercebendo-se ainda dos momentos em que a arguida permaneceu no exterior, junto ao portão e dentro do veículo. Depoimento este conjugado com as declarações prestadas pela declarante a fls 53, lidas em audiência.
- Destes depoimentos, com especial destaque para os depoimentos das senhoras professoras Maria M., Teresa M. e Eugénia P., resultou cabalmente demostrado o forte impacto dos factos no estado emocional da ofendida, justificado por todo o contexto relatado, a que todas aludiram de forma séria e genuína, o que ficou também evidenciado pelas declarações prestadas pela própria ofendida em audiência.
- A testemunha Sandra P., prima e amiga da arguida, não presenciou os factos, referiu que a arguida lhe telefonou e pediu conselhos, estando alegadamente à porta da escola, dizendo-lhe "que ninguém queria falar com ela" (facto este inverídico, face ao relato dos testemunhos supra, mormente da professora Manuela M., explicando o longo tempo que ainda permaneceu com a arguida, no corredor, procurando chamá-la à razão e naturalmente explicando-lhe que o telemóvel não poderia ser entregue porque a pessoa que o tinha guardado devidamente não estava no recinto escolar), tendo conhecimento dos factos apenas através do relato de que a arguida lhe deu conta, na forma apontada. Mais referiu que não considera a arguida capaz de praticar os factos de que vem acusada, no contexto de convívio e de cordialidade do relacionamento que mantém com a mesma.
- A testemunha I. Braga, namorado da filha da arguida, presente no local dos factos, pois que a maioria das testemunhas aludem à sua presença, prestou um depoimento, no mínimo inconsequente e parcial, que não mereceu a credibilidade do tribunal e por isso não foi considerado, apenas afirmando repetidamente que a arguida apenas pretendia "esclarecer as coisas", num contexto que, nem sequer a arguida foi capaz de sustentar em audiência.
- A testemunha Marta L., colega de trabalho da arguida, abonou a personalidade da arguida, referindo que a mesma não utiliza por norma linguagem insultuosa, mormente no seu local de trabalho, o que de resto é normal (como normal seria que esta linguagem não fosse utilizada no apurado contexto, que todavia, nada tem de normal), nem acredita que a arguida tivesse praticado os factos, no contexto relatado.
- A testemunha Daniel F., abonou também a personalidade da arguida, aludindo ao profissionalismo com que a mesma desempenha as suas funções no hospital, sendo frequentes vezes confrontadas com situações delicadas com utentes, conseguindo sempre "sanar as situações", nunca tendo porém presenciado qualquer situação em que a arguida se tivesse alterado ou não tivesse conseguido sanar as situações, vendo-a no mais como uma mãe preocupada com a filha.
- Ponderando o conjunto dos supra referidos elementos probatórios, não ficou o tribunal com dúvidas sobre a realidade dos factos na forma acima dada como provada, tal como resulta dos relatos conjugados da ofendida/assistente Maria F., quer das testemunhas, nomeadamente de Maria M., Teresa M., Eugénia F. e Maria E. e Maria M., bem assim das declarações prestadas no âmbito do inquérito de tis 43 e 53. De resto, os factos relatados pelas testemunhas e conjugados entre si são também compatíveis com o clima de exaltação que a arguida admite, embora não confessando os factos, antes os negando, numa versão que resultou infirmada pelos referidos meios de prova e da forma apontada. Aliás, nem resulta qualquer outra explicação para o facto de a professora, que manifestamente se preparava para abandonar o seu local de trabalho, findo o dia de trabalho, não o tenha feito, regressando, depois do confronto com a arguida, à sala dos professores e ali permanecendo até à chegada da PSP, bem como resulta inconsistente a versão da arguida, na parte em que sustenta que apenas permaneceu no exterior da escola, distraída no telefonema à prima, mesmo que se admita que este telefonema tenha existido.
O facto que se deu como não provado, resulta da isenção dos depoimentos em que se firmou a convicção, conforme acima explicitado, todos os testemunhos sendo precisos quanto à descrição do gesto em causa (bater com as mãos uma na outra), diferente do gesto de desferir um murro, o que não retira, nem afasta todo o poder intimidatório dos factos apurados.
***
O âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas da respectiva motivação (artº 403º e 412º, nº 1 do C.P.P.). Tudo, sem prejuízo do conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades.
Assim da análise das conclusões apresentadas pela recorrente Liliana S., verifica-se que a divergência relativamente à sentença recorrida, traduz-se em saber se se mostra verificado o crime de coacção agravada na forma tentada por que foi condenada a recorrente.
A recorrente considera ainda que a pena que lhe foi fixada é excessiva e bem assim o montante arbitrado a título de indemnização.

Apreciemos então as questões suscitadas:
(a) Da verificação dos elementos constitutivos do citado ilícito dos artºs 154º, nº 1 e 155º, na forma tentada.
Analisando atentamente a sentença recorrida, constata-se, desde logo, que a mesma não padece de qualquer dos vícios (nem o recorrente os invoca) ou nulidade de conhecimento oficioso a que se refere o artº 410º,nºs 2 e 3 do C.P.P., por si só ou conjugada com as regras da experiência comum e, como tal considera-se definitivamente fixada a matéria de facto descrita na sentença recorrida.
A recorrente considera que não praticou o referido crime de coacção agravada, pelo qual foi também condenada, pois que, na sua perspectiva, do quadro factual apurado, não consta “o emprego de meios violência ou cariz extremos, como armas, etc”, sendo que “Que apenas barafustou de uma forma tipicamente minhota, uns palavrões, tendentes a conseguir que a ofendida concordasse em entregar o telemóvel da filha da arguida a esta”.
E o que desde já se dirá é que, salvo o devido respeito, não assiste razão à recorrente, nesta sua pretensão, como, aliás, bem se demonstra na decisão impugnada.
De todo o modo em reforço do que se observa na fundamentação da sentença a este propósito dir-se-á o seguinte:
Quanto ao crime de coacção escreveu-se no acórdão de 21 de Janeiro de 1997 do Tribunal da Relação de Évora, proc. 112/96:
"Com o crime de coacção o bem jurídico que se visa proteger é o da liberdade de determinação da vontade e de livre expressão da mesma por parte do ofendido, podendo a violência em que se consubstancia a coacção tanto ser física como moral (ou intimação).
Pressuposto da tipologia legal em apreço é, como se afirma no Acórdão do S.T.J. de 17 de Abril de 1990, "a perda da liberdade da determinação, o constrangimento, de alguém que é levado a praticar um acto que não deseja, a um non facere contra a sua vontade de agir ou, finalmente, a ter de suportar, contra a sua própria vontade, uma actividade alheia, e isto em consequência de violências (físicas ou morais) ilegítimas que lhe são feitas e que se enunciam no citado art. 156º. Citando ainda o mesmo douto aresto, "a punição da coacção retira o seu fundamento do propósito legal de defesa dos indivíduos contra qualquer força ou ameaça à sua personalidade física ou moral, que contenda com a liberdade de determinação e que não sejam obrigados legalmente a suportar", propósito que se radica, em última análise, na própria Constituição da República Portuguesa que, no seu art. 25º, n° 1, declara que a integridade moral e física das pessoas é inviolável - cfr. BMJ, 396, pág. 228".
Para a verificação do crime de coacção é necessário que alguém, através de ameaças ou violências injustas, force, obrigue, constranja outrem a praticar actos ou a incorrer em omissões ou situações que não é obrigado a suportar e que não quer, diminuindo-o na sua liberdade de acção, bastando que "o mal ameaçado (coacção) influencie a vontade da pessoa a quem se dirige, sendo também suficiente que pareça injusto relativamente ao fim a que se destina (não é preciso que seja)"– vd. Leal Henriques e Simas Santos in Código Penal, anotação ao art. 156º, pág. 165 (sublinhado nosso)

O nº 1 do artigo 155º do CPenal, com o proémio "agravação", possui a seguinte redacção:
"1. Quando os factos previstos nos artigos 153º e 154º forem realizados:
a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos; ou
b) Contra pessoa particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença ou gravidez;
c) Contra uma das pessoas referidas na alínea 1) do n.° 2 do artigo 132°, no exercício das suas funções ou por causa delas;
d) Por funcionário com grave abuso de autoridade;
o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, no caso do artigo 153º, e com pena de prisão de um a cinco anos, no caso do nº 1 do artigo 154º".

Tendo em conta este elenco normativo convocável para a apreciação da crítica lançada e a doutrina e a jurisprudência citadas, deve notar-se que se deu como provado que a arguida nas circunstâncias dadas como apuradas, através de uma postura hostil e agressiva, verbalizando expressões de teor intimidatório e até insultuosoaqui o telemóvel já”, “aqui o telemóvel já caralho ou vai ver o que lhe acontece e não sabes do que sou capaz!”, “quero o telemóvel da minha filha senão parto esta merda toda”, “vais te arrepender de te ter metido comigo”, “não saio daqui enquanto não tiver o telemóvel”., pretendendo que lhe fosse entregue de imediato, o telemóvel da sua filha, dirigiu à ofendida, professora naquela escola as apuradas expressões, com o propósito, não conseguido de obter o referido telemóvel
E, como se observa na decisão impugnada “para além de palavras insultuosas e ofensivas, dirigiu a arguida expressões intimidatórias, criando e fazendo sentir à vítima um risco iminente de agressão física, tudo num quadro de grande exaltação, postura que manteve, quer dentro das instalações da escola, quer no exterior, ali permanecendo, à espera que a ofendida saísse, apenas abandonando o local à chegada da entidade policial.
Neste contexto, dada a actuação da arguida e as funções profissionais exercidas pela ofendida, entendemos que os factos apurados são integradores da prática pela arguida do crime de coacção grave, na forma tentada que lhe vem imputado, pois que, apesar da prática pela arguida dos actos de execução do referido ilícito, o resultado pretendido (acto lícito – a entrega do telemóvel), não veio a consumar-se”.
Ou seja, face à apurada conduta delituosa da arguida dúvidas não subsistem quanto ao correcto enquadramento jurídico efectuado na decisão impugnada, uma vez que o crime de coação viu preenchidos os seus elementos típicos.
Daí que o recurso não pode deixar de improceder nesta matéria.

(b) Da medida da pena:
Analisemos então a questão da excessividade da pena aplicada à arguida /recorrente.
Sustenta a recorrente Liliana que a pena aplicada é excessiva tendo em conta as circunstâncias apuradas quanto à sua situação familiar social e profissional.
Pois bem:
A determinação da medida concreta da pena faz-se com recurso ao crité­rio geral estabelecido no artigo 71.° do Código Penal, tendo em vista as finalidades das res­postas punitivas em sede de Direito Criminal, quais sejam, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade — artigo 40.°, n.° 1 do Código Penal — sem esquecer que a culpa constitui um limite inultrapassável da medida da pena — n.° 2 deste artigo.
A partir da revisão operada em 1995 ao Código Penal, a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena no sentido de que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de sociali­zação, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
É este o critério da lei fundamental – artigo 18.°, n.° 2 – e foi assumido pelo legislador penal de 1995.
No mesmo sentido se orienta o Supremo Tribunal de Justiça ao referir que «se, por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que - dentro, claro está, da moldura legal -, a moldura da pena aplicável ao caso concreto ("moldura de prevenção") há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectati­vas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente: entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social»
Dito de outro modo, face ao disposto nos artigos 71.°, n.° 1 e 40.°, n°s 1 e 2 do Código Penal, «logo se vê que o modelo de determinação da medida a pena é aquele que comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de estabelecer o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma "moldura de prevenção", cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida "moldura de prevenção", que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente.
Por conseguinte, constituem a culpa e a prevenção os dois termos do binómio com que importa contar para delineamento da medida da pena» .Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa, elegendo em cada caso aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das penas com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto, tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; neste sentido sendo uma razoável forma de expressão afirmar-se como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção geral de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena que o artigo 18.°, n.° 2 da Constituição da República consagra .
Revertendo ao caso dos autos, diga-se que não merece reservas a elenca­gem de factores de medida da pena a que procedeu a decisão recorrida relativamente aos crimes cometidos pela arguida.
O tribunal recorrido teve em atenção todos os elementos disponíveis no processo que interessavam em sede de graduação da pena, sendo avaliada a conduta da arguida em função dos parâmetros legais, que foram respeitados, nada havendo a acrescen­tar relativamente aos argumentos já aduzidos na fundamentação utilizada para a determina­ção da medida da pena para o ilícito em causa (e bem assim relativamente ao crime de injúrias), que justifique a respectiva alteração, pois que a mesma se mostra criteriosa e equilibrada, adequada e proporcional.
Na verdade, em favor da arguida militam a sua inserção familiar e social, as suas condições pessoais e económicas bem como a ausência de antecedentes criminais, não deixando, con­tudo, de se ponderar que a ausência de antecedentes criminais não é sinónimo de anterior bom comportamento.
E neste particular deve dizer-se que percorrida a matéria de facto dada como assente nela não se vislumbra que a arguida haja assumido a sua apurada conduta e que haja revelado arrependimento em termos de censurar a reprovabilidade do seu comportamento.
Por outro lado, em desfavor da arguida, avultam o elevado grau de ilici­tude emergente dos factos, atento o modo de execução destes, a gravidade das suas conse­quências, os fins ou motivos que determinaram o cometimento do crime, as fortes neces­sidades de prevenção geral positiva ou de integração relacionadas com os crimes desta natureza e a elevada intensidade do dolo na forma de dolo directo presente na condutas da arguida.
Por isso que se concorda com as concretas penas aplicadas à arguida Liliana S..

Do recurso versando a vertente cível da decisão impugnada.
Nos termos do artº 400º, nº 2 do C.P.P. "O recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do Tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada".
O valor do pedido era de 1.500 Euros (cfr. fls. 88-91)
A recorrente foi condenada a pagar a título de indemnização a quantia de 1500 Euros.
Consequentemente não pode esta Relação conhecer do recurso no que concerne à vertente cível da sentença, por não se mostrarem verificados os dois requisitos (cumulativos) a que alude o citado artº 400º, nº 2 do C.P.P.
Daí que o recurso, neste particular, tenha de improceder.
Não foram, pois, violadas quaisquer normas legais, maxime, as apontadas pelo recorrente.
Em conclusão, a decisão recorrida não merece qualquer censura.
Resta decidir:
III)
DECISÃO
Pelo exposto, os Juízes desta Relação acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando-se inteiramente a douta decisão recorrida.
Fixa-se a taxa de justiça devida pelo recorrente em três Ucs
Notifique.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º, nº 2 do C.P.P.)